REVISÃO INTEGRATIVA POTENCIAL TERAPÊUTICO DOS FITOCANABINOIDES NO TRATAMENTO DA EPILEPSIA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7348976


Fernanda Penha Barbosa Pinto 1
Prof Dra. Ione Cristina de Paiva Pereira 2


RESUMO

INTRODUÇÃO: A utilização da planta Cannabis sativa para fins medicinais é milenar. Atualmente a planta vem sendo estudada para o tratamento de diversas doenças como o glaucoma, alívio de dores, espasmos musculares, convulsões epilépticas, artrite reumatóide, Parkinson e Alzheimer. A epilepsia é uma doença que atinge 70 milhões de pessoas no mundo, e as mais afetadas se encontram em países subdesenvolvidos. O seu tratamento é feito através de medicamentos antiepilépticos, porém em alguns casos, fármacos convencionais não têm apresentado o efeito desejado, levando o paciente a procurar o tratamento alternativo.

OBJETIVOS: Avaliar o potencial terapêutico dos fitocanabinoides em pacientes com epilepsia. Revisando a compreensão atual do sistema endocanabinoide e caracterizando os efeitos anticonvulsivantes dos fitocanabinoides (delta-9-tetrahidrocanabinol e canabidiol), assim como destacando as evidências científicas de ensaios pré-clínicos e clínicos do uso de fitocanabinoides na epilepsia, destacando o uso do CBD.

MÉTODOS: Trata-se de uma revisão integrativa que buscou em bancos de dados como Public Medlines (PubMed) e Google Acadêmico. O foco da pesquisa são artigos que abordam o potencial terapêutico da Cannabis sativa no tratamento da epilepsia, em especial das epilepsias refratárias e no potencial terapêutico do canabidiol no tratamento da epilepsia. Os descritores utilizados para a pesquisa foram: “Fitoterapia, anticonvulsivantes, e Potencial terapêutico”, que foram utilizados em combinação, com auxílio de operadores Booleanos (and/or), em português e inglês. 

RESULTADOS: Foram pré-selecionados 30 artigos sobre a cannabis e seu poder terapêutico em bancos de dados como Scielo, Public Medlines (PubMed) e Google Acadêmico. E por meio do sistema de exclusão e inclusão conforme pré-estabelecido pelo estudo, os mesmos foram submetidos a uma leitura na íntegra, sendo selecionados 10 por estarem totalmente coerentes com o escopo do trabalho.

CONCLUSÃO: A epilepsia em suas manifestações, tem crises de consequências neurobiológicas, cognitivas, psicológicas e sociais, alterando incisivamente a vida do paciente, fazendo com que muitas alternativas sejam buscadas para melhorar  sua  qualidade de vida. Os efeitos anticonvulsivantes dos fitocanabinoides (delta-9-tetrahidrocanabinol e canabidiol) já são comprovados cientificamente, além de ter a vantagem do CDB não causar dependência e nem sedação, sendo um aspecto de unanimidade entre os pesquisadores aqui estudados. 

Palavras-chave: Fitoterapia. Anticonvulsivantes. Potencial terapêutico.

ABSTRACT

INTRODUCTION: The use of the plant Cannabis sativa for medicinal purposes is millenary. Currently the plant is being studied for the treatment of several diseases such as glaucoma, pain relief, muscle spasms, epileptic convulsions, rheumatoid arthritis, Parkinson’s disease, and Alzheimer’s disease. Epilepsy is a disease that affects 65 million people worldwide, and the most affected are in underdeveloped countries. Its treatment is done through antiepileptic drugs, but in some cases, conventional drugs have not had the desired effect, leading the patient to seek alternative treatment.

OBJECTIVES: To conduct a literature review evaluating the therapeutic potential of phytocannabinoids in patients with epilepsy. To review the current understanding of the endocannabinoid system. To characterize the anticonvulsant effects of phytocannabinoids (delta-9-tetrahydrocannabinol and cannabidiol). To highlight the scientific evidence from preclinical and clinical trials of phytocannabinoid use in epilepsy, highlighting the use of CBD.

