REFORMA TRABALHISTA E AUTONOMIA PRIVADA: UMA ANÁLISE SOBRE OS ACORDOS INDIVIDUAIS DE TRABALHO E O AGRAVO AO PRINCÍPIO PROTETIVO DA NORMA MAIS FAVORÁVEL

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7316827


Gleycia Karen Venceslau Silva


Resumo:.
O presente artigo tem como escopo investigar os principais impactos da reforma trabalhista introduzida pela Lei 13.467/2017, que modificaram diversos dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho, no que tange a livre negociação entre trabalhador e empregador. Tendo como aporte metodológico a revisão bibliográfica, através de leis e importantes doutrinadores foi possível resgatar o debate quanto a fragilização do trabalhador frente a essa negociação direta, tendo em vista que os princípios norteadores do direito do trabalho foram mitigados para atender as demandas do mercado de trabalho, colocando assim o trabalhador em condições desvantajosas

Palavras-chave: negociação, trabalhador, empregador, reforma trabalhista.

Abstract:
This article investigated the main labor and operational impacts of Law 13.467/17, which modified the Consolidation of Workers’ Laws, which change the impacts of negotiating the Workers’ Laws. Having as a reference the method of doctrinal review, of laws and important principles of law mitigated to meet the demands of the labor market, as well as the worker in conditions of joy.

Keywords: negotiation, worker, employer, labor reform.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo analisar os dispositivos da CLT – Consolidação das Leis do Trabalho, que sofreram alterações promovidas pela reforma trabalhista no que tange os contratos individuais de trabalho, o agravo ao princípio protetivo da norma mais favorável e as consequências para o trabalhador juntamente com perda de direitos e garantias constitucionais, sua aprovação em curto espaço de tempo e sem a efetiva participação da sociedade brasileira. 

Nesse sentido, delineou-se alguns objetivos específicos a serem atingidos durante a pesquisa, a saber: debater sobre a reforma trabalhista e seus impactos para o trabalhador como sendo a parte hipossuficiente da relação trabalhista e a mitigação do acesso à justiça do trabalho; realizar uma análise comparativa a respeito do princípio da proteção, a inversão da lógica protetiva pela negociação individual com o trabalhador e suas alterações na dinâmica trabalhista e apontar os impactos negativos sobre os acordos individuais de trabalho e a prevalência do negociado sobre o legislado, do enfraquecimento das representações sindicais e as controvérsias envolvendo as lides trabalhistas.

Tendo em vista a relevância temática, é justificável avaliar os impactos nas relações de trabalho no Brasil após a reforma trabalhista de 2017.  Sendo esta, aprovada e sancionada em tempo recorde, trouxe alterações em seu texto de lei que representa um processo de desmonte de desestruturação de trabalho, retirando direitos, dificultando o acesso à justiça, criando uma série de possibilidades de contratos precários de trabalho. 

A partir dessa pertinência temática é que surgiu a pergunta norteadora da presente investigação surge: Quais os impactos e reflexos ocasionados pelas medidas dos acordos individuais e coletivos de trabalho para o empregado após reforma trabalhista? 

Visando obter reflexões acerca desse questionamento, a pesquisa em questão dividiu-se em três etapas, a saber: compreender a evolução histórica do Direito do trabalho e sua expansão no Brasil, identificar os princípios específicos do Direito do trabalho, apontar os impactos negativos sobre os acordos individuais de trabalho e a prevalência do negociado sobre o legislado, do enfraquecimento das representações sindicais e as controvérsias envolvendo as lides trabalhistas. 

A pesquisa tem como aporte metodológico a pesquisa qualitativa e bibliográfica sobre a história, criação e Evolução do Direito do Trabalho, pesquisa bibliográfica atinente a Reforma Trabalhista, leitura de pesquisa na CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas, leitura de pesquisa para o levantamento de dados no DIEESE (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos). 

2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO DO TRABALHO

2.1 A origem do direito do trabalho

As relações humanas sempre foram marcadas pela presença da intervenção do homem em seu espaço de convívio, entre eles, destaca-se o trabalho como uma forma do ser humano otimizar o seu meio. A atividade desenvolvida através do trabalho passou por diversos momentos até chegar ao que a sociedade entende hoje como o labor.

Este fenômeno social está presente em todas as sociedades, que vai desde os grupos mais primitivos que conviviam em comunidades e se empenhavam em garantir alimentos e proteção comum, através do esforço coletivo. Com o avanço tecnológico e a apropriação da natureza por parte do homem, desenvolveu-se um novo modo de atividade laboral: a escravidão. Como bem descreve Martins (2011)

A primeira forma de trabalho foi a escravidão, em que o escravo era considerado apenas uma coisa, não tendo qualquer direito, 3 muito menos trabalhista O escravo, portanto, não era considerado sujeito de direito, pois era propriedade do dominus. Nesse período, constatamos que o trabalho do escravo continuava no tempo, até de modo indefinido, ou mais precisamente até o momento em que o escravo vivesse ou deixasse de ter essa condição. Entretanto não tinha nenhum direito, apenas o de trabalhar (p. 37)

A organização social escravocrata perdurou por séculos, tendo diversas motivações socioeconômicas. O modelo de escravidão antiga, geralmente estava associado às guerras e a dívidas, duas formas comuns no contexto euroasiático. Além disso, posteriormente, a escravidão moderna trouxe a doutrina racista que amparou esse processo intercontinental da África para o resto do mundo (NASCIMENTO, 2012).

