ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL: UMA ANÁLISE SOBRE A CONSTITUCIONALIDADE DO REQUISITO DE CONFISSÃO

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7157963


Autores:
Italo Ovídeo Silva da Costa Vasconcelos1
Jovina Freire da Silva2
Louraynne Lopes de Castro3
Luiz Carlos de Assis Silva Souza4
Thierry Braga da Silva5
Orientador:
Emanoel Lourenço do Nascimento6


RESUMO

O presente artigo científico irá discorrer acerca do instrumento recentemente introduzido no direito penal brasileiro, através da Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019 (Pacote Anticrime), qual seja, o acordo de não persecução penal, e os entendimentos favoráveis e desfavoráveis à sua utilização pelo poder judiciário do país, e todas as movimentações que desencadearam essa nova figura de acordo despenalizador e seus requisitos para obtenção. Ademais, a celebração do acordo de não persecução penal está intrinsecamente ligada a confissão formal do indivíduo a prática do crime denunciado, dessa forma, surgem as controvérsias acerca da (in)constitucionalidade desse instrumento, haja vista que se trata de uma exigência que incrimina o beneficiário em caso de uma posterior propositura de uma ação penal, posto isso surgem duas vertentes para a doutrina brasileira, uma que entende pela sua inconstitucionalidade, e outra, que o acordo é constitucional, sendo a problemática principal do presente estudo. Dessa forma, o artigo foi elaborado por meio da análise de doutrina, artigos científicos e do ordenamento jurídico, através do método científico indutivo e documental, sendo a pesquisa qualitativa.

PALAVRAS-CHAVE: Confissão. Direito. Penal. Constitucionalidade. Prova.

ABSTRACT

This scientific article will discuss the instrument recently introduced in Brazilian criminal law, through Law No. its use by the country’s judiciary, and all the movements that triggered this new figure of decriminalizing agreement and its requirements for obtaining it. Furthermore, the conclusion of the non-prosecution agreement is intrinsically linked to the formal confession of the individual to the practice of the denounced crime, in this way, controversies arise about the (un)constitutionality of this instrument, given that it is a requirement that incriminates the beneficiary in the case of a subsequent filing of a criminal action, since there are two aspects to the Brazilian doctrine, one that understands by its unconstitutionality, and another, that the agreement is constitutional, being the main problem of the present study. In this way, the article was elaborated through the analysis of doctrine, scientific articles and the legal system, through the inductive and documentary scientific method, being the qualitative research.

KEYWORDS: Confession. Right. criminal. Constitutionality. Test.

1. INTRODUÇÃO

O presente artigo científico possui como objetivo discorrer acerca do instrumento de Acordo de Não Persecução Penal e o seu controverso requisito de confissão para o oferecimento da transação penal, e assim a acusação não prossiga com a pretensão punitiva.

Houve uma implementação da justiça negociável no âmbito do processo penal brasileiro. Ocorre que essas novidades para o Sistema Criminal Brasileiro trouxeram inúmeras discussões relevantes aos fundamentos do direito penal, aos doutrinadores e a jurisprudência, uma vez que a ANPP, possui entre os requisitos para que haja o acordo de não persecução penal a confissão formal e circunstancial, por parte do denunciado da prática da infração penal.

Nesse sentido, a pesquisa objetiva identificar as divergências jurídicas do referido instrumento, acerca das afirmativas doutrinárias e jurisprudenciais de constitucionalidade e inconstitucionalidade, e as consequências jurídicas advindas de cada um dos entendimentos divergentes.

Posto isso, o presente artigo pretende analisar o tema disposto, com estudo realizado por meio do método científico indutivo, com pesquisa documental, e método de abordagem qualitativo, através da análise de artigos, estudos científicos, ordenamento jurídico brasileiro, entendimentos doutrinários e jurisdicionais acerca da matéria.

Portanto, denota-se que a temática tratada vem trazendo grandes preocupações para a área jurídica acerca da sua condição ao beneficiário do acordo e a necessidade da confissão formal, e quais as repercussões da aplicação do Acordo de Não Persecução Penal no âmbito jurídico criminal brasileiro.