METHODS: This literature review was based on databases such as Public Medlines (PubMed) and Google Scholar. The focus of the search are articles that address the therapeutic potential of Cannabis sativa in the treatment of epilepsy, especially refractory epilepsies and the therapeutic potential of cannabidiol in the treatment of epilepsy. The descriptors used for the research were: “Cannabis sativa”, “phytocannabinoids”, “cannabidiol” and “epilepsy”, which were used in combination, with the help of Boolean operators (and/or), in Portuguese and English. Data collection was carried out in October 2022. Articles in English and Portuguese were used.

RESULTS: Thirty articles on cannabis and its therapeutic power were found in databases such as Scielo, Public Medlines (PubMed), and Google Scholar. And through the exclusion and inclusion system as pre-established by the study, they were submitted to a full reading, and only 10 were included because they were totally consistent with the purpose of the investigation.

CONCLUSION: Epilepsy by its manifestations has crises of neurobiological, cognitive, psychological and social consequences that incisively changes the person’s life, causing many alternatives to be offered to improve the patient’s quality of life. And the anticonvulsant effects of phytocannabinoids (delta-9-tetrahydrocannabinol and cannabidiol) are already scientifically proven, besides having the advantage of CBD not causing addiction or sedation, being an aspect of unanimity among the researchers studied here. 

Keywords: Phytotherapy. Anticonvulsants. Therapeutic potential.

1 INTRODUÇÃO

Atualmente, o emprego de plantas medicinais e fitoterápicos é difundido mundialmente, e até a própria Organização Mundial de Saúde (OMS) apoia, sobretudo em países em desenvolvimento. No Brasil, em 2006, o Ministério da Saúde (MS) criou a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC), concedendo aos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), a fitoterapia na esfera da Atenção Primária à Saúde (APS). (MATOS et al., 2016).

Nesse sentido, a planta Cannabis sativa, que nacionalmente é conhecida como maconha, há milhares de anos já vem sendo aproveitada para fins medicinais. As Indicações do uso da planta na China apresentam registros que datam de 2.700 a. C. para terapêutica de diversas alterações e patologias tais como para a constipação intestinal, dores, malária, expectoração, epilepsia, tuberculose, entre outras. (MATOS et al., 2017).

A classificação das substâncias canabinoides se dá pelos canabinoides endógenos sintetizados naturalmente pelo organismo humano, os fitocanabinoides originados da planta Cannabis e terceiro, os sintéticos, ou seja, produzidos em laboratório e processados a partir da estrutura de uma substância primária. Como a planta já é usada há séculos para fins recreacionais, ultimamente vem acontecendo o aumento no interesse pelo uso terapêutico da mesma porque os sistemas de receptores de canabinoides no corpo humano já asseguram o potencial terapêutico da Cannabis. O primeiro receptor a ser estudado foi o CB1 que fica no sistema nervoso central, em regiões como córtex, hipocampo e cerebelo. Depois, foi identificado o CB2 em regiões do sistema nervoso periférico. (AMARAL et al.,2020).

Por meio da autorização da Agência Nacional de Vigilância de Saúde (ANVISA) é possível a importação de extratos padronizados lançados por indústrias farmacêuticas internacionais. Além de ser usado no tratamento da epilepsia, o Canabidiol (CBD) se mostra promissor também no tratamento de outras doenças como ansiedade, doenças neurodegenerativas, esclerose múltipla e dor neuropática. (CONTIJO et al., 2016).

O uso do canabidiol foi autorizado para prescrição aos médicos do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP) em todo o estado, em 09 de outubro de 2014. Anteriormente, a ANVISA já havia permitido o seu uso medicinal por importação para múltiplos tratamentos e a exigência é a prescrição, laudo médicos e o termo de responsabilidade. O uso terapêutico da cannabis está em pauta de discussão, e a Academia Brasileira de Neurologia pelos seus Departamentos Científicos já se posicionou diante das evidências científicas sobre o uso dos canabinoides em doenças neurológicas. (BRUCKI et al., (2016). 

O CBD é a molécula mais pesquisada para a terapêutica da epilepsia pelos seus efeitos neuroprotetores e anti-inflamatórios, apresentando consideravelmente, mais características antiepilépticas. O sistema endocanabinoide possui dois receptores primários da família de receptores acoplados à proteína G: receptores canabinoides 1 e 2 (CB1 e CB2) e dois neurotransmissores canabinoides endógenos primários (endocanabinoides): N-araquidonoil etanolamina (também chamada de anandamida) e 2-araquidonoil glicerol (2-AG). Os receptores CB1 estão especialmente no cérebro e nos tecidos periféricos. Os receptores CB2 são encontrados, sobretudo em células do sistema imune e células hematopoiéticas. O CBD é avaliado como uma droga de diversos alvos, pois interatua com vários outros sistemas de sinalização não endocanabinoides (COORAY R, et al. 2020).

