ARTIGO 32 DA LEI DA ARBITRAGEM

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7250842


Diego Henrique Coelho Capillupe1


RESUMO

Embora seja indiscutível que a arbitragem seja um método eficiente e amplamente aceito de resolução de conflitos no Brasil, merecedor de credibilidade e amplamente aplicado nos cenários nacional e internacional, em 6 de maio de 2015, o Congresso Nacional promulgou a Lei 13.129 de 2015, nova Lei de Arbitragem, em vigor desde 27 de julho de 2015,  que melhorou significativamente alguns dos conceitos e disposições da atual Lei 9.307 de 1996, Lei Brasileira de Arbitragem, que havia sido promulgada quase 20 anos antes. No entanto, a Nova Lei de Arbitragem brasileira não revogou completamente ou modificou drasticamente a estrutura da Lei de Arbitragem no Brasil, nem a forma como a arbitragem opera no Brasil. Basicamente, espera-se que a nova lei reconheça estatutário algumas interpretações já consolidadas pela doutrina e jurisprudência, fortalecendo assim a segurança jurídica e a eficiência da arbitragem no Brasil. 

Palavras-chave: Arbitragem. Artigo 32. Lei 9307/1996. Lei 13129/2015.  

ABSTRACT

Although it is indisputable that arbitration is an efficient and widely accepted method of conflict resolution in Brazil, worthy of credibility and widely applied in the national and international scenarios, on May 6, 2015, the National Congress enacted Law 13,129 of 2015, a new Arbitration Law, in force since July 27, 2015, which significantly improved some of the concepts and provisions of the current Law 9,307 of 1996, Brazilian Arbitration Law, which had been enacted almost 20 years earlier. However, the New Brazilian Arbitration Law did not completely repeal or drastically change the structure of the Arbitration Law in Brazil, nor the way arbitration operates in Brazil. Basically, it is expected that the new law will recognize some interpretations already consolidated by the doctrine and jurisprudence, thus strengthening the legal certainty and efficiency of arbitration in Brazil.

Keywords: Arbitration. Article 32. Law 9307/1996. Law 13129/2015.

1. INTRODUÇÃO

No Brasil, como em muitos outros lugares, a arbitragem como mecanismo de resolução de controvérsias tem tido um desenvolvimento contínuo. Desde sua criação, quando a arbitragem no país raramente era considerada, uma vez que a lei existente na época exigia que sentenças arbitrais de todos os tipos, tanto estrangeiras quanto nacionais, fossem reconhecidas em primeiro lugar por um tribunal estadual para serem efetivas e exequíveis, o Brasil atingiu um nível extraordinário de maturidade arbitral em julgamentos sumários.

Desde 1996, o Brasil implementa uma regulação legal adequada para a arbitragem, que tem se mostrado um método útil, estratégico e eficiente de resolução de conflitos no contexto das transações comerciais nacionais e internacionais.

O principal marco para a arbitragem brasileira foi a promulgação da Lei Brasileira de Arbitragem em 1996. Essa regra determinava a natureza vinculante das sentenças arbitrais (SOARES, 2015, p. 95) e regulava certos aspectos fundamentais da arbitragem — por exemplo, acordos arbitrais, questões elegíveis para arbitragem etc., e resultou na efetiva inserção da arbitragem brasileira no contexto econômico global. No entanto, esse processo levou algum tempo.

Após a promulgação da Lei Brasileira de Arbitragem, ocorreu um debate no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre os aspectos constitucionais da lei que durou aproximadamente seis anos. O Supremo Tribunal Federal considerou casos envolvendo as disposições aparentemente conflitantes entre a Lei arbitral e o artigo 5º, § XXXV da Constituição Federal brasileira (SOARES, 2015, pp. 96-100). 

O debate finalmente chegou a um acordo em 12 de dezembro de 2001, quando o ministro da Justiça, Sepúlveda Pertence, reconheceu um prêmio estrangeiro (DAVID, 2012, p. 36) e determinou expressamente que a Lei Brasileira de Arbitragem não tinha inconsistências com a Constituição Federal brasileira. Essa decisão também foi um marco importante na história da arbitragem brasileira que, depois disso, se espalhou por todo o país.

No ano seguinte, o Brasil tornou-se signatário da Convenção de Nova York sobre o Reconhecimento e Aplicação de Prêmios Arbitrais Estrangeiros (Convenção de Nova York) por meio do Decreto Presidencial 4.311, de 23 de julho de 2002, dando ao Brasil ainda mais credibilidade como país a favor da arbitragem (SCHIZZEROTTO, 2012, p. 247). 

A receptividade da doutrina e o apoio dos tribunais nacionais foram fatores decisivos para a consolidação da arbitragem no país. Durante o período em que a arbitragem brasileira amadureceu, juristas e tribunais endossaram, em diversas ocasiões, sua validade, garantindo o respeito à autonomia contratual das partes e o fortalecimento da arbitragem como método efetivo de resolução de conflitos.

Esse processo de solidificação é corroborado pelas informações fornecidas pelo Tribunal arbitral da Câmara Internacional de Comércio, o que indica que em 2012 o Brasil ficou em 4º lugar na lista dos locais mais nomeados para arbitragem (SCHIZZEROTTO, 2012, p. 247). 

Para confirmar essa tendência, em 2014, o Brasil foi premiado como a Jurisdição com o Maior Progresso pela Global Arbitration Review (GAR). O prêmio reconhece o trabalho árduo feito pela comunidade arbitral, tribunais nacionais e profissionais de arbitragem.

Muito tem sido dito sobre a desconfiança tradicional da Sociedade brasileira em relação a este instituto, que impede um uso mais sistemático da arbitragem como meio de liquidação pacífico de disputas. No entanto, deve-se notar que na prática comercial, arbitragem não é um fenômeno desconhecido na realidade jurídica nacional. 

Podemos citar algumas das razões pelas quais a arbitragem não teve uma grande aceitação na sociedade brasileira, até agora. Além dos problemas da própria técnica jurídica, existem outros problemas de natureza psicológica, mas com implicações legais. Alguns desses problemas ocorrem em quase todos os países da América Latina, como a desconfiança mútua que existe entre jurisdição arbitral e estadual, e a suspeita de que a arbitragem é usada como instrumento de poder econômico. Outros são específicos para alguns países, como a quase total falta, no Brasil, de Câmaras institucionais de arbitragem.

