TRATAMENTO MINIMAMENTE INVASIVO DE HÉRNIA DIAFRAGMÁTICA PÓS-TRAUMÁTICA À DIREITA COM APRESENTAÇÃO TARDIA: RELATO DE CASO

CASE REPORT OF A MINIMALLY INVASIVE SURGERY FOR A RIGHT-SIDED DIAPHRAGMATIC HERNIA WITH A LATE PRESENTATION

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7301767


Matheus Cesarino Vilas Boas
Juliana Yassmin Alves da Costa
Ciro Medeiros Carneiro
Rafael Domiciano Boschiero
Décio Luis Silva Mazzini
Jose Augusto Soares Souza Lima


RESUMO
Introdução: Hérnia diafragmática tem como definição a evisceração transdiafragmática de conteúdo abdominal no tórax. Pode ser congênita, iatrogênica ou traumática, sendo a primeira forma a mais comumente encontrada. Os ferimentos no trauma com mecanismos penetrantes são responsáveis por aproximadamente 65% das lesões diafragmáticas. Os outros 35% ocorrem nos traumas contusos, sendo que 0,8 a 1,6% dos pacientes com trauma contuso apresentam lesão diafragmática. Objetivo: Relatar um caso de tratamento por videolaparoscopia de uma hérnia diafragmática crônica em um local infrequente após um trauma torácico contuso. Relato de caso: J.C.L., 78 anos, sexo masculino, com relato de dispneia progressiva, ao repouso e aos mínimos esforços, acompanhado de ortopneia, há 02 anos. Relatava trauma com queda de altura aproximada de um metro e meio. A tomografía computadorizada (TC) de tórax revelou volumosa hérnia diafragmática à direita, com colapso do lobo médio do pulmão direito. Foi submetido a laparoscopia e durante o procedimento foi observado ruptura na região póstero-lateral da cúpula diafragmática direita, com herniação da maior parte do intestino delgado e mesentério, além do apêndice cecal, ceco e parte do colón ascendente. Discussão: A forma crônica da hérnia diafragmática tem apresentado incidência crescente, ocorrendo em 5 a 19% dos ferimentos toracoabdominais. O diagnóstico de lesão diafragmática deve ser seguido de tratamento do mesmo, através de sutura cirúrgica. No caso de lesões crônicas, como não há preocupação com outras lesões associadas, o reparo minimamente invasivo por toracoscopia ou laparoscopia pode ser realizado e é preferível. Conclusão: O diagnóstico da lesão diafragmática pode ser subdiagnosticado e levar a quadros de hérnia diafragmática crônica. Em pacientes que desenvolvem sintomas obstrutivos ou respiratórios com história de trauma prévio, deve-se aventar a possibilidade de hérnia diafragmática. A cirurgia minimamente invasiva é uma opção devido a seus benefícios frente a cirurgias abertas .

Introduction:

Diaphragmatic hernia is defined as the transdiaphragmatic evisceration of abdominal contents into the thorax. It can be congenital, iatrogenic or traumatic, the first form being the most commonly found. Trauma injuries with penetrating mechanisms account for approximately 65% of diaphragmatic injuries. The other 35% occur in blunt trauma, with 0.8 to 1.6% of blunt trauma patients presenting with diaphragmatic injury. Objective: To report a case of laparoscopic treatment of a rare chronic right-sided diaphragmatic hernia after blunt chest trauma. Case Report: J.C.L., 78 years old, male, complaining of breathlessness during short walks to rest, followed by orthopnea, for almost 2 years. He reported trauma, he felt from 1,5 meters of height. The chest computed tomography (CT) revealed a large right-sided diaphragmatic hernia and atelectasis right lung middle lobe. The patient was submitted to laparoscopy and during the procedure it was observed a defect in the posterolateral region of diaphragma, with herniation of most of the small intestine and large intestine as the appendix, cecum and part of the ascending colon. Discussion: The chronic form of diaphragmatic hernia has shown increasing incidence, occurring in 5 to 19% of thoracoabdominal injuries. The diagnosis of diaphragmatic injury should be followed by treatment of the same, through surgical suture. In the case of chronic injuries, since there is no concern for other associated injuries, minimally invasive repair by thoracoscopy or laparoscopy can be performed and is the best option. Conclusion: The diagnosis of diaphragmatic lesion, especially without associated lesions, can lead to chronic diaphragmatic hernia. In patients who develop obstructive or respiratory symptoms with a history of previous trauma, the possibility of DH should be considered. Minimally invasive surgery is an option because of its benefits over open surgery.