Aproximadamente um terço dos pacientes com epilepsia manifestam convulsões resistentes às medicações antiepilépticas. Igualmente, muitos efeitos colaterais estão relacionados a elas, como osteomalácia e anemia. Uma pessoa epiléptica é resistente a medicamentos, caso suas convulsões não sejam controladas mesmo depois de receber a dose apropriada de pelo menos dois medicamentos antiepilépticos (EVAN C, et al. 2015).

A liberação da C.sativa se apresenta muito relevante para as finalidades medicinais e de pesquisas, já que foi confirmado o potencial farmacológico de determinados princípios ativos da planta. E estudos sobre tais substâncias perceberam vantagens estratégicas no uso, tanto em relação à dose quanto à frequência, assim como os cuidados sobre efeitos colaterais. (CONTIJO et al., 2016).

         O Projeto de Lei 399/15 foi aprovado em 2021 em comissão especial na Câmara dos Deputados, sendo fruto de longa discussão desde 2014, e que se intensificou devido ao aumento de pedidos na justiça para o uso do canabidiol, bem como da autorização da ANVISA sobre o uso medicinal e tratamento individual mediante prescrição médica. Tudo isso aliado ao alto valor da importação do fármaco levou o legislativo a aprovar o cultivo não individual no Brasil, exclusivamente para fins medicinais, veterinários, industriais e científicos. O plantio poderá ser feito apenas por pessoas jurídicas (empresas, associações de pacientes ou organizações não governamentais).

Esta investigação científica teve como objetivo fazer uma revisão integrativa avaliando o potencial terapêutico dos fitocanabinoides em pacientes com epilepsia.

2 MÉTODOS

Esta investigação foi desenvolvida por meio de uma pesquisa de revisão integrativa, que segundo Souza et al (2010) “é um método que proporciona a síntese de conhecimento e a incorporação da aplicabilidade de resultados de estudos significativos na prática.”. Sendo assim, como instrumento válido de pesquisa colabora com o progresso científico, uma vez que permite mais aprofundamento das temáticas na prática incluindo sistemática e rigorosamente principalmente a análise dos dados de outros estudos, como é o caso do uso da cannabis na epilepsia.

.A pesquisa aconteceu entre os meses de Julho a Novembro de 2022 utilizando as bases de dados eletrônicas: Scientific Eletronic Library Online (SCIELO); National Library of Medicine (PUBMED), e o buscador Google Acadêmico (Jama Network Open, Austrália), com um recorte temporal de 2012 a 2022 em artigos publicados nos idiomas de Língua Portuguesa e Inglesa. 

Posteriormente, houve a leitura crítica do material levantado relacionando as suas contribuições para uma nova reflexão sobre o potencial terapêutico da Cannabis sativa no tratamento da epilepsia, em especial das epilepsias refratárias e no potencial terapêutico do canabidiol no tratamento da epilepsia. 

Foram convencionados os termos e os operadores booleanos (delimitadores) “OR” e “AND”, quando o primeiro foi usado para combinação dos descritores e palavras-chave comum a cada componente. Com essa seleção minuciosa dos 30 artigos encontrados foram selecionados 11 artigos, combinando os seguintes descritores: Fitoterapia. Anticonvulsivantes. Potencial terapêutico. Em seguida foi feita uma segunda triagem, combinando faixa temporal, tema e objetivos sendo selecionados 11 artigos. (QUADRO 1).

A análise de dados ocorreu pela leitura minuciosa dos estudos permitindo a remoção das principais opiniões de cada autor, levando em conta os resultados evidenciados e as conclusões de cada publicação. O processo de estudo utilizou o método da análise do conteúdo, que segundo Lukosevicius (2016) inicia com a pré-análise, que é a organização de todo o material a ser analisado, a seguir a análise propriamente dita, e consequentemente vem logo após a busca das explicações para os fenômenos pesquisados. 

Os 10 trabalhos selecionados foram analisados integralmente por meio de leitura meticulosa, verificando-se os elementos para construção das novas reflexões acerca do uso da cannabis nos pacientes epiléticos.