De fato, a desconfiança mútua entre a jurisdição arbitral e o Estado parece figurar-se como um fenômeno universal. Assim uma longa evolução tem sido necessária para ser capaz de passar de um regime de desconfiança mútua para um de cooperação recíproca que é listado como uma das características do direito moderno

O primeiro e talvez o obstáculo técnico mais importante foi a dicotomia, de origem francesa, entre “pactum de compromittendo” e o compromisso de arbitragem. A primeira consiste na cláusula arbitragem, pela qual uma possível disputa é submetida à arbitragem, e o segundo, na convenção pela qual uma disputa já existente, será resolvido através da jurisdição arbitral e não pelo Estado.

Além disso, há a possibilidade de controle, pela jurisdição do Estado, da legalidade das decisões arbitrais, seja interlocutores ou definitivos. O controle das decisões interlocutórias, pela jurisdição ordinária, é atenuado pela adoção do princípio de “kompetenz-kompetenz“. O controle das decisões finais pode ser exercido pelos tribunais por meio do tempo de concessão do ‘exequatur‘, ou mesmo por meio de ações próprias, como anulação ou rescisória, no caso brasileiro.

Na legislação francesa, as reformas de 1980 levaram à adoção, por um lado, do “kompetenz-kompetenz“, e, por outro, da possibilidade de retirada do recurso. No entanto, não há essa possibilidade quando o árbitro decide pela equidade como uma composição amigável.

Além disso, no silêncio das partes, a apresentação de um recurso é a regra, mas só pode ser admitido no caso de inexistência ou nulidade do acordo arbitral, irregularidade de constituição ou nomeação de árbitros, decisão que não é de acordo com o assunto da empresa ou cláusula de arbitragem, violação do princípio da contradição, nulidade da sentença arbitral por falta de exigência e violação da ordem pública.

2. O SISTEMA DE ARBITRAGEM BRASILEIRO: A NOVA LEI DE ARBITRAGEM

Antes da Lei nº 9.307/96, no Brasil, a jurisprudência brasileira decidiu que a cláusula arbitral consistia em uma simples obrigação de fazer, que em caso de não conformidade foi resolvido em danos, e que não tinha poder para afastar a concorrência de jurisdição estatal.

O segundo e talvez o problema arbitral mais importante de ordem técnica, está no princípio constitucional expresso pelo Art. 5º, XXXV da Constituição Federal brasileira. Este padrão, que não existe em nenhum outro sistema legal, expressa que a lei não pode excluir da avaliação do Judiciário, qualquer lesão para o direito. 

E como se sabe, o julgamento arbitral só pode existir se uma lesão for excluída da consideração do Poder Judiciário de algum direito individual disponível, porque a lei permite ou autoriza essa atividade.

A arbitragem seria assim no Brasil totalmente inconstitucional. O fato de que a sentença arbitral exigia o ‘exequatur’ do juiz estadual ter validade, como dizia a doutrina e jurisprudência, sempre nos pareceu insuficiente para corrigir essa irregularidade, uma vez que ele não tem o poder de modificar a Constituição, e a necessidade de o desenvolvimento da arbitragem no país não pode passar acima da Lei Maior.

Decisões arbitrais no Brasil muitas vezes não são publicadas e isso só ocorre em alguns casos de maior alívio. Além disso, em alguns casos, entidades governamentais participaram de processos arbitrais com base em contratos assinados com empresas locais de utilidade pública, e isso sem recorrer à natureza não obrigatória da cláusula arbitral. 

Entre os indivíduos, a realização está se tornando cada vez mais comum de processo arbitral, de acordo com o que é deduzido da respectiva jurisprudência. Nestes casos, o objeto do procedimento arbitral raramente é mencionado, apesar de estar conectado, na maioria dos casos, para operações comerciais. 

A arbitragem é reconhecida no Brasil desde a época da colonização portuguesa e tem sido até obrigatória no direito brasileiro, desde o Código Comercial de 1850, ainda em vigor, estabelecido em algumas de suas disposições, a arbitragem compulsória. 

A lei subsequente nº 1.350 de 1866 revogou estes dispositivos sem qualquer oposição em seu tempo. O Brasil é signatário do Protocolo de Genebra de 1923, além de ser uma das partes do Código Bustamante e um signatário da Convenção Interamericana de Arbitragem Comercial Internacional, assinada no Panamá (1975) e promulgada apenas no Brasil, para sua realização, em 1996.

Desde o início de sua nacionalidade, o Brasil recebeu com seriedade a arbitragem, evitando ou resolvendo algumas situações de conflitos internacionais de grande perigo para a paz e que poderiam ter resultado em conflitos armados.

O Tratado de Paz e Aliança assinado com Portugal, entre o Imperador do Brasil D. Pedro I e o Rei de Portugal D. João VI, no Rio de Janeiro, em 23 de agosto de 1825, submetido a uma comissão mista todas as divergências sobre a propriedade móvel ou imóvel de bens sequestrados ou confiscados, tanto em Portugal quanto no Brasil. 

Esta Comissão foi criada no mesmo ano e caracterizou o uso pela primeira vez, na América Latina, a arbitragem como meio positivo e viável. No ano seguinte, o acordo entre Brasil e Inglaterra para acabar com o comércio de escravos na costa africana, criou uma comissão conjunta para regular todas as reivindicações resultantes do sequestro das naves usadas nesta tarefa. 

Em 1828, o esquadrão brasileiro bloqueou o Rio da Prata e apreendeu três navios franceses por violação do bloqueio. Almirante francês Roussin exigiu compensação, representando os proprietários dos navios, e uma comissão conjunta estava no comando, como árbitro, de resolver todas as reivindicações resultantes (FEDER, 1942, p. 32).

Assim, o Brasil, há 163 anos, já usava a arbitragem como meio PACÍFICO DE solução de disputa. Desde os tempos coloniais, a arbitragem foi legalmente reconhecida no Brasil.

Os Códigos de Processo Civil de 1939 e 1973, instituíram a arbitragem como modalidade facultativa de julgamento arbitral, onde as partes poderiam submeter suas disputas ao árbitro, através do compromisso de arbitragem, observando alguns requisitos. 

No entanto, a decisão ou sentença arbitral foi objeto, em seus aspectos formais, do reconhecimento judicial, o que lhe deu efeito exequível, uma vez que no Brasil, o compromisso arbitral foi indispensável ao julgamento arbitral, o mesmo não acontece com a cláusula arbitral. 

