O PRÓDIGO COMO RELATIVAMENTE INCAPAZ

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7344225


Lucas Matheus do Carmo Duran¹
Delner do Carmo Azevedo²


RESUMO

A presente pesquisa busca discorrer sobre o pródigo enquanto um sujeito relativamente incapaz, nesse sentido, a pesquisa se pautou na revisão de literatura, realizada por meio de doutrinas, artigos científicos e dentre outras fontes de informação essenciais para traçar todas as considerações aqui levantadas, para um melhor ensinamento e didática do que foi abordado, distribuiu-se o trabalho em três capítulos, no primeiro o objetivo foi traçar as primeiras considerações sobre a capacidade da pessoa natural no Direito Civil, posteriormente, no segundo capítulo foi possível se debruçar sobre a incapacidade, tanto relativa quanto absoluta, por fim, no último capítulo discorreu-se sobre o pródigo enquanto sujeito relativamente incapaz e como a jurisprudência lida com o assunto. Ao final, pode-se perceber que qualquer atitude realizada sem assistência, será nula.

Palavras-chave: Pródigo; Relativamente incapaz; jurisprudência.

ABSTRACT

The research discusses the review of the prodigal, a relatively capable subject, in this sense, to seek other sources of essential information for the research, carried out through doctrines, scientific articles and among all the considerations raised here, for foundation. a better teaching and didactics than it was started, at first, the first objective was the first chapter as considerations on the capacity of the second person in Civil Law, later, in the first, to focus on the ability to start possible. , both relative and absolute, finally, in the last chapter, the prodigal was discussed as a relatively unacceptable subject and how the jurisprudence deals with the subject. In the end, it can be seen that any attitude performed without assistance will be null.

Keywords: Prodigal; Relatively incapable; jurisprudence.

1 INTRODUÇÃO

O agente considerado relativamente incapaz pode celebrar negócio jurídico, contudo, deverá estar devidamente assistido por seu representante legal, apoiador ou curador, com isso, a manifestação se torna suprida pela assistência, e assim, os atos praticados sem a devida assistência e existindo sujeito relativamente incapaz, haverá anulabilidade do ato.

Neste sentido, se torna relevante traçar considerações que foram sendo realizadas com o tempo no ordenamento jurídico, principalmente quando se fala dos absolutamente incapazes, que na atualidade são somente aqueles sujeitos que possuem idade inferior a dezesseis anos.

Com isso, a presente pesquisa busca destrinchar a questão dos relativamente incapazes, mas com o foco em um sujeito especifico, qual seja: os pródigos, partindo da seguinte problemática: como os pródigos são vistos no ordenamento jurídico e na jurisprudência.

O objetivo geral aqui traçado foi discorrer a respeito dos pródigos como sujeitos relativamente incapazes, ao passo que foram objetivos específicos, trazer conceitos sobre a capacidade do sujeito natural, delimitar o que vem a ser o instituto da incapacidade, e analisar a jurisprudência sobre os pródigos.

A metodologia empregada foi qualitativa, tendo como método a revisão de literatura, realizada por meio de artigos científicos, doutrinas, jurisprudências, teses e dissertações.

2.  CONCEITOS INICIAIS: A CAPACIDADE E CONCEITOS CORRELATOS

O Código Civil de 2002, a exemplo de seu antecessor, cuida primeiro da pessoa natural enquanto sujeito de direito, entre os seus artigos primeiro à trinta e nove, cumpre disciplinar que a atual codificação não reproduziu o preceito geral de seu conteúdo.

Neste viés, como dispositivo inaugural da norma privada, o artigo 1º do Código Civil disciplina que: “Art. 1 o Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”[1].

Se torna necessário nesse sentido, trazer algumas constatações pontuais, a primeira é que o artigo não faz mais menção a homem, como era antigamente, no outro Código Civil, e com isso, adaptou-se à Constituição Federal, que consagra a dignidade da pessoa humana, isso foi fruto de uma conquista do movimento feminista, inaugurando a pós-modernidade jurídica[2].

