REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7295463
Acadêmico: ANDERSON DE PAULA PEREIRA JUNIOR
Orientador: Esp. ALEX SANDRO RODRIGUES BAIENSE
Coorientador: Ms. LEONARDO GUIMARÃES DE ANDRADE
UNIG – Universidade Iguaçu, Curso de Graduação em Farmácia, Nova Iguaçu-RJ, Brasil
RESUMO
A ketamina é um anestésico produzido pelo laboratório americano Parke & Davis na década de 1960 e é usado principalmente para anestesia em humanos e animais. Tem sido representado na literatura como um “anestésico dissociativo” porque sua administração fornece uma forte sensação de separação do meio ambiente, perda sensorial e analgesia acentuadas, além de amnésia e paralisia motora, sem perda real da consciência. Possui propriedades que o tornam útil para processos. Seu mecanismo de ação é baseado no antagonismo dos receptores ionotrópicos de glutamato N-metil-D-aspartato. A ketamina tem sido utilizada como um possível modelo para a esquizofrenia de acordo com a hipótese glutamatérgica da esquizofrenia, e foi utilizada em estudos para reproduzir comportamentos semelhantes aos sintomas positivos e negativos da esquizofrenia em cobaias. Atualmente, devido às suas propriedades alucinógenas e dissociativas, o seu uso ilícito tornou-se popular entre os jovens que o utilizam, este fato indica a necessidade de se conhecer melhor suas propriedades toxicológicas.
Palavras-Chave: Ketamina; Toxicologia; Farmacologia; Droga de abuso.
ABSTRACT
Ketamine is an anesthetic developed by the American laboratory Parke & Davis in the 1960s and is primarily used for anesthesia in humans and animals. It has been described in the literature as a “dissociative anesthetic” because its administration provides a strong feeling of separation from the environment, marked sensory loss and analgesia, in addition to amnesia and motor paralysis, without real loss of consciousness. It has properties that make it useful for processes. Its mechanism of action is based on the antagonism of ionotropic N-methyl-Daspartate glutamate receptors. Ketamine has been used as a possible model for schizophrenia according to the glutamatergic hypothesis of schizophrenia, and has been used in studies to reproduce behaviors similar to the positive and negative symptoms of schizophrenia in guinea pigs. Currently, due to its hallucinogenic and dissociative properties, its illicit use has become popular among young people who use it, this fact indicates the need to better understand its toxicological properties.
Key words: Ketamine; Toxicology; Pharmacology; Abuse drug.
INTRODUÇÃO
A ketamina é um anestésico, usado principalmente para anestesia em humanos e animais. É química e farmacologicamente muito semelhante ao cloridrato de fenciclidina, uma “droga de rua” não utilizada na terapia devido aos graves delírios associados ao seu uso e seus efeitos marcantes na percepção sensorial. Ambos produzem anestesia “dissociativa”, resumida como uma forte sensação de separação do ambiente, perda acentuada de sensação e analgesia, amnésia e paralisia motora, mas a ketamina produz muito menos euforia e distorção sensorial do que a fenciclidina, o que a torna adequada para uso em certos procedimentos pediátricos e anestesia em pacientes com risco de hipotensão e broncoespasmo (GILMAN, 2010).
No Brasil, o termo “boa noite Cinderela” tornou-se amplamente conhecido porque os criminosos davam uma substância misturada com bebidas alcoólicas à vítima para fazê-la perder a memória. Nesse caso, o etanol é usado para potencializar os efeitos de outras substâncias sedativas. Segundo relatos, existem duas hipóteses sobre a origem da palavra. A primeira é que o nome “Boa Noite Cinderela” refere-se a um programa de TV no Brasil em que o apresentador premiava os participantes com uma noite de princesa. Outra hipótese refere-se à personagem Princesa Cinderela na história infantil frequentando o grande baile, referindo-se ao seu local preferido para práticas golpistas como bares e boates, onde ela perdeu seus sapatos de cristal como referência à perda de controle das vítimas (TAKITANE et al., 2017).
