AS CANTIGAS DE RODA COMO ELEMENTO MEDIADOR NA APRENDIZAGEM DA GUITARRA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7297034


Danison D’ Johnson Alves da Silva 
Jairo Aurélio de Deus Sousa


INTRODUÇÃO

A amplitude de possibilidades envolvendo as práticas musicais nos mais diversos instrumentos, desencadeia um leque de oportunidades aos educadores musicais de desenvolver trabalhos que oportunizem um aprendizado musical prazeroso.

A guitarra, instrumento com fortes características relacionadas à música pop, como o rock’ roll, bem como sua presença marcante em estilos diferenciados estética e estilisticamente como o jazz e o blue, se faz presente na cultura dos instrumentistas, tendo uma forte adesão no público de adolescente e jovens, embora, não estejamos afirmando que a guitarra seja um instrumento exclusivo e presente em apenas uma faixa etária.

As cantigas de roda surgem como uma repertório que atravessa gerações no universo da criança, presente também em manifestações populares e/ou folclóricas, se apresentam com temas marcantes, e com motivos curtos, passíveis de serem rearranjados ou utilizados de diversas maneira, citando as obras de Camargo Guarnieri e Heitor Villa- Lobos que manifestaram-se artisticamente, utilizando temas de cantigas de roda.

Neste sentido, o presente trabalho tem como tema a utilização da guitarra juntamente com as cantigas de roda, sendo as cantigas de roda atuando como elemento mediador na aprendizagem da guitarra. No entanto, apontou- se o seguinte questionamento como problematização: De que forma é possível adaptar o discurso musical das cantigas de roda para o ensino de guitarra?;

De fato, a necessidade de questionar a possibilidade de unir as cantigas de roda à prática guitarrística, remete a pontuar assim o foco desse estudo, que tem como objetivo principal apresentar peças de cantigas de roda no contexto de aprendizagem do instrumento guitarra.

Além disso, foram elencados, também, objetivos específicos, sendo eles: discutir a importância das cantigas de roda dentro do processo musicalização e no âmbito da educação musical; desenvolver o estudo de escalas na guitarra baseando-se no discurso melódico das cantigas; estabelecer um repertório viável com intuito de aplicar no instrumento guitarra; bem como propor a harmonização e rearmonização de cantigas de rodas na perspectiva guitarristica.

A exposição de possibilidades no âmbito da educação musical, e a pedagogia no ensino da guitarra, desafia o educador música, a direcionar formas de ensino que motivem a prática musical. Neste sentido, esta pesquisa justifica-se pela necessidade de se apresentar formas de ensino que enriqueçam a ludicidade no processo de ensino da guitarra.

No que diz respeito à estrutura do trabalho, iniciamos com a introdução, discutindo os objetivos, a justificativas e a metodologia, além da indicação do aporte teórico da pesquisa.

Na revisão de literatura apresentou-se o embasamento que citou as cantigas de roda e a guitarra num elo de diálogo para a construção de um discurso musical, na perspectiva do ensino musical.

No terceiro capítulo, foi exposto uma breve apreciação histórica sobre as cantigas de roda e a sua presença nas vivências de socialização no âmbito da educação musical. No capítulo seguinte, elencou-se cantigas de roda, e a utilização de técnica na guitarra, com a orientação para a prática musical, mediante este repertório para a prática do instrumento guitarra.

Nas considerações finais propôs a abertura de um diálogo tendo em vista os desafios de conceber propostas de vivência musical com direcionamento metodológico adequado com a exploração de novos discursos musicais.

REVISÃO DE LITERATURA

A possibilidade de diálogo entre as cantigas de roda na aprendizagem do instrumento guitarra condiciona a necessidade de apresentar, embora que de forma breve, aporte teórico sobre os respectivos objetos de estudo. De certa forma, a educação musical está inserida num complexo e amplo campo de situações que são influenciadas pelo local, pelo viés cultural, pelas características do público- alvo, pela própria formação musical dos educadores, entre outros aspectos.