INTRODUÇÃO
A descrição inicial de ruptura diafragmática foi feita por Sennertus, em 1541, em uma autópsia que revelou herniação e estrangulamento gástrico através de um orifício diafragmático provocada por lesão de guerra ¹. Em 1579, Ambroise Paré também relatou dois casos de hérnia diafragmática diagnosticadas em autópsia e descreveu a presença de três fases de apresentação: fase aguda, fase de intervalo e fase crônica 1,2,3,4. A primeira sutura de uma lesão traumática do diafragma só foi realizada por Riolfi, em 1886, após lesão por arma branca 5.

Hérnia diafragmática tem como definição a evisceração transdiafragmática de conteúdo abdominal no tórax 6. Pode ser congênita, iatrogênica ou traumática, sendo a primeira forma a mais comumente encontrada 7.

No caso específico das lesões diafragmáticas traumáticas, com base em estudos usando o National Trauma Data Bank, a incidência geral é aproximadamente de 0,46% 8. O diafragma pode ser lesado diretamente, através de um trauma penetrante, ou indiretamente, através de trauma contuso. Os ferimentos penetrantes geralmente são pequenos e muitas vezes podem passar despercebidos, enquanto os ferimentos contusos, por necessitarem de uma cinética maior, geralmente provocam lesões radiais de dimensões maiores 2,5,9,10. Mecanismos penetrantes são responsáveis por aproximadamente 65% das lesões diafragmáticas 11. Os outros 35% ocorrem nos traumas contusos, sendo que 0,8 a 1,6% dos pacientes com trauma contuso apresentam lesão diafragmática 11, 12, 13.
Apesar de qualquer local do diafragma poder ser lesado no trauma contuso, mais comum na porção esquerda 14, 15, enquanto a ruptura bilateral ocorre em apenas 2 a 6% dos pacientes 16

O atendimento inicial do paciente vítima de trauma deve seguir as normas preconizadas pelo ATLS. Todo trauma envolvendo a transição tóraco-abdominal deve levar a suspeita da lesão diafragmática. Pacientes estáveis e sem sinais de peritonite, com lesão diafragmática à direita, podem inicialmente ter conduta expectante segundo a Eastern Association for the Surgery of Trauma (EAST)29, visto que pequenas lesões assintomáticas podem ser tamponadas pelo fígado.

Paciente vítimas de trauma que se apresentam com instabilidade hemodinâmica geralmente são submetidos a laparotomia exploradora, podendo ser necessário incisão torácica complementar (toracofrenolaparotomia ou incisão combinada). O achado de lesão diafragmática ocorre no intra-operatório, sendo que todos os pacientes submetidos a laparotomia exploradora no trauma devem ter o diafragma inspecionado.

RELATO DE CASO
J.C.L., 78 anos, sexo masculino, deu entrada em nosso serviço transferido de um hospital secundário da mesma cidade, com relato de dispneia progressiva, ao repouso e aos mínimos esforços, acompanhado de ortopneia, há 02 anos. Relatava trauma com queda de altura aproximada de um metro e colisão do hemitórax direito contra uma pilha de tijolos há cerca de dois anos e meio, época na qual necessitou de drenagem de tórax à direita devido trauma torácico fechado, com pneumotórax traumático e fratura de arcos costais, segundo relatório médico de outro serviço. É portador de hipertensão arterial sistêmica e fibrilação atrial crônica, em uso de betabloqueador e losartana.

Ao exame da entrada apresentava-se em bom estado geral, corado, hidratado, acianótico, anictérico, batimento cardíaco arrítmico, pulso de 89 batimentos por minuto, pressão arterial de 130 x 70 mmHg. A ausculta pulmonar se apresentava com murmúrios presentes à esquerda e abolidos nos dois terços inferiores do hemitórax direito, saturando 96% em ar ambiente, sem sinais de esforço ventilatório.

A tomografia computadorizada (TC) de tórax (Imagem 1 e 2) que havia realizado no serviço de origem revelou volumosa hérnia diafragmática à direita, com herniação de grande quantidade de alças de intestino delgado e mesentério através de defeito de aspecto lateral na hemicupula diafragmática ipsilateral, medindo 4,9×3,6cm, sem determinar obstrução intestinal ou desvio de mediastino, além de atelectasia completa (colapso) do lobo médio do pulmão direito.