Atualmente, existem estudos avaliando seu uso na analgesia profilática, relevante ou não, para reduzir a intensidade da dor pós-operatória. Outra aplicação em que a ketamina tem sido usada experimentalmente na última década é que foi proposta como um possível modelo de esquizofrenia em humanos e animais como indutor de sintomas positivos e negativos semelhantes aos associados à esquizofrenia (Y. et al., 2017).
Hoje, suas propriedades “dissociativas” e alucinógenas são abusadas para fins não terapêuticos. Dado seu grande número de possibilidades e potencial de uso, seja para fins terapêuticos ou não, entender seu mecanismo de ação, farmacocinética, possíveis interações farmacológicas e pôr fim a toxicologia torna-se uma ferramenta útil para concretizar todo seu potencial de uso, claro, faz seus riscos como uma droga de abuso óbvio.
OBJETIVO GERAL
Realizar uma revisão bibliográfica sobre a ketamina, enfocando aspectos químicos e farmacocinéticos, seu mecanismo de ação, efeitos farmacológicos, usos terapêuticos e abordando o uso da ketamina como droga de abuso.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
- Abordar o uso da ketamina como droga de abuso;
- Analisar o número de possibilidades e potenciais de uso, sejam ou não para fins terapêuticos;
- Compreender o mecanismo de ação e a sua farmacocinética e farmacodinâmica;
- Explicar possíveis interações farmacológicas, e por fim sua toxicologia;
- Apontar as diferentes indicações clínicas da ketamina no atendimento ao paciente, destacando sua importância em diferentes situações do atendimento médico diário;
JUSTIFICATIVA
A ketamina é um poderoso anestésico dissociativo que vem na forma de um pó branco, líquido ou comprimido que pode ser tomado por via oral, inalado ou injetado. A sua posse não é ilegal porque é receitada por um médico. A ketamina, ou especial K, como dizem seus usuários, é uma droga psicodélica derivada da fenciclidina. Parece inibir seletivamente a função associativa normal do córtex e do tálamo, aumentar a atividade do sistema límbico e produzir efeitos analgésicos e amnésicos.
METODOLOGIA
Trata-se de uma revisão de literatura com o objetivo de selecionar estudos clássicos e recentes relevantes para a discussão do tema abordado em bibliotecas virtuais e bases de dados como Pubmed, SciELO, Lilacs e Medline entre 2017 e 2021, utilizando uma combinação dos seguintes descritores: Ketamina, anestesia, analgesia, depressão, neuroproteção e drogas de abuso.
REVISÃO DE LITERATURA
ASPECTOS TOXICOLÓGICOS E FARMACOLÓGICOS
A ketamina, 2-(o-clorofenil)-2-(metilamino)-ciclohexanona, é uma arilcicloalquilamina derivada da fenciclidina com um peso molecular de 238 Daltons e um pKa de 7,5. É utilizado comercialmente como uma mistura racêmica de dois isômeros ópticos (enantiômeros), S(+) e R(-), associados aos conservantes cloretos de benzetônio e clorobutanol (TAKITANE et al., 2017).
Esses isômeros têm propriedades farmacológicas diferentes. A FDA (Food and Drug Administration) alertou em 1992 que a separação de estereoisômeros não recebeu atenção suficiente no desenvolvimento de medicamentos comerciais. Apesar das dificuldades técnicas e dos altos custos, o foco nessa área pode abrir novas possibilidades terapêuticas. Estudos em animais mostraram que a S(+) ketamina tem aproximadamente quatro vezes mais afinidade para o sítio de ligação da fenciclidina nos receptores NMDA (N-metil-D-aspartato) do que a R(-) ketamina. A S(+) ketamina é 2 vezes mais potente que a forma racêmica na prevenção da sensibilização central da medula espinhal. Como a S(+) ketamina tem maior afinidade pelo receptor e apresenta farmacocinética semelhante à forma racêmica, pode ser uma droga clinicamente interessante (ANDRADE et al., 2013).
