O TURISMO EM DETRIMENTO DA TRAÇÃO DE EQUINOS EM ÁREAS DE PRESERVAÇÃO AMBIENTAL: EXPLORAÇÃO E MAUS-TRATOS

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7135683


Autor:
Emanuel Wesley Gomes Soares1
Orientadora:
Deise Lúcia Silva Silvino Virgolino2


RESUMO

O presente estudo pretende tecer uma breve síntese sobre o turismo em detrimento da tração de equinos em áreas de preservação ambiental, analisando a prevalência do interesse humano sobre o bem-estar físico e existencial desses animais, levando em conta a discussão em torno do direito ao lazer, do direito ao ambiente e do direito do animal. Além disso, propõe-se abordar os efeitos patológicos gerados em equinos condicionados à exploração e maus-tratos. Assim, discutindo a incongruência do uso de equinos para a tração em função da proteção do ambiente, no qual também fazem parte e devem ser respeitados de mesmo modo.

Palavras-chave: Tração de equinos. Turismo. Direito ao ambiente. Direito ao lazer. Direito do animal.

ABSTRACT

The present study intends to weave a brief synthesis on tourism to the detriment of traction of equines in areas of environmental preservation, analyzing the prevalence of human interest over the physical and existential well-being of these animals, considering the discussion around the right to leisure, the right to the environment and animal rights. In addition, it is proposed to address the pathological effects generated in equines conditioned to exploitation and abuse. Thus, discussing the incongruity of the use of horses for traction in terms of protecting the environment, in which they are also part and must be respected in the same way.

Keywords: Equines traction. Tourism. Right to the environment. Right to leisure. Animal right.

1. INTRODUÇÃO

A condição de racional impõe ao homem o encargo de proteger as demais espécies, de modo que as ações individuais dele se coordenam e se organizam a partir de preceitos normativos escalados como sendo referenciais do modo de agir em sociedade1.

Para o doutrinador Salvador Araújo2, a racionalidade impera, tanto no mundo orgânico quanto no mundo inorgânico, numa supremacia que, até então, tem banalizado o espaço da Terra como espaço do homem.

Nesse sentido, a ideia da Terra como espaço propriamente do homem3 é notória quando observado os preceitos normativos que regem o Estado, percebendo-se que o direito dos homens, até mesmo quando aborda outras espécies, está associado a um interesse próprio.

À vista disso, a tração de equinos concomitante ao turismo, em áreas de preservação ambiental, é um retrato do interesse humano que prevalece sobre o bem existencial das outras espécies.

Embora, a Constituição institua, em seu artigo 225, que a fauna e a flora devem ser preservadas, sendo vedadas as práticas que submetam os animais a crueldade.4 Na situação supramencionada, o direito ao lazer tem preferência.

Conforme Terence Dornelles5, em observância a Lei n. 12.651/12, as áreas de preservação objetivam preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.

Nesse comentário do autor, é possível vislumbrar que a Lei n. 12.651/12, enseja prevalência do direito ao lazer do homem, quando pontua a importância do bem-estar das populações humanas, sabendo que esse direito dialoga com o conceito de saúde como estado completo de bem-estar6.

É notório a ignorância do bem-estar animal, uma vez que é pontuado apenas a preservação do fluxo gênico. O mesmo ocorre em outras leis e projetos de lei, tal como, a Lei municipal n. 9728 de 27/12/2021, que institui, no Município de Belém, o programa de redução gradativa do número de veículos de tração animal apenas em áreas urbanas, pontuando não se encaixar em áreas de preservação ambiental.

A ressalva dessa lei gera uma problemática, pois, assim como nos perímetros urbanos, em áreas de preservação ambiental os maus-tratos aos animais de tração existe, embora haja baixa repercussão midiática, pois ensejam baixa preocupação estatal, por serem áreas de acesso dificultoso.

Para Juliana Silva7, o assunto é delicado e passa, necessariamente, por entender que a atividade de carroceiro é, muitas vezes a única porta de entrada de recursos financeiros dentro de alguns lares. No entanto, é notório os traços de maus-tratos, visto que os animais são expostos ao cansaço excessivo por consequência do peso abrupto que o animal de tração carrega.

Das poucas exposições que a mídia acentua sobre o tema, é possível vislumbrar maus-tratos a equinos em dois polos turísticos brasileiros, que são áreas de preservação ambiental, a Ilha de Algodoal (PA) e Jericoacoara (CE).