Com o afloramento da economia capitalista no século XVIII na Inglaterra, em sua fase de industrialização surge um novo modelo de apropriação do trabalho, em que a mão de obra passa a ser atribuída como mercadoria para as indústrias que ali se estabeleceram. A força de trabalho passa a ser essencial para a produção do lucro, e isso se consolidava a partir da produção exponencial do mercado, conforme a tese marxista

A produção capitalista não é apenas produção de mercadorias, é essencialmente produção de mais-valia. O trabalhador produz não para si, mas para o capital. Não basta, portanto, que se produza em geral. Ele tem de produzir mais-valia. Apenas é produtivo o trabalhador que produz mais-valia para o capitalista ou serve à autovalorização do capital. (MARX, 1985, p.105).

A tese marxista supracitada identifica que esta nova relação de trabalho surgida pela venda da força de trabalho em troca de um salário, própria da economia capitalista, permitiu à classe burguesa sua rápida locupletação. 

Em detrimento disto, a produção de riquezas através do esforço individual, ora defendida pela Economia Clássica Smithiana, como principal motor do desenvolvimento econômico de um determinado lugar, é engrandecida por essa força de trabalho aplicada sob baixos salários e condições insalubres para o trabalhador (LESSA, 2009).

Com a lógica do trabalho capitalista, a exploração exercida sobre o trabalhador e a ausência estatal para regular as classes econômicas formadas, o trabalhador ficou à mercê do capital, que era quem determinava as regras quanto aquilo que o trabalhador deveria receber em troca de sua força de trabalho. Sob essa ótica, Nascimento (2012) leciona que:

O direito do trabalho nasce com a sociedade industrial e o trabalho assalariado […]. A principal causa econômica foi a Revolução Industrial do século XVIII, conjunto de transformações decorrentes da descoberta do vapor como fonte de energia e da sua aplicação nas fábricas e meios de transportes. Com a expansão da indústria e do comércio, houve a substituição do trabalho escravo, servil e corporativo pelo trabalho assalariado em larga escala, do mesmo modo que a manufatura cedeu lugar à fábrica e, mais tarde, à linha de produção (p.43).

Essas novas relações implicaram uma busca pela mediação entre interesses das duas classes: trabalhador e empregador. É, pois, a partir daí que surge o fenômeno dos sindicatos como mediador desses interesses para mitigar os impactos da exploração capitalista (OLIVEIRA, 1997).

Em consonância a isso, o próprio Estado, por força das pressões sindicais inicia um processo de diálogo com as classes para redução de jornada de trabalho, condições mais dignas no ambiente laboral, entre outras reivindicações (OLIVEIRA, 1997).

O que se pretende estabelecer a partir de então é o equilíbrio entre as classes que surgem com a globalização do capitalismo, em busca de uma reforma na maneira de lidar com as questões trabalhistas, sem que estas se tornem um problema de grandes proporções para a classe capitalista.

2.2 A evolução do direito do trabalho no Brasil

A natureza do Direito do Trabalho no Brasil possui características próprias de um país colonizado e explorado por um longo período. A institucionalização da escravidão permitiu que por 388 anos, o principal regime econômico fosse o escravocrata, e consequentemente, suprimindo qualquer direito inerente à aplicação da força de trabalho.

Com a globalização do capitalismo e sua lógica de consumo, foi necessário a adaptação para a mão de obra assalariada. No Brasil, o direito do trabalho surge dentro de um contexto histórico mundial, em que partir do século XIX é que começa a surgir movimentos que visavam garantir avanços legais na seara trabalhista, como por exemplo, a proibição de trabalho para menores de 12 anos e a criação da fundação da liga operária no Rio de Janeiro (DELGADO, 2019)

Com relação à evolução histórica do trabalho no Brasil, Delgado (2019), afirma que o fenômeno sócio-histórico resulta de um complexo diferenciado e combinado de fatores, onde é possível identificar as múltiplas determinações que deram origem ao fenômeno sociojurídico do Direito do Trabalho. 