A ketamina é metabolizada oxidativamente por enzimas microssomais hepáticas em três metabólitos ativos: norketamina, 5OH-ketamina e 4OH-ketamina, dos quais a norketamina é o principal metabólito ativo, que é de um terço a cinco vezes mais potente que uma parte da droga original. Todos os metabólitos são hidroxilados em hidroxinoxetina, que são então combinados com derivados de glicuronídeos solúveis em água e excretados na urina. Além do fígado, há menos metabolismo nos rins, intestinos e pulmões. Possui alta lipossolubilidade, fraca ligação às proteínas plasmáticas (10-30%) e grande volume de distribuição (cerca de 3l.kg-1), portanto o efeito da droga é mais rápido. Tem uma depuração de eliminação relativamente alta (1.000 a 1.600 mL.min-1) e uma meia-vida curta de aproximadamente 2 a 3 horas (SILVA et al., 2010).
A norketamina, o principal metabólito da ketamina, tem uma potência estimada de cerca de 20% da molécula original, ou 1/3 a 1/4 da potência da droga original, e aparece na corrente sanguínea em 2 a 3 minutos, alcançado em 30 minutos. No entanto, suas concentrações persistiram por mais de cinco horas após a administração, resultando em eliminação lenta e grande potencial de acúmulo. A biodisponibilidade intramuscular é de 93% e os níveis plasmáticos máximos são atingidos em cinco minutos. No entanto, pela via oral, ocorre extenso metabolismo de primeira passagem e a biodisponibilidade torna-se limitada, cerca de 20%. A ketamina é rapidamente absorvida na circulação sistêmica após injeção epidural com biodisponibilidade de 77%. A biodisponibilidade da ketamina para administração intranasal e retal é de 50% e 25%, respectivamente (SILVA et al., 2010).
A ketamina foi introduzida na prática clínica como anestésico na década de 1980 e foi anteriormente utilizada em grandes animais em clínicas veterinárias. No entanto, é usado para pacientes hemodinâmicos, indução anestésica em asmáticos, sedação intramuscular em pacientes agitados (especialmente crianças), sedação em unidades de terapia intensiva e troca de curativos em pacientes queimados. Além disso, é usado como antidepressivo em casos de tentativas de suicídio refratárias. A ketamina está incluída na Portaria/SVS nº 344, de 12 de maio de 1998, que aprova o Regulamento Técnico de Substâncias e Medicamentos Especialmente Controlados, classificado como “Lista C1 – Lista de Outras Substâncias Especialmente Controladas” (BRASIL, 2018).
MECANISMO DE AÇÃO DA KETAMINA
A ketamina é um antagonista não competitivo dos receptores de glutamato NMDA (Nmetil-D-aspartato) e atua no sítio de ligação do PCP, que está localizado neste canal iônico. Desta forma, a ketamina impede a ação do glutamato (principal neurotransmissor excitatório) neste receptor. A ketamina e seu produto de biotransformação norketamina (NKET) podem se ligar a outros receptores, como canais dopaminérgicos, serotoninérgicos, colinérgicos, opióides e de sódio (DUJARDIN et al., 2016).
FARMACOLOGIA DA KETAMINA
A molécula de ketamina tem um peso molecular de 237,7 g/mol, um pKa de 7,5, e é vendida na forma racêmica como um pó cristalino branco com ponto de fusão de 260°C. A ketamina não é caracterizada por causar sedação profunda ou hipnose; em vez disso, em comparação com outros anestésicos, um efeito diferente foi relatado como anestesia dissociativa, onde a droga causa perda sensorial, amnésia e paralisia motora, mas o paciente não está completamente inconsciente e está capaz de manter a abertura ocular e os movimentos involuntários dos membros, que podem ser confundidos com a excitação da anestesia. Eles também têm um estado de transe, onde se sentem “desconectados” (PONCE & FUKUSHIMA, 2017).
