EUTANÁSIA NO UTILITARISMO DE PETER SINGER VERSUSEUTANÁSIA NO CUIDADO DE ENFERMAGEM

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7315861


Andréia Cristina da Silva Ribeiro1
Bruno Ricardo Serra Santos2


RESUMO:

Objetivo: comparar a eutanásia segundo o utilitarismo de Peter Singer com a eutanásia segundo o cuidado de enfermagem. Método: Trata-se de uma reflexão teórica realizada para analisar e discutir a eutanásia diante do utilitarismo de Peter Singer e do cuidado de enfermagem. Resultados: O utilitarismo é uma doutrina ética que afirma que as ações são boas quando tendem a promover a felicidade e más quando tendem a promover o oposto da felicidade. Peter Singer entende que a eutanásia é uma ação praticada em benefício do paciente e tem por finalidade poupar-lhes a continuidade da dor e do sofrimento. O enfermeiro encontra-se diante da eutanásia, não só como cidadão, mas também como profissional. Como cidadão, depara-se com o Código Penal Brasileiro que condena qualquer ato que atente contra a vida do ser humano e, por conseguinte, condena a eutanásia (artigo 121º-128º). E como profissional deve agir conforme o Código de Ética da Enfermagem, que diz: “é proibido promover a eutanásia ou cooperar em prática destinada antecipar a morte do cliente” (artigo 29º). Conclusão: Os enfermeiros não devem praticar a eutanásia.

ABSTRACT:

Objective: To compare euthanasia according to the utilitarianism of Peter Singer with euthanasia according to nursing care. Method: This is a theoretical reflection conducted to analyze and discuss euthanasia before the utilitarianism of Peter Singer and care nursing. Results: Utilitarianism is an ethical doctrine that the actions are good when they tend to promote happiness and bad when they tend to promote the opposite of happiness. Peter Singer believes that euthanasia is an act committed for the benefit of the patient and is intended to save them the continued pain and suffering. the nurse is on euthanasia, not only as a citizen, but also as a professional. As a citizen, faced with the Brazilian Penal Code condemns any act that infringes upon the life of the human being and therefore condemns euthanasia (Article 121-128). And as a professional should act as the Nursing Code of Ethics, which says: “It is forbidden to promote euthanasia or cooperate in practice designed to anticipate the customer’s death.” (Article 29). Conclusion: Nurses should not practice euthanasia.

Descriptors: euthanasia; nursing; utilitarianism.

INTRODUÇÃO:

A eutanásia consiste na prática de abreviar a vida de um doente incurável, terminal ou não, a seu pedido, de maneira controlada (PESSINI, 2004). E significa, etimologicamente, “boa morte”, que deriva da semântica grega “eu” (boa ou bom) e “thanatos” (morte). O termo “eutanásia” foi criado no século XVII, em 1623, pelo filósofo Francis Bacon em sua obra “Historia vitaes et mortis”, para designar o tratamento adequado de doenças incuráveis (BENTHAM, MILL, 1979).

O histórico da eutanásia revela que os valores sociais, culturais e religiosos influenciaram de maneira fundamental as opiniões sobre este procedimento. As discussões sobre a eutanásia atravessaram diversos períodos históricos (PESSINI, 2004).

Em Esparta, que era uma sociedade guerreira por excelência, era prática comum lançar do monte Taígeto os nascituros que apresentassem defeitos físicos. Na Índia antiga, os doentes incuráveis eram atirados publicamente no rio Ganges, depois de obstruídas a boca e as narinas com um pouco de barro. Os celtas, além de matarem as crianças deformadas, eliminavam também os idosos (seus próprios pais quando velhos e doentes), uma vez que os julgavam desnecessários à sociedade, haja vista que eles não contribuíam para o enriquecimento da nação (GOLDIM,2004).

Platão, Sócrates e Epicuro defendiam a ideia de que o sofrimento resultante de uma doença dolorosa justificava o suicídio. Em Marselha, neste período, havia um depósito público de cicuta a disposição de todos. Já Aristóteles, Pitágoras e Hipócrates, ao contrário, condenavam o suicídio. No juramento de Hipócrates consta: “eu não darei qualquer droga fatal a uma pessoa, se me for solicitado, nem sugerirei o uso de qualquer uma deste tipo”(HORTA,1999).