Sobre a Ilha de Algodoal, um estudo realizado pela Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA), em 2013, apontou que muitos animais apresentavam anemia aguda, além de trabalharem acima da jornada recomendada, não tendo descanso, carregando peso acima do indicado, entre outras violações.

Já Jericoacoara, a qual vem sendo apresentado nos últimos anos um acesso mais facilitado, em dezembro de 2021 cavalos usados em passeios turísticos na vila foram recolhidos pela Agência de Defesa Agropecuária do Ceará (ADAGRI) para serem sacrificados, após os animais terem sido atestados com anemia infecciosa equina e mormo.

Acerca do tema, Izabel Nascimento, ex-presidente da Sociedade União Internacional Protetora dos Animais (SUIPA), em reportagem fornecida ao portal de notícias G18, pontua: “todos os aparelhos usados na boca dos cavalos geram úlcera, prendem a língua. É uma escravidão animal.”

Portanto, por mais que haja uma necessidade financeira daqueles que utilizam o animal de tração em sua atividade laboral, por conta do despreparo dos tutores, o animal é exposto a toda sorte aos maus-tratos, por consequência de uma falta de consciência ambiental que leva a ver o animal como um meio de subsistência9.

1.1 Materiais e Método

Trata-se de estudo descritivo, com abordagem qualitativa, realizado através da reunião de dados biográficos, analisando os dados coletados de forma indutiva com a interpretação de fenômenos e atribuição de significados. Possuindo natureza aplicada gerando conhecimento para aplicação prática e dirigidos para a solução dos problemas atrelados a utilização da tração de equinos em áreas de preservação ambiental.

Para o estudo e desenvolvimento do artigo, as ferramentas utilizadas para auxiliaram e facilitaram o processo de coleta de informações e dados, foram Google acadêmico, base de dados do ambiente virtual da Uniron, livros com conteúdo compatíveis com o tema, monografias, dissertações e Microsoft Word para a elaboração do trabalho.

2. DA TRAÇÃO DE EQUINOS

Para Luís Frederico Siqueira Lemes10, a tração de equinos submete os animais a condições precárias e de estresse, uma vez que vai contra todas as suas características e necessidades. Assim sendo, Luís Frederico apud Mariângela Freitas de Almeida e Souza complementa:

Equinos usados para tração de veículos (carroças ou charretes), principalmente na área urbana, são conduzidos a enfrentar uma forma de vida totalmente diferente, tendo que se adaptar a ambiente e alimentação bem diversos daqueles naturais, frequentemente inadequados à sua anatomia e fisiologia, e a desenvolverem atividades e condutas que em nada se assemelham ao que sua natureza primitiva o preparou.

Desse modo, a utilização de equinos para tração com finalidade turística em áreas de preservação ambiental deve ser apontada como uma condução de vida diferente a que sua natureza primitiva o preparou, uma vez que que estas condições acabam indo contra natureza do animal e por consequência, acaba refletindo em sua dignidade e seu interesse significativo em não sentir dor.11

Conforme Thiago Jhonatha Fernandes Silva e outros autores que compõem sua obra12, os animais de tração de carroça são encarados pela sociedade como elemento produtivo problemático, uma vez que é associado o trabalho equídeo de tração com maus-tratos. Concomitante a essa discussão, Mariângela Freitas de Almeida e Souza13, discorrem:

Cavalos que puxam charretes e carroças costumam enfrentar intenso e diário sofrimento, com sérias implicações para seu bem-estar do ponto de vista físico, mental e comportamental. Os motivos para que esses animais vivam em tal situação são diversos: a) sua força de trabalho é utilizada pela camada mais pobre da população, sem recursos para atender às suas necessidades básicas, inclusive alimentares e de assistência veterinária, e sem acesso à orientação devida; b) boa parte da população não é sensível em relação aos animais nem consciente de seu dever para com eles, principalmente no caso de animais explorados para o trabalho; c) em localidades onde as pessoas sobrevivem com recursos muito precários, em condições onde prevalece a injustiça social e a ausência de atendimento às próprias necessidades básicas humanas, tratar os animais da forma descrita pode parecer uma conduta natural; d) as autoridades responsáveis por preservar a vida e o bem-estar desses animais são omissas e não tomam as medidas que lhes compete regulando e fiscalizando a atividade.