Ao contrário de outros anestésicos, os efeitos associados ao sistema cardiovascular são o aumento da pressão arterial, da frequência cardíaca e do débito cardíaco. A ketamina é um medicamento utilizado em pacientes com risco de hipotensão durante a anestesia e, embora não cause arritmias, não é indicado para pacientes com risco de isquemia miocárdica. Efeitos mínimos sobre o sistema respiratório foram observados e apneias raramente foram induzidas após doses anestésicas. Grandes doses de ketamina intravenosa, superiores a 2 mg/kg, e doses rápidas superiores a 40 mg/min, foram associadas a maiores efeitos pseudopsicóticos. A dose de indução de ketamina resultou em uma pequena diminuição na depressão respiratória e foi menos grave do que com outros anestésicos. Devido à sua ação simpaticomimética indireta, é um potente broncodilatador e é recomendado para pacientes com alto risco de broncoespasmo. Atua no sistema nervoso central, aumenta o fluxo sanguíneo cerebral e a pressão intracraniana, não sendo indicado para pacientes com isquemia cerebral. Pode produzir efeitos adversos, como pesadelos, sensação de corpo flutuante ou “altura do corpo”, delírios ou alucinações, que são frequentes na primeira hora após uma emergência e podem ser amenizados pela hiperventilação. Outros efeitos farmacológicos relatados com a ketamina são aumento dos tônus muscular, glicemia, cortisol plasmático e prolactina e redução da pressão intraocular. Depois de tomar Ketamina, as pupilas ficam moderadamente dilatadas e pode haver lacrimejamento e salivação (GOODMAN, 2001).
Devido aos seus diferentes efeitos de outros medicamentos antidepressivos, a ketamina também tem um grande efeito clínico devido às suas características antidepressivas e tem um rápido início de ação. Assim como os benzodiazepínicos – frequentemente usados em combinação com a ketamina para reverter o suicídio – a ketamina causa amnésia anterógrada, causando um “apagão” onde o indivíduo é incapaz de reter novas informações, e as memórias podem ser formadas, mas não consolidadas; portanto, memórias que ocorreram antes do trauma evento não foi afetado. A Ketamina possui propriedades que limitam seu uso rotineiro como antidepressivo na prática clínica, como efeitos agudos dissociativos e psicodélicos, efeitos hemodinâmicos, persistência do tratamento e potencial de abuso, que pode levar à dependência (FEIFEL, 2016).
USOS TERAPÊUTICOS
KETAMINA E ANESTESIA
A ketamina foi introduzida há cerca de 30 anos como um único anestésico que produz alívio da dor, perda de consciência e imobilidade. A ampla aceitação clínica não foi alcançada devido a efeitos colaterais importantes, como alucinações, distúrbios proprioceptivos e sensação de flutuação no corpo (LUFT, 2018).
No entanto, a ketamina é clinicamente importante em certos contextos, como na indução anestésica em pacientes com choque hemodinâmico; indução anestésica em pacientes com asma ativa; sedação muscular em pacientes não cooperativos, especialmente crianças; terapia intensiva Sedação na enfermaria e troca de curativo em pacientes queimados (LUFT, 2018).
Ainda há muito debate sobre a droga de indução anestésica ideal com mínima interferência no estado hemodinâmico de pacientes hipovolêmicos pós-traumáticos. Estudos mostraram que a ketamina mantém a função cardiovascular, mantém o transporte de oxigênio e causa apenas depressão respiratória temporária. Após a indução da ketamina anestésica em cães que receberam um modelo experimental de choque hemorrágico, foram observados aumentos significativos na pressão venosa central, frequência cardíaca, pressão capilar pulmonar e índice de resistência vascular pulmonar após a administração de ketamina. Embora mais pesquisas sejam necessárias, a ketamina tem se mostrado uma droga segura para indução anestésica em pacientes hipovolêmicos (FRAGA et al., 2019).
A ketamina não deve ser usada como único anestésico devido ao seu baixo efeito analgésico visceral e também devido à catalepsia, sugerindo uma relação com outros produtos que antagonizam seus efeitos simpáticos. Estudos mostraram que a aplicação de ketamina e dexmedetomidina na indução anestésica não é ideal devido ao efeito tônico proeminente da ketamina. Quando a ketamina foi removida na indução e a dexmedetomidina foi usada isoladamente, não houve efeito tônico, e apenas tremor muscular leve foi observado quando a ketamina foi adicionada apenas em manutenção (HATSCHBACH et al., 2016).