O supracitado autor aduz que: 

O Direito do Trabalho surge da combinação de um conjunto de fatores, os quais podem ser classificados em três grupos: fatores econômicos, fatores sociais, fatores políticos. Evidentemente que nenhum deles atua de modo isolado, já que não se compreendem sem o concurso de outros fatores convergentes. Muito menos tem caráter estritamente singular, já que comportam dimensões e reflexos diferenciados em sua própria configuração interna (não há como se negar a dimensão e a  repercussão social e política, por exemplo, de qualquer fato fundamentalmente econômico). Entretanto, respeitadas essas fundamentações, por permitir uma visão abrangente do conjunto do processo de construção e consolidação do ramo trabalhista (DELGADO, 2019, p. 54)

Pertinente a isso, faz-se mister discorrer sobre a história da Justiça do Trabalho no Brasil, que tem sua origem definida a partir da criação do Conselho Nacional do Trabalho em 1923. A legislação trabalhista brasileira nasce durante o período do Estado Novo, após a Revolução de 1930 com a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Com esse advento, nos anos seguintes houve algumas conquistas como, por exemplo, a instalação da justiça do trabalho em 1941 e a criação da Consolidação das Leis do Trabalho em 1943. 

Em princípio, nas palavras de SILVA NETO (2006, p.55) a Constituição de 1934 é um marco na evolução histórica do nosso direito Constitucional, garantindo e inscrevendo os direitos sociais, incorporando o sentido social do direito e ampliando os horizontes do direito social à família, à educação e à saúde.  Portanto, a Constituição de 1934 foi a primeira a garantir direitos trabalhistas como a proteção do trabalho das mulheres e menores, liberdade sindical, isonomia salarial, férias remuneradas, salário mínimo, entre outros. 

Seguindo essa linha cronológica, com o advento da Carta Magna de 1988, ocorreram alguns avanços significativos para os trabalhadores, ampliando direitos e fortalecendo o movimento operário. Com isso, foi inserido dentre os princípios fundamentais, igualdade constitucional e garantias trabalhistas para os empregados urbanos e rurais, como afirma em seu art. 7°, que os trabalhadores urbanos e rurais são iguais perante a lei, sendo sujeitos dos mesmos direitos.

2.3 Paradigmas constitucionais

O direito ao trabalho, considerado pela Constituição de 1988, como um direito social fundamental, deve ter sua proteção acolhida tal qual todas as outras garantias constitucionais.  Nesse sentido, compete destacar dois aspectos que salvaguardam o direito ao trabalho, o primeiro retrata o aspecto subjetivo, visando promover o acesso ao mercado de trabalho e consequentemente, dar garantias de vida digna aos cidadãos (DELGADO, 2007).

O segundo aspecto está relacionado à proteção coletiva aos trabalhadores em detrimento das oscilações do mercado de trabalho, tendo em vista a relação de hipossuficiência entre trabalhador e empregado. Desse modo, é possível frisar que tais características são inerentes ao princípio da dignidade humana (DELGADO, 2007).

Oportunizar ao cidadão para que tenha de acesso ao trabalho, em condições dignas, referentes não apenas ao salário, mas na qualidade do ambiente de trabalho e na segurança de laborar sem que o desemprego seja uma ameaça constante permite que o trabalhador alcance também os demais direitos sociais tais como saúde, educação, moradia, entre outros. Quanto à essa garantia, importa frisar que

[…] as normas que garantem os direitos econômicos devem assegurar, de sua parte, o direito a um nível de vida decente, como expressão e realização desse princípio fundamental. […] como primeiro princípio dos direitos fundamentais, ele (o princípio da dignidade da pessoa humana) não se harmoniza com a falta de trabalho justamente remunerado, sem o qual não é dado às pessoas prover adequadamente a sua existência, isto é, viver com dignidade (DELGADO, 2007, p.287).

Sobre esse princípio basilar, funda-se na proteção desse direito, através de outras normas infraconstitucionais, como a Consolidação das Leis do Trabalho- CLT, que trouxe em seu bojo garantias mínimas em relação ao trabalho e salvaguardou os trabalhadores.

Nessa esteira, os direitos trabalhistas encarregaram-se de se impor como protetor do trabalhador e do trabalho, ante as flutuações da economia neoliberal. Esse cenário permitiu refletir sobre o caráter expressivo do poder estatal em limitar a economia de mercado (MIRAGLIA, 2009).

O enfrentamento ao neoliberalismo, expressivo a partir dos anos 1990 no Brasil, demonstraram o caráter nefasto desse modelo econômico que teve como consequência o desemprego e o aumento das desigualdades socioeconômicas. (MIRAGLIA, 2009).

Nesse sentido, a desconstrução do justrabalhismo no Brasil, através da reforma trabalhista colocou em risco grande parte das manifestações positivas no seio jurídico quanto ao amparo do trabalhador conquistadas.

3. PRINCÍPIOS ESPECÍFICOS DO DIREITO DO TRABALHO

A função normativa dos princípios dentro do âmbito jurídico possui em seu bojo o caráter de informar o legislador, dando o suporte para inovar, possui ainda o caráter de suplantar a norma jurídica quando esta for omissa em casos concretos e utilizada  ainda como critério de interpretação.