No entanto, percebe-se a diversidade de obras que discutem e expõem experiências (SWANWICK, PENNA, BRITO, KOLLHEUTTER), que enfatizam esse campo notavelmente diversificado, que é o da educação musical, podendo-se afirmar que através de uma sistematização metodológica consistente, é possível realizar, vivências inovadoras ou que agregam à propostas já existentes, apontados novos caminhos.

As cantigas de roda encontram-se presentes, principalmente, na prática da educação infantil, validadas e declaradas, através de regimentos e diretrizes para esse nível podendo ser destacados documentos como o RCNEI (Referencial Curricular Para Educação Infantil) e os PCNS (Parametros Curriculares), neste caso para o Ensino fundamental I.

Nos relatos de vivência musical, Brito destaca a importância de sua utilização, tanto em creches como em pré- escolas, direcionando, atividades com exemplos, e a utilização de instrumentos para o público infantil. Neste sentido, é necessário enfatizar que no contexto histórico, além do público infantil as cantigas de roda, também fizeram parte do universo do adulto, como aponta SILVA:

A cantiga fez, outrora, parte ativa da vida do adulto. A roda, a princípio uma formação coreográfica generalizada, ampliava, então, suas dimensões para funcionar como lugar de encontro de práticas sócio-afetivas. Nela, os participantes manifestavam seus anseios, suas paixões, faziam "a corte". Os sentimentos ligados ao amor, ao casamento, explodiam. (p. 11).

Observa-se o valor de socialização como um legado fundamental das cantigas de roda, em que temáticas são sugeridas ou apresentadas em suas letras, e que a partir de então, inicia-se todo uma prática corporal e musical, com a participação dos envolvidos de forma lúdica e ao mesmo ativa de acordo com o tema da cantiga.

A sua presença em ambientes escolares é notável, haja visto, o seu potencial para o trabalho em conjunto das diversas linguagem, assim:

Faz parte da vida de muitas pessoas a experiência de ter presenciado ou brincando de roda, de ter formado grupos em que uma cantiga acompanhada de uma manifestação coreográfica era motivo de lazer e diversão nos intervalos escolares e em outros momentos da vida cotidiana. (p. 02)

Considerando os aspectos históricos pode-se afirmar que:

De acordo com o Projeto Teca (2006):
As cantigas e brincadeiras de roda foram introduzidas no Brasil pelos portugueses e foram difundidas como uma atividade típica de meninas. Aos poucos os meninos também passaram a brincar nas cirandas, e durante muito tempo foi utilizada em escolas e nas próprias casas como única atividade lúdica, usada para ajudar no processo de diversão e alfabetização (PROJETO TECA, 2006).P. 26 Apud Farias, 2013, p. 26).

Em virtude do seu caráter lúdico percebe-se a utilização das cantigas de roda no processo de alfabetização, mas sendo a música, um caráter marcante dentro das brincadeiras. Na citação acima, destaca-se a origem portuguesa, tendo as maioria peças características modais e tonais (NOVAES, ?), com uso de melodias com pequenos motivos melódicos.

Além disso, Silva afirma que:

Resumindo, por fim, a trajetória histórico-situacional das cantigas, teríamos o seguinte:(.1) do ponto de vista de quem brinca _, a roda passou por três momentos: manifestação adulta (num passado remoto);manifestação adulta e infantil (num passado menos remoto): manifestação infantil (de um passado menos remoto a nossos dias)
p. 17p 18. (2) do ponto de vista de sua função, a roda pode ser considerada:- manifestação espontânea em que, pela insinuação, se promovem as práticas sócio-afetivas (até um passado recente)
manifestação espontânea ou lazer programado com finalidade pedagógico-cultural (em nossos dias) .p. 21

O outro objeto da pesquisa, o instrumento guitarra, se insere nesta ideia do pedagógico- cultural descrito na citação anterior, se tornando o instrumento beneficiado, por essa manifestação musical. No entanto, a guitarra consiste num instrumento notavelmente difundido na cultura da música pop/popular, com aceitação entre os jovens, por ser bastante utilizada no rock. Em seu contexto histórico:

Quase um século depois das primeiras experiências de eletrificar violões, realizadas por Orville Gibson, e da aplicação de captadores magnéticos em violões com corda de aço, que viriam a ser chamadas de guitarra acústicas (Archtop), nos Estados Unidos durante os anos 1920/1930, é possível afirmar que a guitarra elétrica, de corpo sólido como a conhecemos e definimos, é hoje um instrumento consolidado, que transita por vários gêneros e estilos musicais, passando pelo Jazz, Blues, Country, Rock, Funk, Fusion, Pop e World Music, criando ídolos personificados e se transformando em um ícone cultural. (GARCIA, 2011, p. 34).