A segunda constatação diz respeito à menção a deveres e não obrigações, como do mesmo modo, constava do artigo 2º do C.C/16, vez que existem deveres que não são obrigacionais, em um sentido de patrimonializado, por fim, a terceira, ao mencionar a pessoa na ordem civil, existe um sentido de socialidade.

Nesse sentido, entende-se que a norma em questão:

(…) trata da capacidade de direito ou de gozo, que é aquela para ser sujeito de direitos e deveres na ordem privada, e que todas as pessoas têm sem distinção. Em suma, em havendo pessoa, está presente tal capacidade, não importando questões formais como ausência de certidão de nascimento ou de documentos[5].

Cumpre dimensionar que todas as pessoas possuem a primeira capacidade, o que pressupõe a segunda, em regra, vez que a incapacidade se torna uma exceção.

A capacidade da pessoa natural foi delimitada no quadro a seguir de forma mais clara e objetiva:

Quadro 01

Capacidade da pessoa naturalSignificado
LegitimaçãoCapacidade especial para determinado ato ou negócio jurídico.
LegitimidadeÉ a capacidade processual, uma das condições da ação.
PersonalidadeÉ a soma de caracteres da pessoa, ou seja, aquilo que ela é para si e para a sociedade.

Capacidade da pessoa natural

Fonte[6]

2.1 O INÍCIO DA PERSONALIDADE CIVIL

Nos fundamentos do artigo 2º do Código Civil, tem-se o seguinte: “Art. 2 o A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”[7].

Como é notório, o nascituro é aquele que foi concebido, mas ainda não nasceu, parece ser mais correta à tese, que foi encabeçada por Juny Chinellato, de que a proteção ao nascituro abrange o próprio embrião, que foi pré-impantatório in vitro ou crioconservado, ou seja, aquele que não foi introduzido no ventre materno[8].

Contudo, a questão não é pacífica, vez que, há corrente liderada por Maria Helena Diniz, que deduz que o embrião não se encontra abrangido pelo artigo 2º do CC/2002, vez que se diferencia do nascituro por ter vida extrauterina[9].

Porém, a maior controvérsia existente, é quanto à personalidade civil do nascituro, vez que o artigo 2º do CC/02 continua colocando em colisão a teoria natalista e a concepcionista[10].

Desta forma, a polêmica não foi encerrada vez que a norma permanece utilizando os termos nascimento e concepção com isso é relevante apresentar algumas considerações a respeito das teorias existentes.

2.1.1 Teoria natalista

A teoria natalista prevalecia entre os autores modernos ou clássicos do Direito Civil, para quem o nascituro não pode ser considerado pessoa, vez que o Código Civil exigia e ainda exige, para a personalidade civil, o nascimento como vida, nesse sentido, o nascituro não possuiria direito, mas sim, mera expectativa de direitos[11].

O grande problema da teoria natalista, é que ela não consegue responder a uma pergunta relevante, o nascituro seria uma coisa? Vez que não tem personalidade e também não é pessoa[12].

Do ponto de vista prático, a teoria natalista, nega ao nascituro até mesmo os seus direitos fundamentais, relacionados com a sua personalidade, caso do direito à vida, à investigação de paternidade, aos alimentos e o nome, nesse sentido, a teoria natalista esbarra no dispositivo do Código Civil que consagra direitos àquele que foi concebido e não nasceu.

2.1.2 Teoria da personalidade condicional

A teoria da personalidade condicional é aquela pela qual a personalidade inicia com o nascimento com vida, contudo, os direitos do nascituro estão sujeitos a uma condição suspensiva, ou seja, são direitos eventuais, há de mencionar que a condição suspensiva é o elemento acidental do negócio ou ato jurídico, que subordina a sua eficácia a evento futuro e incerto.

Um grande problema a ser mencionado é que essa corrente apega-se as questões patrimoniais, não respondendo aos apelos de direitos pessoais ou da própria personalidade a favor do nascituro, cumpre disciplinar que os direitos da personalidade não podem estarem sujeitos a condição, termo ou encargo como propunha a corrente.