2. A EVOLUÇÃO DO DIREITO PENAL E A JUSTIÇA NEGOCIADA

No que concerne a origem do direito, desde o princípio sua função era a priorizar a resolução de desentendimentos com fins de pacificação social e especialmente instituição da justiça, visto que, o ser humano não vive isoladamente, e sim convive com seus semelhantes, porém, nem sempre está convivência se mostrou harmônica, existindo a necessidade de resolução de conflitos.

2.1 Os Fundamentos do Direito Penal

O direito penal acarreta a premissa de proteção a sociedade, impondo as condutas proibitivas conforme o ordenamento jurídico, por se tratar do meio mais rígido de impor estas normas. Nas palavras do eminente doutrinador Nucci, o conceito de direito penal é voltado à:

[…] fixação dos limites do poder punitivo do Estado, instituindo infrações penais e as sanções correspondentes, bem como regras atinentes à sua aplicação. Embora a sua definição se concentre nos limites do poder punitivo, significando um enfoque voltado ao Direito Penal Democrático, não se há de olvidar constituir o ramo mais rígido do Direito, prevendo-se as mais graves sanções viáveis para o ser humano, como é o caso da privação da liberdade.[1]

A história do direito penal, se encontra interligada com a da pena, nascendo por meio de um processo doloroso, tendo em vista, os diversos sensos de justiça existentes no decorrer da implementação do que hoje, pode ser visto como o direito penal devidamente tipificado, a humanização da pena, assim como a devida finalidade do direito penal no ordenamento jurídico brasileiro que fomenta o acesso à justiça para todos.

O enquadramento entre pré-história e história traz a possibilidade de sistematizar as regras e leis dos povos antigos, como os famosos Códigos de Hamurabi e Manu. Nesse sentido, desde os primórdios da civilização, houve a preocupação em estabelecer um sistema de definição de crimes e suas respectivas sanções penais. O processo penal será uma ferramenta estatal para punir os criminosos da forma mais adequada, sempre tendo a Constituição como espinha dorsal, para fazer valer um Estado democrático.

Hodiernamente, restou comprovado que o ordenamento jurídico brasileiro se preocupou com a aplicação das penas, levando em consideração o aprendizado extraído de inúmeros erros anteriores, de modo que atualmente a pena de morte não é permitida, salvo se declarado estado de guerra, conforme artigo 5º, inciso XLVII, alínea a da Constituição Federal de 1988.[2]

À medida que as relações sociais se tornaram mais complexas, as leis criminais necessitam de atualização, como novos tipificações, novos meios de resolução, o aumento das penas abstratas, assim como a pressão social para enfrentar o aumento da criminalidade.

No entendimento de Figueiredo Dias[3], o ramo do direito processual penal exige, para que haja uma aplicação em conforme com o contexto constitucional, uma visão interdisciplinar que, ao ultrapassar o problema jurídico criminal, alcance a ciência política, e assim siga para uma conformação de direito constitucional aplicado.

Dessa forma, as discussões sobre o papel do direito na sociedade e o controle da violência e da corrupção é cada vez mais imprescindível, e o judiciário desempenha um papel cada vez mais importante no presente debate público. O Direito Penal reivindica modernização em conformidade com a Constituição Federal de 1988, mas utilizando normas que possibilitem aos operadores do direito o desempenho da função de propulsores da justiça negociada na esfera penal.[4]

2.2 A Justiça Negocial e o Direito Brasileiro

A possibilidade de utilização da justiça negocial no sistema jurídico brasileiro, há muito tempo era inconcebível. Como se verifica, o sistema de justiça criminal de conflitos que historicamente prevalece no Brasil se consubstancia na necessária resolução dos casos criminais por meio de procedimentos, em termos de cumprimento do contraditório e da ampla defesa.

Haja vista que de fato, a morosidade judicial, acarreta prejuízos a todos os interessados no processo, é neste contexto que a justiça criminal negocial se posiciona como um dos temas centrais do processo penal contemporâneo brasileiro.