Sendo assim bastante comum na prática brasileira, era simples promessa de contratação (“pactum de contrahendo“), não gerando uma execução específica, mas apenas compensação, no caso de violação do acordo.

Na legislação brasileira, artigos 1.072 a 1.102 do Código de Processo Civil (Lei de Processo Civil) foram revogados pela nova Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/96), que consagra a regra de que o julgamento arbitral tem sua própria dinâmica independente, o que sugere a competência do árbitro para a composição de disputas incidentes, com exceção daqueles que lidam com direitos indisponíveis ou questões constitucionais. 

O legislador brasileiro não se referiu ao órgão competente para julgar o recurso contra a decisão arbitral. O sinal mais óbvio, na legislação brasileira, dessa desconfiança no julgamento arbitral é encontrado na regra constitucional de que a lei não excluirá da avaliação do Poder Judiciário qualquer dano ou ameaça aos direitos individuais, constante do artigo 5°, XXXV, da Constituição Federal.

Por meio de verificação prática do impacto que teve esse princípio constitucional no sistema judiciário brasileiro, pode-se citar o famoso “Caso Lage”. 

Em 1942, o Decreto-Lei nº 4.648 incorporou ao patrimônio nacional, os bens e direitos das empresas da Organização Lage e patrimônio de Enrique Lage, com a desculpa do estado de guerra e o interesse dos bens para a defesa nacional. Após várias tentativas, nenhum acordo foi alcançado sobre o valor desses bens e direitos, a solução proposta então foi a arbitragem. 

O governo brasileiro concordou e, através do Decreto-Lei Nº 9.521 de 1946, o tribunal arbitral foi estabelecido com o propósito de determinar o valor da compensação, que ele teria que pagar ao patrimônio Lage, na forma de títulos da dívida pública. 

Foi até acordado que a sentença arbitral não estaria sujeita a qualquer recurso, e que seria exequível sem precisar de reconhecimento por parte do Judiciário. A sentença arbitral foi emitida em 21 de janeiro de 1948, e o então presidente da República, enviou ao Congresso Nacional um pedido de abertura de crédito especial para fazer contra o pagamento da indenização.

Tudo estava indo de acordo com o que foi acordado, quando o então procurador-geral da Fazenda, elaborou um parecer estabelecendo a inconstitucionalidade da sentença arbitral, pela violação do referido princípio constitucional. Com isso, o Patrimônio Lage foi forçado a entrar com uma ação judicial, já em 1955, que ele ganhou em todos as instâncias. 

Finalmente, após oito recursos endereçados ao Supremo Tribunal Federal, pelo governo e já em 1973, o Patrimônio Lage foi premiado com um caso, ou seja, quase 26 anos depois. E tudo em nome da não exclusão da avaliação do Judiciário, de qualquer lesão ou ameaça ao direito individual.

Para tudo isso, não estamos surpresos que a arbitragem seja objeto de tanta desconfiança por parte da sociedade brasileira, mas isso já começa a mudar com as diferentes iniciativas para maior uso da arbitragem.

A lei brasileira se refere apenas à arbitragem “ad hoc”, esquecendo a arbitragem institucional. A Arbitragem Institucional tem grande difusão em países desenvolvidos que, da mesma forma, têm mitigado o perigo do uso da arbitragem como instrumento de poder econômico, com a exigência de um compromisso específico, e a aceitação da cláusula da ouvidoria exclusivamente em assuntos comerciais, além de outras medidas de proteção.

A Lei nº 9.099/95, que instituiu os juizados especiais cíveis e criminais no Brasil, admite o julgamento arbitral, sendo o árbitro escolhido pelas partes, podendo decidir com equidade e submetendo a sentença arbitral ao reconhecimento judicial irrecusável, observando os requisitos legais.

Finalmente, após a função jurisdicional tornou-se exclusivo do Estado, e por alguns séculos, para certas entidades específicas como justiça feudal e eclesiástica, o Estado aperfeiçoou suas instituições adquirindo mais força e autoridade; criação de um órgão especializado para exercer a função jurídica: o Judiciário.

Exceto em alguns casos expressamente autorizado por lei, o Judiciário deixa de intervir para resolver algum conflito de interesses. Tal intervenção ocorre por provocação das partes, ou melhor, um deles (autor). 

Em muitos casos, as partes  podem resolver amigavelmente suas disputas, dispensando a interferência do Estado via juiz, a solução ter toda a validade e meios de coerção para satisfazer o direito do partido vencedor. Estes são os chamados direitos disponíveis regulados por regras privadas.

Há outras situações, cujos conflitos não podem ser resolvidos amigavelmente pelas partes, e dependem da interferência do Estado via atividade judicial. Isso é o que acontece com os casos de Direito familiar e público. São os chamados direitos indisponíveis. No sistema jurídico brasileiro, os processos arbitrais são apenas aceitos em casos de direitos disponíveis.

Normalmente, as partes podem resolver seus conflitos de interesses por ato próprio, desde que seja um direito disponível. Para que haja um julgamento arbitral que seja exequível e devidamente reconhecido pelo juiz ordinário competente, é necessário que a lei expressamente autorize. 

Esta autorização legal permite que as partes excluam do Judiciário a avaliação de certos conflitos de interesse, desde que os requisitos legais tenham sido respeitados. O constituinte brasileiro tem dado grande prestígio no início consagrado no art. 5, XXXV da Constituição. 

Para ele, a lei não pode excluir da avaliação do Poder Judiciário, qualquer dano ou ameaça à lei. E como é conhecido, o julgamento arbitral só pode existir sem uma lesão a algum direito individual disponível, pois a lei permite ou autoriza tal atividade.

Esse dispositivo, torna a arbitragem no Brasil inconstitucional, mesmo que os tribunais o digam contrário. Eles usam o argumento de que a decisão arbitral pode ser reexaminada como um recurso, onde ele será então concedido ou não o “exequatur”.

Da mesma forma, em arbitragens internacionais com a exigência de duplo “exequatur” pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o que foi realmente reconhecido foram as sentenças judiciais estrangeiras de homologação e nunca as próprias sentenças arbitrais. 

A sentença arbitral, por receber o “exequatur” de um tribunal judicial estrangeiro, equivale a uma decisão judicial que será reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal para ser válido no Brasil, se os requisitos da política pública brasileira e a verificação da intimação do réu são atendidos.