2.1.3 Teoria concepcionista

A teoria concepcionista é aquela que sustenta que o nascituro é pessoa humana, tendo direitos resguardados pela lei, constata-se que a adoção de tal teoria encontra-se fundamentada no Enunciado número 1 do Conselho da Justiça Federal, e também do Superior Tribunal de Justiça, que foi aprovado na 1 Jornada de Direito Civil.

Diante disso, pode-se dizer de fato que a teoria concepcionista é aquela que prevalece entre os doutrinadores contemporâneos de Direito Civil brasileiro, além disso, tal entendimento também tem sido da jurisprudência, veja-se:

Direito civil. Danos morais. Morte. Atropelamento. Composição férrea. Ação ajuizada 23 anos após o evento. Prescrição inexistente. Influência na quantificação do quantum. Precedentes da turma. Nascituro. Direito aos danos morais. Doutrina. Atenuação. Fixação nesta instância. Possibilidade. Recurso parcialmente provido.
I – Nos termos da orientação da Turma, o direito à indenização por dano moral não desaparece com o decurso de tempo (desde que não transcorrido o lapso prescricional), mas é fato a ser considerado na fixação do quantum.
II – O nascituro também tem direito aos danos morais pela morte do pai, mas a circunstância de não tê-lo conhecido em vida tem influência na fixação do quantum.
III – Recomenda-se que o valor do dano moral seja fixado desde logo, inclusive nesta instância, buscando dar solução definitiva ao caso e evitando inconvenientes e retardamento da solução jurisdicional[13].

Cumpre disciplinar, que tal entendimento também é adotado em decisões mais recentes dos tribunais de justiça do país:

Recurso Especial. Direito securitário. Seguro DPVAT. Atropelamento de mulher grávida. Morte do feto. Direito à indenização. Interpretação da Lei n. 6194/74. 1 – Atropelamento de mulher grávida, quando trafegava de bicicleta por via pública, acarretando a morte do feto quatro dias depois com trinta e cinco semanas de gestação. 2 – Reconhecimento do direito dos pais de receberem a indenização por danos pessoais, prevista na legislação regulamentadora do seguro DPVAT, em face da morte do feto. 3 – Proteção conferida pelo sistema jurídico à vida intrauterina, desde a concepção, com fundamento no princípio da dignidade da pessoa humana. 4 – Interpretação sistemático-teleológica do conceito de danos pessoais previsto na Lei n. 6.194/74 (arts. 3.º e 4.º). 5 – Recurso especial provido, vencido o relator, julgando-se procedente o pedido[11].

Por este motivo, pode-se entender então que há uma filiação majoritária da doutrina por esta corrente, além disso, a jurisprudência também tem seguido tais preceitos.

3.  OS INCAPAZES NO CÓDIGO CIVIL DE 2002

A capacidade pode sofrer restrições legais quanto ao seu exercício pela intercorrência de um fator genérico como tempo (maioridade ou menoridade) de uma insuficiência somática (pela deficiência mental), aos que assim são tratados pela legislação, o direito denomina de incapazes, logo, a capacidade de fato ou de exercício é a aptidão de exercer por si, os atos da vida civil, e depende do discernimento que é critério, juízo, inteligência e prudência, sob o prisma jurídico, a aptidão que tem o sujeito de distinguir o lícito e o ilícito, veja-se:

Imagem 1

A capacidade

Fonte[15].

Assim sendo, a capacidade jurídica da pessoa natural é limitada, vez que uma pessoa pode ter o gozo de um direito, sem ter o seu exercício por ser incapaz, logo, seu representante legal é que o exerce em seu nome, há de mencionar que a capacidade de exercício pressupõe o gozo, mas esta pode subsistir sem a de fato ou de exercício.

3.1 INCAPACIDADE

A incapacidade se trata da restrição legal do exercício dos atos da vida civil, devendo ser sempre encarada estritamente, considerando-se o princípio de que a capacidade é a regra e a incapacidade se trata de uma exceção.