A ideia de ícone cultural relacionado a guitarra, favorece a um trabalho conjunto com as cantigas de roda, haja visto, a sua característica pedagógica-cultural já citada anteriormente (SILVA). Percebe-se, também, algo interessante, que consiste a presença deste instrumento nos mais diversificados estilos e gêneros, destacando a sua versatilidade de uso.

Na atualidade, a guitarra elétrica se tornou mais que um instrumento musical dentre outros tantos (re) inventados durante o século XX. A guitarra tem se consolidado nas mãos de diversos músicos através do mundo, seja com a sua utilização na construção sonora de variados gêneros musicais ou na utilização de sua imagem em propagandas televisivas, outdoors ou catálogos de produtos distintos. A guitarra tornou-se um símbolo da cultura Pop em geral, como um dos ícones da atitude presente no estilo ROCK, com sua rebeldia, juventude, energia, consumismo e modernidade. (GARCIA, 2011, p.43)

De certa modo, esse diálogo da cultura pop destacado pela guitarra com o legado de uma cultura popular e folclórico transmitido pelas cantigas de roda, fornece caminhos para um trabalho do fortalecimento destes dois legados culturais, que se caracterizam de

formas distintas, mas que podem trabalhar de forma conjunta para a finalidade da vivência musical.

No contexto histórico do ensino de guitarra, destaca-se a primeiras incursões para a criação de metodologias, assim:

A primeira tentativa de criar-se uma metodologia para a guitarra partiu de William Leavitt(1926-1990), que em 1965 assumiu a cadeira de chefe do departamento de guitarra da Berklee College of Music (BERKLEE, 2011; BIRCH, 2011; GOMES, 2007), considerado “o
pioneiro no estudo de guitarra elétrica com o uso de palheta ao nível da faculdade” (BIRCH, 2011 e). O esforço de Leavitt se transformou nos três volumes da série “A Modern Method For The Guitar” (LEAVITT, 1966), cujo propósito era treinar o guitarrista em habilidades básicas (ritmo, técnica e leitura), independentemente de estilo. (LOPES, 2013, p. 24)

Considerado a introdução no ensino deste instrumento no Brasil, percebe-se uma influência de professores com formação no exterior, deste modo, levando a considerar uma pedagogia com atributos e linguagens de culturas com contextos diferentes da cultura brasileira.

No Brasil, país que durante muito tempo conviveu com a escassez de informações no âmbito do ensino de música, a informação relevante em relacionada ao ensino de guitarra veio em parte de professores formados em instituições estrangeiras, como ocorreu durante a década de 1970 no Rio de Janeiro com o guitarrista argentino Claudio Gabis, professor de guitarra formado pela Berklee College of Music, cujos alunos tornaram-se músicos prestigiosos no Rio, como Celso Fonseca, Ricardo Silveira, Torcuato Mariano, Paulinho Soledade e outros (LINDGREN, 2013).

O autor também destaca instituições e guitarristas renomados:

Em São Paulo, durante muito tempo o CLAM foi a instituição de ensino de música popular mais respeitada, mas o nome que se destacou mais como professor de guitarra a partir da década de 1980 foi Mozart Mello, guitarrista e violonista do grupo D’Alma e professor de muitos guitarristas como Tomati (Carlos Nascimento, 1966- ), Kiko Loureiro, Edu Ardanuy, Andreas Kisser e outros (PINTO, 2013).

ma contribuição relevante no ensino de guitarra a destacar, é a do guitarrista, violonista, compositor e arranjador Nelson Farias(?)