Para o renomado Celso Antônio Bandeira de Mello, os princípios em geral definem-se da seguinte forma:

Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um Sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do Sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo (1981, p.230).

Já no âmbito do direito do trabalho, interessa ressaltar que existem ainda outras funções para os princípios, tais como: 

[...] são utilizados como regramento para a adaptação dos conceitos de outros ramos do direito para aplicação às relações de emprego. Nesse sentido, impedem a utilização de orientações contrárias aos fundamentos do direito do trabalho, como, por exemplo, a autonomia da vontade. Desenvolvem conceitos, viabilizando a influência do direito do trabalho em outros ramos. Os princípios apresentam a função de “incentivadores da imaginação criadora”. A potencialidade dos princípios de organização de conceitos e sua capacidade de resolver problemas interpretativos atribuem o dinamismo característico do sistema jurídico. Dessa forma, possibilitam a recriação de conceitos obsoletos no direito do trabalho, atualizando o sistema (RODRIGUEZ, 2000, p.43).

 Deste modo, os princípios agem no intuito de combater os espaços em que a legislação não abarcou, dando ao trabalhador a segurança jurídica suficiente para que, ao ingressar no âmbito trabalhista, possa ter sua causa o devido amparo jurídico.

3.1 Princípio da proteção ao trabalhador

O presente princípio compreende que o trabalhador, por ser a parte mais vulnerável na relação trabalhista, entrega-lhe vantagens que deverão ser observadas pelo empregador na relação contratual. O trabalhador, por ser subordinado juridicamente ao seu empregador, percebe uma relação de poder, principalmente os de caráter econômico.

Nesse sentido, por se tratar de uma relação de desigualdade, o direito do trabalho preocupou-se em resguardar um maior amparo ao trabalhador, conferindo-lhe assim tais vantagens. Tendo em vista a necessidade de equilibrar essa relação, é que se criou o princípio da Proteção ao Trabalhador, como afirma Amaral (2001)

 Justamente com a finalidade de igualar os desiguais foi que surgiu o princípio da proteção no âmbito do Direito do Trabalho. Pode-se afirmar, sem medo de errar, que este princípio trata-se de reflexo de igualdade substancial das partes, preconizada no âmbito do direito material comum e direito processual (p.200).

A presença de tal princípio resguarda a igualdade substancial que observa justamente de tratamento igual aos substancialmente iguais, uma vez que se preocupa em compreender que as desigualdades econômicas podem sim acarretar desigualdades nas relações jurídicas.

3.2 Princípio da norma mais favorável ao trabalhador

Este princípio representa um desdobramento lógico do princípio da proteção ao trabalhador, e dele entende-se que há duas formas de interpretá-lo: a primeira revela-se no seu sentido impróprio que busca nas múltiplas interpretações da lei, a que mais se adequa aos interesses do trabalhador.  A segunda forma, denominada de própria, cumpre a função de efetivar a sua aplicação quando há várias normas aplicáveis na mesma situação jurídica.

Entre a pluralidade de normas que regem o ordenamento jurídico brasileiro, no âmbito trabalhista, as normas que conferem um mínimo ao trabalhador serão aplicadas , sem prejuízos às partes envolvidas. Convém ressaltar que essa aplicação se adequa ao princípio ora mencionado, conforme leciona Nascimento (1977)

Ao contrário do direito comum, em nosso direito entre várias normas sobre a mesma matéria, a pirâmide que entre elas se constitui terá no vértice, não a Constituição Federal, ou a lei federal, ou as convenções coletivas, ou o regulamento de empresa, de modo invariável e fixo. O vértice da pirâmide da hierarquia das normas trabalhistas será ocupado pela norma mais favorável ao trabalhador dentre as diferentes em vigor (p.235).

Tal exegese não deve ser compreendida como uma supervalorização das necessidades do trabalhador em detrimento do coletivo, ao contrário, é regido pelo interesse público, sendo portanto, limitado quando o aplicador da lei for interpretá-lo (AMARAL, 2001).

 Nesse ínterim, é possível destacar que existem limitações criteriosas para a sua aplicação que não deverá considerar apenas o trabalhador, mas escolhida de forma objetiva, verificando de que maneira o caso concreto irá se adequar a norma escolhida 

3.3 Princípio da condição mais benéfica ao trabalhador

Tendo como escopo o tratamento de igualdade entre os desiguais, tal princípio, concede ao trabalhador condições mais vantajosas ao trabalhador nas relações contratuais, decorrentes do ajuste entre trabalhador e empregado, ainda que posteriormente sobrevenha regra menos vantajosa.

A prevalência desse princípio decorre do direito postulado em carta constitucional, baseado no art.5°, inciso XXXVI,” a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Desse modo, não poderá ser suprimido do trabalhador, aquilo que já fora consolidado como direito seu, garantindo ainda o princípio da segurança jurídica. Conforme entendimento preconizado por Amaral (2001)

 [...] a aplicação da regra exige como pressuposto a existência de uma situação concreta, sendo que essa situação pode ser resultado de lei, convenção ou acordo coletivo, sentença normativa, contrato individual de trabalho e, até mesmo, regulamento de empresa. Basta o reconhecimento de uma situação concreta mais benéfica a o empregado (p.197).