Posto isso, escancara-se que a utilização de equinos para tração com finalidade turística em áreas de preservação ambiental configura-se para a população dessas regiões como uma conduta natural, no qual as autoridades responsáveis por preservar a vida e o bem-estar desses animais são omissas e não tomam as medidas que lhes compete regulando e fiscalizando a atividades14.

Assim sendo, evidencia-se tal postulação em observância a falta de fiscalizações dessa atividade em áreas de preservação, cujo a sobrevivência é decorrente do turismo concomitante a tração de equinos. Afirma-se postulação, uma vez analisado a Ilha de Algodoal, no Estado do Pará, em que a principal renda econômica gira em torno do turismo voltado a tração de equinos. 

A última fiscalização havida na região foi em 2013, em estudo realizado pela UFRA, onde foi apontado que muitos animais apresentavam anemia aguda, além de trabalharem acima da jornada recomendada, não tendo descanso, carregando peso acima do indicado, entre outras violações.

Veemente a isso, Nancy leni Pinto Chaves e outros pesquisadores realizaram um estudo, analogamente correspondente a situação narrada, sobre as lesões podais em asininos (Equus asinus) utilizados em veículos de tração animal na cidade de São Luís (MA), obtendo à seguinte conclusão:

Os principais achados clínicos observados no estudo foram: irregularidade de casco e sensibilidade em pinça, ranilha e talão. As principais lesões radiográficas diagnosticadas no estudo foram: osteíte podal, esclerose e reabsorção de 3ª falange e irregularidades no osso sesamóide distal. A gravidade dos achados radiográficos evidenciados no estudo não foi relacionada aos achados clínicos diagnosticados.

É possível concluir que a continuação desordenada do trabalho de tração pode levar a uma progressão das lesões do aparelho locomotor, que poderá evoluir até uma parada completa das atividades de tração.15

Observando estudo, nota-se que a tração condiciona os animais aos maus-tratos e a exploração, já que o trabalho árduo não corresponde a sua natureza primitiva, ocasionando lesões que progridem o tempo de vida dos animais.

2.1 Do contexto histórico e social

Conforme Juliana Silva16, os primeiros animais domésticos do Brasil desembarcaram no século XVI com o propósito de serventia ao homem, objetivando a sua utilização nas atividades de lavoura e afins, perpetuando tal propósito até os dias atuais.

A prevalência do direito do homem sobre as demais espécies é fruto da ignorância humana, que dispõe o homem como ser mais importante da Terra, por consequência de sua capacidade racional, sendo as outras espécies vistas como adereços ao seu egocentrismo, sendo usadas da maneira que melhor o convém.

Acerca disso, a Carta Régia do Governador da Capitania de Goiás apoia essa ideia de que o homem vislumbra as outras espécies como adereços, uma vez que o conteúdo do documento ordenava o extermínio incondicional de mulas, jumentos e burros para preservar e fomentar o desenvolvimento comercial de cavalos17.

Tal perspectiva de adereço, predomina no Brasil contemporâneo em vários aspectos, inclusive concerne ao tema, visto que os equinos são vistos como um meio de subsistência em função das atividades que os homens empregam a eles, muitas vezes negligenciado o seu bem-estar.

A negligência do bem-estar dos equinos é comum de ser vislumbrado, a exemplo, pode-se citar o caso recente, ocorrido em São luís (MA) no qual um carroceiro usava um animal para carregar material de construção na avenida, e devido a resistência do equino em prosseguir com trabalho, consequente do cansaço ocasionado pelo peso excessivo, o seu tutor começou a espancar o animal com um chicote, atingindo os lombos e o rosto por diversas vezes, e mesmo assim não foram tomadas providências para assegurar o bem-estar do animal, não sendo o tutor responsabilizado pelos maus-tratos assim como a Lei nº 9.605 de 12 de Fevereiro de 1998 determina.18 Desse modo, é evidente a presença da exploração e dos maus-tratos aos equinos usados para tração, ficando constatado que a situação só piora quando levada para o campo das áreas de preservação, visto que em grandes metrópoles, com a disfunção de informações e o acesso fácil aos mecanismos de proteção aos animais, ainda ocorrem situações como essas e não há responsabilização dos infratores, é preocupante imaginar como se pondera esses atos nessas áreas.