3 RESULTADOS

Após pesquisas nas bases de dados foram pré-selecionados 30 artigos sobre a cannabis e seu poder terapêutico, sendo que nem todos davam ênfase exclusiva à temática. E por meio do sistema de exclusão e inclusão conforme pré-estabelecido pelo estudo, os mesmos foram submetidos a uma leitura na íntegra, ficando inseridos somente 10 por estarem totalmente coerentes com a finalidade da investigação. 

Quadro 01 – Caracterização dos principais estudos pesquisados por ano, título, autores e objetivos voltados para o uso terapêutico da cannabis  no combate à epilepsia.

ORIGEM/PERIÓDICOTÍTULO/ANOAUTORESOBJETIVOS
 PubMed 2022Uso medicinal da cannabis no tratamento da epilepsia Silva et alInvestigar o uso medicinal da cannabis, assim como analisar sua segurança e eficácia no tratamento da epilepsia.
Jama Network Open2022Canabidiol transdérmico adjuvante para adultos com epilepsia focal: Um ensaio clínico randomizado
O’Brien et al 
Investigar a eficácia, segurança e tolerabilidade do canabidiol administrado por via transdérmica em adultos com epilepsia focal resistente a medicamentos. 
 PubMedBrazilian Journal of Development2021Canabidiol e epilepsia – o uso do canabidiol para tratamento de crises epiléticas  Belgo et alAnalisar o uso do canabidiol (CBD) no tratamento das epilepsias refratárias comparado aos tratamentos com drogas antiepilépticas, e a eficácia dos tratamentos e possíveis efeitos colaterais 
Jama Network Open2021Segurança e tolerabilidade do gel de canabidiol transdérmico em crianças com encefalopatias epilépticas e de desenvolvimento: Um ensaio controlado não randomizadoScheffer et al., 2021Avaliar a segurança e tolerabilidade do gel transdérmico de canabidiol (CBD) em crianças com DEEs e avaliar a frequência de convulsões, sono e qualidade de vida. 
ScieloQuímica2020Quantificação de canabinoides em extratos medicinais de cannabis por cromatografia líquida de alta eficiência Carvalho et al.Analisar extratos medicinais de cannabis por cromatografia líquida de alta eficiência.
 Acta Farmacêutica Portuguesa2020Potenciais terapêuticos dos canabinoides Amaral et al Referenciar os potenciais usos terapêuticos dos canabinoides e relacionar a situação regulatória de seu uso no Brasil.
PubMedDrogas2019Propriedades farmacológicas e terapêuticas do canabidiol para epilepsia Franco et al.Analisar as propriedades farmacológicas e terapêuticas do canabidiol para epilepsia
PubMedDrogas2018Potenciais terapêuticos dos canabinoides na epilepsia Lattanzi et alEstimar a eficácia e segurança do CBD como tratamento adjuvante em pacientes com epilepsia usando técnicas meta-analíticas.
 PubMedVitalle  2017Canabinoides e Epilepsia: potencial terapêutico do canabidiol  Carvalho et alFazer um apanhado geral sobre a farmacologia do sistema endocanabinoide disponíveis para uso clínico, e o uso do canabidiol nas epilepsias em humanos.
 ScieloAcademia Bras de Neurologia2015Canabinoides e seu uso em neurologia Brucki et al Evidenciar os Canabinoides e seu uso em neurologia
Fonte: Dados levantados pela pesquisa (2022).

4 DISCUSSÃO

O potencial terapêutico do uso dos fitocanabinoides em pacientes com epilepsia tem sido confirmado em diversos estudos da farmacologia ao longo do tempo. De acordo com Contijo et al (2016) e conforme citado por Malcher-Lopes (2014) que refere o primeiro caso do uso terapêutico de Cannabis na convulsão de uma menina epiléptica indiana com quarenta dias de vida que sofria crises severas de convulsões sem sucesso com tratamento aplicado na época. Com a ingestão de 2 gotas de tintura de cannabis o efeito foi rápido, a menina adormeceu profundamente por 15h consecutivas, ficando sem convulsões por 4 dias seguidos. Após ajuste de dose para 30 gotas houve interrupção das crises por 13 dias. 