Importa ressaltar que, no caso concreto exigirá uma interpretação dentro da razoabilidade e proporcionalidade, levando em consideração as peculiaridades de cada situação fática.

3.4 Princípio do in dubio pro operário

A relação empregatícia, como já fora destacada anteriormente, possui desigualdade material que certamente aloca o empregado numa situação desvantajosa. Visando dirimir essa disparidade, o princípio ora postulado constitui-se como uma interpretação dada pelo aplicador do direito no intuito de escolher a norma que que irá melhor abrandar essas diferenças, dentro ainda do princípio da razoabilidade.

A singularidade do Direito do trabalho está em proteger sempre a parte mais fragilizada desta relação, que é o trabalhador em detrimento do empregador. Ocorre que, a aplicação do princípio não poderá ocorrer de forma deliberada, pois existem:

[...] duas condições para a aplicação da regra in dubio pro operário, a saber: a) somente quando exista dúvida sobre o alcance da norma legal ; e b) sempre que não estiver em desacordo com a vontade do legislador. Neste sentido, não pode o intérprete estabelecer interpretação extensiva onde essa não é cabível, nem pode procurar interpretações que fujam da sistemática da norma , já que somente poderá ser aplicada a regra in dubio pro operário, quando efetivamente existir u m a dúvida acerca do alcance da norma legal e, ainda assim, sempre  em consonância com a mens legislatoris (AMARAL, 2001, p.203).

Em razão dessa aplicação, cumpre destacar que nem sempre será razoável estabelecer que apenas o empregado será o hipossuficiente dessa relação, o que corrobora para uma mitigação deste princípio sempre que o caso concreto assim o exigir.

4 A REFORMA TRABALHISTA E SEUS EFEITOS NAS RELAÇÕES DE TRABALHO: ANÁLISE DO INSTITUTO DA LIVRE NEGOCIAÇÃO ENTRE EMPREGADOR E EMPREGADO

4.1 A livre negociação entre empregador e empregado

As mudanças decorrentes da reforma trabalhista, ocorrida com a publicação da Lei 13.467/2017 impactou profundamente o Decreto-Lei 5.452/43, modificando as relações de emprego, no intuito de flexibilizar os direitos dos trabalhadores.

Dentre os principais pontos polêmicos da reforma, está a flexibilização por meio de negociações entre empregador e empregado.

 A nova legislação definiu em seu art.477-A, que

 As dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas equiparam-se para todos os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação.

Essa inovação legislativa mitigou alguns princípios no âmbito do direito do trabalho, demonstrando um retrocesso, tendo em vista que colide frontalmente com os preceitos constitucionais, 

Art.7° São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: I - relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos;

Desse modo, essa mudança legislativa  permitiu que os interesses do trabalhador fossem flexibilizados para se ajustar aos ditames do empregador, afastando a intervenção estatal nas relações de trabalho. Sob o manto de assegurar o negociado em detrimento do legislado (AMARAL, 2001).

As negociações foram pontos cruciais, principalmente por atingir diretamente os direitos fundamentais sociais referentes ao trabalhador, tais como a redução de salários, redução e compensação da jornada de trabalho, previstos no art. 7° da CLT.. 

A livre estipulação entre as partes foi um dos pontos críticos quando se trata de direitos do trabalhador, tendo em vista que essa relação não se dá entre pares, e sim partes desiguais.

Tal  inovação legislativa asseverou ainda mais a hipossuficiência do trabalhador, pois ampliou a vantagem do empregador, através da possibilidade de negociação contratual entre as partes, conforme  artigo 444

Art. 444 - As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes.

Importa destacar que essa alteração tem impactado na busca pela proteção no âmbito jurídico, por parte do trabalhador que vê na livre negociação uma vulnerabilidade ante um mercado de trabalho cada vez mais competitivo que não exitará em escolher pelo trabalhador que optar pelas condições impostas no contrato de trabalho.

4.2 Mudanças trazidas pela reforma trabalhista na negociação entre empregado e empregador

As mudanças ocorridas com a reforma flexibilizaram as relações trabalhistas, principalmente quando se trata de acordo individual de trabalho, pois possibilitou negociações sobre diversos itens atinentes ao contrato de trabalho. 