No início dos anos 1990 um grande número de estudantes de guitarra no Brasil foi apresentado a uma parte da metodologia aplicada pelo GIT (Guitar Institute of Technology) através do livro “A Arte da Improvisação”(1991), do guitarrista Nelson Faria, formado nesta instituição. No livro, são apresentadas situações harmônicas variadas (acordes parados, progressões de acordes, relação entre modos e acordes, etc.) e para cada situação são sugeridos licks e frases, linhas melódicas de uso corrente no jazz ou extraídas de um solo de algum guitarrista ou outro instrumentista renomado.

Em sua pesquisa, em cursos de licenciatura e bacharelado em instrumento, especificamente de guitarra elétrica, Módolo (2015, p.119), destaca que:

O tornar-se professor de guitarra elétrica é uma questão ainda não bem definida quando se trata do ensino e aprendizagem desse instrumento. No contexto das universidades brasileiras forma-se uma parcela desses profissionais. Devido às poucas pesquisas que tratam da formação do professor de guitarra elétrica nesse contexto específico, ainda não são claros os elementos (repertório; metodologias; bibliografias; organização das aulas; dentre outros) contido nessa prática profissional.

Entretanto, é neste campo de ensino e aprendizagem, que justifica-se essa relação entre as cantigas de roda (repertório) e a guitarra como instrumento para a proposição de estratégias metodológicas.Logo a seguir, exemplificamos dois temas, uma cantiga e o outro solo de guitarra:

Considerando os dois exemplos apresentados acima, a primeira, uma cantiga de roda extraída do livro, Brincando de Roda, que fornecerá os temas das cantigas para este trabalho, e o segundo1 um famoso tema do consagrado bluesman B.B King, revelam algumas semelhanças.

Os motivos melódicos apresentam temas constantes, com resolução harmônica, destacando de certa forma, as características tonais e modais pertinentes aos repertório das cantigas de roda e do blues. Ambos repertórios, compõem o legado de uma cultura popular, levando em conta, o contexto do lugar e da época. A harmonia também, se faz clara e presente, sendo que nas cantigas de roda, existem uma maior liberdade, em termos de tonalidade e de harmonização, já que se constitui de uma música que foi transmitida oralmente, e na maior parte das vezes, de autoria anônima. No aspecto da letra, também, encontramos semelhança, na brevidade e clareza do texto poético.

Assim, percebe-se a possibilidade de um trabalho conjunto, entre as cantigas de roda e o instrumento, nos demais capítulos, serão expostos a contribuição e repertório das cantigas de roda, com a proposição e a adaptação para o estudo da guitarra.

3. AS CANTIGAS DE RODA E SUA CONTRIBUIÇÃO NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO MUSICAL

Desvendando as situações de vivência musical com a viável contribuição das cantigas de roda no ensino e na prática do instrumento de guitarra, torna-se relevante apontar aspectos que enfatizem a importância deste repertório num sentido geral.

Deste modo, pretende-se apresentar aporte teórico que fundamentam essa relevância, a socialização surge como um aspecto de presente constante nas canções, já que as letras remetem a participação de movimentos corporais, da participação em cirandas, o que promove a participação do que estejam presentes dentro dum círculo, onde a cantiga de roda se desenvolverá.

No aspecto de socialização, Jurado Filho (1985)  destaca:

Aqui cabe, talvez~ o conceito que em Psicologia recebe o nome de SOCIALIZAÇÃO: o caminho que a criança faz de uma visão egocêntrica do mundo a uma visão socializada, isto é, a aprendizagem da visão de mundo que têm os .mais velhos com os quais ela convive, e, nesse particular, a colocação de seu ponto de vista como um a mais no conjunto dos possíveis e não o Ünico)-.. como pensava egocentricamente. (JURADO FILHO, 1985, p. 13).

A individualidade de cada participante é trabalhada de forma coletiva, sendo a colaboração mediada através das temáticas, neste sentido, os laços de afetividade são acentuados, como um elemento de fundamental relevância. Considerar o espaço dos demais, cooperando de dentro das limitações de cada um, fortalece os aspectos sócio- afetivos,

Assim:

Vemos, então que, nas escolas, essas brincadeiras!ras passam a ter uma dupla função: assegurar, diante da autoridade escolar, a criação de um espaço livre para as manifestações espontâneas de seus participantes e, ao mesmo tempo, promover, pela insinuação o estabelecimento de práticas sócio-afetivas, práticas estas promovidas, num passado distante, pela cantiga de roda. (JURADO FILHO,1985, p.17)

As manifestações consideradas espontâneas remetem a possível presença de elementos improvisadores, tendo em vista, a possibilidade de explorar o espaço, visto a utilização do texto poético, das coreografias que são descritas pelos personagens e pelo enredo das canções,  e pelo uso da música.