2.2 Do turismo

O turismo estaria associado ao direito social do lazer, sendo vislumbrado pelo homem através de uma “fuga do cotidiano”. No Brasil, o turismo está fortemente atrelado aos espaços naturais, de modo que a sua preservação é de extremo interesse do homem, pois, além de garantir o direito social do lazer, o turismo empenha fator econômico, garantindo a renda de muitos locais.

Para Regina Célia Martinez19:

O turismo é um dos setores mais dinâmicos da economia. Pelo estímulo das relações com intercâmbio de pessoas e serviços permite a integração, o crescimento e o desenvolvimento do município, do Estado-membro e do País e, na esfera individual, o exercício pleno do direito ao lazer, preconizado no art. 6º da Constituição Federal.
No Brasil a natureza proporcionou muitos recursos, belezas que se destacam. Ocorre que, na medida em que muitos seres humanos querem usufruir de todos os recursos e belezas naturais, culturais e artificiais, se a força do poder público não está presente, encontramos verdadeiros desastres ambientais envolvendo não só vandalismo como ocupações irregulares, movimentos de ir e vir desordenados que impactam frontalmente o meio ambiente e, por conseguinte, acarretam danos algumas vezes considerados irreversíveis.

Assim, sabendo que o Brasil é conhecido mundialmente pela sua fauna e flora, o turismo na região é determinado pela preservação ambiental, que se atem de mecanismos que atrelem menos impactos ao ambiente.

Nesse interim, algumas regiões turísticas do Brasil encorpam como mecanismo redutor de impactos ambientais, a utilização da tração de equinos para o carregamento de turistas e de carga, alegando gerar menos impactos do que os outros mecanismos inventados pelo homem nesse mundo globalizado.

Acontece que, a utilização desses animais os objetificam como “coisas”, as quais os tornam servos daquele que detém do raciocínio, em uma circunstância que vislumbra o animal como máquina, destituindo inclusive o sentimento de dor20.

Partindo dessa premissa, de que a objetificação do animal irracional é o único meio de preservar os espaços naturais, o homem atua de modo egocêntrico, pois, delimita que apenas o seu bem-estar tem espaço, mesmo que isso impetre mazelas às demais espécies que convivem consigo.

É nesse mister que o homem insurge a ideia de que o direito das outras espécies ao seu redor se sucumbe a um benefício propriamente seu, sendo interessante a garantia destes apenas quando lhe convém. Concomitante a isso, assevera Salvador Araújo21:

Não é difícil notar que praticamente todas as ações danosas aos ecossistemas da Terra estão, quase sempre, relacionadas a esses perfis humanos. Quem degrada o “meio ambiente” em busca de desenvolvimento econômico, sem nenhum compromisso com a sustentabilidade, parece querer fazer desse bem algo só seu. Assim também se poderia argumentar com relação à forma como, geralmente, é tratado o animal de trabalho. Mas, silogisticamente, se todos têm direito ao Meio Ambiente ecologicamente equilibrado e, se o bem-estar do animal é ponto de equilíbrio ambiental, sendo esse equilíbrio, ao mesmo tempo, um direito de todos e um dever do Estado e de toda a coletividade, então a prática de tratamentos cruéis a um animal fere o direito de todos.

Frente a isso, fica claro que, ao atribuir ao animal a função de objeto, o homem utiliza a desculpa de menos impacto ao ambiente somente para insurgir de uma prática cruel, que o beneficia economicamente e o aproxima de um viés sustentável, apenas para agregar valor turístico e se valer de seu direito ao lazer.

A respeito do viés de sustentabilidade, José Garcia et al. (2014)22, dispõe que:

O componente social é indiscutivelmente parte integrante do ideal de desenvolvimento sustentável. Por essa razão, as ações, ditas antrópicas, e suas repercussões no meio físico, econômico e social interessam, de modo geral, enquanto bens jurídicos tuteláveis pelo direito ambiental, constituindo-se em elo com o direito turístico.
A partir do pensamento explicitado por Jacobi (2010), observa-se que “a preocupação com o desenvolvimento sustentável representa a possibilidade de garantir mudanças sociopolíticas que não comprometam os sistemas ecológicos e sociais que sustentam as comunidades”. Tal reflexão se justifica pelo fato de que há diversas situações em que a definição de espaços de uso coletivo destinados ao lazer e ao turismo resultou em efeitos negativos às comunidades originais. Mesmo em se tratando de turismo ecológico, cuja destinação é a observação dos espaços naturais, o risco de danos potenciais ao meio ambiente e ao cotidiano de populações locais tem se mostrado elevado.
Para Ferreira (2004), “o processo que envolve a seleção, implantação e gestão de áreas protegidas geralmente está baseado em critérios ecológicos e econômicos, o que não garante o sucesso dos resultados da conservação”. Tal preocupação se reflete na necessidade de observação dos critérios do desenvolvimento sustentável enquanto princípio constitucional, norteador das atividades turísticas em ambientes ecológicos.