Em um estudo em cães, a associação de rofidina ou xilazina com ketamina validou efeitos cardiorrespiratórios e analgésicos em ambos os grupos e demonstrou hipotermia, bradicardia, hipotensão e respiração em ambos os grupos A frequência é reduzida. Na anestesia equina, a combinação de ketamina, guaiacol e diazepam mostrou-se o melhor indutor de anestesia (HATSCHBACH et al., 2016).
KETAMINA E ANALGESIA PREEMPTTIVA
A cirurgia e a inflamação tecidual desencadeiam a nocicepção, podem desenvolver sensibilização periférica e hiperalgesia primária, aumentar a expansividade da medula espinhal a estímulos deletérios ou não, induzir sensibilização central e potencialização a longo prazo devido a fenômenos de emaranhamento e outros mecanismos. O bloqueio desses mecanismos antes que eles se desenvolvam pode impedir a ocorrência da sensibilização central. Portanto, a analgesia preemptiva visa enfatizar que a sensibilização central é causada por estímulos nocivos antes e após a cirurgia, incluindo a administração de analgésicos antes do início da cirurgia. Tem sido usado para alívio da dor, depleção analgésica ou ambos ao longo da intervenção (LUFT, 2018).
Os neurotransmissores excitatórios que atuam através dos receptores NMDA estão envolvidos no desenvolvimento da sensibilização central e na potenciação a longo prazo. Esta observação estimulou a avaliação de antagonistas do receptor NMDA em vários modelos de dor. Na prática clínica, a ketamina é um dos poucos antagonistas de NMDA disponíveis com propriedades analgésicas não relacionadas aos receptores NMDA, como a ativação do sistema inibitório monoaminérgico descendente, envolvido na modulação de processos nociceptivos, geralmente ativados por opioides sistêmicos (XIE et al., 2018).
A ketamina foi testada em animais e humanos com vários modelos de dor e nocicepção. Um ensaio clínico randomizado demonstrou menores escores de dor, menor consumo de analgésicos e melhora do humor em pacientes que receberam doses repetidas de ketamina (préincisão e intraoperatória). Pequenas doses de ketamina peridural, administradas antes da incisão, têm analgesia mais eficaz do que a administração intravenosa. Esse resultado pode estar relacionado às alterações farmacocinéticas da administração epidural. Em um estudo randomizado duplo-cego, a administração sistêmica de antagonistas de NMDA em baixa dose associada à analgesia epidural controlada pelo paciente, em combinação com morfina e bupivacaína, redução da dor, necessidade de analgésicos e incidência associada de reações adversas relacionadas a analgésicos, com morfina epidural, como náusea e coceira (XIE et al., 2018).
Estudos demonstraram que a ketamina em baixas doses é segura e um adjuvante eficaz dos opióides, tanto no alívio da dor quanto na redução do uso de opióides no pós-operatório. Em crianças, não há evidência de um efeito aumentado de opioides versus ketamina intravenosa na apendicectomia. Em usuários de drogas, o uso de ketamina reduz a necessidade de opióides para alívio da dor pós-operatória, demonstrando seu potencial de tolerância crônica. Um estudo observacional descobriu que a ketamina reduziu a incidência de náuseas e vômitos durante a cirurgia plástica, diminuiu a incidência de efeitos adversos e melhorou a aceitação do paciente. (NAGASAKA et al., 2018).
Estudos em animais mostraram que a ketamina intravenosa reduz a sensibilização central induzida pela formalina em gatos cujo tronco cerebral e medula espinhal foram dissecados e é mais eficaz quando administrada antes da formalina. Outro estudo em ratos mostrou que a ketamina tem efeitos analgésicos, e outros estudos descobriram que os ratos induziram uma redução significativa na intensidade da dor neuropática. Embora estudos tenham demonstrado que a ketamina reduz a sensibilidade central, tolerância e hiperalgesia induzidas por opioides, consumo de narcóticos, uso de analgésicos, incidência de eventos adversos pós operatórios e dor nociceptiva e neuropática, a necessidade de aguardar mais pesquisas para avaliar a importância de ketamina para alívio da dor (HATSCHBACH et al., 2016).
