ESCLEROSE LATERAL AMIOTRÓFICA AUTOSSÔMICA DOMINANTE E RECESSIVA RAPIDAMENTE PROGRESSIVA COM MUTAÇÃO SOD1. 

RELATO DE CASO:

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7163331


Autoria de:
BARBOSA E.F.¹
ZAREMARE A.S.²
VECHIA, J.A.
FALCIANO I.
HABIB R.L.
LUBINE R.


1. INTRODUÇÃO

A Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) é um considerada um distúrbio heterogêneo onde ocorre degeneração de caráter progressivo dos neurônios, causando fraqueza muscular, incapacidade e levando a insuficiência ventilatória dentro de 5 anos de evolução do Quadro (ORLA et al, 2020) 

A ELA tem uma incidência anual de um a três casos por 100 mil pessoas, que se acredita ser a mesma em todo o mundo. Parece também não ter predisposição étnica ou racial para a ELA. Antes dos 65 ou 70 anos, a incidência de ELA é maior em homens do que em mulheres, mas depois disso a incidência por sexo é igual. A ELA tem uma distribuição etária que atinge o pico entre os 70 e 80 anos. No entanto, a ELA pode ocorrer em pessoas na faixa dos 20 anos (RUBIN, 2020) 

Ainda não se tem uma causa exata para a ELA, e tudo, por enquanto, ainda caminha ao redor de teorias (NORDON  & ESPOSITO, 2009). Hipóteses atuais em relação aos mecanismos patológicos e possíveis fatores de risco sugerem que o processo degenerativo que ocorre nesta doença é complexo e multifatorial. (LINDEN JUNIOR et al, 2016) 

Mesmo o padrão familiar de ELA ou demência frontal que conta por 5% a 10% dos casos e que se deve  provavelmente a alterações genéticas, não explica tudo. Em 20% dos casos familiares, uma alteração no gene do cromossomo 21, que codifica enzima cobre/zinco superóxido dismutase 1 (SOD1), promoveria um acúmulo de superóxidos, os quais lesariam as células neuronais, o que condiz com a teoria etiológica de lesão por radicais livres (NORDON  & ESPOSITO, 2009). 

Sabe-se que as mutações em SOD1 foram associadas pela primeiras com ELA em 1993 e foram associadas ao quadro rapidamente progessivo da doença, o qual gerou duas décadas de otimismo para produção de possíveis terapias eficazes no tratamento de ELA, pois há evidências de que a modulação da expressão de mutações SOD1 pode ser de benefício terapêutico em pacientes com ELA e com mutações como causadora da doença (RYAN, HEVERIN, MCLAUGHLIN, HARDIMAN, 2020). 

As características clínicas da ELA são indicativas de degeneração e morte dos neurônios motores, tanto dos neurônios motores superiores quanto dos neurônios motores inferiores. As características clínicas podem ser consideradas, segundo o nível ou região neurológica e o local de início dos sintomas, bulbar ou espinhal. Cãibras e fasciculações são as queixas iniciais mais comuns em pacientes com ELA. Fraqueza e atrofia muscular progressiva são sintomas comuns. Geralmente, a fraqueza muscular inicial é unilateral, distal e em um único segmento. Em princípio, não há alterações sensitivas e disfunção vesical associada. (LINDEN JUNIOR et al, 2016) 

O tratamento da ELA tem mudado consideravelmente nas últimas duas décadas, tendo como ênfase o cuidado multidisciplinar. O tratamento de pessoas com ELA é complexo para ambos, pacientes e profissionais da saúde, pois requer o manejo dos diversos problemas de saúde decorrentes da doença, severas incapacidades e assuntos psicossociais. (LINDEN JUNIOR et al, 2016) 

Embora essa condição seja considerada incurável, muitos dos sintomas que surgem durante o curso da doença podem ser tratados, e todo esforço deve ser feito para prover qualidade de vida e ajudar na manutenção da autonomia do paciente pelo maior tempo possível. Suporte nutricional e respiratório, bem como cuidados avançados no fim da vida, são assuntos importantes e devem ser discutidos com os pacientes e cuidadores o mais cedo possível. (LINDEN JUNIOR et al, 2016) 

Diversos tratamentos estão sendo pesquisados, muitos em fase 2 e 3 de teste; o único comprovado até o momento, porém, é o Riluzole, droga inibidora da excitoxicidade pelo glutamato, que aumenta a sobrevida de três a seis meses, o que pode parecer pouco, mas é significativo para um portador, representando, às vezes, até uma duplicação da sua sobrevida. (NORDON  & ESPOSITO, 2009). 