A Constituição Federal de 1988 deu o primeiro passo quando previu a criação dos Juizados Especiais para causas de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, no artigo 98, inaugurando a possibilidade de negociação das penas através da transação. [5]

Dentre as medidas preferenciais ao sursis destacam-se a transação penal e a suspensão condicional do processo, ambas com previsão na Lei 9.099/95. Em síntese, o rito sumaríssimo propicia um tratamento especial aos delitos de menor potencial ofensivo, elencando para tanto um critério objetivo, qual seja, o quantum de pena aplicável em abstrato, de modo a evitar longos e dispendiosos processos criminais em crimes, teoricamente, menos gravosos.[6]

Nesse sentido, consoante ao entendimento de Nucci:

Criou o que se conceitua como crimes de menor potencial ofensivo, criando um quantum de pena que engloba esta categorização, permitindo um tratamento processual diverso, com alguns benefícios de índole processual que permitem a evitação do processo e, consequentemente, da aplicação de pena privativa de liberdade. O que se criou foi um rito específico, chamado de sumaríssimo. [7]

Verificando o direito comparado, nos Estados Unidos é adotado o sistema common law, para a devida utilização da justiça penal negociada, chamando-a de plea bargaining. O acordo, nesse caso, exige a admissão de culpa e permite a negociação acerca do tipo penal, da pena, forma de execução e eventual perda de bens, dentre outros aspectos relevantes. A negociação é aplicável a qualquer espécie de delito e pode ser feita diretamente junto ao Órgão acusador, sem participação de um juiz de direito. Trata-se de instituto muito utilizado no sistema americano e sua aplicação é muito questionada especialmente em razão do encarceramento em massa existente por lá na atualidade.[8]

De forma resumida, Brandalise apresenta a concepção de justiça negociada nos seguintes termos:

[…] é um acordo voluntário acerca do exercício de direitos processuais e que determina o encurtamento do procedimento, na medida em que leva a uma sentença de forma mais acelerada (e que tende a ser mais benéfica ao acusado, já que o réu deixa de utilizar direitos processuais). Além da voluntariedade, devem estar presentes a inteligência/compreensão de seus termos, um substrato fático e a efetiva assistência de um advogado/defensor para sua efetivação (em prol do direito de defesa).[9]

Nesse sentido, entende que o rito sumaríssimo traz um tratamento especial aos delitos de menor potencial ofensivo, como forma de evitar longos e dispendiosos processos criminais em crimes, teoricamente, menos gravosos.

O ordenamento jurídico brasileiro criou o Instituto de Delação/Cooperação, modalidade de negócio jurídico penal em que o acusado, em situação fortemente integrada, além de admitir ter contribuído para o cometimento de um crime, também coopera para impedir a prática /continuidade criminal e outros infratores sejam punidos. A Lei nº 13.850/2013 regulamenta os órgãos acima mencionados, respeitando rigorosamente o princípio da legalidade, especificando as circunstâncias em que se aplica a celebração da delação premiada e os benefícios aplicáveis ​​aos denunciantes. Entre os possíveis benefícios, destacam-se indultos judiciais, comutação ou substituição de penas ou avanço de regime.[10]

3. O INSTRUMENTO DO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL – ANPP

Destaca-se que a aplicação de acordos de colaboração criminal é essencialmente do macrossistema de Justiça Penal Negociada instituído nas Leis nº 9.099/1995 e nº 12.850/2013, sendo que a primeira trata da transação penal e da suspensão condicional do processo, e a segunda tutela acerca dos acordos de colaboração antes esparsamente previstos em diversos diplomas.[11]

Dessa forma, se faz necessário a compreensão da estrutura da persecução penal brasileira para detectar, no ordenamento jurídico criminal, onde se insere o acordo celebrado entre Ministério Público e o indiciado.

Em meados de 2017, o Conselho Nacional do Ministério Público editou a Resolução 181, que trouxe em seu bojo — para além da controvertida questão da investigação realizada pelo órgão ministerial — o chamado “acordo de não persecução penal”, modalidade de justiça penal negociada que acarreta o não oferecimento da denúncia em determinados delitos, caso o investigado seja confesso e arque com medidas restritivas de direitos.[12]

Inserido no ordenamento jurídico brasileiro pela Lei 13.964/2019, o art. 28-A do Código de Processo Penal contempla o Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), que consiste no ajuste celebrado, em determinadas circunstâncias e presentes os requisitos legais, entre o Ministério Público e o investigado (acompanhado de seu advogado), por meio da Constituição Federal de 1988, traz em seu artigo 5º os direitos e garantias fundamentais, no que tange ao direito em questão, cabe ressaltar o inciso X, “são  proteção normativa quanto à impossibilidade de abolição qual são estipuladas condições cujo cumprimento implicará não ajuizamento de ação penal e extinção da punibilidade.

