A EDUCAÇÃO SOMÁTICA E O PAPEL DA AUTOREGULAÇÃO

© Débora Bolsanello – janeiro 2008
Na roda-viva do cotidiano
A autoregulação é a capacidade que todo organismo vivo tem de auto-equilibrar-se, adaptando-se às diferentes condições do meio. É a capacidade de autoregulação que garante a satisfação das necessidades vitais dos seres vivos. Visto que todo organismo vivo está em um constante processo de adaptação para manter-se, o sistema de autoregulação está em constante funcionamento.
No caso dos seres humanos, uma das facetas do sistema de autoregulação é o conjunto de movimentos corporais involuntários que permite ao organismo de “recarregar as baterias”. O sistema de autoregulação pode ser visto em funcionamento quando uma pessoa se “espreguiça” de maneira espontânea ou quando boceja, permitindo o diafragma de relaxar. Quando uma pessoa boceja, ela dirige sua atenção momentaneamente às suas sensações internas, abstraindo-se dos estímulos exteriores. O sistema de autoregulação se manifesta de diferentes maneiras, porém, em geral, seu bom funcionamento gera sensações naturais de prazer, satisfação, fluidez e equilíbrio.
Tomemos como exemplo a secretária de uma grande empresa. Habituada a trabalhar sobre pressão, ela é incapaz de recusar o excesso de tarefas imposto pelo patrão. Sobre sua mesa, acumulam-se pilhas de documentos atrasados. Para ganhar tempo, a secretária continua a trabalhar durante sua hora de almoço. Come um sanduíche enquanto digita uma carta no computador; bebe seu suco enquanto examina a contabilidade da empresa. Depois do expediente, a secretária vai para casa, abatida. Dentro do metrô, ela diz a ela mesma que “amanhã” se inscreverá naquele curso de yoga que ela sempre quis fazer. Mas, “amanhã”, ela repetirá a mesma frase a si mesma sem nunca ter tempo para fazer nem sequer uma caminhada. Chega em casa, come, vê um filme na televisão e dorme. No dia seguinte tudo recomeça. As semanas, os meses e os anos se passam sem que a secretária se permita ter um momento para “recarregar as baterias”.
Casos como esses são cada vez mais comuns. O rítmo desenfreado dos grandes centros urbanos e a maneira com a qual executamos as tarefas mecânicas do cotidiano são dois dos fatores que contribuem à emergência de um estado bem conhecido de todos: o estresse. O que a maioria de nós desconhece é o impacto real que o estresse tem sobre a saúde. Estudos clínicos recentes sugerem que 50% a 75% das consultas ao médico são motivadas em primeiro lugar pelo estado de estresse do paciente. A mesma pesquisa revela que em termos de mortalidade, o estresse é um fator de risco mais grave que a utilização do tabaco .
Como o caso da secretária sugere à primeira vista, talvez não se possa escapar do estresse. Porém, é possível admnistrá-lo, permitindo nosso organismo de se autoregular. O estresse mal admnistrado gera estados de hiperatividade, fatiga e falta de concentração, estados esses que podem estar intimamente ligados à emergência da dor, ao aumento de risco de acidentes e ao estabelecimento das LERs. Tudo isso pode ser evitado se consacrarmos um pouco de tempo a descarregar nosso sistema nervoso. Qualquer organismo vivo que é impedido de se autoregular torna-se pouco a pouco disfuncional. No caso da secretária, de “estressada” ela passará a “estafada”, ou seja, incapaz de realizar as funções mais simples.
Educação Somática: aprender a autoregular-se
Mesmo se o funcionamento do sistema de autoregulação é involuntário, ele pode ser ativado através de atividades que induzem a pessoa a um estado de repouso ativo que regenera o sistema nervoso. O Tai-chi, a Yoga, diferentes práticas artísticas, alguns tipos de esporte e os métodos de Educação Somática são alguns exemplos.
Os métodos que compõem o campo da Educação Somática foram fundados há mais de um século na Europa e na América do Norte: Técnica de Alexander, Feldenkrais®, Anti-ginástica, Eutonia, Ginástica Holística®, Continuum, Body-Mind Centering®, Cadeias Musculares GDS, Somaritmo e certas linhas do método Pilates. Esses métodos visam o desenvolvimento da consciência corporal e a reeducação do movimento.
Na última década, o termo Educação Somática passou a circular com mais freqüência no Brasil no meio da saúde, educação e artes: seja na formação de músicos, bailarinos e atores; em consultórios particulares, estúdios de dança e clínicas de fisioterapia. Hoje, vários profissionais das áreas de saúde e educação introduzem em sua prática técnicas de Educação Somática porque sabem que a consciência corporal é fator indispensável para o bom funcionamento do sistema de autoregulação e para a gestão do estresse. O que caracterisa a Educação Somática é o foco que seus métodos colocam na reeducação do aluno, ensinando-o a reapropriar-se do estado natural de seu tônus.
Os exercícios de Educação Somática são simples, porém inabituais. Por serem inhabituais, os movimentos propostos requerem do aluno uma capacidade de auto-observação. Pouco a pouco, a pessoa aprende a perceber que as dores ou o mal estar que sente têm relação com um estado de estresse gerado pelo uso inadequado que faz de si mesma.
Com a prática regular dos exercícios propostos pela Educação Somática, a pessoa torna-se mais consciente dos limites e do potencial de seu corpo, transferindo para seu dia-a-dia as sensações de equilíbrio vividos em aula. As aulas de Educação Somática fornecem à pessoa um espaço onde ela aprende a contar com seus próprios recursos naturais de autoregulação e diminuir o impacto do estresse sobre sua saúde. Gradualmente, a pessoa torna-se apta a admnistrar seu estresse, a reconhecer e contornar as situações que levam a uma sobrecarga de seu organismo.