De certa forma:

O que significaria essa brincadeira em que a linguagem verbal (o texto) , a musical (o som) e a coreográfica (o movimento) se fundem num único acontecimento? O que um estudo dessas diferentes linguagens revelaria? ~ Atualmente essa forma de lazer e diversão se encontra em vias de desaparecimento? Estariam essas necessidades - lazer e diversão - sendo supridas por algum outro mecanismo? Qual seria esse mecanismo e em que condições ele preenche essas necessidades? ((JURADO FILHO, 1985, p. 02)

Entretanto, algumas autores assumem, as significativas mudanças ocorridas, com a perda da prática de brincar de roda,

Quanto às cantigas, houve um tempo em que essa linguagem que hoje consideramos não-usual era a linguagem da época, abordando coisas então cotidianas. Assim, o que hoje constitui quase que um resgate de sentidos - ora implícitos na brincadeira - em outra época eram fatos e :situações explicitamente inscritos no discurso; Dessa forma, .os efeitos de sentido(S) Produzidos pelos textos das cantigas variam conforme estejam eles sujeitos -à ação do tempo (então/agora) e às-.pessoas que deles se servem (adultos,jovens, crianças), de tal modo que um mesmo texto pode passar de um efeito de sentido extremamente ingênuo a outro ,extremamente malicioso, por estar sujeito ao tempo, à idade e formação cultural do indivíduo que o emprega. ((JURADO FILHO, 1985, p. 21).

Portanto, entende-se que muitas manifestações de produção cultural se revelam de forma mais significativa de acordo com a épocas, fazendo que com os desuso de manifestações estas passem a ter dificuldades de inserção dentro das vivências, por muitas vezes, não terem significado imediato para os indivíduos de uma época.

Para Gaspar (apud Farias, 2013):

Segundo Gaspar (2010) as cantigas de roda são canções populares, que estão diretamente relacionadas com a brincadeira de roda. Essas brincadeiras são feitas, formando grupos de crianças, geralmente de

mãos dadas, que cantam as letras da canção que tem suas próprias características, geralmente ligadas à cultura daquele local.

As abordagens de educação musical contemporânea se apresentam abertas à musicalização com a utilização dos interesses dos educandos, sendo perfeitamente aceitável a aprendizagem musical por meio das canções populares. Reitera-se a presença dos elementos da cultura folclórica e popular.

No seguinte trecho musical da ciranda Três Passarão encontramos uma melodia com o desenvolvimento do motivo em diferentes alturas, porém com o mesmo contorno melódico, como nos compassos 3 e 4, como o movimento descendente, com trecho semelhante no compasso 8 e 9, e a partir do compasso do segundo tempo do compasso  11 na nota Si 3.

O movimento de repouso na melodia, ao final do movimento da frase, direciona para um prática de canto que viabiliza, por assim dizer, a praticidade, com a exploração da musicalidade dentro da cantiga. Assim, sendo possível extrair e trabalhar dinâmicas e acentuações dentro do motivo.

O conteúdo da letra, também, remete a contextualização da identidade da figura do vaqueiro e por assim, de costumes e crenças, como a menção de Jesus Cristo, no âmbito da religiosidade e seu aspecto simbólico.

Deste modo:

Também são conhecidas como cirandas, e representam os costumes, as crenças, o cotidiano das pessoas, a fauna, a flora, culinária, dentre outros aspectos de um lugar. As cantigas possuem uma letra fácil de memorizar, sendo formada por rimas e repetições que prendem a atenção das crianças, de modo que estimula a imaginação e a memória da criança (GASPAR, 2010 apud Farias, 2013)

O trabalho envolve a utilização de melodias simples e curtas, entretanto, com sentido e riqueza melódica, com temática estimulando a imaginação, se apresentam no vasto cancioneiro destas cantigas. No tema a seguir, encontramos um motivo que se desenvolve em movimento ascendentes e descendentes, com o mesmo motivo rítmico.