A discussão sobre o tema, prosseguiu o longo da história da humanidade, com a participação de Lutero, Thomas Morus (Utopia), David Hume (On suicide), Karl Marx (Medical Euthanasia) e Schopenhauer. A Igreja também se fez presente, ao longo da história, aderindo posição contrária à eutanásia, pois a antecipação da morte está em desacordo com as leis de Deus (MARTIN,1998).

Holanda, Bélgica, Suíça, França, Alemanha, Áustria e Luxemburgo legalizaram a eutanásia. Nos Estados Unidos, atualmente, cinco Estados autorizam a prática: Oregon, Washigton, Vermont, Montana e Texas. As legislações dos países que permitem a eutanásia apresentam algumas restrições: a morte só pode ser provocada em pacientes maiores de 18 anos, que estejam em estágio terminal ou sofram de um mal sem possibilidade de recuperação (CELICO, 2004).

No Brasil a eutanásia é proscrita, sendo considerada crime de acordo com o Código Penal Brasileiro. O artigo 121 trata como homicídio qualificado, conceito que inclui a morte provocada por motivo fútil, com emprego de meios de tortura ou com recurso que “dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido”. E o artigo 122 versa sobre o suicídio induzido, instigado ou auxiliado por terceiros. Em todos esses casos, a pena vai de 12 a 30 anos de reclusão (CELICO, 2004).

Carvalho (2004) considera três tipos de eutanásia: ativa, passiva e eugênica. A eutanásia ativa caracteriza-se pela preparação antecipada da morte de uma pessoa para libertá-la de sofrimentos considerados inúteis, dado que a sua vida se encontra num ponto terminal e irreversível. A eutanásia passivacorresponde à interrupção dos cuidados médicos e/ou farmacológicos ao doente, a fim de que sua vida seja abreviada por si mesmo, sem tentar por todos os meios, mantê-lo vivo. E a eutanásia eugênica caracteriza-se pela supressão à nascença dos deficientes físicos e anormais, praticada na antiguidade por certos povos, assim como, de extratos de população por conceitos denominados de “pureza de raça”.

A eutanásia é um tema bastante controverso que envolve aspectos religiosos, jurídicos, éticos, além do livre arbítrio pessoal. Isso nos obriga a uma cuidadosa reflexão, pois a possibilidade de manter vivo um ser enfermo que já não possui mais sua capacidade cognitiva é uma questão que inquieta muitos enfermeiros, visto que manipular, manter ou preservar a vida deve ser uma decisão embasada nos fundamentos da ética, da responsabilidade e da humanidade (GONÇALVES, 2001). O enfermeiro geralmente depara-se com situações de doentes terminais ou com doenças incuráveis que podem gerar sentimentos de impotência neste profissional. Uma vez que ele foi treinado e capacitado para promover a saúde e tratar o ser enfermo. Assim, a eutanásia lhe parece uma ação que contradiz os seus objetivos profissionais (GELAIN, 1998).

A área da saúde hoje é compreendida como uma área multiprofissional, uma vez que são inúmeros os profissionais que, concomitantemente, prestam o cuidado a um determinado paciente. Nesse sentido, acredita-se ser importante que as ações destes profissionais tenham como embasamento o conhecimento de áreas que vão além da área da saúde, pois a interdisciplinaridade proporciona um cuidado cada vez mais qualificado (KIPPER,1999).

Diante disso, a conjugação da área da saúde com o conhecimento filosófico permite uma reflexão mais profunda acerca de temas até então abordados apenas no campo tecnocientífico. A questão da eutanásia, por exemplo, é muito discutida nos aspectos bioéticos e técnicos do processo. Percebe-se assim a necessidade de trazer uma abordagem com embasamento filosófico acerca do tema.

Desta forma, surge a seguinte questão norteadora: será permissível que as pessoas que se encontram na fase terminal da vida e em sofrimento agudo determinem, voluntariamente, o fim das suas vidas?