2.1 O PRIMEIRO PROJETO DE LEI ARBITRAL BRASILEIRA

O interesse por um uso mais sistemático da arbitragem no Brasil tem aumentado nos últimos anos, principalmente após o Seminário de Arbitragem Comercial, promovido pela Comissão Brasileira da Câmara Internacional de Comércio de Paris no Rio de Janeiro, em 14 e 15 de maio de 1979.

O primeiro projeto de lei representou um grande avanço na sistematização da arbitragem e a partir dele destaca-se suas principais características:

a) Evitou utilizar o termo “Acórdão Arbitral” para que a arbitragem não se caracterizasse como um julgamento paralelo à jurisdição ordinária;

b) Utiliza exclusivamente a expressão “cláusula de arbitragem”, a fim de expressar a intenção expressa no contrato, para resolver quaisquer disputas através de arbitragem, e “acordo de arbitragem” para expressar a instituição formal de arbitragem em vez dos termos ‘cláusula arbitral’, ‘compromisso’, ‘arbitragem’ e ‘julgamento arbitral’, respectivamente, os conceitos dos quais são controversos em doutrina e jurisprudência brasileiras;

c)Estimula a transação em todas as etapas do procedimento arbitral e

d) Evita ao máximo, a interferência do Poder Judiciário na arbitragem, dispensando inclusive a homologação da sentença arbitral e excluindo qualquer recurso judicial contra a decisão arbitral.

O projeto de lei propôs a adoção de uma lei especial sobre arbitragem, revogando as disposições pertinentes do Código Civil e adaptando as regras do Código de Processo Civil para as inovações apresentadas. Além disso, atribui à cláusula de arbitragem, sem qualquer restrição, os mesmos efeitos do compromisso e cria uma arbitragem especial para a determinação de cláusula do negócio legal, a fim de agilizar a realização de transações civis ou comerciais.

O projeto previa uma ação de conformidade estipulada arbitral, no caso de não aceitação do cumprimento da cláusula arbitral, a decisão judicial tendo o valor do compromisso. 

Este acórdão está sujeito apenas a recurso, sem efeito suspensivo na execução do acórdão. O projeto de lei propôs a criação de uma lei especial que se afasta do Código de Processo Civil composto por 32 artigos, quando o atual tinha apenas 30 artigos sobre o assunto.

O projeto em questão, em seu tempo, foi a tentativa mais liberal, no Brasil, para disciplinar a arbitragem. No entanto, a circunstância de colocação do assunto em uma seção de texto do Código de Processo Civil, recebeu diversas críticas de alguns juristas brasileiros, que entenderam que seu conteúdo deveria substituir os artigos codificados.

Neste ponto, não houve alteração do artigo 1.072 do Código de Processo Civil Brasileiro. Assim, a arbitragem poderia ser usada por pessoas físicas e jurídicas, sob o direito público ou privado e órgãos da Administração, mas apenas nos chamados atos da gestão, em que eles contratam com semelhança com as pessoas jurídicas privadas, isto é, sem suas prerrogativas estatais.

Nos chamados atos de império, pelo princípio da indisponibilidade do interesse público, a arbitragem não pode ser usada como meios de resolução de controvérsias, uma vez que o interesse público não pode ser objeto de um compromisso. 

No entanto, deve-se notar que o Supremo Tribunal Federal reconheceu a adequação do uso da arbitragem, inclusive em litígios contra o Estado, tais como por exemplo, o já mencionado “Caso Lage”.

A minuta deu grande ênfase à conciliação, pois previa que, no momento da aprovação da arbitragem, a parte reclamante abordaria à parte opositora uma proposta de composição amigável, por correio, ao nomear seu árbitro. Se a parte opositora aceita a proposta de conciliação, a disputa terminará por meio de um acordo. Caso contrário, nomeará seu árbitro e iniciará a arbitragem. 

O artigo 17º foi um dos mais contestados, uma vez que afirmava que a sentença arbitral constitui um título extrajudicial exequível, e que, portanto, o devedor só pode reivindicar, no recurso judicial, que presente, uma das seguintes causas de nulidade:

a) O prêmio foi concedido por uma pessoa que não poderia ser um árbitro;

b) Que o prêmio não contenha os requisitos do artigo 16º, ou seja, o relatório, a decisão e seus méritos, qualquer voto divergente, o prazo para o cumprimento do prêmio, a data e o lugar, e a assinatura dos árbitros;

c) A concessão foi concedida fora dos limites estabelecidos no acordo arbitral;

d) Os árbitros ainda não decidiram toda a disputa para eles apresentado e a decisão foi tomada com prevaricação ou corrupção dos árbitros.

O texto original do projeto não incluía o parágrafo único do artigo 17º. Este último considerou que, uma vez que a sentença arbitral é um título extrajudicial, o devedor poderia se defender no processo judicial alegando tudo o que ele queria para dificultar o cumprimento do prêmio, com todos os inconvenientes que essa possibilidade gera.

Propôs, então, limitar a defesa do devedor a questões específicas, sob o argumento de que não seria legal ou razoável, permitir que o devedor se defendesse nos mesmos motivos utilizados para execução extrajudicial em geral. Assim, a defesa da parte derrotada na arbitragem fica restrita aos cinco pontos mencionados, sendo dois, o primeiro e o último, suspender a execução até serem julgados definitivamente.

A solução dada pelo projeto ao problema da necessidade de aprovação da sentença arbitral, na legislação brasileira, resultou em uma média que tentou respeitar o princípio constitucional de que a lei não pode excluir da avaliação do Poder Judiciário qualquer lesão aos direitos individuais, e o obstáculo que é a necessidade de aprovação judicial. 

Assim, a necessidade de aprovação judicial do prêmio é excluída, mas uma vez que os direitos da defesa expiraram, mas sem revisão do mérito da disputa. Essa alteração do sistema atual apresentou alguns problemas, embora se destine a desburocratizar a arbitragem. A primeira dessas desvantagens é limitar a eficácia do prêmio para ele dos títulos extrajudicialmente exequíveis. 

Com este, a sentença arbitral pode não ter a mesma validade de um julgamento declaratório constituindo e, além disso, não servirá como um título para a execução das obrigações de dar ou fazer, para a qual o Código de Processo Civil requer aplicabilidade judicial, exceto previsto no artigo 585, II.

Outra desvantagem é deixar por tempo indeterminado o procedimento do julgamento de nulidade da sentença, que atualmente é realizado com extrema facilidade, no momento da homologação judicial. É verdade que a nulidade poderia ser invocada como uma questão de anexos à aplicação, mas o mesmo problema ainda existiria para prêmios de natureza constitutiva ou simplesmente declaratória, que não admitem execução (SOARES, 2015, p. 100).