No que concerne a concepção jurídica do Acordo de Não Persecução Penal, como bem cita Rogério Sanches Cunha, se refere a:

Conceito e natureza jurídica – Tomado pelo espírito de justiça consensual, compreende-se o acordo de não persecução penal como sendo o ajuste obrigacional celebrado entre o órgão de acusação e o investigado (assistido por advogado), devidamente homologado pelo juiz, no qual o indigitado assume sua responsabilidade, aceitando cumprir, desde logo, condições menos severas do que a sanção penal aplicável ao a ele imputado.[13]

Conforme prevê o artigo 28-A do Código de Processo Penal, o Ministério Público avaliará os seguintes requisitos para o oferecimento do ANPP ao investigado: 1) confissão formal e circunstanciada; 2) infração penal sem violência ou grave ameaça; 3) pena mínima inferior a quatro anos; e, por fim, 4) ser necessário para reprovação e prevenção do crime, como se vê:

Art. 28-A. Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente:
I – reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazê-lo;    
II – renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime;
III – prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo juízo da execução, na forma do art. 46 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal);
IV – pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), a entidade pública ou de interesse social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito; ou      
V – cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada[14]

Destarte, quando celebrado o acordo de não persecução penal, homologado pelo juízo e cumprido em sua integralidade pela parte, o magistrado competente deverá decretar a extinção de punibilidade, destacando-se que a celebração e cumprimento do acordo não deverão constar de certidão de antecedentes criminais.

Ademais, o acordo será formalizado no processo investigativo, onde irá constar a qualificação completa do investigado, e do mesmo modo deixará claro as suas condições, e valores a serem restituídos às vítimas, em casos determinados, e as datas para cumprimento, sendo firmado com o Membro do Ministério Público, que estará sendo assistido por advogado.

O acordo de não persecução penal não se trata instituto novo para ordenamento jurídico pátrio, apenas representa mais uma forma de justiça negocial e barganha no processo penal, indo ao encontro da tendência mundial de redução da judicialização da resolução dos feitos criminais e otimização da própria justiça penal.[15]

O acordo de não persecução penal, no entendimento de Bruno Calabrich, não se trata de uma forma de defesa do acusado a ser utilizado de forma estratégica, portanto, compete-lhe requerer ao juízo o exame a respeito da possibilidade de sua celebração quando surgir a oportunidade ou for o momento de sua manifestação processual, sob pena de preclusão do direito.[16]

4. A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DO ANPP NO ÂMBITO JURÍDICO BRASILEIRO

Com a introdução do art. 28-A exigindo a confissão para que o possível beneficiário do instituto do Acordo de Não Persecução Penal tenha essa benesse, surge o questionamento se este requisito fere o Princípio da Não Autoincriminação, e consequentemente seja inconstitucional. Uma vez que o caput do art. 28-A traz o requisito da confissão para que tal benefício seja concedido. Ocorre que princípio constitucional implícito da não autoincriminação (Nemo tenetur se detegere ou Nemo tenetur se ipsum accusare ou Nemo tenetur se ipsum prodere) preceitua que ninguém é obrigado a se autoincriminar ou a produzir prova contra si mesmo.[17]

4.1 A Constitucionalidade

Uma das razões da proposta da aplicação do ANPP, em que se consta no projeto, é que seu principal objetivo é flexibilizar a conduta criminosa, especialmente a aplicação e aplicação de penas e sanções, de modo a adequar a legislação penal à realidade forense brasileira. Ainda, aduz que as partes para serem contempladas com a possibilidade de acordo, devem cumprir os requisitos, assim como, determinou-se a proibição de quem já tenha recebido nos últimos cinco anos.[18]

Assim como, há quem defenda que as negociações para ampliar o espaço da justiça criminal são uma tendência mundial que não pode ser ignorada. Além disso, a obrigatoriedade do processo penal será uma instituição que foi superada e não corresponde mais à realidade brasileira. Por fim, a homologação judicial será pré-requisito para dar segurança jurídica ao acordo firmado.