Imagem 1: Tomografia computadorizada sem contraste corte coronal . A) Scout da Tc. B,C E D defeito do diafragma á direita e
protrusão do conteúdo abdominal no Hemitorax direito

Imagem 2: Tomografia Computadorizada sem contraste corte axial. A E B Conteúdo Abdominal  em Hemitorax direito com Início acima da Área Cardíaca E C E D Diferença entre ambos Hemitorax com visualização de Parênquima Pulmonar Normal a esquerda e Atelectasia Pulmonar à direita

Devido às comorbidades do paciente e da estabilidade clínica naquele momento, optado por solicitar as avaliações pré-operatórias necessárias e programação cirúrgica com proposta de laparoscopia e, se necessário, toracoscopia concomitante para correção do defeito diafragmático. 

Foi submetido a laparoscopia e durante o procedimento foi observado ruptura de aproximadamente 6x4cm na região póstero-lateral da cúpula diafragmática direita, com herniação da maior parte do intestino delgado e mesentério, além do apêndice cecal, ceco e parte do cólon ascendente (imagem 3). Realizada lista de poucas aderências presentes com uso de pinça seladora LigaSure e posterior redução de todo conteúdo herniado. Após exposição completa do defeito diafragmático, foi realizado reparo em camada única com fio de prolene 0. Não foi necessário realização de toracoscopia concomitante e, no intraoperatório, optado por não realizar drenagem de tórax, sendo o pneumotórax tratado através de colocação de sonda de silicone no tórax, acoplado em selo d’água, recrutamento pulmonar e posterior retirada da sonda. 

IMAGEM 3: VIDEOLAPAROSCOPIA: A) ALÇAS DE DELGADO ATRAVESSANDO O DEFEITO DIAFRAGMÁTICO. B) CECO E APÊNDICE CECAL SAINDO DA HD.

Paciente extubado em sala cirúrgica e encaminhado para cuidados em leito de unidade de terapia intensiva (UTI) em jejum e com antibioticoprofilaxia cirúrgica. Apresentou boa evolução clínica, apenas com necessidade de oxigenioterapia suplementar com cateter nasal de O2, sem sinais de desconforto respiratório, sendo liberado dieta hídrica no 1º pós-operatório (PO). No 2º PO progrediu dieta e recebeu alta da UTI para cuidados em enfermaria, já sem necessidade de oxigenioterapia suplementar.  

Três dias após a cirurgia recebeu alta hospitalar, aceitando dieta oral e na ausência de todos os sintomas prévios. Permanece em seguimento ambulatorial, com boa evolução clínica. 

IMAGEM 4 : RX DE TÓRAX SENDO A A) PRÉ OPERATÓRIO B) PÓS-OPERATÓRIO IMEDIATO C) 1º DIA PÓS OPERATÓRIO.

DISCUSSÃO 

A principal lesão do diafragma ocorre na região póstero-lateral esquerda, ponto de fraqueza embriológica 1-5, 17, e também pelo fato de o fígado proteger o lado direito do diafragma 15. Outro local frequente de lesão, por ser inextensível, é o centro tendíneo do diafragma 9, 18. O trauma contuso com impacto lateral tem três vezes mais chance de causar ruptura diafragmática do que o impacto frontal, sendo a ruptura, geralmente, ipsilateral ao impacto 9

A forma crônica da hérnia diafragmática tem apresentado incidência crescente, ocorrendo em 5 a 19% dos ferimentos toracoabdominais, principalmente à esquerda, sendo o diagnóstico dado quando ocorrem complicações, como obstrução intestinal ou estrangulamento, ou ao acaso como achado de exames de imagem19-21

O paciente citado se encaixa na estatística da hérnia rara do lado direito do diafragma por trauma contuso e diagnosticada já na forma crônica. Ele não teve obstrução intestinal ou estrangulamento, se apresentando com sintomas respiratórios devido a compressão pulmonar no hemitórax à direita. 

A Associação Americana de Cirurgia do Trauma, com base no Organ Injury Scaling, classifica a lesão diafragmática em: I- contusão; II- laceração menor ou igual a 2cm; III- laceração entre 2 e 10cm; IV- laceração maior que 10cm e perda de tecido menor ou igual a 25cm²; V- laceração com perda tecidual maior que 25cm². 