O uso da cannabis e seu potencial terapêutico ganhou força, pois a farmacoterapia tradicional não tem sido suficiente para conter, em muitos casos as crises convulsivas na epilepsia. Lattanzi et al (2018) afirmam que cerca de um terço dos pacientes com epilepsia têm convulsões mesmo com o tratamento adequado, o que abre precedente para novas alternativas terapêuticas. E segundo Franco et al (2019) explicam que o canabidiol (CBD) é o principal elemento ativo da planta Cannabis,  não tendo propriedades indutoras de euforia diferentemente do tetrahidrocanabinol (THC). 

Os canabinoides mais expressivos são o Δ9-tetrahidrocanabinol (THC) por suas propriedades psicoativas e o canabidiol (CBD) sem propriedades psicoativas, segundo Brucki et al. (2016) que explicam ainda, que no sistema nervoso central, os endocanabinoides em resposta à atividade sináptica excitatória são expelidos (sintetizados no corpo e dendritos dos neurônios pelo aumento da concentração de cálcio intracelular), dificultando a liberação de neurotransmissores pela via final em terminais gabaérgicos e em menor expansão, glutamatérgicos, agindo em vários mecanismos de plasticidade de curto e longo prazo de sinapses inibitórias e excitatórias. Assim, muitas áreas cerebrais são ricas em receptores CB1, como o córtex frontal, os núcleos da base, cerebelo e na região límbica cerebral, os quais podem agir nas diversas doenças neurológicas. 

A ação potencial da cannabis em tratamentos neurológicos, de acordo com Carvalho et al (2020) levou o Brasil a importar extratos medicinais de Cannabis pela RDC Nº 17/2015 da ANVISA, depois do Conselho Federal de Medicina (CFM) na Resolução RE Nº 2.113/2014, liberar a prescrição compassiva de canabidiol em tratamento de epilepsias refratárias associada aos tratamentos tradicionais, incluindo na licença de importação para uso médico pessoal, pela RDC 66/2016. Em 2017 foi patenteado o medicamento Mevatyl para controle da espasticidade na esclerose múltipla, composto obtido a partir do extrato hidroalcoólico de Cannabis sativa L. Como o teor desse composto de THC é mais alto em relação ao CBD, este é contraindicado para controle de convulsões e para pacientes menores de 18 anos.  

Segundo Rosenberg et al (2015), o uso dos fitocanabinoides trazem discussões no que diz respeito ao controle das convulsões, porque muitos pacientes resistentes à múltiplas drogas antiepilépticas têm um risco aumentado de morte súbita na epilepsia, bem como outras formas de mortalidade e deficiência nas funções psicossociais, comportamentais e cognitivas e em muitos pacientes, a epilepsia é um distúrbio contínuo com interação da perda de tecido e função cerebral. Por isso, segundo eles, as combinações de múltiplas drogas e altas dosagens trazem efeitos colaterais mais graves, particularmente em pacientes com epilepsias resistentes ao tratamento. Desse modo, afirmam que as drogas disponíveis, não suprem as necessidades clínicas de eficácia e segurança, sugerindo uma carência de novos tratamentos voltados exclusivamente para a epilepsia de acordo com a faixa etária.

De acordo com Silva et al (2022) as crises convulsivas resultam dos estímulos neurológicos causados por neurotransmissores. Nesse sentido, os canabinoides podem interagir com os receptores de forma direta e indireta, pois em sendo o CBD agonista de receptores CB1, este inibe a recaptação e degradação da anandamida, levando à inibição da liberação de neurotransmissores como glutamato e entrada de cálcio nos neurônios, resultando na inativação dos circuitos neuronais que fazem parte da propagação de crises convulsivas, resultado este constatado em aproximadamente 70 milhões de pessoas no mundo que são acometidas por essa patologia e fazem uso terapêutico da cannabis no tratamento da epilepsia, revelando melhoras em comparação ao uso de antieplépticos convencionais, tendo trazido muitas esperanças pela potente ação terapêutica da cannabis. Portanto, segundo Amaral et al (2020) e Silva et al (2022) o mecanismo do CBD que age como anticonvulsivante é pelo seu efeito neuroprotetor, e equilíbrio excitação/inibição neural .  

Enquanto Carvalho e Matos et al (2017) afirmam que mesmo que o uso de canabidiol na terapêutica de epilepsias refratárias pela farmacoterapia tradicional já seja conhecida, deve ser dada atenção para o fato dos estudos ainda serem escassos, pois não determinam as doses ideais, as interações medicamentosas e ainda os alvos responsáveis pelos efeitos anticonvulsivantes do CBD.