A justificativa deste estudo se verifica com a conjugação de duas áreas de conhecimento (filosofia e a área da saúde). A fim de apresentar uma reflexão sobre eutanásia segundo Peter Singer para confrontá-la com o cuidado de enfermagem frente ao paciente terminal ou com uma doença incurável.

OBJETIVO:

Fazer uma análise comparativa da eutanásia segundo o utilitarismo de Peter Singer com a eutanásia segundo o cuidado de enfermagem.

METODOLOGIA:

Trata-se de uma reflexão teórica realizada para analisar e discutir a eutanásia diante do utilitarismo de Peter Singer e do cuidado de enfermagem. Foram usados os seguintes descritores eutanásia, enfermagem e utilitarismo. Os critérios de inclusão foram: artigos publicados em português, com texto completo disponível online, publicados entre 2010 e 2015. Do material obtido, 10 estudos, procedeu-se à leitura minuciosa de cada publicação, destacando aqueles que responderam ao objetivo proposto por este estudo, a fim de organizar e sustentar a reflexão.

Segundo os critérios de inclusão, 05 publicações foram selecionados para reflexão deste artigo. A base de dados utilizado foi a Base de Dados de Enfermagem (BDENF).

Os resultados foram sistematizados, integrados e apresentados discursivamente, a partir de três temáticas: 1) utilitarismo, 2) aeutanásia do ponto de vista utilitarista de Peter Singer, 3) a eutanásia do ponto de vista do cuidado de enfermagem.

RESULTADOS E DISCUSSÃO:

Utilitarismo:

O utilitarismo é uma doutrina ética defendida principalmente por Jeremy Bentham e John Stuart Mill que afirmam que as ações são boas quando tendem a promover a felicidade e más quando tendem a promover o oposto da felicidade. Filosoficamente, pode-se resumir a doutrina utilitarista pela frase: “Agir sempre de forma a produzir a maior quantidade de bem-estar” (Princípio do bem-estar máximo) (MILL,2009).

Jeremy Bentham (1748-1832) e John Stuart Mill (1806-1873) sistematizaram o princípio da utilidade e conseguiram aplicá-lo a questões concretas: legislação, justiça, política, economia, liberdade sexual, emancipação feminina, etc. (MILL,2009).

Cinco princípios fundamentais são comuns a todas as versões do utilitarismo: princípio da utilidade, princípio do bem-estar, consequencialismo, princípio da agregação e princípio da otimização (MILL,2009).

Bentham expõe o conceito central da utilidade no primeiro capítulo do livro “Introdução aos princípios da moral e legislação”, da seguinte forma: “Por princípio da utilidade, entendemos o princípio segundo o qual toda a ação, qualquer que seja, deve ser aprovada ou rejeitada em função da sua tendência de aumentar ou reduzir o bem-estar das partes afetadas pela ação (MILL,2009).

Em 2011 o Japão foi atingido por um tsunami devastador que causou o rompimento de um reator de uma usina nuclear na cidade de Fukushima. Algumas semanas após o desastre, alguns homens foram selecionados para entrar na usina com o objetivo de desligar dois reatores que ainda funcionavam e minimizar o problema da radiação do reator que estava vazando. Todos eles aceitaram ir sabendo do risco que corriam, da contaminação que poderia lhes causar problemas de saúde no futuro e até da hipótese de perderem à vida no local. Na visão do utilitarismo essa ação é considerada válida, pois vai sacrificar alguns indivíduos para salvar a maioria da população desse local.

No Pantanal brasileiro, os boiadeiros são obrigados a levar o rebanho, por causa da escassez de comida, para outra região farta em alimentos. Um dos obstáculos com que eles se deparam são os rios infestados por piranhas. Para atravessar o rio com o rebanho, o boiadeiro vê-se obrigado a separar um boi que será sacrificado, a fim de que o rebanho atravesse o rio em segurança. O boi é separado e levado ao rio, logo é atacado pelas piranhas. Rapidamente o rebanho atravessa o rio e consegue chegar ao outro lado. Em poucos minutos o boi que foi separado é devorado. Um boi teve que ser sacrificado para que a maioria do rebanho fosse salva. Observamos que nesse exemplo alcançou-se o princípio do utilitarismo, pois causou o bem-estar para a maioria do rebanho.