Outro ponto bastante controverso nas alterações, se trata da rescisão em comum acordo entre empregado e empregador, pois anteriormente não havia tal previsão legislativa, que previa a rescisão sempre pelo rompimento de uma das partes, seja por justa causa ou não. Com a inclusão do art.484-A, isso foi modificado:

Art. 484-A. O contrato de trabalho poderá ser extinto por acordo entre empregado e empregador, caso em que serão devidas as seguintes verbas trabalhistas:
I – por metade:
a) o aviso prévio, se indenizado;
b) a indenização sobre o saldo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, prevista no § 1o do art. 18 da Lei no 8.036, de 11 de maio de 1990;
II – na integralidade, as demais verbas trabalhistas.
§ 1o A extinção do contrato prevista no caput deste artigo permite a movimentação da conta vinculada do trabalhador no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço na forma do inciso I-A do art. 20 da Lei no 8.036, de 11 de maio de 1990, limitada até 80% (oitenta por cento) do valor dos depósitos.
§ 2o A extinção do contrato por acordo prevista no caput deste artigo não autoriza o ingresso no Programa de Seguro-Desemprego. 

Desse modo, tal alteração propõe que o trabalhador aceite os termos da rescisão, abrindo mão de algumas benesses que anteriormente eram garantidas em caso de o empregador demitir sem justa causa. Demonstra-se então a vulnerabilidade que o trabalhador passa a ter em sua relação contratual com o empregador.

Urge ainda destacar o surgimento do “trabalhador hipersuficiente”, que nada mais é do que aqueles trabalhadores com nível superior ou que possui salário mensal igual ao dobro do valor do maior benefício pago pelo Regime Geral de Previdência Social (RGPS), que poderá ser estipulado livremente entre as partes, conforme estabelece o parágrafo único do art. 444

Parágrafo único.  A livre estipulação a que se refere o caput deste artigo aplica-se às hipóteses previstas no art. 611-A desta Consolidação, com a mesma eficácia legal e preponderância sobre os instrumentos coletivos, no caso de empregado portador de diploma de nível superior e que rerceba salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.    

 Essa manobra legislativa permite assim que os princípios do direito do trabalho sejam mitigados em prol de uma relação trabalhista que irá privilegiar o livre mercado e fragilizar mais ainda aqueles que não se submeterem aos salários impostos pelos empregadores.

Além das mudanças propostas pelo art.444, tem-se também a introdução de uma nova modalidade de trabalho que é a prestação de serviços não contínua , feita através da alternância de períodos trabalhados e determinados períodos em que o trabalhador permanecerá inativo, percebendo sua remuneração apenas pelas horas efetivamente prestadas, sob convocação prévia, é o que prevê o art.443  

Art. 443. O contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou por escrito, por prazo determinado ou indeterminado, ou para prestação de trabalho intermitente. (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017)
§ 1º - Considera-se como de prazo determinado o contrato de trabalho cuja vigência dependa de termo prefixado ou da execução de serviços especificados ou ainda da realização de certo acontecimento suscetível de previsão aproximada. (Parágrafo único renumerado pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967)
§ 2º - O contrato por prazo determinado só será válido em se tratando: (Incluído pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967)
a) de serviço cuja natureza ou transitoriedade justifique a predeterminação do prazo; (Incluída pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967)
b) de atividades empresariais de caráter transitório; (Incluída pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967)
c) de contrato de experiência. (Incluída pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967)
§ 3o Considera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017).

Importa salientar que, este tipo de contrato deve ser formalizado e o não respeito a essa regra ensejará em sua mudança automática para contrato indeterminado, conforme entendimento balizado através de jurisprudência:

CONTRATO INTERMITENTE DE TRABALHO. ART. 452-A da CLT. FORMALIDADE NÃO OBSERVADA. Em consonância com a regra plasmada no art. 452-A da CLT, para a validade do contrato de trabalho na forma intermitente, impõem-se a celebração por meio escrito, o que incontroversamente não restou evidenciado no caso em exame. Sendo assim, incide o regramento relativo à contratação por prazo indeterminado. (TRT18, ROT – 0011400-62.2019.5.18.0052).

A projeção dessa mudança legislativa estava em tirar da informalidade os trabalhadores denominados de “freelancer”, e trazer as garantias algumas garantias mínimas, ocorre que algumas lacunas legislativas não foram preenchidas, deixando novamente o trabalhador vulnerável quanto à segurança jurídica.

A introdução do contrato de autônomo previsto no art.442-B afasta os vínculos inerentes às condições do trabalhador celetista, seja por meio da legislação ou acordos coletivos. Entretanto, para tal enquadramento legal, é necessário averiguar a realidade fática, tendo em vista a necessidade de não contrariar as disposições referentes ao negócio jurídico previsto nos art.2° e 3° da CLT (DELGADO, 2019).

A introdução do termo de quitação anual prevista no art. 507-B faculta ao trabalhador firmar termo que consta as obrigações trabalhistas cumpridas empregador, conforme redação abaixo: 

Art. 507-B, CLT "É facultado a empregados e empregadores, na vigência ou não do contrato de emprego, firmar o termo de quitação anual de obrigações trabalhistas, perante o sindicato dos empregados da categoria. Parágrafo único. O termo discriminará as obrigações de dar e fazer cumpridas mensalmente e dele constará a quitação anual dada pelo empregado, com eficácia liberatória das parcelas nele especificadas".