Outra inovação do projeto foi no Capítulo V, artigo 21 a 26, tratando da ação para a aplicação de uma cláusula arbitral. Neste capítulo prevê que, no caso de uma parte se recusar a cumprir a cláusula de arbitragem, a outra parte pode pedir ao juiz para convocar o partido rebelde para aparecer, em um dia e hora definidos, para assinar o acordo de arbitragem.

Se o partido rebelde não aparecer ou se aparecer, ele se recusa a nomear seu árbitro deve funcionar na arbitragem como árbitro único, indicado pela parte requerente. Se o partido rebelde aparece, mas não chega a um acordo com o autor da denúncia para encerrar o litígio para meios de liquidação, ou se as partes não aceitam a nomeação de árbitro único, cada um deles vai indicar o seu próprio juiz, o terceiro que decidirá a questão.

Finalmente, no caso de as partes não chegarem a um acordo sobre o assunto da arbitragem, o juiz ordinário deve decidir e sua decisão servirá como instrumento de instituição de arbitragem.

Desta forma, o velho problema de conformidade com a obrigação de fazê-lo, de acordo com o artigo 644 do Código de Processo Civil Brasileiro, não admite execução específica, apenas há coerção indireta pela imposição de uma multa por dia de atraso, a partir da data estabelecida pelo juiz. Por fim, a minuta deve destacar o que foi expresso no artigo 26º, que tratava de uma sentença arbitral feita no exterior. Este prêmio deve ser autenticado e conformado pelo Consulado Brasileiro e oficialmente traduzido, para que tenha validade executiva no Brasil.

Como o artigo 585, II do Código de Processo Civil brasileiro determina que títulos extrajudiciais estrangeiros não dependem da aprovação do Supremo Tribunal Federal, desde que atendam aos requisitos de treinamento exigidos pelo local de sua conclusão, e que indicam o Brasil como o local de atuação da obrigação, a sentença arbitral, em sua capacidade como título executivo extrajudicial, não dependeria de aprovação judicial por sua validade.

Em resposta às sugestões submetidas, incluindo a determinação de que o juiz de 1ª instância deve ser instruído a conceder o ‘exequatur‘, decidiu-se ir ainda mais longe, eliminando totalmente a necessidade de aprovação judicial da sentença por árbitro estrangeiro.

A solução apresentada pelo projeto envolve a dispensação de uma cadeia de formalidades necessárias para a aplicação da sentença arbitral estrangeira, que antes da nova lei de arbitragem brasileira, teve que receber o ‘exequatur‘ por um tribunal em seu país de origem para que, depois de ser, assim, transformado em um julgamento judicial estrangeiro, poderia ser aprovado pelo presidente do Supremo Tribunal Federal. 

A estrada foi assim, longa e dolorosa, contrastando com a velocidade estabelecida pelo projeto, sem prejuízo dos direitos da defesa. Este foi o conteúdo, em geral, do projeto de lei de arbitragem preparada em 1981, e que nunca foi enviada ao Congresso para aprovação, talvez devido à pressão de setores interessados em manter o monopólio do Poder Judiciário sobre o tema da resolução de litígios.

A legislação brasileira continuou a manter a distinção entre cláusula de arbitragem e o contrato de compromisso. Assim, tem-se um problema a ser resolvido: o de estabelecer a cláusula arbitral para todas as leis privadas com pleno efeito, ou restringir seu uso exclusivamente a assuntos comerciais.

Primeiro, tal dicotomia não deve ser aceita. A validade do contrato de arbitragem deve cobrir pelo menos o Direito Privado e não só o Direito Comercial, muito mais que se sabe que o Direito Comercial e Direito Civil têm tendência a se fundir em um único código.

Como não há razão para a distinção entre obrigações comercial e civil, deve-se optar pelo princípio de acordo com o qual, as novas regras de arbitragem abrangem todo o Direito Privado e mesmo Público, se os requisitos dessa seção são legalmente atendidos.

Há uma particularidade que precisa ser examinada. Discutido na doutrina, seja a inclusão da cláusula arbitral deve ser adotada ou permitida, em contratos de adesão e nas condições gerais de negócio. Se sua inclusão for permitida, um grande número de problemas estaria longe do conhecimento do Poder Judiciário, sem que as partes tenham conhecimento real dele, uma vez que nos contratos de adesão quase nunca presta atenção às cláusulas nele incluídas.

Por essa razão e para evitar danos resultantes de tal comércio, em larga escala, a possibilidade de incluir tais cláusulas em contratos de adesão e termos gerais e condições de negócios deve ser expressamente excluída. Assim, teríamos uma solução semelhante à legislação francesa atual, que exige um certo grau de igualdade entre as partes para que a cláusula arbitral produza seus efeitos.

2.2 O SEGUNDO PROJETO DE LEI ARBITRAL BRASILEIRA (1988)

Como já foi dito, o projeto de lei arbitral anterior não foi até enviado ao Congresso Nacional para aprovação, mas, em 1988, o então ministro da Justiça brasileiro enviou ao presidente da República um projeto de lei que altera a lei processual no que diz respeito à arbitragem, por mais estranho que possa parecer, uma vez que o primeiro rascunho não havia sido rejeitado, nem tinha sido descartado, mas simplesmente esquecido.

Assim, este segundo rascunho foi elaborado com base no projeto anterior. Uma das inovações da minuta preliminar foi a admissão da chamada “arbitragem de determinação contratual”, prevista nos artigos 1º, II e III, regulamentados pelos artigos 27 e 31.

Esse tipo de arbitragem busca acelerar as negociações, que podem ser consideradas concluídas mesmo que faltou uma determinação de fato, o que exigiria um espaço considerável de tempo para que ocorresse.

É o que acontece, por exemplo, nas complexas avaliações patrimoniais para a alienação das empresas, com reflexos na determinação do preço de venda. No comércio internacional, especialmente em commodities, a arbitragem de qualidade é amplamente utilizada por sua natureza estritamente técnica e não propriamente legal (DAVID, 2012).

O reconhecimento legal desta forma de arbitragem em direito representa um ponto de aceleração e segurança na conclusão das transações legais, cujos efeitos muitas vezes transcendem os interesses patrimoniais das partes a serem refletidos na vida econômica e social do país.