A eutanásia do ponto de vista utilitarista de Peter Singer:

Peter Albert David Singeré um filósofo australiano e atual professor de bioética da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos. É um dos mais polêmicos e influentes pensadores contemporâneos, ainda vivo.O utilitarismo desse autor tem como objetivo que o interesse de um indivíduo não deve ser maior do que o outro e os interesses desse indivíduo devem levar em conta todos os indivíduos que serão afetados pela decisão dele, ou seja, visa que uma ação ética seja adequada para todos os envolvidos na ação tomada ao longo do tempo (SINGER, 2002).

Em defesa do princípio da igual consideração de interesses, Singer afirma que este atua como uma balança, pesando de maneira igual os interesses de todos. O que torna os homens iguais são os seus interesses que podem ser usados nas decisões morais, não tratar todos iguais, mas o equilíbrio em que são afetados por uma ação moral. Singer discorda de qualquer teoria de que todos os homens são iguais, ele afirma que existem diferenças entre os indivíduos, porque os seres humanos não a possuem no mesmo grau, um exemplo são os recém-nascidos. Ao levar em conta os interesses de todos os seres humanos precisamos ter consciência de que não podemos diferenciá-los segundo sua raça, cor, sexo ou qualquer outra característica; o elemento básico da igualdade deve ser aplicado a todos (SINGER, 2002).

A filosofia singeriana coloca-nos à frente de duas ideias: a Igualdade de consideração de interesses e o princípio de igual consideração de interesses (SINGER, 2002).

No princípio da igualdade de consideração de interesses, Singer afirma: “é um princípio mínimo de igualdade, no sentido que não impõe um tratamento igual”. A igual consideração de interesses age de uma forma não-igualitária, por exemplo, num acidente envolvendo dois carros com duas vítimas, o primeiro motorista (A) sofreu uma fratura exposta num dos braços e está sofrendo muita dor, já o segundo motorista (B) quebrou um dos pés e está sentindo dor, mas uma dor mais suportável do que uma fratura exposta. O médico chega ao local e tem apenas dois anestésicos para aliviar a dor, se der apenas um anestésico para o indivíduo (B) que tem apenas o pé quebrado, logo a dor acalma, mas para o indivíduo (A) que tem a fratura exposta não basta apenas um anestésico para aliviar a dor; nessa situação a igual consideração de interesses escolhe que o indivíduo (A) que tem a fratura exposta por ter a dor mais forte receba as duas doses do anestésico (SINGER, 2002).

No princípio de igual consideração de interesses, Singer, procura dar o máximo de igualdade, mesmo se às vezes não seja a melhor decisão. Neste exemplo, um acidente envolvendo dois motoristas, uma vítima (A) fatalmente veio a perder um braço e está sujeito a perder três dedos da mão, e a outra vítima (B) está sujeita a perder um dos braços, que socorrendo logo pode ser salvo. Neste caso o princípio de igual consideração de interesses diz que a vítima (B) que está sujeita a perder um dos braços tenha prioridade, pois o princípio entende que se o indivíduo for socorrido logo salvará o braço, pois a outra vítima (A) já perdeu um braço e pode vir a perder os três dedos, e entre amputar três dedos ou salvar um braço a opção é amputar os três dedos da outra vítima (A). Aqui não devemos levar em conta os interesses particulares, mas sim o interesse de todos que foram afetados (SINGER, 2002).

A vigente definição de morte foi proposta pelo Comitê Especial da Escola de Medicina de Harvard, no artigo The Ad Hoc Committee of the Harvard medical School to Examine the Definition of Brain Death, publicado em 1968, pelo Journal of the American Medical Association. O comitê atesta que o coma irreversível é o critério apropriado para definir morte. Ele também menciona a perda, em caráter permanente, da capacidade intelectual, e declara morto um indivíduo que esteja em coma irreversível em consequência de lesão cerebral permanente (MORATO, 2009).