KETAMINA E DEPRESSÃO
A depressão é uma das psicopatologias mais prevalentes e onerosas e causa de morbidade e mortalidade em todo o mundo. Medicamentos para depressão são caros e amplamente prescritos pelos médicos, mas menos da metade dos pacientes alcança remissão completa após o tratamento com um único antidepressivo. Acredita-se que pelo menos 20% das pessoas com depressão não respondem adequadamente ao tratamento antidepressivo, por isso há a necessidade de descobrir novos antidepressivos. Além disso, os medicamentos usados para tratar a depressão levam semanas a meses para surtir efeito, levando a considerável morbidade e aumento do risco de comportamento suicida, principalmente nos primeiros 9 dias após o início do tratamento (JICK et al., 2016).
Estudos têm demonstrado que os receptores NMDA desempenham um papel importante na etiologia de psicopatologias como ansiedade e depressão. Vários estudos pré-clínicos mostraram que antagonistas do receptor NMDA, como MK-801, AP7, CPP, neramexano, exibem efeitos ansiolíticos e antidepressivos em ratos. Estudos clínicos mostram que a administração aguda de ketamina reduz os sintomas depressivos em pacientes com transtorno depressivo maior que apresentam efeitos antidepressivos rápidos que persistem por cerca de 1 semana quando tratados com uma dose única de ketamina (KRYSTAL et al., 2018).
Evidências sugerem que o BDNF (Brain-derived-neurotrophic-factor), uma das muitas proteínas endógenas envolvidas na manutenção da sobrevivência e crescimento do cérebro e neurônios periféricos, pode estar envolvido em diversas psicopatologias. Neste caso, os níveis de BDNF foram reduzidos nos cérebros post mortem de pacientes deprimidos, e infusões intracerebrais de BDNF foram observadas para produzir efeitos antidepressivos em ratos. Vários estudos mostraram que o tratamento antidepressivo crônico, mas não agudo, induz aumento da expressão de BDNF no hipocampo de roedores. Curiosamente, um estudo mostrou que o tratamento agudo com altas doses de ketamina (50mg/kg) aumentou os níveis de BDNF no hipocampo de ratos, o que pode sugerir que este pode ser um possível mecanismo pelo qual a ketamina produz efeitos antidepressivos rápidos (SIUCIAK et al., 2017).
KETAMINA E NEUROPROTEÇÃO
A hipóxia e a isquemia cerebral desencadeiam uma cascata fisiopatológica que culmina na destruição e morte celular. Os neurônios isquêmicos liberam glutamato e levam à hiperativação dos receptores NMDA, que por sua vez aumentam os níveis de cálcio intracelular e levam à morte celular. Portanto, os antagonistas do receptor NMDA tornaram-se alvos de pesquisas para investigar seus possíveis efeitos neuroprotetores (KRYSTAL et al., 2018).
Estudos em animais mostraram que a administração de altas doses de ketamina antes e após a lesão isquêmica reduz a hipóxia e a disfunção neurológica isquêmica, mas apenas a administração de baixas doses após a lesão não tem efeito. Outro estudo usando um modelo de lesão cerebral traumática em ratos mostrou que a injeção intraperitoneal de ketamina (180 mg/kg) 2 horas após a lesão reduziu o tamanho do infarto e os déficits neurológicos. Foi observado que a S(+) ketamina pode ter propriedades neuroregenerativas, uma vez que neurônios danificados em ratos foram significativamente aumentados na sobrevivência e crescimento axonal quando tratados com S(+) ketamina, enquanto GAP-43 é uma proteína envolvida no crescimento e significativamente aumentada níveis de regeneração neuronal em comparação com controles não tratados (HIMMELSEHER et al., 2016).
Existem muitas controvérsias em relação à neuroproteção induzida pela ketamina devido a diferenças nos modelos experimentais, doses, início e duração do tratamento. A proteção quase completa do hipocampo foi observada após tratamento anterior com ketamina, mas outros estudos mostraram que a ketamina pode exacerbar o dano neuronal durante ataques isquêmicos transitórios e exercer efeitos benéficos após isquemia prolongada. Outros autores não observaram efeito da ketamina na isquemia sistêmica, enquanto outros observaram efeitos positivos (NAGASAKA et al., 2018).