Foi procurado para alcançar no projeto preliminar, a configuração exata de cada uma das modalidades de arbitragem contempladas, expressando-os:

  • na estipulação de arbitragem (Capítulo I); 
  • na instituição de arbitragem (Capítulo II); 
  • dos árbitros (Capítulo III); 
  • do procedimento arbitral (Capítulo IV); 
  • sentença arbitral (Capítulo V); 
  • ação para cumprimento da estipulação arbitral (Capítulo VI); 
  • arbitragem de determinação contratual (Capítulo VII) e
  • sentença arbitral proferida no exterior (Capítulo VIII).

Na estipulação de arbitragem, a minuta preliminar contemplou três diferentes possibilidades:

a) cláusula arbitral incorporada no contrato, com o exclusivo propósito de resolver as questões decorrentes de sua conformidade (parágrafo único do art. 1º e 2º);

b) utilização da arbitragem, sem que haja contrato prévio contendo a cláusula arbitral (parágrafo único do art. 2º e art. 3) e

c) utilização da arbitragem no curso de processos judiciais (art. 4°).

A minuta preliminar regulamentou o julgamento arbitral presente nos artigos 1.074 e 1.075 do Código de Processo Civil. Incluiu o poder de escolha, pelas partes, da legislação nacional aplicável à arbitragem (Art. 6, VII) e adoção de normas societárias ou legais, aplicáveis ao direito nacional (Art. 6, VIII). 

Também é permitido às partes, a possibilidade de delegação a uma instituição especializada da atribuição para a nomeação de árbitros (art. 6°, XIII). Portanto, são determinadas regras dispositivas ou obrigatórias que, uma vez usadas, eles também devem ser vinculativos nas partes.

A minuta preliminar atribui à sentença arbitral o caráter de título extrajudicial exequível, onde a proposta de eventual recurso não terá efeito suspensivo da execução (art. 20). Através de medidas como esta, esforços têm sido feitos para fortalecer, na medida do possível, a validade da sentença arbitral tanto no campo do direito substantivo como no procedimento.

Ele também confere o rascunho preliminar, à ação de cumprimento de estipulação arbitral, uma natureza tão sumária quanto possível, por meios de convocar o réu a comparecer perante o tribunal, onde ele será ouvido em conjunto com o autor (arts. 21, 22 e 23). Não aparecer o réu ou caso se recusa a designar seu árbitro, arbitragem será instituída funcionando como árbitro único, ele indicado pelo autor da ação (art. 23,2°). 

Se houver acordo, a arbitragem será instituída por prazo na ordem (art. 24). Se o autor se recusar a aceitar a arbitragem, o juiz ordinário adotará no procedimento, a forma prevista na legislação que rege o “Julgamento de Pequenas Causas” (art. 24), a fim de proporcionar uma maior velocidade para a ação proposta. 

Com a adoção dos princípios de oralidade e imediatismo, tem sido procurado para conferir a máxima eficácia ao acordo de arbitragem. A arbitragem de determinação contratual, prevista no artigo 1º, II e III do projeto preliminar, mereceu um capítulo específico em que se estipula que a arbitragem, nesses casos, representa um procedimento material para a realização de contratos, como perfeito e acabado, a partir da data de sua celebração (art. 28). 

Ainda está previsto, que no caso de determinações quantitativas de benefícios contratuais, prevalece em caso de divergência entre árbitros e, no silêncio do contrato, a média matemática dos valores encontrados por todos os árbitros (art. 30).

Na regulamentação desta forma de arbitragem, foi adotada uma posição pragmática, evitando o dogmatismo exagerado da Lei alemã (artigos 317 e 318 BGB), que admite a não aceitação do prêmio pelas partes, se a decisão tomada pelos árbitros for “obviamente injusta” (Art. 319 BGB).

A determinação contratual, as soluções legislativas de outros países foram levadas em conta, como é o caso do “arbitrato non ritual” da lei italiana, também chamada de impróprio, em contraste com o regulamentado pelo artigo 806 da Lei processual civil italiana.

Por fim, na minuta preliminar, foi buscado a reforma das disposições do Código de Processo Civil que tratam do julgamento arbitral, para adaptá-lo à nova disciplina proposta, com exceção das transações legais concluídas antes da entrada em vigor da eventual nova lei que continuará a ser regida pelas regulamentações anteriores, a 

Pode-se ressaltar que a distinção entre cláusula arbitral e compromisso arbitral foi o verdadeiro problema da arbitragem no Brasil. Esta questão foi resolvida pelo rascunho anterior, que se limitava a falar em uma cláusula de arbitragem, permitindo a execução específica da provisão, no caso de omissão de qualquer das partes na indicação do árbitro.

O novo rascunho volta e novamente requer a referência em questão, como condição de validade da cláusula arbitral e do compromisso. Assim, a nova minuta preliminar mantém a distinção entre uma cláusula arbitral e um compromisso arbitral, distinção que foi eliminada de quase toda doutrina internacional, porque é de pouco valor científico e uso prático insignificante.

A atribuição de competência ao árbitro para decretar medidas provisórias, na nova minuta, mereceu críticas de alguns juristas que, em suas sugestões, dizem que o Poder Judiciário não pode ser reduzido com a arbitragem. Não faz sentido admitir, que o árbitro pode, por exemplo, decretar algumas medidas de precaução e, em seguida, simplesmente comunicar ao juiz que deve executá-los. O juiz não é secretário do árbitro, encarregado da tarefa burocrática de emitir ordens para a execução de prisões, apreensões de bens etc. (SCHIZZEROTTO, 2012). 

A arbitragem é uma forma alternativa de resolução de controvérsias, mas ele não é o superior hierárquico do Judiciário. O árbitro não pode impor suas decisões ao juiz estadual, pela simples razão de que os limites do equivalente jurisdicional são idênticos aos da transação, uma maneira de evitar ou compor litígios de concessão recíproco, que não tem nada a ver com a concessão de medidas cautelares.

2.3 A ATUAL LEI BRASILEIRA DE ARBITRAGEM (LEI NÚMERO 9307/1996)

A Lei nº 9.307/96, em vigor na lei de arbitragem do Brasil, prevê de arbitragem, incluindo reconhecimento e aplicação no Brasil, de sentenças arbitrais estrangeiras, revogando dispositivos do Código Civil e da Lei de Processo Civil.