Singer enfatiza sua posição ao separar lesão cerebral de morte cerebral: “Ora, coma irreversível em consequência de lesão cerebral permanente não é, de forma alguma, idêntico à morte do cérebro inteiro. A lesão permanente das partes do cérebro responsáveis pela consciência também pode significar que o paciente está num estado vegetativo persistente, condição na qual o tronco cerebral e o sistema nervoso central continuam a funcionar, mas a consciência foi irreversivelmente perdida. Ainda hoje, nenhum sistema legal considera morto os que estão em estado vegetativo persistente” (SINGER, 2002).

Um motivo para tentar justificar o porquê de pessoas em coma irreversível serem consideradas mortas é o de que nelas o cérebro inteiro está morto e por isso param de respirar ao serem removidas do respirador. Por outro lado, os indivíduos no estado vegetativo persistente podem continuar a respirar sem qualquer assistência mecânica. A redefinição do conceito de morte foi aceita sem opositores, porque não prejudica os pacientes de morte cerebral e beneficia todos os demais envolvidos (família dos pacientes, hospitais, cirurgiões de transplantes, pessoas necessitadas de transplantes, contribuintes, governo). A população em geral compreende que, se o cérebro de alguém foi destruído, não podendo haver recuperação da consciência, não há sentido em se manter o corpo. Segundo o que foi colocado por Peter Singer, essa concepção de morte foi pensada devido à necessidade de obtenção de órgãos para transplantes. Além disso, pacientes em coma irreversível constituem um grande peso para a família, para os hospitais e para os pacientes à espera de leito (SINGER, 2002).

Peter Singer lembra que, com o progresso da ciência e da tecnologia médica, é possível que o atual conceito de morte seja revisto, pois essa é apenas uma definição conveniente, aceita porque possibilita a interrupção de tratamento médico e a recuperação de órgãos, quando do cérebro já não se obtêm nenhum benefício. Porém, Peter Singer acrescenta: “Mesmo quando os testes usuais mostram a ocorrência de morte cerebral, algumas funções cerebrais persistem. Achamos que o cérebro está principalmente relacionado com o processamento de informações através dos sentidos e do sistema nervoso, porém ele responde igualmente por outras funções. Uma delas é suprir vários hormônios que ajudam a regular diversas funções corporais”. (SINGER, 2002).

Peter Singer coloca alguns questionamentos introdutórios para a reflexão sobre a eutanásia. Tais como: quando ocorre a morte de um ser humano? Quando é permitido a um profissional da área de saúde pôr fim, intencionalmente, à vida de um paciente? Quando se torna possível remover órgãos de um ser humano com a finalidade de doá-los para outro ser humano? O próprio Peter Singer responde aos questionamentos afirmando que, antes da formulação do atual conceito de morte, em agosto de 1968, a resposta à primeira pergunta seria quando a circulação pára em caráter permanente, com a consequente cessação da respiração, do pulso etc. A resposta à segunda pergunta seria nunca, se respeitássemos a mesma data da pergunta anterior. E a resposta à terceira pergunta seria desde 1968, quando o doador estivesse morto, isto é, sem as atividades do córtex cerebral (SINGER, 2002).

Para Singer (2002), a eutanásia refere-se à morte das pessoas que apresentam um diagnóstico de doença incurável. O autor entende que a eutanásia é uma ação praticada em benefício do paciente e tem por finalidade poupar-lhes a continuidade da dor e do sofrimento. O autor define ainda a eutanásia como aquela feita a pedido da pessoa que pretende ser morta.