Acerca dos posicionamentos em defesa da constitucionalidade podemos elencar alguns que são evidentemente coesos. Segundo o entendimento do doutrinador Rogério Sanches Cunha no que tange a produção de prova contra si mesmo, nesse sentido:

Importante alertar que, apesar de pressupor sua confissão, não há reconhecimento expresso de culpa do investigado. Há, se tanto, uma admissão implícita de culpa, de índole puramente moral, sem repercussão jurídica. A culpa, para ser efetivamente reconhecida, demanda o devido processo legal. Não sem razão, diz o §12 que “A celebração e o cumprimento do acordo de não persecução penal não constarão de certidão de antecedentes criminais, exceto para os fins previstos no inciso III do §2°, deste código”.[19]

Para melhor compreensão da matéria, salienta os apontamentos da revista trincheira, formulado pelo promotor Saulo Murilo de Oliveira Mattos, possui entendimento consonante de que não há relação de interdependência entre o ato de não denunciar e o ato de confessar. Para evitar uma persecução penal ou mesmo suspendê-la, a confissão é irrelevante. [..] a confissão é expediente probatório de baixíssimo valor epistêmico. Longe de um conto de fadas normativo (art. 197 do CPP), não é confrontado com as demais provas do processo.[20]

Apesar dos entendimentos divergentes quanto ao instituto, alguns doutrinadores acreditam que o Acordo de Não Persecução Penal como direito fundamental. Barros e Romaniuc[21], aduzem que se trata de um procedimento alternativo que impeça o ingresso de uma demanda judicial, trazendo o benefício da não privação do direito de liberdade, para estes, negar a possibilidade de ANPP, seria privar o acusado da garantia da possibilidade do seu status libertatis. Considerando que a sua aplicação está devidamente ligada ao exercício da legalidade.

De acordo com o art. 5º, §2º da Constituição Federal de 1988, no sentido que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.[22]

Assim como, o ANPP não é considerado para configuração da reincidência, ou seja, o acusado é beneficiado ao firmar o acordo, podendo continuar usufruindo da sua primariedade, e demandam homologação judicial para que se proceda a um juízo de proporcionalidade e adequação, proporcionando segurança ao referido acordo.

Além disso, o Ministério Público[23] entende que não causa ofensa ao direito do silêncio, pois no seu entendimento o investigado possui a autonomia de confessar ou não, podendo exercer o seu direito de ficar calado ou de confessar formalmente, dentro de sua autonomia de vontade.

Da mesma maneira que, o instituto representa um marco positivo para a eficiência da justiça criminal com a utilização justiça negocial, desde a sua utilização no ordenamento jurídico norte-americano, sendo expandida gradualmente ao redor dos países. Eficiência no sentido de se destinar recursos ao enfrentamento dos crimes graves e de repercussão social; o respeito aos recursos humanos, materiais e de tempo da própria justiça criminal, antes desperdiçado com delitos de menor complexidade.

Ante ao exposto, esses são os principais entendimentos quanto a constitucionalidade, e os pontos positivos trazidos pelo Acordo de Não Persecução Penal para o sistema criminal brasileiro.

4.2 A Inconstitucionalidade

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu um sistema jurídico de garantias que podem ser aplicáveis ao acusado em um processo criminal, fundamentado principalmente, no princípio basilar de presunção de inocência. Logo em seu dispositivo 129, I, determinou que a titularidade da ação penal de iniciativa pública ao Ministério Púbico, característica intrínseca e principal de um modelo acusatório:

[…] a opção marcada na Constituição da República de 1988 foi clara: ao se conferir a exclusividade no exercício da ação penal de iniciativa pública ao Ministério Público, bem como se assegurar direitos fundamentais ao réu, tais como contraditório e ampla defesa, decidiu-se por um processo de partes e por um juiz imparcial, portanto, pelo sistema acusatório.[24]

Umas das principais problemáticas envolvendo a aplicação do Acordo de Não Persecução Penal é a exigência do requisito de confissão, uma vez que o processo penal se encontra pautado nos fundamentos do texto constitucional brasileiro.