Pode-se destacar como seus avanços, dentro da sistemática arbitragem brasileira anterior, institucional através de um órgão específico; a cláusula de arbitragem com execução específica, ou seja, o compromisso de resolver a disputa por meio da arbitragem, sem as partes podem se afastar dele; a ‘lex mercatoria’, como fonte possível de resolução de disputas, desde que as partes assim escolham, em segundo lugar, práticas de comércio internacional, sem recurso a legislação nacional; a aprovação direta pelo Supremo Tribunal Federal de sentenças arbitrais estrangeiras sem os obstáculos existentes hoje.

A legislação brasileira, até agora, manteve a cláusula arbitral como obrigação de fazer, não admitindo execução específica e resolvendo danos. Esse entendimento foi válido, tanto para contratos nacionais quanto internacionais, aplicáveis no Brasil; fazendo arbitragem pouco usado e quase desconhecido. 

Neste ponto, a primeira e fundamental inovação da lei é reconhecida, tornando a legislação brasileira compatível com a prática arbitral internacional, ou seja, tanto a cláusula arbitral quanto o compromisso arbitral são entendidos como uma convenção de arbitragem.

Tendo colocado esse princípio, a lei faz com que a cláusula arbitral tenha execução específica, ou seja, se esta cláusula não estabelecer o formulário para a conduta da arbitragem e caso exista resistência à celebração do compromisso e a instituição do julgamento arbitral, a parte interessada pode entrar no julgamento para obter um julgamento judicial contra a parte opositora, como substituto de sua declaração de vontade, instituindo ainda mais arbitragem e servindo como um compromisso arbitral.

No entanto, em caso de resistência à arbitragem por parte da outra parte, o interessado poderá propor a reivindicação judicial correspondente para satisfazer seu direito, preferindo assim meios judiciais diretos à arbitragem.

Por outro lado, caso a própria cláusula arbitral contenha as regras arbitrais de um órgão arbitral institucional, a arbitragem será instituída de acordo com essas mesmas regras. O mesmo acontecerá no caso de as partes estabelecerem em sua própria cláusula de arbitragem, ou em algum outro documento, o formulário acordado para a instituição de arbitragem.

O artigo 7º da Lei determina a instituição de arbitragem por determinação judicial, quando uma das partes se recusa a realizar o compromisso arbitral, e o juiz não pode determinar a solução do litígio para regras que não as da lei, mas no caso de que a cláusula de arbitragem expressamente assim determina. 

Não é razoável que, se as próprias partes não optassem pela cláusula arbitral para a resolução da disputa fora das regras da lei, por exemplo, para o patrimônio, o juiz assim determina. Um recurso pode ser interposto contra a decisão que considera o pedido adequado de recurso, apenas com efeito de encaminhamento (art. 42), o que impede procrastinações no início da arbitragem.

Nos contratos de adesão, a cláusula arbitral só entrará em vigor se o autor tomar a iniciativa de instituir arbitragem, ou se concordar expressamente com esse fato (art. 4). É uma regra que obedece ao princípio que inspirou o Código do Consumidor Brasileiro.

O artigo 41 da lei adapta as disposições do Código de Processo Civil, em que há referência ao compromisso arbitral e o novo conceito legal onde a cláusula de arbitragem é coberta pela convenção de arbitragem. 

Os requisitos do compromisso arbitral, obrigatório ou opcional, são fornecidos, respectivamente, nos artigos 10 e 11º e o término do compromisso no artigo 12º. Apenas as pessoas capazes de contratar podem usar a arbitragem, e isso só pode ser escolhido para resolver disputas relativas aos direitos econômicos disponíveis. Antes de a arbitragem entrar em vigor, o Código de Processo Civil prevê como meio de resolução de conflitos, exclusivamente aplicável a direitos econômicos sobre os quais a lei admite a transação.

Assim, o artigo 1.035 do Código Civil Brasileiro apenas admite a transação em direitos econômicos de natureza privada, o que não corresponde à realidade, uma vez que há direitos econômicos de empresas privadas que não podem ser objeto de uma transação (direitos econômicos dos incapazes, por exemplo).

Direitos indisponíveis, a propósito de esclarecimento, são aqueles contemplados em normas coercitivas, de cujo império as partes não podem escapar; pelo contrário, os disponíveis estão previstos em regras dispositivas, às quais as partes não estão vinculadas. Além disso, se uma das partes são pessoas legais sob o direito público, o uso da arbitragem é proibido; para o interesse público em jogo não está disponível.

A arbitragem pode ser de direito ou equidade, mas a lei arbitral ignora o fato de que as partes estão em silêncio a esse respeito, não indicando se o julgamento sobre o mérito da questão seria feito pelas regras da lei ou pelo patrimônio líquido. 

É verdade que o parágrafo 1, do artigo 2º da lei prevê que as partes podem escolher livremente as regras da lei que serão aplicadas à arbitragem, desde que não haja uma violação dos bons costumes e da ordem pública.

Além disso, as partes também podem concordar que a arbitragem é realizada com base nos princípios gerais do direito, dos usos e regras alfandegárias e de comércio internacional. Se as partes não optarem expressamente pelo patrimônio, a arbitragem será realizada de acordo com as regras da lei.

Neste ponto, duas observações pertinentes devem ser feitas: autorizadas a decidir a questão por equidade, o árbitro será conduzido por seu livre arbítrio, ditando a decisão de acordo com sua consciência e impondo a norma se o legislador fosse, isto é, resolver a questão “ex bono et aequo“.

Ao prever a lei que o árbitro, autorizado pelas partes, pode emitir uma decisão com base nas regras de comércio internacional, consagra na lei brasileira o “lex mercatoria“, desconectado da legislação nacional, incluindo a legislação brasileira, o fruto exclusivo da prática comercial e financeira internacional constante, fazendo com que, mesmo no procedimento arbitral desenvolvido no Brasil e sendo brasileiro ou ambas as partes, a solução da disputa seja ele deve fazê-lo de acordo com as palavras “lex mercatoria”.

A doutrina entendeu que as pessoas jurídicas não poderiam ser árbitros, uma vez que sua indicação seria incompatível com a confiança pessoal das partes. A nova lei arbitral brasileira permite que o árbitro seja uma pessoa física e jurídica (entidade constituída para fins arbitrais), dando-lhe o nome de tribunal arbitral (art. 5º e art. 13, parágrafos 3, 5 e 7). 

Em outras palavras, antes da nova lei de arbitragem, havia apenas a possibilidade de arbitragem “ad hoc” e agora, é permitido além disso, o estabelecimento de tribunais arbitrais institucionais, propositalmente constituídos e com árbitros pré-existentes e regras arbitrais ao litígio. 