Analisando a opção da eutanásia sob a ótica utilitarista, identifica – se que são levados em conta não apenas os interesses de quem morre, mas também de quem convive com o ser enfermo. Singer (2002) destaca que: O fato de pessoas serem mortas nessas condições não tenderia a espalhar o medo ou insegurança, uma vez que não temos motivo para ter medo de que nos matem com nosso consentimento. Se não queremos ser mortos, simplesmente não consentimos. Nesse sentido, ressaltamos aqui o direito à liberdade de escolha e o direito de querer viver ou não. Um outro viés da defesa da eutanásia baseia-se no respeito ao princípio da autonomia: o ser humano tem o poder de decidir sobre o seu corpo e a sua vida, tem a possibilidade de querer viver ou não. Para o paciente que se encontra em determinada situação de saúde que não demonstre melhora e para o qual não exista possibilidade de cura, a eutanásia apresenta-se como uma opção. Respeitar a decisão do doente garante a ele o controle e a autonomia de sua vida e, principalmente, de sua morte (SINGER, 1996). Corroborando, Singer (1996) relata que o termo eutanásia hoje é usado para referir – se à morte daqueles que estão com doenças incuráveis e sofrem de angústia e dores insuportáveis; é uma ação praticada em seu benefício e tem por finalidade poupar-lhes a continuidade da dor e do sofrimento.

Tentar compreender a escolha de um paciente em relação à eutanásia requer uma revisão de conceitos. E um dos principais conceitos a serem revisados é o da santidade da vida humana. Singer contrapõe a doutrina da santidade da vida humana. O autor afirma que a vida humana não tem valor superior ou melhor do que a vida de outro animal. Então, se é correto praticar a eutanásia em um animal porque este se encontra em sofrimento e sem possibilidade de cura, por que não é aceitável praticar a eutanásia no ser humano que se encontra em situação de sofrimento e sem possibilidade de cura? O que difere a vida humana da vida animal? O animal, assim como o ser humano, cria vínculos, demonstra sentimentos, sente dor, prazer, felicidade. Pode não compreender esses sentimentos todos, mas entende o que lhe faz bem e o que não faz. Partindo desta oposição à doutrina da santidade da vida humana, Peter Singer entende que é correto proporcionar a eutanásia ao ser humano, quando ele a solicita, mediante uma situação de doença onde não há mais possibilidade de melhora ou cura (SINGER, 1996).

A eutanásia do ponto de vista do cuidado de enfermagem:

Atualmente, o enfermeiro está vivendo situações de problemas éticos que exigem muito mais que competência técnica, exigem um apurado senso crítico e habilidades específicas para tomar decisões, considerando seus valores pessoais e os valores morais.

O exercício da atividade profissional de Enfermagem, é baseado no respeito à dignidade humana desde o nascimento até a morte. Apesar desta consciência, o contexto agrava-se se o enfermeiro for confrontado com a vontade do doente em querer a eutanásia. Como agir perante o princípio de autonomia do doente? Como agir perante o direito de viver? Perante este quadro, com o qual poderemos nos deparar algum dia, é necessário ter um profundo conhecimento das competências, obrigações e direitos profissionais, de forma a respeitar e proteger a vida como um direito fundamental das pessoas.

A eutanásia é um problema que atinge toda a sociedade em geral e, de forma específica algumas classes profissionais, entre elas, a enfermagem. A classe de enfermagem é atingida em cheio pela questão da eutanásia, visto que “esta tem mais contato com o paciente e família e conhece melhor a dinâmica familiar. ” (KIPPER, 1999).

No Brasil, o enfermeiro encontra-se diante da eutanásia, não só como cidadão, mas também como profissional. Como cidadão, depara-se com o Código Penal Brasileiro que condena qualquer ato que atente contra a vida do ser humano e, por conseguinte, condena a eutanásia (artigo 121º-128º) (NUCCI, 2010). E, como profissional deve agir conforme o Código de Ética da Enfermagem, que diz: “é proibido promover a eutanásia ou cooperar em prática destinada antecipar a morte do cliente”. (Artigo 29º) (COREN RJ, 2003).

O Código de Ética de Enfermagem é um instrumento utilizado para regular a prática profissional do enfermeiro. Ele permite clareza na definição de responsabilidades, deveres e proibições, além de fortalece a prática profissional, auxiliar nas questões éticas e direcionar na tomada de decisões.

Segundo o Código de Ética de Enfermagem, o enfermeiro possui as seguintes responsabilidades: proteção da saúde, promoção da saúde, prevenção de doenças e alívio da dor. Isto é, a enfermagem existe para respeitar a vida e a dignidade humana. Apesar dos grandes debates sobre a eutanásia, os códigos de ética de enfermagem de todos os países são unânimes em não liberar a atuação do enfermeiro nessa prática.