Como toda incapacidade advém de lei, consequentemente não constituem incapacidade quaisquer limitações ao exercício dos direitos provenientes de ato jurídico inter vivos ou causa mortis. Exemplificativamente: se o doador grava o bem doado de inalienabilidade, o donatário não poderá dele dispor; se o testador institui uma substituição fideicomissária, o fiduciário não terá a disponibilidade da coisa recebida[16].

Cumpre dimensionar ainda, que não se confunde com a incapacidade a proibição legal de efetivar determinados negócios jurídicos com certas pessoas ou em atenção a bens a elas pertencentes.

Eis por isso, a distinção da capacidade de gozo da legitimação, pois, mesmo que o individuo tenha capacidade de gozo, pode estar impedido de praticar certo ato jurídico, devido a sua posição especial em face de certos bens, pessoas e interesses, por isso, a legitimação consiste em saber se uma pessoa tem ou não competência para estabelecer uma determinada relação jurídica[17].

Dessarte, o instituto da incapacidade tem por objetivo:

(…) a proteger os que são portadores de uma deficiência jurídica apreciável, graduando a forma de proteção que para os absolutamente incapazes (CC, art. 3°) assume a feição de representação, uma vez que estão completamente privados de agir juridicamente, e para os relativamente incapazes (CC, art. 4a) o aspecto de assistência, já que têm o poder de atuar na vida civil, desde que autorizados. Por meio da representação e da assistência, supre-se a incapacidade, e os negócios jurídicos realizam-se regularmente[18].

Para compreender de forma mais claro o que até o momento foi passado, apresenta-se um gráfico que demonstra a incapacidade e ainda, delimita quando haverá a necessidade de representação e quando o que ocorre a assistência, com o fundamento jurídico:

Imagem 2

A capacidade

Fonte[19].

Os artigos terceiro e quarto do Código Civil são de imperatividade absoluta ou impositiva, vez que determinam o estado das pessoas com a convicção de que certas relações e determinados estados da vida social não podem ser deixados de lado ao arbitro individual, o que acarretaria graves prejuízos para a ordem social.

3.1.1 Incapacidade absoluta

A incapacidade será absoluta quando houver proibição total do exercício do direito pelo incapaz, acarretando, no caso de violação do preceito, a nulidade do ato, com isso, os absolutamente incapazes possuem direitos, contudo, não podem o exercer de forma direta o pessoal, devendo nesse caso serem representados.

Nesse sentido, são sujeitos absolutamente incapazes “Art. 3 o São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos” [20].

Somente estes sujeitos na atualidade são considerados incapazes, porque devido à idade não atingiram o discernimento para distinguir o que podem ou não fazer, e o que é conveniente ou prejudicial, levando em consideração o seu desenvolvimento mental incompleto e com isso, carecem de auto orientação, sendo facilmente influenciáveis por outrem.

3.1.2 Dos relativamente incapazes

Os relativamente incapazes dizem respeito àqueles que podem praticar por si os atos da vida civil, contudo, precisam serem assistidos por quem o direito positivo encarrega de tal ofício, devido a parentesco, ou ainda, quanto a relação de ordem civil ou de designação judicial[21].

Nesse sentido, disciplina o Código Civil:

Art. 4 o São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer: (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)
I- os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;
II- os ébrios habituais e os viciados em tóxico; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)
III- aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; (Redação dada pela Lei 13.146, de 2015) (Vigência)
IV – os pródigos.
Parágrafo único. A capacidade dos indígenas será regulada por legislação especial[22].

Nota-se conforme disciplina o artigo quarto, os incapazes serão os maiores de dezesseis anos e menores de dezoito, os ébrios habituais e viciados em tóxico, aqueles sujeitos que por causa transitória ou permanente não conseguem exprimir sua vontade e por fim, os pródigos.

4  OS PRÓDIGOS EM PERSPECTIVA

A preocupação jurídica com o pródigo remonta ao tempo em Roma da prevalência da religião doméstica, no qual a propriedade era de titularidade do clã, e não, individual.