No entanto, ocorre que a confissão para o direito criminal é considerada a “rainha das provas”, e dessa maneira, se encontra devidamente assentada no Código Penal Brasileiro em seu artigo 65, inciso III, alínea “d” como uma das circunstâncias atenuante da pena.[25]

E desse modo, o instituto exige a confissão do acusado, causando ônus ao seu direito de defesa em hipótese de eventual descumprimento e continuidade da ação penal. Da mesma maneira que pode reduzir outras garantias processuais, há ainda uma limitação ao poder do juízo, além de aumentar consideravelmente o poder do Ministério Público, que se trata do órgão acusador.[26]

Para Nucci, a confissão formal para que seja preenchido os requisitos da ANPP como:

Confissão formal e circunstanciada: demanda o dispositivo uma confissão do investigado, representando a admissão de culpa, de maneira expressa e detalhada. Cremos inconstitucional essa norma, visto que, após a confissão, se o acordo não for cumprido, o MP pode denunciar o investigado, valendo-se da referida admissão de culpa. Logo, a confissão somente teria gerado danos ao confitente. [27]

Contudo, seguindo a linha da inconstitucionalidade, Emanuel dos Santos Costa Rufino[28], publicou um artigo científico com o entendimento que a confissão em um primeiro momento não é circunstanciada, mas somente dada de uma forma simples: Questão que se revela importante aos nossos olhos, consiste na espécie de confissão que pode ensejar o acordo.

E como se verifica, a confissão pode ser simples, quando o investigado admite a prática do crime de modo espontâneo, sem qualquer outra alegação, ou qualificada, onde o investigado admite a culpa em relação ao fato principal, mas levanta outras circunstâncias que podem excluir a sua responsabilidade. Nessa perspectiva, pensa-se que a confissão qualificada exige o trâmite judicial conflitivo, com o devido processo legal, uma vez que o reconhecimento das circunstâncias levantadas pelo investigado pode resultar em exclusão da sua responsabilidade. Assim, entende-se que somente a confissão simples é apta para a formalização do acordo.[29]

Sendo assim é valido analisar se esse novo dispositivo fere princípios constitucionais, pois em que pese seja oferecido a possibilidade de aceite ou não do acordo ao investigado, pois não há contraditório e ampla defesa, e por conseguinte, o devido processo legal, de modo que o acordo se torna uma obrigação imposta, e não um acordo.

Visto a atratividade de se firmar um acordo, Alexandre Morais da Rosa aduz que:

A possibilidade de um acordo que evite tanto a exposição de uma investigação/processo penal, quanto à possibilidade de condenação após longa tramitação e debates incertos é estímulo decisivo para assunção de culpa e aceitação do acordo, garantindo-se a reparação do dano.[30]

Dessa forma, para o acusado não sofrer com o ajuizamento de uma ação penal, se vê obrigado a aceitar uma imposição que por hora parece benéfica, no entanto, o priva dos seus direitos constitucionais, infringindo o direito ao devido processo legal.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O artigo científico tinha como objetivo a apresentar a problemática que envolve a aplicabilidade do Acordo de Não Persecução Penal no sistema criminal brasileiro, e as divergências doutrinárias quanto a constitucionalidade de um dos seus principais requisitos, a confissão formal.

Além disso, é inegável que o instituto do ANPP é inovador no âmbito jurídico brasileiro, principalmente por enriquecer o setor penal com nova forma para dirimir conflitos, ainda mais em uma área que pouco possibilita a disponibilidade de direitos, haja vista que se trata da ultima ratio.

As normas que regem o ANPP, determina como requisito autorizador do acordo a confissão formal da prática do crime pelo investigado, e proveniente disso surgem grandes debates acerca da constitucionalidade do instituto, quando se leva em consideração o princípio da presunção de inocência que vige no ordenamento jurídico brasileiro.

Como se verificou, de acordo com o disposto no art. 18, caput, da Resolução 181/2017 do CNMP, para que o acordo de não persecução seja firmado, devem estar presentes os seguintes requisitos: (1) Delitos cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa; (2) Não ser o caso de arquivamento; (3) Confissão formal e detalhada da prática do delito, com a indicação de eventuais provas de seu cometimento.

As confissões não podem ser exigidas antes da ANPP, mas sempre depois, durante as quais o investigador, à liberdade e orientação dos seus defensores, considerará o seu desempenho em troca das condições estabelecidas para completar o ajustamento, evitando-se assim o início de uma demanda criminal, e é benéfico tanto para a acusação quanto para a defesa.