Diante disso, fica evidente que a presença do homem nas áreas ambientalmente protegidas, já causa interferência e modificações nesses espaços, apresentando risco a sua conservação, de maneira que as ações ditas como sustentáveis não são coibidoras dos riscos.

No mais, o homem possui muitos espaços que não carecem desse risco, sendo o desfruto do lazer nesses ambientes mero egocentrismo. Assim, Salvador23 dispões que:

Ser obrigado a tratar bem o animal de trabalho tem peso similar a tratar bem ao rio, às matas e a tudo aquilo que a natureza oferece à vida humana para lhe conferir bem-estar físico e mental. Da mesma forma como degrada a condição humana o ato de poluir o “meio ambiente”, também degrada a prática de crueldades contra o animal.

Portanto, fica intragável a permanência da tração de equinos fundamentada na proteção do ambiente e do direito ao lazer, uma vez que o trato digno ao animal de trabalho deve ter o mesmo peso que o trato ao ambiente. 

2.3 Do animal de trabalho

É necessário compreender o significado de trabalho analisando o seu aspecto histórico e social. De modo que entenda o papel dado ao animal de trabalho. Assim sendo, o doutrinador Luciano Martinez24 dispõe que:

Se o trabalho por conta própria, realizado para fins de sobrevivência, já possuía em si a ideia de pena, o trabalho por conta alheia impôs um sentimento bem mais negativo. É que as ideias mais remotas em torno do assunto sempre relacionaram o trabalho ao sofrimento e à dor. São recentes as concepções do trabalho como atributo de dignidade.
[…]
A ressignificação da palavra “trabalho”, como atributo de dignidade e de valor, decorreu de um novo sentido que lhe foi outorgado por aqueles que, sendo submissos (escravos e servos), encontravam nele a chave para a liberdade e por aqueles que, sendo livres, atribuí­am a ele o valor de lazer e de aperfeiçoamento do espírito. Nessa ordem de coisas, o trabalho humano evoluiu “do sombrio ermo moral da escravidão para a aspereza relativa da servidão (à pessoa ou à gleba), que imperou na Idade Média, e desta para o remanso do humanismo renascentista e do iluminismo da Idade Moderna, até chegar ao contrato de trabalho concebido no ventre da Revolução Industrial”.

Frente ao disposto, percebe-se que a descrição de trabalho na antiguidade era dada de modo negativo, sendo relacionada ao sofrimento e a dor, levando bastante tempo para que fosse ressignificada como sinônimo de dignidade.

No entanto, a ressignificação do trabalho decorre apenas para os homens. O trabalho de tração destino aos equinos guarda o significado antigo da palavra, e afere ainda dor e sofrimento.

Os animais de trabalho são tratados como objetos, assim como os escravos no passado. O escravocrata apenas mudou a espécie que sanciona a pena. Quando chegam a velhice, possuem destino ultrajante. É o que relata Araújo25:

Um dos piores problemas enfrentados pelo animal de carga é o momento em que não consegue mais responder aos estímulos do dono. As barbáries que seguem a fase em que o animal atinge a idade avançada rebaixam a espécie humana, denigrem a imagem dos homens de bem. Quando não morrem de espancamento, são abandonados ao próprio destino ou abatidos impiedosamente, porque não aguentam mais prestar o serviço. Existem, também, as charqueadas, onde muitos são abatidos e transformados em carne presada para exportação, geralmente, ao mercado consumidor oriental.

Esclarece-se dessa forma o papel do animal de trabalho como ferramenta de utilidade e presteza, sendo apenas categorizado como um objeto que carece de alma. É uma deturpação do significado da palavra humano, nesse interim o homem é que aparenta ser irracional.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com a finalidade de suprimir o espaço terrestre para as outras espécies que na Terra vivem, o homem inaugura uma visão egocêntrica sobre o espaço que pertence a si, impondo uma falsa visão sustentável apenas para incorporar desejos e relativizar a postura escravista que respalda aos animais de tração.