2. RELATO DE CASO

Paciente F.B.L, sexo masculino, 49 anos, branco, procurou atendimento médico devido a história de dor em MIE de início súbito, do tipo intermitente a qual evoluiu para paresia de MIE de forma rápida e progressiva em mais ou menos 15 dias. Após 2 meses de evolução do quadro o paciente perdeu totalmente a força do MIE e parcialmente do MID, ficou acamado e então procurou atendimento médico com Neurologista, o qual iniciou investigação para Esclerose Lateral Aminotrófica devido ao forte componente na história familiar pois mãe e irmão faleceram aos 49 anos em decorrência da doença. Nega tabagismo e etilismo ou outras comorbidades crônicas, cita quadro de trombose venosa profunda há 22 anos, vacinado contra a COVID-19 com 2 doses de Astrazeneca.   

Realizou eletroneuromiografia que apresentou disfunção pré-ganglionar (raiz ou corno anterior da medula espinhal) ao nível de L2, L3, L4, L5 e S1 à esquerda, com intensa atividade espontânea/desnervatória e não havendo evidência de polineuropatia, plexopatia ou miopatia no presente estudo. Realizou ressonância magnética (RM) de coluna lombar em 08/11/21 que evidenciou espondilodiscartrose lombossacra. As alterações degenerativas eram mais exuberantes em L4-L5 e L5-S1, osteocondrose intervertebral (modic II) em L4-L5, espondilolise à D em L5 e espondilolistese grau I em L5. RM de crânio haviam alterações de sinal na substância branca provavelmente decorrentes de microangiopatia e cisto aracnóide na fossa média à E. Ademais, RM de coluna cervical com espondilodiscartrose cervical difusa. As alterações degenerativas descritas determinam redução nas amplitudes do canal vertebral e forames de conjugação correspondentes, porém mesmo antes de terminar os exames de investigação o paciente com 3 meses do início do quadro evoluiu com dispnéia, piora ao decúbito e dificuldade de fala, sendo então levantado hipótese de Esclerose Lateral Aminotrófica rapidamente progressiva, com conduta de internação para melhor manejo e investigação.  

Na internação apresentava força grau 0 em membro inferior esquerdo, grau 3 em membro inferior direito, grau 3 em membro superior esquerdo e grau 4 em membro superior direito, além de arreflexia em MIE e hiporreflexia em MID e MSE, levemente dispneico em ambiente, com fala entrecortada, porém mantendo glasgow 15 e sem queixas álgicas. Realizou tomografia computadorizada de crânio onde evidenciou pequenas calcificações, cisto adenoide e não observou alterações agudas, realizou também ENMG de membros superiores e inferiores a beira leito que evidenciou disfunção pré-ganglionar do neurônio motor inferior ao nível dos segmentos cervical e lombosacro, com presença de atividade desnervatória em ambos os segmentos e com “Split Hand Index” da mão esquerda: 1,99. Sendo então concluído como hipótese diagnóstica de Esclerose Lateral Aminotrófica autossômica dominante e recessiva, decido pela coleta de amostra de sangue para realização de teste para mutação SOD1. Porém com 7 dias de internação paciente evoluiu com quadro de insuficiência respiratória aguda, apresentando rebaixamento do sensório importante com glasgow 3, respiração superficial e hipoxemia, sendo realizado intubação orotraqueal e transferência para unidade de terapia intensiva onde, devido à dificuldade de saída da ventilação, foi realizado traqueostomia precoce. Concomitantemente a isso paciente evolui na internação com choque séptico, novo quadro de trombose venosa profunda, hipercalemia, uremia e injúria renal aguda, em tratamento, realizado antibioticoterapia e com necessidade de diálise. Paciente encontrava-se em estado grave, apresentando choques hipovolêmicos importantes durante diálise, sendo decidida a suspensão da mesma, e posterior evolução com parada cardiorespiratória sem retorno da circulação espontânea.  Após óbito confirmou-se hipótese clínica com o resultado do teste genético que identificou uma variante heteregênica patogênica de SOD1, exon 4, variante c.304G>C (p.Asp102His). 

3. DISCUSSÃO 

A Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) em até 10% dos casos a doença hereditária é causada por mutação no gene que codifica a superóxido dismutase 1 (SOD1) e a supressão deste gene poderia aumentar a sobrevida dos pacientes. O caso relatado apresentava a mutação SOD1 confirmada após seu óbito o qual poderia indicar tratamento específico para retardar a doença.  

Christian Mueller et all (2020) demonstraram que o uso de uma infusão única de Adenovirus-associado que codifica um micro RNA direcionado a SOD-1 em 2 paciente com diagnóstico de ELA com mutação SOD1 houve redução do nível dos níveis da enzima. Demonstrando assim uma possibilidade de tratamento em pacientes com ELA mediada por SOD1.  