No entanto, a ketamina pode ser neurotóxica. Estudos mostraram que os neurônios no córtex cerebral de ratos são morfologicamente danificados após a aplicação de fenciclidina ou ketamina, mas isso pode ser evitado pela administração de anticolinérgicos, diazepam ou barbitúricos. Portanto, embora a ketamina pareça ser uma droga promissora para o tratamento de pacientes com isquemia ou hipóxia cerebral aguda, mais pesquisas são necessárias para introduzi-la na prática clínica. (SIUCIAK et al., 2017).
KETAMINA COMO DROGA DE ABUSO
O uso da ketamina não se limita à prática clínica e à pesquisa, pois atualmente é utilizada rotineiramente como droga de abuso em boates e festas conhecidas como “raves”. O primeiro caso de uso da droga como droga de abuso foi descrito em 1971 na Costa Oeste dos Estados Unidos, e foi denominado “anestésico dissociativo” devido aos seus efeitos pseudo psicóticos. O uso recreativo da ketamina tornou-se comum no Reino Unido no início dos anos 1990 (JANSEN, 2018).
Embora a cena de drogas da dança contemporânea seja um fenômeno global e ocorra em muitos países, é reflexo de expressões culturais locais. Nos últimos anos, o termo “drogas de clube” tem sido usado para definir um grupo heterogêneo de substâncias químicas usadas para fins recreativos em perpétua evolução. Essas substâncias têm sido amplamente utilizadas, primeiro na cultura “rave” e depois na chamada “cultura do clube”. Esses movimentos são caracterizados por uma busca por sensações amplificadas, combinadas com música eletrônica,
“maratonas” de dança e abuso de substâncias. Após alguns anos de domínio do uso de anfetaminas, atualmente o uso de outras substâncias está aumentando, principalmente drogas com efeitos alucinógenos, como a ketamina (WHO, 2016).
A FDA classificou-o como uma droga de abuso devido a um aumento nos casos de abuso na década de 1990. É uma substância que atua no sistema límbico e córtex cerebral, além dos gânglios da base e hipocampo, aumentando a excitação elétrica dessas regiões, resultando em aumento dos tônus simpático. Os usuários recreativos de ketamina geralmente se referem a ela como "especial K", "vitamina K" ou simplesmente "K", e são atraídos pelos efeitos da droga, como melhora do humor, euforia, distorções visuais e auditivas, sensações eróticas, empatia, a sensação de flutuar no corpo. Nos Estados Unidos, o uso recreativo de ketamina, especialmente por usuários de drogas injetáveis, está aumentando entre grupos de risco, como gays e jovens marginalizados (COPELAND & DILLON, 2019).
Estudos de usuários de drogas injetáveis mostraram que a ketamina não é a primeira droga injetável nem a droga de escolha. Normalmente, a primeira injeção de ketamina ocorreu com o uso de polidrogas e em idade mais avançada (média de 19 anos). Outro estudo entre usuários de ecstasy mostrou que 29,5% deles usavam múltiplas drogas, sendo a ketamina a droga mais associada (60%) (HATSCHBACH et al., 2016).
Assim, estudos anteriores relataram que a ketamina tem efeitos semelhantes a outras drogas de abuso, como cocaína e anfetamina, com capacidade de induzir sensibilização após administração repetida. Considerando que a sensibilização tem sido associada à dependência induzida por essas drogas, estudos têm demonstrado que o uso repetido de ketamina pode, na verdade, levar a um padrão compulsivo de seu uso, mesmo após a administração de baixas doses. Portanto, independentemente de desenvolver ou não dependência após o uso repetido da substância, os estudos supracitados fornecem dados que mostram alterações comportamentais e psicológicas que podem ser prejudiciais aos usuários (JICK et al., 2016).