(JURADO FILHO, 1985, p. 165).

Nesta cantiga, o trabalho de socialização, de afetividade, de colaboração é notável com as menções de palavras que remetem ao trabalho em conjunto, e a integração entre todos, como abraço, beijo, trazendo a proximidade entre os participantes.

Portanto, nota-se como as cantigas de roda, possuem uma linguagem fluente e objetiva, trazendo temas melódicos e rítmicos com potencial para o desenvolvimento e o trabalho em outras tonalidades, e dinâmicas, e contextualizando através de suas letras lugares e costumes, passíveis de serem para novas e diversas situações.

4. UMA ADAPTAÇÃO DAS PARTITURAS DE CANTIGAS DE RODA PARA PRÁTICA NO INSTRUMENTO GUITARRA

A utilização de elementos metodológicos para a aprendizagem musical do instrumento guitarra através de cantigas de roda proposta neste trabalho será apresentada da seguinte maneira:

  1. Apresentação da cantiga de roda
  2. Contribuição dos métodos para o instrumento
  3. Dicas para adaptação com a vivência musical no instrumento;

A primeira cantiga que trazemos, foi citada anteriormente no capítulo 3, de nome Samba- Lelê:

A referente cantiga situa-se no modo maior, com a tonalidade em Ré maior, com a escrita na clave de sol, podendo dessa forma, ser executada na guitarra sem a necessidade de transposição;

Na obra Manual de Guitarra de Artur Silva (2008), encontramos indicações para o estudo da guitarra de maneira sistematizada, neste sentido veremos algumas técnicas presentes no idiomatismo do instrumento guitarra, segundo Silva (20080

A técnica chamada de Bend segundo Silva (2008, p. 29) consiste em:como o nome indica Bend (do inglês: Dobrar) e uma técnica muito utilizada na guitarra nos gêneros Blues, Rock, Metal e outras em que consiste no puxar a corda no mesmo traste na vertical até atingir o som da nota pretendida.

Para Eduardo Visconti : Outra técnica importante de ligados são os bends, que consiste em puxar a corda para cima ou para baixo em variações de meio a dois tons.

Deste modo, Silva (2018) cita exemplo da escrita e seu uso, recomendando a utilização do dedo anelar:

(SILVA, 2018)

Como trata-se da escrita da cantiga de partitura o educador poderá explicar a linguagem da escrita guitarrística e num segundo momento, indicado na partitura o trecho que deve ser executado, assim os bends para atingir as notas sol 3 e fá# 3. É necessário que o educador esclareça na prática a forma de execução, pois, embora seja relevante a escrita na partitura como na tablatura, o intuito, neste caso, é a vivência musical.

Além disso, indica-se a possibilidade de estudo prático deste trecho, usando a técnica do Bend, em outras tonalidades, e de notas com distância de intervalo de altura diferentes das 3ª (terça) maior indicadas na cantiga de roda.

A técnica de Sweep Picking, presente na prática dos guitarristas, pode também ser adaptada para o estudo das guitarras, consistindo em técnica utilizada por guitarristas e violonistas que utilizam palheta. A técnica consiste em aproveitar o movimento anterior da palhetada, seja para cima ou para baixo, e tocar o primeiro toque da próxima corda (caso não seja o único) com a mesma direção de palhetada

Considerando o trecho, indica-se a utilização do sweep picking no compasso 9 (nove), nas notas re3 e fa#3:

Pelo fato das cantigas de roda possuírem motivos rítmico- melódico curtos e de execução viável, a prática nas diversas tonalidade amplia o grau de exploração no instrumento, além disso, o aluno poderia explora a técnica do sweep picking, juntamente com a prática de diferentes digitações no mesmo trecho e em diferentes tonalidades;

Exemplo de estudo com diferentes digitações:

O estudo da técnica Hammer on pode ser explorado na seguinte peça, segundo Leão (2014), esta técnica consiste em Hammer-on (‘martelar’) é quando você toca uma corda segurando uma casa e pressiona outra casa, sem tocar a corda de novo, apenas aproveitando a vibração (2014, p. 25).