Este termo possibilita que o empregador especifique todas as parcelas de obrigações trabalhistas que foram feitas durante o ano, tais como férias, décimo terceiro, verbas salariais, hora extra. Desse modo, o trabalhador ao assiná-la, estará concordando com a total quitação e não poderá reclamá-las futuramente por meio judicial.

E, por fim, é importante destacar o instrumento da arbitragem, previsto no art. 507-A, sendo possível quando a remuneração for superior a duas vezes o limite máximo previstos para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social, sendo possível pactuar através de cláusula compromissória de arbitragem (PARIZE, 2018).

Para tal ensejo será necessário cumprir alguns requisitos, tais como a anuência do empregado, expresso por meio de contrato individual de trabalho quando o trabalhador for considerado hipersuficiente – aqueles que possuem diploma universitário de nível superior.

 4.3 Os riscos da livre negociação entre empregador e empregado

O empregado, segundo o art. 3º da CLT é: “toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”. Deste modo, cumpre destacar que, por sua própria característica e definição jamais irá se equiparar a um sindicato em termos de garantias e o poder de negociar com os empregadores. Um empregado, individualmente, jamais terá as garantias de que um sindicato é detentor para negociar. Tanto é assim que a própria Constituição atribui, aos diretores do sindicato, uma garantia de emprego (Art. 8º, VIII, da CF). E isso, notoriamente, não é por acaso.

A própria existência dos sindicatos e de suas prerrogativas demonstra que há uma necessidade de uma ação intermediadora entre trabalhadores e empregadores, tendo em vista a sua desigualdade econômica (CASSAR, 2017).

Nesse sentido, é possível demonstrar que o instituto da livre negociação entre empregador e empregado ensejará que as relações de trabalho se tornem cada vez mais frágeis para o empregado, pois ainda que haja esse estreitamento de diálogo entre as partes, o trabalhador continua sendo a parte hipossuficiente dessa relação (CASSAR, 2017).

A mitigação dos princípios do direito do trabalho ora apresentados, expõem a problemática da economia globalizada de livre mercado, que impõe para o mercado de trabalho o menor dispêndio econômico e a maximização da mão de obra, visando em tese a diminuição do desemprego.

 Ocorre que, flexibilizar direitos também implica em diminuição das garantias fundamentais tão aclamadas no Estado Democrático de Direito.  Nesse ínterim, há de se refletir em um modo que possa garantir para as partes a razoabilidade de garantias do mínimo existencial:

[...] é preciso encontrar a pedra de toque, o limite razoável para a flexibilização, ponderando os princípios conflitantes da dignidade e o da valorização social do trabalhador versus o princípio da preservação e saúde da empresa, devendo prevalecer em cada caso, um ou outro de forma a levar a melhor solução para a sociedade (CASSAR, 2017, p.10).

Cumpre destacar outro quesito fundamental da reforma, está na possibilidade de se estabelecer a negociação sem a anuência do sindicato, estabelecendo direitos contratuais inferiores àqueles estabelecidos em legislação específica, o que denota mais ainda que o trabalhador enquanto parte hipossuficiente terá cada vez menos peso nesse tipo de negociação, pois estará inclinado a arcar com as condições impostas pelo empregador.

Considerando que tal reforma veio para privilegiar o mercado de trabalho em detrimento da valorização do trabalho, é possível afirmar que houve um desequilíbrio entre as necessidades que garantem um justo salário e a segurança do emprego. A livre negociação entre trabalhador e empregador afasta a força da classe trabalhadora ao buscar garantias que já eram consolidadas.

É importante pontuar alguns aspectos da reforma que colocaram em risco as garantias trabalhistas através da prevalência do negociado sobre o legislado. O primeiro ponto refere-se à rescisão em comum acordo, que coloca o trabalhador em uma condição desfavorável, pois haverá algumas condições impositivas ao trabalhador, relacionados ao FGTS, multa rescisória e seguro desemprego.

Outro fator de risco está na criação da figura do “trabalhador hipersuficiente”, que acabará produzindo a precarização da mão de obra especializada, tendo em vista que sua proposta é que se reduza salários em acordo individual para os trabalhadores com diploma de nível superior. Também cabe frisar a introdução do instrumento da arbitragem, que permitirá acordos homologados, colocando em risco direitos que não poderão ser exigidos posteriormente através da via judicial.

O contrato intermitente, embora tenha em seu bojo uma proposta que tira da informalidade os trabalhadores “freelancer”, também poderá produzir um grupo de trabalhadores com direitos precários, que sem a devida assistência, se traduzirá em um mercado de trabalho que conduzirá cada vez seus trabalhadores a inúmeras situações de vulnerabilidade.

E, por fim, é possível ponderar que a prática da quitação trabalhista conduzirá o trabalhador que visa manter-se seguro no mercado de trabalho, a uma aceitação daquilo que for imposto pelo empregador.