Diante da investigação sobre os fitocanabinoides e sua eficácia na epilepsia, Carvalho et al (2020) chamam atenção que mesmo que os extratos medicinais de espécies de cannabis sejam usados em muitas terapêuticas, os resultados clínicos no caso da epilepsia refratária são os mais relevantes, na regulamentação sanitária nacional e ainda que a Cannabis sativa L. seja a espécie principal do gênero cannabis,  existem outras subespécies e inúmeras variedades, indicando a necessidade de mais estudos. 

5 REVISÃO INTEGRATIVA

 Silva et al (2022) constatou que os sintomas mais recorrentes da epilepsia acontecem no primeiro ano de vida e que a cannabis avança com credibilidade devido às várias funções terapêuticas que possui, como a redução da constância das convulsões representando uma grande vantagem aos pacientes.

Amaral et al (2020) estudaram os potenciais terapêuticos dos canabinoides,  abordando o efeito da cannabis em várias patologias e sobre o efeito dos medicamentos convencionais em epilepsia usados no tratamento da doença. Dentre os efeitos inesperados significativos encontrados, estão a sonolência, tontura, vômito, aumento de peso, crescimento de pelos, alergias e aumento das gengivas, sendo aconselhável o uso da cannabis como alternativa ao uso dos medicamentos tradicionais. 

Franco et al (2019) ao analisarem as propriedades farmacológicas e terapêuticas do canabidiol para epilepsia utilizaram quatro ensaios clínicos randomizados, duplo-cegos, de grupos paralelos e de terapias adjuvantes. O CBD administrado em doses de 10 e 20 mg/kg/dia em duas administrações divididas foi superior ao placebo na redução da frequência de crises em pacientes com Lennox-Gastaut  (SLG) e crises convulsivas em pacientes com Síndrome de Dravet (SD). Segundo eles, os primeiros resultados de um estudo controlado recém concluído mostraram que o efeito também incide no  tratamento de convulsões associadas ao complexo da esclerose tuberosa. Os eventos adversos mais frequentes que diferenciaram o CBD do placebo em estudos controlados abrangeram sonolência/sedação, diminuição do apetite, aumento das transaminases, diarreia, alterações comportamentais, erupções cutâneas, fadiga e distúrbios do sono. 

Lattanzi et al (2018) realizaram um estudo para estimar a eficácia e segurança do CBD na terapêutica adjuvante em pacientes com epilepsia. Foram incluídos 550 pacientes com síndrome de Lennox-Gastaut (SLG) e síndrome de Dravet (SD). Nessa investigação foram detectados ensaios clínicos randomizados, monitorados por placebo, simples ou duplo-cegos de CBD oral em pacientes com epilepsia não controlada. Os principais resultados compreenderam a alteração percentual e a proporção de pacientes com redução ≥ 50% na frequência mensal de convulsões no período de tratamento e a incidência de supressão do tratamento convencional e dos eventos adversos (EAs). O resultado do estudo demonstrou, que o CBD adjuvante em pacientes com SLG ou SD com convulsões não controladas em tratamento antiepiléptico simultâneos está relacionado a uma maior redução na frequência de convulsões do que o placebo.

 Belgo et al (2021) procurou entender as prováveis decorrências do uso do Canabidiol (CBD) no tratamento de crises epiléticas, identificando os documentos exigidos por lei para garantir o direito do uso do princípio ativo, assim como analisar os resultados desse uso. Concluíram também que o efeito anticonvulsivo do canabidiol mostra-se fortemente capaz de diminuir as crises convulsivas de pacientes epiléticos farmacorresistentes, e ainda impedir os irreversíveis danos cerebrais e efeitos retrógrados no desenvolvimento de crianças e adolescentes.

