HEMORRAGIA PÓS-PARTO: RELATO DE CASO

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7352595


Larissa Aquino Pinheiro
Deusimar Romeu Cavalcante Filho
Lucas Ribeiro Nogueira
Francisco Nogueira Chaves


RESUMO

Por todo o mundo, a hemorragia pós-parto está como a principal causa de mortalidade materna, obtendo uma prevalência global de 6%, sendo descrita como a segunda causa de morte no Brasil. Além disso, quando associada à presença de mioma submucoso pode expor situações na cavidade uterina, dentre uma delas, a atonia uterina, levando à hemorragia e instabilidade. Em conduta, deve-se sempre tentar o tratamento clínico e em casos necessários, optar pela laparotomia exploratória. Neste caso, apresenta-se uma puérpera com hemorragia pós-parto apresentando retenção urinária, evoluindo para laparotomia exploratória como diagnóstico e terapêutica. 

Palavras-chave: HEMORRARIA PÓS-PARTO, MIOMECTOMIA, LEIOMIOMAS, GESTAÇÃO. 

INTRODUÇÃO

A hemorragia pós-parto encontra-se como a principal causa de mortalidade materna por todo o mundo, tendo uma prevalência global de 6%, sendo descrita como a segunda causa de morte no Brasil. Além disso, quase 90% dessas mortes podem ocorrer nas primeiras quatros horas após o parto. Pode ser classificada como primária ou precoce, quando a hemorragia repercute nas 24h do puerpério, sendo a forma mais comum. Já a secundária, é descrita como o sangramento persistente entre 24h e 6 a 12 semanas. 

Dentro das definições, a hemorragia pós-parto divide-se em via vaginal, sendo esta com perda sanguínea acima de 500 ml nas primeiras 24h após o parto. Em via cesárea, a perda sanguínea é estimada acima de 1.000 ml nas primeiras 24h. Além disso, qualquer perda de sangue pelo trato genital que evolua para instabilidade, deve ser considerada hemorragia pós-parto. 

Desse modo, dentro das causalidades, a forma primária se manifesta em situações como atonia uterina, sendo esta a causa mais comum, restos placentários, inversão uterina, acretismo, lacerações e hematomas do canal de parto, além de distúrbios de coagulação. Nas causas da forma secundária da hemorragia pós-parto, estão as infecções puerperais, retenção de tecidos placentários, doença trofoblástica gestacional e, também, os distúrbios de coagulação. Dentro do diagnóstico, é inicialmente reconhecido que tal sangramento transvaginal esteja excessivo, no qual sejam propostas medidas prioritárias, como reposição volêmica e tratamento de choque, caso preciso. É preciso investigação de outras causas de hemorragia pós-parto, as quais podem ser diagnosticadas e resolvidas antes das gestações, evitando complicações posteriores. 

O presente estudo descreve um raro caso de hemorragia pós-parto secundária após parto vaginal sem intercorrências. Tal caso foi solucionado no Hospital e Maternidade José Martiniano de Alencar do Estado do Ceará.

RELATO DO CASO

Paciente V.L.R, feminina, gestante, 37 anos, 6 gesta, 3 para vaginal, 3 abortos (G6P3VA3), sem comorbidades e alergias, deu entrada no Hospital e Maternidade José Martiniano de Alencar no dia 19 de fevereiro de 2021 com 37 semanas e 6 dias, segundo ultrassonografia do primeiro trimeste, evoluindo para parto vaginal com nascimento de recém-nascido vivo, único, cefálico do sexo masculino, com Apgar satisfatório, sem intercorrências ou queixas álgicas no momento, e uso de ocitocina, transamin e ergotrate para controle do sangramento transvaginal. Em puerpério, a paciente evolui com retenção urinária e disúria, sendo necessária idas ao hospital diariamente para uso de sonda de alívio com diurese de cor clara em bom débito (900ml), além de prescrição de cefadroxila e monuril, sem melhoras. 

No dia 4 de março de 2021, paciente foi readmitida pelos mesmos sintomas de retenção urinária e disúria, associados a loquiação anormal e odor fétido, os quais não haviam sido referidos antes. Além disso, ao exame clínico, apresentava-se em bom estado geral, anictérica, afebril, normotensa, acianótica com abdome flácido e doloroso em baixo ventre, sendo sugestivo de bexigoma, e extremidades sem edema. Realizou-se procedimento para sonda vesical de demora, e, ao exame especular e toque vaginal, o colo uterino não foi identificado devido a uma massa volumosa ocupando topografia anterior em vagina de conteúdo piosanguinolento. Com isso, foram solicitados exames laboratoriais, os quais relataram hemoglobina de 6,3 g/dL e hematócrito de 20%, sendo encaminhada para transfusão sanguínea de 2 concentrados de hemácias, e início de antibióticos, como clindamicina e gentamicina, e hidratação venosa associada a dieta zero. 

Após avaliações médicas, paciente foi admitida no centro cirúrgico geral no dia 5 de março de 2021 para submeter-se a laparotomia exploradora. Segue em bom estado geral, consciente, orientada, verbalizando e deambulando. Em decúbito dorsal, foi realizada raquianestesia e geral, com acesso venoso periférico em membro superior esquerdo, sem sinais flogísticos e uso de sonda vesical de demora em boa diurese de cor clara e sem hematúria. Na avaliação por via vaginal, foi detectada massa volumosa, em médias 10 cm, com suspeita de inversão uterina (Figura 1), o qual foi decidida avaliação abdominal. 

Para melhor avaliação abdominal, em cirurgia, foi realizada incisão de Pfannenstiel com diérese de planos anatômicos, seguida de aposição de torniquete com dreno de Penrose. Na avaliação uterina integra, inicialmente, observou-se orifício de instalação pedicular com aspecto de puxação (Figura 2). 