CONCLUSÃO:

No Brasil, a eutanásia é vista como uma prática condenável, que vai contra o exercício da enfermagem cujo compromisso é voltar-se sempre em favor da vida do homem, prevenindo doenças, cuidando dos enfermos e minimizando o sofrimento, sem discriminação ou preconceito de qualquer natureza.

Diante do contexto, questiona-se: o valor sagrado da vida existe mesmo quando só possibilita mais sofrimento? Para Marquis (2009) a teoria da dessantificação da vida de Singer não é satisfatória, uma vez que não pode ser aplicada a todos os seres humanos, e não é moralmente permissível matar todo e qualquer ser humano que assim o desejar.

O ser humano foi criado por Deus a sua imagem e semelhança. Logo, toda e qualquer vida só pode ser tirada por Deus. Nesse sentido matar uma pessoa é uma ofensa a Deus. Não importa em quais condições este ser humano esteja, sua vida sempre será um bem intocável, inviolável e somente Deus poderá tirá – la. Não há justificativa para praticar a eutanásia nos seres humanos. O direito mais básico do ser humano é à vida, logo, em qualquer circunstância é errado matar um ser humano, simplesmente porque este o quer.

Existe um grande medo em se liberar a prática da eutanásia, devido aos riscos que essa legalização trará, tais como: todo e qualquer paciente em estado terminal poderá solicitar a eutanásia como uma maneira de abreviar seu sofrimento e daqueles que o cercam; os familiares ou herdeiros poderiam agir com interesse financeiro e recomendar ou mesmo incentivar a eutanásia; além do perigo que poderia representar às pessoas mais fracas de um determinado segmento social. LEPARGNEUR (1999) pensa que existe a concreta possibilidade de, numa sociedade em que a morte sob solicitação seja considerada lícita, os moribundos acabem numa situação em que são constrangidos a expressar o seu “desejo de morrer” como o cumprimento de um último dever para com os viventes.

A enfermagem abre um leque de discussão sobre o assunto em todas as instâncias. A ética de todos os profissionais de saúde proíbe a eutanásia, mesmo nos casos em que o paciente ou seus familiares desejam. O avanço tecnológico da enfermagem proporciona alternativas para o paciente em estado vegetativo ou terminal; os cuidados paliativos, o tratamento da dor, a participação de familiares e amigos servem para aliviar o sofrimento físico e psicológico, e são uma alternativa à eutanásia. Ao fazer o juramento profissional, o enfermeiro compromete-se com a vida e não com a morte, provocar ou facilitar a morte do seu paciente é algo que não pertence a sua rotina de trabalho. Quando o enfermeiro se depara com um paciente que lhe solicita a eutanásia, surge o conflito. Uma vez que a eutanásia vai contra tudo aquilo que o enfermeiro sempre acreditou. Aceitar a eutanásia requer uma adaptação da conduta profissional.

Singer em seus escritos defende a prática da eutanásia em várias situações, defende que uma mãe pode determinar que desliguem os aparelhos que mantém vivo seu filho, defende que uma pessoa pode sim determinar o fim de sua vida e acredita que a prática da eutanásia pode sim ser uma realidade.

No entanto, não é fácil dizer e nem decidir o momento de desligar o respirador artificial de um paciente terminal. Até porque, há casos em que os doentes considerados incuráveis se recuperam. Diante disso, os enfermeiros não devem praticar a eutanásia. Ao invés disso, devem providenciar outros fatores que contribuam para uma boa morte, tais como: o alívio da dor, o controle dos sintomas advindos com a evolução da doença e os cuidados espirituais e emocionais tanto do paciente quanto da família dele.

REFERÊNCIAS

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1 Enfermeira. Especialista em UTI. Especialista em Obstetrícia. Mestre em Enfermagem. Universidade Federal do Maranhão. Enfermeira do Hospital Universitário Presidente Dutra.

2 Bacharel em História. Universidade Federal do Maranhão. Acadêmico de Educação Física. Faculdade Edufor.