 4.4 Aplicabilidade da livre negociação na prática trabalhista

O principal impacto positivo esperado pela reforma trabalhista era a possibilidade de inovar para a valorização do trabalho e do trabalhador, reiterando direitos já consolidados e eliminando as lacunas deixadas pelo legislador. Ocorre que, em consonância com a o acirramento das questões socioeconômicas no mercado de trabalho, e concomitantemente, as relações de emprego foram se tornando cada vez mais complexas (DELGADO, 2017).

Os princípios norteadores do direito do trabalho, bem como a própria legislação, por compreender que, é dado ao trabalhador ou garantias de terem suas demandas embasadas nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana que se desdobra nos demais a fim de garantir a sua isonomia (DELGADO, 2017).

A livre negociação, como um dos pontos críticos da reforma trabalhista, possibilitou que os direitos já adquiridos fossem pormenorizados diante da lógica do livre mercado, inserindo a possibilidade de que o trabalhador pudesse também arcar com as consequências da crises econômicas que assolam constantemente o cenário nacional. 

É, pois, a partir da reforma que se torna evidente que durante a negociação o trabalhador se vê na condição de aceitar os termos estabelecidos pelo contratante, tendo em vista que haverá poucas opções caso não se adeque às imposições contratuais (CASSAR, 2017).

Importa destacar que a disparidade socioeconômica entre trabalhador e empregador sempre afetará de modo desigual as partes em detrimento da primeira. Tendo em vista que o empregado depende exclusivamente do seu salário para garantir sua existência de maneira digna, o mínimo que se deve esperar é que haja uma legislação que o ampare com a necessária segurança jurídica.

Uma das principais consequências da reforma foi justamente a superação do legislado sobre o acordado, suprimindo a vontade do legislador em prol da realidade trabalhista. Tendo como subterfúgio a diminuição do desemprego, visando dar maior autonomia ao empregado, o que na verdade é um desequilíbrio para a parte hipossuficiente do contrato celebrado, o trabalhador (DELGADO, 2019).

Quanto à demissão por meio de acordo entre as partes, já ocorria na prática por meio de aplicação jurisprudencial, a introdução desse instituto apenas veio para consolidar conforme a realidade fática.

Além disso, a possibilidade de o empregado negociar sem a presença do sindicato, articulando-se de maneira mais informal ensejará em práticas desiguais, pois o empregador dispõe de profissionais aptos a lidar com o entendimento formal.  A própria situação socioeconômica do trabalhador também é fator preponderante, pois o levará a buscar a garantia do seu emprego ainda que sob condições inferiores ao que era previsto pelo legislador.

Todos os acordos individuais ora expostos, demonstram que, no cenário socioeconômico do mercado de trabalho, bem como a introdução da reforma trabalhista, trouxeram prejuízos para a realidade fática, pois o peso que o trabalhador possui para negociar as condições de seus contratos sem a presença dos sindicatos, os colocará sempre em posição de desvantagens, tendo de se submeter à lógica do livre mercado.  

 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante da análise apresentada na presente pesquisa foi possível identificar que o direito do trabalho sempre esteve preocupado em amparar os trabalhadores frente ao próprio mercado de trabalho, garantindo através da legislação e dos princípios, o devido amparo para esta classe.

Com as mudanças após a implementação da Lei 13.467/2017, que introduziram importantes dispositivos à CLT, afetando diretamente as relações trabalhistas, principalmente quando se trata de acordo direto entre trabalhador e empregador, objeto da presente investigação. É de se notar, que os princípios que norteiam o direito do trabalho, que privilegiavam o trabalhador em detrimento do empregador, foram mitigados em prol do livre mercado. 

Essa flexibilização se deu sob a justificativa de impactar positivamente o mercado de trabalho, no intuito de abrir mais postos de emprego e dando maior autonomia para empregadores e empresas, devido ao distanciamento da intervenção estatal e sindical. Ocorre que, na prática, o trabalhador foi conduzido a uma condição de maior vulnerabilidade, por não estar em condições isonômicas de negociar com o empregador.

A possibilidade de negociação direta entre trabalhador e empregador asseverou ainda mais as disparidades econômicas, tendo em vista que o trabalhador não possui as mesmas condições de negociação que um sindicato, figura afastada com a reforma trabalhista, o que ensejou a tendência do trabalhador em ter de acatar as imposições dadas pelo empregador sob a ausência de uma proteção social das instituições que lhes deveriam dar o devido amparo.

Nesse ínterim, foi possível notar que essa fragilização atingiu o trabalhador de tal modo que teve que de se subordinar aos critérios que podem ser negociados em acordo direto, pormenorizando direitos que já estavam consolidados no ordenamento jurídico, isso tudo para se adequar às oscilações do mercado de trabalho sem considerar as condições do trabalhador de exercer suas funções conforme a dignidade da pessoa humana.


REFERÊNCIAS

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