Utilizando a cantiga de roda Capelinha, Capelão, indica-se o uso de Hammer on nos seguintes trechos, segue o texto musical:

 

Uma técnica semelhante ao Hammer on, denominada Pull- off, adequa-se também ao estudo desta cantiga, de acordo com Leão (2014, p. 25), esta consiste em Pull-off (‘soltar’) é o contrário: você toca a corda segurando uma casa e logo em seguida a solta.

Neste caso, recomenda-se o uso do pull-off no compasso 6, solicitando ao educando que pratica em todas as tonalidades, segue o trecho:

Neste capítulo tratou-se do uso das cantigas de roda na aprendizagem das técnicas no instrumento guitarra, de fato, houve a possibilidade de adequação da linguagem guitarrística, entretanto, de forma direcionada e adequada ao discurso musical deste repertório da cultura musical brasileira.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desafio de conceber a proposição de formas de educar e musicalizar mediante o diversos contexto de ensino musical, requer um olhar crítico e embasado, com a necessidade de sistematização do material que se pretende utilizar, haja que todo processo de ensino não se realiza de forma hierárquica, entre educador e educando. E nem tampouco restrita na escolha de apenas um método de ensino.

A junção da linguagem na prática do instrumento guitarra com as cantigas de roda como repertório de estudo, demonstra que as possibilidades existem, sim, para serem trabalhadas em torno de objetivos na aprendizagem musical, entretanto, reforçando que é necessário que haja sentido e coerência naquilo que se propõem, além da necessária atualização considerando as mudanças históricas, e o surgimentos de novas práticas musicais, principalmente impulsionadas pelas ferramentas digitais.

As cantigas, foram expostas como forma de mostrar que este tipo de repertório, repassado, principalmente, de uma cultura oral, ainda pode ser motivo de exploração para a vivência no contexto da educação musical. Como foi visto, as cantigas de roda, apresentam motivos melódicos curtos e de fácil execução, proporcionando o estudo e a exploração na interpretação e no desenvolvimento técnico, neste caso na guitarra.

Com a demonstração das peças, constatou-se que as técnicas da guitarra adaptam-se ao temas das cantigas, porém sendo necessário uma adequação, e a orientação correta de que trechos musicais seriam possíveis o estudo da técnica.

Considerando o repertório das cantigas, embora exista uma quantidade enorme de peças (NOVAES), é preciso fazer um levantamento de quais peças adequam-se para o desenvolvimento musical no instrumento estudado. Se a cantiga possui trechos rítmicos e melódicos que oportunizem a utilização de determinada técnica.

Neste sentido, o fazer musical se realiza dentro de uma perspectiva em que o ensino e aprendizagem do instrumento pode se utilizar do legado folclórico e popular da cultura brasileira, resgatando, práticas que sofreram modificações no decorrer da história, e que hoje se realizam de forma diluída nos contextos da socialização, ficando, de certa forma, restrito aos ambientes educacionais, reiterando assim, que se olharmos as possibilidades para a vivência musical, veremos que existem portas que ainda podem e precisam ser aberta, para que educadores e educandos visualizem novos insights do que venha a ser educação musical.

REFERÊNCIAS

JURADO.Filho, Lourenço Chacon. Cantigas de Roda: jogo, insinuação e escolha. Dissertação (Mestrado). Departamento de Linguística do Instituto de Estudos da Linguagem. Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1985. 

LEÃO, Djair Pessoa. Um panorama do ensino particular da guitarra elétrica na cidade de Natal-RN. Monografia (Graduação). Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal/RN, 2014

LOPES, Rogério. O ensino da “ guitarra brasileira”: uma construção. Dissertação. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola de Música, Rio de Janeiro, 2013.

MÓDULO, Thiago Grando. A formação musical e pedagógica em quatro cursos superiores de guitarra elétrica no Brasil. Dissertação (Mestrado). Centro de Artes, Florianópolis, Santa Catarina, 2015.

NOVAES, Iris Costa. Brincando de Roda. Rio de Janeiro: Agir, 1986.


1 Ver partitura completa no anexo desta monografia