No inventário da cavidade uterina, foi detectado leiomioma submucoso parido de aproximadamente 12 cm, com pedículo uterino de 4 cm de diâmetro e cavidade com odor fétido, sendo, então, realizada exérese do leiomioma submucoso, encaminhado para análise anatomopatológica, e sutura da parede uterina em três planos. Para atonia uterina, posteriormente, realizou-se massagem manuale injeção de ocitocina cornual, finalizando com síntese por planos e sutura de pele. O ato operatório transcorreu sem intercorrências (Figura 3). 

No 1º dia pós-operatório, paciente evolui bem, em sinais estáveis, com leve quadro álgico em baixo ventre e ferida operatória limpa e seca, sem sinais flogísticos e sangramento transvaginal escasso. Ao geral, esteve deambulando, em aceitação de dieta oral, sendo solicitada a retirada da sonda vesical de demora e evoluindo para diurese fisiológica, preservada e espontânea. Foi realizada nova transfusão sanguínea de 2 concentrados de hemácias, onde novo hemograma demonstrou melhora da hemoglobina com 8,7 g/dL, e extremidades bem perfundidas. No 3º dia pós-operatório, paciente manteve bons parâmetros vitais, recebendo alta hospitalar. 

DISCUSSÃO

Dentro das principais indicações operatórias na prática do cirurgião ginecológico, o leiomioma está frequente em 50% das mulheres com predomínio de 35 a 45 anos de idade, sendo a indicação de histerectomia em dois terços destas. O leiomioma uterino trata-se de um tumor benigno, o qual é formado por fibras musculares lisas com tecido conectivo. São classificados de acordo com sua localização no útero, sendo cervicais ou corporais. Em 98% dos casos, os corporais são subdivididos em subserosos, intramurais e submucosos. Há uma situação rara, como descrito no caso proposto, onde o mioma é exteriorizado, sendo chamado de mioma parido com ou sem seu pedículo desprendido. 

Desse modo, quando há a presença de mioma submucoso em gestação, acredita-se que este venha a ter o seu tamanho aumentado devido aos estímulos de altos níveis de esteroides sexuais composto no ciclo gestacional, além do hormônio lactogênico placentário (HPL), o qual age com atuação sinérgica associado ao 17ꞵ-estradiol obtendo aumento dos tumores.  Porém, tal situação está em minoria, sendo descrito que 60% destes permanecem inalterados, assim como 20% aumentam de tamanho e 20% o reduzem. Ocasionalmente, outra consequência retrata a degeneração sanguínea, a qual ocorre por ruptura de arteríolas no seu interior por obstrução venosa periférica dele, o que dificulta a drenagem sanguínea. Isso pode evoluir com anemia, fadiga, astenia, taquicardia, dispneia, dor e edema em membros inferiores. 

Dentro do caso proposto, a presença do mioma submucoso pode expor situações na cavidade uterina, como dificultar a formação do globo de segurança após a saída da placenta, provocando uma certa atonia do miométrio uterino e, consequentemente, a hemorragia do próprio leito placentário. Em outras intercorrências obstétricas, pode estar associado ao aumento da incidência de abortamento e de cesarianas, trabalho de parto prematuro, restrição de crescimento intrauterino, descolamento placentário, apresentação fetal anômala e, como descrito, hemorragia pós-parto. Além disso, podem cursar com quadro álgico, sendo chamado de “síndrome dolorosa dos leiomiomas na gravidez”, a qual consiste em dor localizada, associada a náuseas e vômitos, febre baixa, leucocitose e aumento da atividade uterina, mais frequente no segundo e no início do terceiro trimestre, vindo a ceder em 10 dias do seu início e com tratamento clínico de antiinflamatórios não esteroidais (aine) ou analgésicos.  

Dentro do tratamento de miomas na gestação, deve-se propor o método conservador, com controle da dor e a monitorização fetal. Ainda, há o tratamento cirúrgico, o qual é considerado saudável por levar ao bem-estar materno fetal e ao controle das hemorragias para afastar os riscos sobre o feto, apesar dos riscos anestésicos e cirúrgicos para a mãe, e um pior prognóstico fetal. A técnica menos agressiva é a laparoscopia diagnóstica realizada no primeiro e segundo trimestre, ou até sua retirada durante o parto operatório.

Já em situação puerperal, a consequência de uma hemorragia pós-parto por leiomioma deve ser tratada de forma imediata, além de um exame clínico e especular para alcançar um objetivo de resolução. Dependendo do grau de gravidade da hemorragia, deve-se monitorizar a pressão arterial e a frequência cardíaca, além de solicitar transfusão de concentrados de hemácias de urgência. Deste modo, a depender de sua localização e tamanho, pode-se realizar o tratamento conservador, sendo a miomectomia com exérese do mioma por via vaginal ou, em situações de grande volume, opta-se pela via abdominal, como a laparotomia. Há casos em que seja necessária a histerectomia, sendo este um tratamento radical e definitivo optado em situações quando há falha dos métodos mais simples. 

CONCLUSÃO

Por fim, concluímos que é de extrema importância o acompanhamento ambulatorial de ginecologia não só no pré-natal, mas, também, em alertas aos diagnósticos sombrios, os quais podem, de alguma forma, complicar posteriormente. Além disso, deve-se avaliar as diversas causas de hemorragia pós-parto, mesmo que não haja uma avaliação anterior, fazer a busca ativa e determinar possíveis diagnósticos. 

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. Revista Eletrônica Acervo Científico | ISSN 2595-7899. Vol. 17. Disponível em https://acervomais.com.br/index.php/cientifico/article/view/5808/3589. Acesso em 15 de março de 2021. 

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