O fim maior da união em relação da consanguinidade masculina era o culto dos antepassados, vistos como divindades, em tal contexto, fazia todo sentido imaginar que a ordem normativa comunitária pensasse em mecanismos com o fim de evitar que o chefe do grupo, destruísse o patrimônio familiar[23].

No Direito Romano, o pródigo era uma pessoa sui juris, que dilapida em prejuízo dos filhos, o patrimônio recebido por sucessão legitima dos parentes paternos[24].

Cumpre disciplinar que o pródigo também preocupou os povos ibéricos na Idade Média, existindo já menção à sua curadoria, partindo-se para tempos mais atuais, no século XIX principalmente a partir dos estudos da Escola Histórica do Direito, e dos trabalhos dos comentadores do Código Napoleão, ganha relevância a preocupação com a figura do sujeito de direito e passa-se a teorizar as noções de personalidade e capacidade[21]. Aos poucos o instituto ganha maior relevância, até a chegada do Código Civil de 2002.

4.1 O Pródigo: Conceito

Pode-se conceituar o pródigo como:

(…) o dissipador, o gastador desabusado, ou seja, a pessoa que gasta ou se desfaz de seus haveres ou bens, sem justificativa, desabusada e desordenamente em visível ameaça à estabilidade econômica de seu patrimônio ou de sua fortuna.
O pródigo, assim, é aquele que, sem justa razão, esbanja a fortuna, gastando-a inutilmente ou fazendo gastos e despesas insensatas e excessivas, que possam destruir seus haveres.
A qualidade jurídica de pródigo advém, pois, dos gastos desordenados, dos gastos sem finalidade alguma e do desperdício, que possam ameaça a própria fortuna[26].

Assim sendo, pode-se dizer que o pródigo é aquele que sem conhecimento, e com desarranjo intelectual, é dominado pela paixão ao desperdício, e por despesas inúteis, excessivas.

Ainda sobre o assunto:

Segundo o consenso unânime, porém, podemos considerar como insensatas e inúteis as despesas desordenadas no jogo, em festins, em amantes ou orgias, em vestuários, em cavalos e equipagens, em mobílias luxuosas, em incessantes viagens pelo estrangeiro, em dádivas frívolas ou vergonhosas, em construções voluptuárias e extravagantes, em vãs e loucas profusões, enfim, sem nenhum resultado útil, nem para a sociedade, nem para o indivíduo[23].

Nesse sentido, as despesas excessivas são caracterizadas como aquelas sobrepujantes aos rendimentos, de forma que, nessa progressão, absorveriam rapidamente o capital disponível.

4.2 Os Pródigos Como Relativamente Incapazes

Como demonstrado em capítulo anterior, o pródigo é considerado relativamente incapaz pela legislação pátria, assim sendo, passa-se a traçar algumas decisões sobre o assunto.

Poder   Judiciário   da   União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS Gabinete do Des. Gilberto Pereira de Oliveira Número do processo: 0703787-82.2018.8.07.0005 Classe judicial: APELAÇÃO CÍVEL (198) APELANTE: MERCANTIL CANOPUS COMERCIO DE MOTOCICLETAS LTDA APELADO: CARLOS LUIZ DE SOUZA, BANCO HONDA S/A. REPRESENTANTE: MARIA DA PIEDADE ALBUQUERQUE DE SOUZA EMENTA CIVIL E PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AGENTE RELATIVAMENTE INCAPAZ. PRÓDIGO. AQUISIÇÃO DE VEÍCULO. ATO NEGOCIAL. NULIDADE RELATIVA. RESTITUIÇÃO DOS VALORES PAGOS. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 
I – Para que o negócio jurídico seja válido, o agente deve ser capaz, o objeto deve ser lícito, possível, determinado ou determinável e, ainda, a forma deve ser a prescrita ou não defesa em lei.
II – A ausência de assistência de representante legal de menor relativamente capaz ao contratar resulta na anulabilidade do ato negocial, com a restituição das partes ao estado em que antes dele se achavam.
III – Recurso interposto pela Ré/Apelante MERCANTIL CANOPUS COMÉRCIO DE MOTOCICLETAS LTDA conhecido e não provido. Honorários recursais majorados para 12% do valor da condenação, nos termos do artigo 85, § 11, do CPC[28]

No caso da jurisprudência acima mencionada, evidencia-se que houve um negócio jurídico realizado entre o pródigo e um sujeito, contudo, por ser relativamente incapaz, todo ato jurídico precisa ser assistido, o que não aconteceu, e por isso, considerou-se um negocio jurídico inválido.