E Brucki et al (2016) trouxeram ao conhecimento da base de pesquisas científicas, Scielo, dentro da sua revisão o estudo do Dr. Devinsky, da New York University School of Medicine, o qual foi autorizado pelo Federal Drug Administration (FDA) a realizar um estudo aberto com um produto 98% à base de CBD conhecido como Epidiolex e fabricado pela GW Pharmaceuticals. A dose diária foi gradativamente aumentada até o máximo de 25 mg/kg/dia junto aos medicamentos que o paciente já usava. Os resultados dos primeiros 23 pacientes, cuja média de idade foi de 10 anos, evidenciaram que 39% deles tiveram diminuição de 50% de suas crises, e, apenas 3 dos 9 pacientes com síndrome de Dravet conseguiram controle total das crises. Os efeitos colaterais mais frequentes encontrados foram sonolência, fadiga, perda ou ganho de peso, diarreia e aumento ou redução do apetite, sendo que mais de um fármaco antiepiléptico era administrado. Os resultados preliminares indicaram redução de 50% de crises em cerca de 40% dos pacientes, superior a mais de 20 fármacos antiepilépticos disponíveis no mercado.

Rosenberg et al (2015) numa abordagem da neuroterapia estudaram no Reino Unido o uso de canabinóides na epilepsia para compreender o sistema endocanabinóide. Avaliaram a situação em 123 centros principalmente com pacientes pediátricos, e discutiram os resultados de um novo estudo multicêntrico, de rótulo aberto, utilizando o CDB numa população com epilepsia resistente ao tratamento. Eles concluíram que o CDB reduziu a frequência de ataques em múltiplas síndromes de epilepsia refratária e outros tipos de ataques que em geral foram bem toleradas no estudo do rótulo aberto. 

Carvalho et al (2020) em uma pesquisa por meio de um método aplicado a 101 extratos de Cannabis consumidos por pacientes atendidos em um programa de avaliação de risco, linearidade, seletividade e precisão, atenderam aos critérios de validação dos órgãos sanitários nacionais e internacionais. Eles concluíram que haviam misturas de óleos nessas amostras, e na comparação, os extratos oleosos importados de cannabis apresentaram altos níveis de CBD (72,53±60,63 mg mL-1) e baixos níveis de THC (1,21±1,32 mg mL-1), ao passo que os extratos nacionais de cannabis tinham  dois perfis, um com traços negativos  de canabinóides e o segundo com extratos ricos em THC (9,81±13,49 mg mL-1), o que compromete a evidência de sua eficácia, fator que se soma a não indicação do uso do produto nacional levando à importação do mesmo.

Este aspecto denota a importância do farmacêutico, já que é o profissional qualificado para orientar o uso e a dispensação da cannabis, estando resguardado pela Resolução do CFF de n 680 de 26/02/2020. A sua atuação envolve ainda, o manejo de possíveis reações adversas, assim como a prevenção de erros no uso desses medicamentos e seus componentes pela RDC n 327/2019. O farmacêutico é o profissional que compreende a legislação, busca conhecimentos adequados sobre o fármaco para o tratamento da epilepsia, bem como a duração do tratamento, efeitos adversos e dosagem adequada, a fim de que a utilização seja segura e eficaz. Diante da necessidade de mais estudos, a pesquisa feita pelo farmacêutico é de suma importância para o direcionamento correto do tratamento.

6 CONCLUSÃO

A epilepsia em suas manifestações, tem crises de consequências neurobiológicas, cognitivas, psicológicas e sociais, alterando incisivamente a vida do paciente, fazendo com que muitas alternativas sejam buscadas com o intuito de melhorar sua qualidade de vida. Nesse sentido, é que a farmacologia se torna relevante com seus estudos sobre a cannabis, já que a mesma tem como comprovar o seu potencial terapêutico.

Os estudos evidenciam que o uso da cannabis no tratamento da epilepsia tem um grande potencial terapêutico, mas que ainda é preciso muita investigação sobre reações adversas e dosagem, uma vez que os efeitos anticonvulsivantes dos fitocanabinoides (delta-9-tetrahidrocanabinol e canabidiol) já são comprovados cientificamente, tendo a vantagem do CDB não causar dependência e nem sedação, sendo um aspecto de unanimidade entre os pesquisadores aqui estudados. 

Nesse sentido, é que a atuação do farmacêutico na terapia da Cannabis contempla ações que vão desde a pesquisa por produtos terapêuticos derivados dela até o campo da educação em saúde, desmistificando o seu uso junto à população e com finalidade de melhorar a qualidade de vida do paciente com epilepsia.

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1 Acadêmica do Curso de Farmácia, Universidade CEUMA.
2 Docente do Curso de Farmácia da Universidade CEUMA.