Pacientes com lesão diafragmática apresentam outra lesão associada em pelo menos 50% dos casos 15, 22. Como os traumas contusos geralmente necessitam de uma cinética elevada para ocorrer lesão diafragmática, a ocorrência de lesões associadas está estimada em 72 a 95%, sendo mais comum as de baço e fígado (25%), traumatismo 

cranioencefálico, fraturas de pelve (40 a 55%) e dos membros 3, 17, 18, 23, 24. Já os ferimentos penetrantes podem ter lesões associadas em 66% dos casos, principalmente lesão pleural e pulmonar, resultando em pneumotórax e/ou hemotórax5. A lesão associada foi o pneumotórax e fratura de arcos costais e a classificação da hérnia em discussão é do tipo III. 

Como nas hérnias diafragmáticas crônicas a apresentação clínica é variável podemos utilizar exames de imagem, dentre eles o raio-x, com achado de elevação da cúpula diafragmática e irregularidade diafragmática, sendo a sensibilidade de 77% do diagnóstico nas hérnias por trauma fechado. Já o diagnóstico por TC aumenta a sensibilidade para até 87% para as lesões à esquerda e apenas 50% à direita, ainda sendo o método mais efetivo para diagnóstico das lesões diafragmática 25

Paciente com grande suspeita para lesão diafragmática e com exame físico e de imagem inconclusivo, podem ser submetidos a laparoscopia ou toracoscopia diagnóstica, com reparo minimamente invasivo caso encontre lesões, 26, 27, 28

O diagnóstico de lesão diafragmática deve ser seguido de tratamento do mesmo, através de sutura cirúrgica. No caso de lesões crônicas, como não há preocupação com outras lesões associadas, o reparo minimamente invasivo por toracoscopia ou 

laparoscopia pode ser realizada e é preferível27, 29, 30. Alguns casos requerem toracoscopia ou até mesmo pode ser necessária a realização de toracotomia, pela presença de aderências locais e maior facilidade de redução do conteúdo herniado6, 13, 29, 32. Como não havia lesão associada e o tempo para o diagnóstico foi de 2 anos, o paciente foi submetido a videolaparoscopia com sucesso na redução de todo o conteúdo herniado para o diafragma. 

O fechamento primário do diafragma pode ser realizado quando não há necessidade de desbridamento extenso ou com pouca destruição do tecido diafragmático, podendo ser feito com sutura contínua ou separada, sempre usando fio inabsorvível. Já nos casos de lesões maiores, principalmente lesões IV ou V, materiais protéticos não absorvíveis podem ser utilizados. Para fechamento utilizamos prolene sem necessidade de colocação de material protético e foi retirado o ar do tórax com auxílio de uma sonda de silicone sem necessidade de videotoracoscopia e drenagem de tórax à direita.

IMAGEM 5: DEFEITO NO DIAFRAGMA A) COM O TÉRMINO DA REDUÇÃO DA HD E B) ORIFÍCIO 
COMPLETAMENTE VAZIO E EXPOSTO, ACIMA CAVIDADE TORÁCICA DIREITA

IMAGEM 6: TEMPO DE CORREÇÃO DO ORIFÍCIO A) ORIFÍCIO DE TAMANHO ESTIMADO DE 6X4CM B) APÓS A 
SUTURA COM PROLENE E COLOCAÇÃO DE SONDA PARA REDUZIR O PNEUMOTÓRAX À DIREITA 

CONCLUSÃO 

O diagnóstico da lesão diafragmática, principalmente quando não acompanhada de outras lesões associadas, pode ser desafiador e muitas vezes é subdiagnosticada, podendo levar a quadros de hérnia diafragmática crônica. Em pacientes que desenvolvem sintomas obstrutivos ou respiratórios com história de trauma prévio, deve-se aventar a possibilidade de hérnia diafragmática. A cirurgia minimamente invasiva, seja ela por laparoscopia ou toracoscopia, é uma opção devido a seus benefícios frente a cirurgias abertas. O crescimento da técnica e a maior disponibilidade da videolaparoscopia permitem que esse procedimento seja tentando em todos os pacientes com hérnia diafragmática crônica, gerando benefícios ao serviço de saúde, com diminuição do tempo de internação e, principalmente, para o paciente.  

CONFLITO DE INTERESSE 

Não há por parte da equipe conflito de interesse de nenhum tipo com a confecção deste relato de caso 

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