Existe também um estudo realizado em fase 1 e 2 com 48 pacientes diagnosticados com ELA mediada por SOD1 onde foi realizado o uso de Tofersen, um oligonucleosídeo antiense que medeia a degradação do RNA mensageiro que produz a enzima SOD1, onde verificou-se redução dos níveis de SOD1 no LCR em um período de 12 meses do uso da medicação. 

Em um estudo subsequente da fase III, 108 pacientes com ELA foram atribuídos a tofersen intratecal 100 mgs ou placebo em uma razão de 2:1 [31]. O resultado primário da mudança na escala de classificação funcional da ALS revisada em linha de base (ALSFRS-R) em 28 semanas foi semelhante para tofersen e placebo. No entanto, várias tendências favoráveis ao tofersen foram relatadas em pontos finais secundários e exploratórios, incluindo a redução da proteína SOD1 e neurofilamentos e declínio mais lento na função motora e respiratória.  

Em um modelo de camundongos transgênicos da ALS expressando a proteína mutante SOD1(G93A), silenciar o gene SOD1 prolonga a sobrevivência. Um estudo relata um efeito terapêutico de silenciar o gene SOD1 em camundongos adultos tratados sistemicamente; isso foi conseguido com um RNA de grampo de cabelo curto, uma molécula de silenciamento que levantou múltiplas preocupações de segurança, e vírus associado a adeno recombinante (rAAV). 

4. CONCLUSÃO

A Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) é uma doença neurodegenerativa que leva a uma sobrevida curta por afetar de forma progressiva neurônios motores superiores e inferiores, tronco cerebral e medula espinhal. As manifestações são fraqueza muscular, cãibras, fasciculações, disfagia, disartria, insuficiência respiratória e alterações cognitivas. Os casos de ELA familiar, como o citado neste relato de caso, são apenas 10% dos casos, mas sabe-se que fatores genéticos têm importante relevância na gênese dessa doença do neurônio motor. Além disso, entre os casos familiares, 20% associam-se a mutações do gene SOD1, presente no cromossomo 21q22.1-22.2. É uma condição considerada incurável em que a presença da mutação SOD1 está relacionada a casos rapidamente progressivos a partir do início dos sintomas e com necessidade de terapêutica neuroprotetore. Sabemos que atualmente existem diversos estudos sobre essa terapêutica neuroprotetiva nos casos de ELA familiar com mutação SOD1 porém ainda não tendo nenhuma totalmente liberada no Brasil. Ademais, associa-se o cuidado multidisciplinar feito para prover qualidade de vida ao paciente, ajudando na manutenção da sua autonomia pelo maior período de tempo possível. Deve ser enfatizada, também, a importância da discussão precoce dos suportes nutricional e respiratório, e dos cuidados avançados no fim da vida do paciente. Por fim, tem-se que é de suma relevância que cada vez mais médicos incluam ELA em seus diagnósticos diferenciais e o meio acadêmico nas pesquisas pois, apesar da doença não ter cura, o tratamento efetivo pode retardar sua evolução, reduzir a deterioração motora e prolongar a sobrevida do paciente.  

  1. Referências 

Nordon, D. G., & Espósito, S. B. (2009). Atualização em esclerose lateral amiotrófica. Revista Da Faculdade De Ciências Médicas De Sorocaba, 11(2), 1–3. ESCLEROSE LATERAL AMIOTRÓFICA 

Linden Junior, E., Linden, D., Bareta de Mathia, G., Brol, A. M., Heller, P., Duran Traverso, M. E., Schestatsky, P., Becker, J., & Gomes da Silva Filho, I. . ESCLEROSE LATERAL AMIOTRÓFICA: ARTIGO DE ATUALIZAÇÃO. Fisioterapia Em Ação – Anais eletrônicos, 47–62, 2016. 

Rubin, E.; Características clínicas da esclerose lateral amiotrófica e outras formas de doença do neurônio motor, MDCM, New York Presbyterian Hospital-Cornell Medical Center, 2020. 

Ryan M, Heverin M, McLaughlin RL, Hardiman O. Lifetime risk and heritability of amyotrophic lateral sclerosis. JAMA Neurol 2019;76:1367-74. 

Project MinE ALS Sequencing Consortium. Project MinE: study design and pilot analyses of a large-scale whole-genome sequencing study in amyotrophic lateral sclerosis. Eur J Hum Genet 2018;26:1537-46. 

Gurney ME, Pu H, Chiu AY, et al. Motor neuron degeneration in mice that express a human Cu,Zn superoxide dismutase mutation. Science 1994;264:1772-5. 

Orla Hardiman, M.D., and Leonard H. van den Berg, M.D., Ph.D. The Beginning of Genomic Therapies for ALS. The new england journal o f medicine – 2020. 


1Universidade Católica de Pelotas
2Hospital São Francisco de Paula