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE COBRANÇA. INTERDIÇÃO PARCIAL DO RÉU.PRODIGALIDADE. ART. 1782, DO CÓDIGO CIVIL. CAPACIDADE PROCESSUAL.ASSISTÊNCIA. CURADOR. NECESSIDADE.CAPACIDADE POSTULATÓRIA. ADVOGADO EM CAUSA PRÓPRIA. IMPOSSIBILIDADE.REPRESENTAÇÃOPROCESSUAL.REGULARIZAÇÃO.IMPOSIÇÃO.
1.De acordo com o disposto no art. 1782, do Código Civil, “A interdição do pródigo só o privará de, sem curador, emprestar, transigir, dar quitação, alienar, hipotecar, demandar ou ser demandado, e praticar, em geral, os atos que não sejam de mera administração”.
2.Reconhecida a incapacidade relativa do pródigo para ser demandado em ação de cobrança sem assistência de curador, não se mostra plausível admitir que realize atos processuais em causa própria, na condição de advogado.
3.Agravo de instrumento conhecido e não provido[29].

Conforme se entende no caso em apreço, o pródigo era um advogado, que buscou tentar atuar em causa própria, contudo, levando em consideração a sua incapacidade relativa, o mesmo não pode dispor de nenhum ato, sem que não tenha consigo a sua assistência.

4.3 As Problemáticas Que Ainda Perduram e a Questão da Prodigalidade

Apesar de todo o aparato constitucional, e até mesmo civil para a proteção dos direitos fundamentais e direitos da personalidade, para a observância dos princípios da eticidade e socialidade, ainda se verifica casos incomuns que perduram até a atualidade no que se refere às questões patrimonialistas.

Um caso notável de intervenção direta do judiciário no patrimônio individual das pessoas é o caso já aqui supramencionado dos pródigos, essa interdição reflete um viés impositivo do Estado sobre o indivíduo, vez que ele fica totalmente impedido de realizar seus próprios negócios jurídicos:

[…] a prodigalidade pode dar-se por: a) oniomania, perturbação mental que provoca o portador a adquiri descontroladamente tudo o que tiver vontade; b) cibomania, psicose conducente à dilapidação patrimonial em jogos de azar; c) imoralidade que leva a gasto excessivo para satisfação de impulsos sexuais[30].

Inegável se torna, o fato de que ainda existem discussões sobre o instituto, assim, alguns autores como Cristiano Chaves, delimitam que a prodigalidade não seja um instituto incapacitante.

Nesse sentido, para o autor, seria um direito do indivíduo, escolher como gastar o seu dinheiro, e que a intervenção judicial estaria ferindo o princípio da dignidade da pessoa humana, uma vez que priva uma pessoa de uma liberdade[27].

Há de mencionar do outro lado, que o pródigo geralmente possui uma família que dele depende, assim, dispõe-se que a justiça não pode deixar que se gaste tudo aquilo que a ela pertence, e deixar seus ascendentes, descendentes e cônjuge, desamparados. Por isso, o Estado, incumbido de proteger todos os cidadãos, permite que o individuo gaste tudo o que possui e vá viver na miséria.

Contudo, a prodigalidade, pode ser entendida como um instituto complexo, que exige diálogo entre as diferenças searas, como o Direito, a psiquiatria, a psicanálise e a economia[28].