Muitos dos efeitos psicotomiméticos desta droga são transitórios, reversíveis e influenciados pelo tempo, dose e condições de administração. Baixas doses de ketamina em viciados melhoram o humor e os sintomas psiquiátricos, como perda da realidade, despersonalização, alucinações visuais, sonhos agradáveis e desagradáveis, dificuldade de concentração, capacidade de aprendizado e perda de memória. Doses mais altas podem causar vômitos, fala arrastada, esquecimento, diminuição da função motora, delírio com ou sem agitação psicomotora, movimentos tônico-cônicos, taquicardia ou bradicardia, hipotensão e depressão respiratória (JANSEN, 2018).
A ketamina usada em doses subanestésicas induz imagens de esquizofrenia em humanos, incluindo sintomas positivos e negativos e alterações eletrofisiológicas no processamento de informações corticais. Muitos pesquisadores acreditam que a exposição repetida de receptores NMDA a antagonistas pode levar à esquizofrenia melhor do que uma dose única dessas drogas. A ketamina e a fenciclidina, antagonistas não competitivos do receptor NMDA, exacerbam os sintomas psicóticos em pacientes com esquizofrenia e induzem sintomas positivos e negativos semelhantes ao transtorno em indivíduos saudáveis (ADLER et al., 2019).
Assim, estudos também mostraram que a administração de ketamina (0,1 ou 0,5 mg/kg) em indivíduos saudáveis produz comportamentos semelhantes aos sintomas positivos e negativos da esquizofrenia, bem como alterações na percepção, fluência verbal prejudicada e sintomas psiquiátricos semelhantes à esquizofrenia. Estado dissociativo. Dessa forma, os usuários recreativos de ketamina podem apresentar sintomas semelhantes aos da esquizofrenia porque usam regularmente a droga. Um estudo recente descobriu que os usuários recreativos de ketamina experimentaram mais sintomas dissociativos e esquizofrênicos na noite em que tomaram a droga. No entanto, esses achados não foram observados após 3 dias de uso de ketamina (UHLHAAS et al., 2017).
O uso da ketamina como droga de abuso está aumentando em todo o mundo, inclusive no Brasil. No entanto, os possíveis efeitos adversos de seu abuso e uso indiscriminado não foram adequadamente estudados. Tolerância e dependência foram descritas, mas são necessárias mais pesquisas para determinar os sintomas de abstinência e formas eficazes de tratá-lo (FRAGA et al., 2019).
CONCLUSÃO
A ketamina é uma droga neurofarmacológica complexa na medida em que atua além de atuar direta ou indiretamente nas monoaminas (acetilcolina, norepinefrina e dopamina). Foi originalmente introduzido como um único anestésico para produzir analgesia, perda de consciência e imobilidade. No entanto, não ganhou ampla aceitação clínica devido a efeitos colaterais importantes, como alucinações, distúrbios proprioceptivos e sensação de flutuação no corpo. Dado o conhecimento atual, pode ser necessário rever as indicações para o uso de ketamina, pois mostrou uma boa promessa nos estudos recentes envolvendo seu mecanismo de ação, efeitos neuronais e analgésicos têm levado a sua reavaliação e ampliação de seu uso.
Além disso, a disponibilidade do isômero S(+) ketamina pode causar menos efeitos colaterais do que a mistura racêmica, o que reavivou o interesse pela droga. Vários estudos demonstraram as propriedades analgésicas preventivas da ketamina em relação à dor pós operatória e outros estudos revelaram os efeitos antidepressivos rápidos da ketamina. Além disso, a ketamina mostrou efeitos neuroprotetores em estudos com animais. Embora a ketamina seja uma área promissora, esses efeitos precisam ser melhor estudados antes que possam ser usados na clínica.
Sendo assim, a ketamina tem vários efeitos potenciais que podem ser descritos como adversos ou prejudiciais, e há evidências crescentes de sintomas de tolerância e dependência em seus usuários recreativos. Logo, são necessárias mais pesquisas sobre o uso recreativo da ketamina, principalmente no Brasil, bem como dados que demonstrem morbidade e mortalidade pelo uso da substância como droga de abuso. Em conclusão, embora a ketamina seja uma área promissora, seu papel na analgesia, depressão e neuroproteção requer mais investigação.
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