Não obstante, ainda que haja previsão legal para que o Ministério Público ofereça acordo no processo penal, surge o questionamento concernente o reposicionamento de suas funções, uma vez que seria responsável pela acusação e julgamento, quando pactua a pena com o acusado.

O ponto mais sensível na celebração de um acordo é a exigência legal do reconhecimento formal e circunstanciado da infracção penal, uma vez que sem processo penal, na presença de contraditório e na presença do Juiz Togado, não é possível reconhecer a Lei, exceto para a celebração de um acordo outros efeitos que não a sua própria viabilidade.

Curiosamente, em outros acordos de não persecução, mesmo sem tais nomes, como acordos criminais e suspensão condicional do processo, não há exigência de confissão do réu, e a lei só se satisfaz em aceitar as condições oferecidas pela acusação.

Pode-se concluir que a busca da responsabilidade penal por meio de um método que isenta a autocontradição da formalização de confissões forçadas é uma marca do direito autoritário, e não se contenta apenas com a punição. Dessa forma, constata-se que a confissão é utilizada como constituição da barganha, por se referir a um tipo contrato consensual, em que se surge a necessidade no momento do acordo de vontades, devidamente pactuadas, quanto a determinadas questões imputadas ao acusado, pois resta ao indiciado aceitar o que foi unilateralmente oferecido.

As propostas de modernização do processo penal devem ser adaptadas às condições nacionais e punidas comprometendo os direitos fundamentais de todos no processo penal democrático. Deve-se notar também que a promessa de eficácia e celeridade que este modelo traz não se mostrou satisfatória na prática. A taxa de criminalidade no país não diminuiu e os tribunais judiciais continuam superlotados. Como mencionado anteriormente, as soluções para os crimes no país não podem ser depositadas no judiciário.

A experiência de cooperação premiada do Brasil, por outro lado, concentra-se no processo muito específico do perfil do réu, geralmente sem acesso àqueles que não possuem recursos financeiros significativos para defesa técnica, nem ao réu. Crimes que sobrecarregaram o sistema prisional do país, desse modo, verifica-se que a incidência de uma justiça penal negocial traz inúmeros benefícios nos casos de diminuição de processos judiciais penais em curso.

Mas cabe ressaltar que ao aprovar o acordo, o magistrado deverá verificar a voluntariedade para evitar possível coação em favor do cumprimento não consensual do acordo, bem como a legalidade desse acordo que será firmado.

Assim, quaisquer questões relacionadas com confissões serão analisadas no âmbito do processo penal, através de uma fase de instrução que não poderá reforçar a ideia de limitar direitos dos acusados nos momentos iniciais de formalização do acordo entre as partes.

Portanto, fazer da confissão uma condição necessária para que a autoridade judiciária aprove o acordo pode ser causa questionadora acerca da constitucionalidade do instituto. Destarte, o acordo de não persecução penal envolve duas questões complementares e divergentes entre si. Ao mesmo tempo em que o Parquet é o titular da ação penal, para processar e julgar. A partir disso, surgem inúmeras divergências doutrinárias quanto ao tema, em que se demonstra a necessidade de um cuidado em sua aplicação na resolução de conflitos no âmbito da justiça criminal negocial brasileira.

REFERÊNCIAS

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[1] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 16. ed. Rio de Janeiro: Gen Forensse, 2020. p 73.

[2] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>.

[3] FIGUEIREDO DIAS, J. D. Direito processual penal. Coimbra Editora. 1981. p 74.

[4] SOUZA, Danilo. K.; ZIMIANI, Doroteu T. Inserção Da Justiça Negociada No Direito Penal Brasileiro: Plea Bargaining. Rev. Ciênc. Juríd. Soc. UNIPAR, v. 21, n. 2, p. 131-148, jul./dez. 2018.

[5] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.

[6] BRASIL. Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9099.htm#.

[7] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 16. ed. Rio de Janeiro: Gen Forensse, 2020. P 155.

[8] BERTI, Marcio Guedes. Análise da proposta de inclusão dos artigos 28-a e 395- a no código de processo penal: plea bargain – a justiça penal negociada. Livro eletrônico: Estudos temáticos sobre o “pacote anticrime”. Organizadores Lucas P. Carapiá Rios, Luiz Gabriel Batista Neves, Vinícius de Souza. Assumpção. – 1.ed. – São Paulo : Tirant lo Blanch, 2019. p 196.