Assim sendo, a prodigalidade, nada mais é do que um desvio comportamental, que reflete no patrimônio individual, culminando por prejudicar, ainda que pela via oblíqua a tessitura familiar e social.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente pesquisa se pautou em discorrer sobre os pródigos e a questão da capacidade, no primeiro capitulo evidenciou-se a pessoa natural, quem seria ela, quais as teorias que cercam o inicio da vida, e principalmente da personalidade e capacidade civil, evidenciando que a teoria concepcionista é a mais aceita pela doutrina e jurisprudência.

No segundo capítulo foi possível observar questões relativas a capacidade em si, na qual há a capacidade absoluta e relativa, e que nesta última na atualidade, somente os menores de dezesseis anos se encaixam, ao passo que o Código Civil traz um rol de sujeitos que possuem capacidade relativa e dentre eles encontra-se o pródigo.

Por fim, no último capitulo percebeu-se que os pródigos são sujeitos considerados como relativamente incapazes e por isso, possuem a necessidade de serem assistidos, sob pena de que o ato jurídico realizado se torne anulável, vez que, para um ato ser valido se torna extremamente importante que o sujeito possua capacidade civil.

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[3] BRASIL. Lei número 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília: 2002. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em 04 de nov. de 2022.

[4] AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Estudos e pareceres de direito privado. São Paulo: Saraiva, 2004.

[5] TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. 5ª ed. São Paulo: Método, 2015.

[6] Elaborado pelo autor.

[7] BRASIL, op. Cit. 2002.

[8] PASSOS, Edilenice. LIMA, João Alberto de Oliveira. Memória Legislativa do Código Civil. Vol. 2. Brasília: Senado Federal, 2012.

[9] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 1

[10] PELUSO, Cezar (Coord.). Código civil comentado: doutrina e jurisprudência. 6. ed. Barueri: Manole, 2012.

[11] TARTUCE, Op. Cit.

[12] PELUSO, op. Cit.

[13] BRASIL. STJ, REsp 399.028/SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, 4.ª Turma, j. 26.02.2002, DJ 15.04.2002, p. 232.

[14] BRASIL. STJ, REsp 1120676/SC, Rel. Ministro Massami Uyeda, Rel. p/ Acórdão Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, j. 07.12.2010, DJe 04.02.2011.

[15] TARTUCE, op. Cit. p. 168.

[16] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 159.

[17] AZEVEDO, op. Cit.

[18] DINIZ, op. Cit. p. 170.

[19] TARTUCE, op. Cit. p. 168.

[20] BRASIL, op. Cit.

[21] SIMÃO, José Fernando. Responsabilidade civil do incapaz. São Paulo: Atlas, 2008.

[22] BRASIL, op. Cit.

[23] TARTUCE, op. Cit.

[24] THEODORO JR., Humberto. Comentários ao novo Código Civil. Coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

[25] VILLAÇA, Azevedo Álvaro. Teoria Geral do Direito Civil. Parte Geral. São Paulo: Atlas, 2012.

[26] FERREORA, Aurélio Buarque de Holanda. Mini Aurélio – O dicionário da língua portuguesa. 6 ed. Paraná: Positivo, 2004.

[27] GONÇALVES, Luíz da Cunha. Tratado de direito civil: em comentário ao Código Civil Português. 2. ed. atual. e aum. v. 2. Tomo 2. São Paulo: Max Limonad, 1955.

[28] BRASIL. TJ-DF. Acórdão 1224723, 07037878220188070005, Relator: GILBERTO PEREIRA  DE OLIVEIRA,  3ª Turma Cível, data de julgamento: 13/12/2019, publicado no PJe: 4/2/2020. Pág.:  Sem Página Cadastrada.

[29] BRASIL. TJPR – 15ª C. Cível – AI – 1361569-3 – Curitiba –                 Rel.: DESEMBARGADOR LUIZ CARLOS GABARDO – Unânime –  J. 16.09.2015.

[30] DINIZ, Maria Helena. Norma constitucional e seus efeitos. 3. ed. São Paulo: atual. Saraiva, 1997.

[31] GONÇALVES, op. Cit.

[32] TARTUCE, op. Cit.


¹Acadêmico de Direito no Centro Universitário São Lucas.
²Professor do curso de Direito do Centro Universitário São Lucas.