O objetivo principal do homem é predominar sobre as demais espécies, de forma que os direitos inventados por ele, só beneficiam a si próprio mesmo quando tratam de questões pertinentes a outras espécies.

Nesse ponto, embora a lei dos homens institua que devam ser vedadas as práticas que submetam os animais a crueldade, há controvérsia quanto a manutenção da tração de equinos, uma vez que condiciona os animais a crueldade, gerando impactos de aspecto patológico irreversíveis, mas a postura do homem é de manutenção da coisa, frente a desculpa de garantia do direito ao lazer e da preservação do ambiente, ignorado esses animais como parte do ambiente.

A questão da preservação ambiental assevera o seu direito em perpetuar o direito ao lazer, de modo que equinos são utilizados para a tração, sendo transformados como mero objeto de utilidade e presteza, sendo excluído assim a sua característica de sentir dor ou qualquer outro sentimento.

O turismo em função da tração de equinos em áreas de preservação enseja uma postura egoísta do homem, que não se importa com os danos causados aos animais, pois, a dor dessa criatura gera o seu lazer e das suas futuras gerações.

O animal utilizado para tração tem sua natureza deturpada, sendo sua vida regida através do sentido antigo do trabalho, vislumbrado como pena.

Não bastasse a crueldade de impor trabalho a um animal cujo foge de sua natureza primitiva, resta ainda sentir prazer e reiterar atividades que poderiam ser feitas em espaços já ocupados pelo homem.

Portanto, resta frisar que o homem na sua característica de racional, possui condições de aferir outros mecanismos que não regressem a escravidão ao mundo contemporâneo, mas por uma questão egoísta prefere indispor sobre a questão e continuar a explorar e maltratar esses animais.


1 BITTAR, Eduardo Carlos B. Introdução ao Estudo do Direito. 3 Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2022. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555597066/. Acesso em: 30 de Mar. 2022.

2 ARAÚJO, Salvador. O cúmulo do antagonismo: a luta pelo fim da tração animal no Brasil. São Paulo. Editora Dialética, 2022.

3 Ibidem.

4 MANOLE, Editoria Jurídica da E. Constituição Federal: Atualizada até a EC n. 84/2014. 7 Ed. Barueri: Editora Manole, 2015. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/97885 20449783/. Acesso em: 30 mar. 2022.

5 TRENNEPOHL, Terence D. Manual de Direito Ambiental. 8. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2020.

6 SARLET, W.; MITIDIERO, D; MARINONI. L. Curso de direito constitucional. 9.ed. São Paulo: Editora Saraiva educação, 2020. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/ 9788553619344/. Acesso em: 30 mar. 2022.

7 SILVA, Juliana Maria Rocha Pinheiro Bezerra Da. Curso de Direito Animal. Natal: Edição do autor, 2020.

8 G1. Cavalos usados em passeios turísticos em Jericoacoara são recolhidos para sacrifício, sob protestos de tutores; animais estão doentes, segundo Adagri. Disponível em: https://g1.globo.com/ce/ceara/noticia/2021/12/21/cavalos-usados-em-passeios-turisticos-em-jericoaco ara-sao-recolhidos-para-sacrificio-sob-protestos-de-tutores-animais-estao-doentes-segundo-adagri.ghtml. Acesso: 13 mar. 2022.

9 SILVA, Juliana Maria Rocha Pinheiro Bezerra Da. Curso de Direito Animal. Natal: Edição do autor, 2020.

10 LEMES, Luís Frederico Siqueira. Da necessária abolição da tração animal: perspectivas desde o direito brasileiro. Rev. Repositório institucional da universidade federal do Rio Grande. Rio Grande, 2016. Disponível em: http://repositorio.furg.br/handle/1/7342. Acesso em: 12 mar. 2022.

11 Ibidem.

12 ESCODRO, P. B., SILVA, T. J. F., MARIZ, T. M. de A., & LIMA, E. S. ESTUDO DA REALIDADE E PROPOSTAS DE AÇÕES TRANSDISCIPLINARES PARA EQUÍDEOS DE TRAÇÃO CARROCEIROS DE MACEIÓ-ALAGOAS. Revista Brasileira De Direito Animal, 2013. Salvador, v. 7, n. 11, 2013. DOI: 10.9771/rbda.v7i11.8418. Disponível em: https://periodicos.ufba.br/index.php/RBDA/article/view/8418. Acesso em: 23 mar. 2022.