Essa foi precisamente uma das principais razões para a falta da disseminação no Brasil da arbitragem como forma de resolver disputas, o que também significa colocar o país de acordo com as regras do comércio internacional, que recorre à arbitragem institucional para a resolução de disputas.

Caso o acordo arbitral não contemple quem devem ser os árbitros ou o tribunal arbitral, e se as partes não chegarem a um acordo sobre tal, o órgão judiciário que seria responsável por julgar o caso, nomeará, a pedido de uma das partes, o árbitro, de acordo com o procedimento estabelecido pelo artigo 7º da lei para a instituição judiciária de arbitragem, na medida do possível (artigo 13, parágrafo 2º).

2.4 PROCEDIMENTO ARBITRAL

Como já era o caso com a legislação anteriormente em vigor, a nova lei de arbitragem (art. 21) determina que a arbitragem obedecerá ao procedimento previsto pelas partes no respectivo acordo, e este por sua parte pode informar às regras de um órgão arbitral institucional, e as partes ainda podem ter o poder de delegar ao árbitro ou ao tribunal arbitral a regulamentação do procedimento. 

No caso de não haver tal estipulação, cabe ao árbitro ou ao tribunal arbitral sua disciplina (art. 21, parágrafo 1º). De qualquer forma, é o procedimento acordado pelas partes ou que determinado pelo árbitro, os princípios do contraditório ou ampla defesa, da igualdade das partes, a imparcialidade do árbitro e sua livre convicção, sob pena de nulidade da sentença arbitral (art. 21, parágrafo 1º).

O artigo 25 da Lei diz:

“Sobrevindo no caso da arbitragem controvérsia sobre de direitos indisponíveis e verificando-se que de sua existência, ou não, dependerá do julgamento, o arbitro ou o tribunal arbitral remeterá as partes a competente autoridade do Poder Judiciário, suspendendo o procedimento arbitral. Parágrafo único: Resolvido para prejudicial e junto aos autos a sentença ou acórdáo transitados em julgado, terá normal seguimento a arbitragem”.

Não se afastando da legislação até então vigente no Brasil, a nova lei determina (artigo 22, parágrafo 4) que, no caso de necessidade de medidas coercitivas ou cautelares, árbitros ou o tribunal arbitral podem solicitá-los ao órgão do Poder Judiciário originalmente competente para julgar o caso. 

É justificado o que é eliminado, porque não pode ser concebido que o tribunal arbitral exerce uma atividade judicial fora do Estado, impondo medidas que levam à coerção patrimonial e até física.

A lei brasileira chama a sentença arbitral de “prêmio arbitral, que era a denominação anterior na legislação revogada. Isso aconteceu porque o artigo 1.079 da Lei brasileira de Processo Civil disse que a decisão dos árbitros só produziria efeitos de julgamento judicial após ser aprovado pela justiça estadual. 

Assim, a decisão arbitral não tinha poder de execução sem a aprovação do Poder Judiciário, e, portanto, não foi além de uma simples “sentença arbitral”, termo que no Brasil não tinha o mesmo significado que no resto do mundo.

Agora, com a nova lei de arbitragem brasileira, a sentença arbitral tem caráter de julgamento judicial, produzindo entre as partes e seus sucessores os mesmos efeitos do acórdão emitido pela Procuração Judicial e, em casos de condenação, constitui título executivo judicial (arts. 18 e 31). Além disso, a lei determina que os requisitos da sentença arbitral são os mesmos do acórdão judicial, incluindo no que diz respeito a suas fundações.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A ideia de que uma disputa econômica pode ser resolvida longe dos tribunais estaduais, de forma rápida e sem custos especiais, é agora uma realidade no Brasil, com a promulgação da Lei 9.307/96. No entanto, ainda há muita desconfiança no país para este instituto liberal, que se opõe a um predominante e ação total da justiça brasileira.

Essa é a tradição jurisdicional que prevalece na sociedade brasileira, mantido por pressão do sistema de justiça estadual contrário a um meio alternativo de fazer justiça.

Apenas alguns alunos em cursos de direito recebem aulas de meios alternativos de resolver disputas da lei disponível. A legislação brasileira ainda está se adequando ao uso da arbitragem no Brasil. 

Assim, o Brasil começa a engatinhar na aplicação do que será a justiça do futuro, pressionado em grande parte pela necessidade de abrir suas portas para os outros países do mundo que, por sua vez, já usam muito a arbitragem. A necessidade econômica tornou-se mais forte, forçando uma modernização da legislação. 

Com a implantação da Lei nº 9.307/96, o Brasil entra no clube dos países mais desenvolvidos no campo da resolução de disputas, com uma lei arbitral moderna, apesar de algumas deficiências e lacunas.

Uma arbitragem verdadeiramente existente no Brasil, ainda é um grande avanço para um sistema primitivo, ineficaz e principalmente desconhecido para grande parte da sociedade brasileira.

Embora a arbitragem já tenha sido reconhecida e afirmada no Brasil, algumas posições doutrinárias e jurisprudenciais ainda estão pendentes de regulamentação estatutária para eliminar as incertezas jurídicas e garantir o aprimoramento da arbitragem. O objetivo da lei foi identificar as incertezas jurídicas existentes, padronizar as práticas usuais, a jurisprudência dominante e as tendências doutrinárias. 

Devido à relevância e sensibilidade do tema, os membros da comissão fizeram todos os esforços para garantir que o trabalho tivesse uma evolução eficiente.

A aprovação da nova lei foi um passo conclusivo para confirmar a consolidação da arbitragem como mecanismo confiável de resolução de controvérsias no Brasil. Dessa forma, a Nova Lei de Arbitragem tem como força fortalecer a arbitragem como método eficiente e eficaz de resolução de conflitos, tanto na jurisprudência nacional quanto internacional.

REFERÊNCIAS

DAVID, Rene (2012). L’Arbitrage dans le Commerce International. Económica, París.

FEDER, Ernesto (1942). Brasil, País Clássico da Arbitragem. Ciencia Política, vol. 4, n” 3, Rio de Janeiro.

SCHIZZEROTTO, G. (2012). Dell’Arbitrato, Giuffré, Milano. 

SOARES, Silva (2015). Órgáos das Solugóes Extrajudiciárias de Litigios, Revista dos Tribunais, Sao Paulo.


1Artigo Científico apresentado à Escola Paulista de Direito, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito. Orientador: Prof. Camilo Onoda Caldas