[9] BRANDALISE, Rodrigo da Silva. Justiça penal negociada: negociação de sentença e princípios processuais relevantes. Curitiba: Juruá, 2016. p 26.

[10] BRASIL. Lei nº 12.850, De 2 De Agosto De 2013. Define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12850.htm

[11] BRASIL. Lei nº 12.850, De 2 De Agosto De 2013. Define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12850.htm

[12] CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Resolução 181, de 7 de agosto de 2017. Disponível em: https://www.cnmp.mp.br/portal/images/Resolucoes/Resoluo-181-1.pdf

[13] CUNHA, Rogério Sanches. Pacote Anticrime: comentários às alterações no CP, CPP e LEP. Salvador, JusPODIVM, 2021. p 127.

[14] BRASIL. Código de Processo Penal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm.

[15] BRANSALISE, Rodrigo da Silva. O consenso processual penal analisado a partir de hipóteses nego-ciais colombianas. Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, n. 71, pp. 223-237, jan./mar. 2019. p 223.

[16] CALABRICH, Bruno.  Acordo de não persecução penal:  oportunidade, retroatividade e preclusão.  In: Inovações da Lei nº. 13.964, de 24 de dezembro de 2019. WALMSLEY, Andréa; CIRENO, Lígia; BARBOZA, Márcia Noll (coord.). Brasília: Ministério Público Federal, 2020. p 358.

[17]BRASIL. Código de Processo Penal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm.

[18] CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projeto de Lei 882/2019. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=node0csl2z6yf3w7dxbu55hul1lzc11964734.node0?codteor=1712088&filename=PL+882/2019.

[19] CUNHA, Rogério Sanches. Pacote Anticrime: comentários às alterações no CP, CPP e LEP. Salvador, JusPODIVM, 2021. p 129.

[20] MATTOS, Saulo Murilo de Oliveira. Revista Trincheira Democrática Do Estado Da Bahia. 2019, ano 3, n° 07. p 12 e 13.

[21] BARROS, Francisco D. ROMANIUC, Jefson. Acordo de não persecução penal. Org. Rogério Sanches Cunha, Francisco Dirceu Barros, Renee do Ó Souza, Rodrigo Leite Ferreira Cabral – Salvador: Juspodivm, 2017. p 61.

[22] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.

[23] CARVALHO, Sandro L. Algumas questões sobre a confissão no Acordo de Não Persecução Penal. Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro nº 78, out./dez. 2020

[24] CASARA, R; MELCHIOR, A. P. Teoria do processo penal brasileiro: dogmática e crítica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013. p 95.

[25] BRASIL. Decreto Lei Nº 2.848, De 7 De Dezembro De 1940. Código Penal Brasileiro. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm

[26] BERTI, Marcio Guedes. Análise da proposta de inclusão dos artigos 28-a e 395- a no código de processo penal: plea bargain – a justiça penal negociada. Livro eletrônico: Estudos temáticos sobre o “pacote anticrime”. Organizadores Lucas P. Carapiá Rios, Luiz Gabriel Batista Neves, Vinícius de Souza Assumpção. – 1.ed. – São Paulo: Tirant lo Blanch, 2019. p. 202.

[27] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 16. ed. Rio de Janeiro: Gen Forensse, 2020. p 222 e 223.

[28] RUFINO, Emanuel dos Santos Costa; VALENÇA, Manuela Abath (Orient.). Introdução dos mecanismos de consenso na Justiça criminal brasileira: o acordo de não persecução penal (resolução 181/183 do CNMP). 2019. 54 f. TCC(graduação em Direito) – Faculdade de Direito do Recife – CCJ – Universidade Federal de Pernambuco – UFPE – Recife, 2019.

[29]  Idem 28.

[30] ROSA, Alexandre Morais da.; BECKER, Fernanda. Conheça uma novidade de 2017: a Resolução CNMP 181 viola a isonomia. Revista consultor Jurídico, Florianópolis. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2017-dez-29/limite-penal-novidade-2017-resolucao-cnmp-181-viola-isonomia.


1E-mail: italoovidio@gmail.com

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6Professor Orientador, Especialista em Segurança Pública e Direito Humanos, em Docência no Ensino Superior e MBA em Planejamento Estratégico no Setor Público.
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