13 Ibidem.

14 Ibidem.

15 CHAVES, N. P.; BEZERRA, D. C.; GUERRA, P. C.; PEREIRA, H. de M.; SANTOS, H. P.; VULCANO, L. C. LESÕES PODAIS EM ASININOS (Equus asinus) UTILIZADOS EM VEÍCULOS DE TRAÇÃO ANIMAL NA CIDADE DE SÃO LUÍS, MARANHÃO. Ciência Animal Brasileira, Goiânia, v. 12, n. 2, p. 365–370, 2011.

16 SILVA, Juliana Maria Rocha Pinheiro Bezerra Da. Curso de Direito Animal. Natal: Edição do autor, 2020.

17 Ibidem.

18 Freitas, Paulo. Animal de carga é agredido no Maiobão e gera revolta na internet. Disponível em: https://oimparcial.com.br/noticias/2022/05/animal-de-carga-e-agredi do-no-maiobao-e-gera-revolta-na-internet/. Acesso em: 15 de mai. 2022.

19 MARINEZ, Regina C.; GARCIA, José A. Direito e turismo. São Paulo: Editora Saraiva, 2014. E-book. ISBN 9788502209459. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788502209 459/. Acesso em: 22 set. 2022.

20 ARAÚJO, Salvador. O cúmulo do antagonismo: a luta pelo fim da tração animal no Brasil. São Paulo. Editora Dialética, 2022.

21 Ibidem.

22 MARINEZ, Regina C.; GARCIA, José A. Direito e turismo. São Paulo: Editora Saraiva, 2014. E-book. ISBN 9788502209459. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788502209 459/. Acesso em: 22 set. 2022.

23 ARAÚJO, S. O cúmulo do antagonismo: a luta pelo fim da tração animal no Brasil. São Paulo. Editora Dialética, 2022.

24 MARTINEZ, LUCIANO. CURSO DE DIREITO DO TRABALHO: RELAÇÕES INDIVIDUAIS, SINDICAIS E COLETIVAS DO TRABALHO. São Paulo: Editora Saraiva, 2021. E-book. ISBN 9786555594775. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555594775/. Acesso em: 21 set. 2022.

25 ARAÚJO, S. O cúmulo do antagonismo: a luta pelo fim da tração animal no Brasil. São Paulo. Editora Dialética, 2022.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARAÚJO, S. O cúmulo do antagonismo: a luta pelo fim da tração animal no Brasil. São Paulo. Editora Dialética, 2022.

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CHAVES, N. P.; BEZERRA, D. C.; GUERRA, P. C.; PEREIRA, H. de M.; SANTOS, H. P.; VULCANO, L. C. Lesões podais em asininos (Equus asinus) utilizados em veículos de tração animal na cidade de São Luís, Maranhão. Rev. Ciência Animal Brasileira, Goiânia, v. 12, n. 2, p. 365–370, 2011. Disponível em: https://www.revistas.ufg.br/vet/article/view/8953. Acesso em: 29 mar. 2022.

ESCODRO, P. B.; SILVA, T. J. F.; MARIZ, T. M. de A.; & LIMA, E. S. Estudo da realidade e propostas de ações transdisciplinares para equídeos de tração carroceiros de Maceió- Alagoas. Revista Brasileira De Direito Animal. Salvador, v. 7, n. 11, 2013. DOI: 10.9771/rbda.v7i11.8418.Disponível em: https://periodicos.ufba.br/index.php/RBDA/article/view/8418. Acesso em: 23 mar. 2022.

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1Acadêmico de Direito. Artigo apresentado a Faculdade Interamericana de Porto Velho-UNIRON, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito Porto Velho, 2022.
E-mail: emanuel_wesley@live.com

2Graduada em Direito pela Faculdade da Alta Paulista. Pós-graduação: Metodologia do Ensino Superior pela Universidade Federal de Rondônia- UNIR. Pós-graduação: Direito Público/Constitucional e Administrativo pela Universidade Federal de Rondônia- UNIR. Pós-graduação: Direito dos Serviços Sociais Autônomos pelo Instituto de Direito Público (Gilmar Mendes).
E-mail: deise.virgolino@uniron.edu.br