FAKE NEWS, LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DISCURSOS DE ÓDIO

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7103126


Autor:
Rafael Lima Ribeiro


A liberdade de expressão é um importante direito fundamental assegurado em nossa constituição, mais precisamente no art. 5º, inciso IX, sendo que o art. XLI diz que lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais.

Cuida-se de direito inserido no rol mais importante do direito brasileiro em resposta as atrocidades e absurdos cometidos durante a ditadura militar em que essa liberdade começou a ser cerceada em 1964. Assim, a constituição cidadã, atendendo aos reclames da sociedade em relação a liberdade, trouxe tal previsão.

Porém, em temos de redes sociais, eleições, postagens, informações aceleradas tem se difundido entre as pessoas a existência das odiosas Fake News, visando manipular, enganar, atrair votos ou ludibriar os indivíduos que tem acesso a determinada informação.

Assim, a liberdade de expressão atualmente é vista sob 3 prismas. O subjetivo, sob a ótica do individuo, que retrata a livre manifestação do pensamento. O objetivo, originário do direito constitucional alemão, representa o instrumento necessário para a livre formação da opinião pública e para troca de ideias entre os cidadãos, mecanismos essenciais na formação do Estado Democrático. Por fim, sob a perspectiva instrumental, tem-se a liberdade de expressão como meio de tutela e fomento de outros direitos fundamentais. Entende-se a liberdade de expressão como essencial para o fortalecimento da democracia, o progresso científico e a evolução social, dado que dependentes da livre exposição de ideias, bem como de sua sujeição à contradita em um ambiente público de debates.

Dessa forma, no prisma objetivo é que as limitações tem sido postas pela jurisprudência.

Nos dizeres de Marcio Andre Lopes sobre debates públicos e o direito a informação:

“A liberdade de expressão é uma garantia preferencial em razão da estreita relação com outros princípios e valores constitucionais fundantes, como a democracia, a dignidade da pessoa humana e a igualdade. A questão é óbvia e bastante conhecida, mas vale aprofundá-la.
O livre desenvolvimento da personalidade, que é um dos alicerces feliz expressão de Oliver Wendell Holmes Jr. –, onde os indivíduos vão se abeberar para formar as próprias cosmovisões. Segundo a doutrina de Paulo Gustavo Gonet Branco: “A plenitude da formação da personalidade depende de que se disponha de meios para conhecer a realidade e as suas interpretações e isso como pressuposto mesmo para que se possa participar de debates e para que se tomem decisões relevantes”(Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho, Paulo Gustavo Gonet Branco, Curso de direito constitucional, 2008, p. 360).

Sob o prisma do princípio democrático, a liberdade de expressão impede que o exercício do poder político possa afastar certos temas da arena pública de debates. Daí a peremptória vedação à censura estatal contida no artigo 220, § 2º, da Constituição Federal, tantas vezes esquecida. O funcionamento e a preservação do regime democrático pressupõem alto grau de proteção aos juízos, opiniões e críticas, sem os quais não se pode falar em verdadeira democracia. Na feliz expressão do professor Eduardo Mendonça, constante do artigo mencionado, a “livre circulação de informações é elemento constitutivo da democracia”.

A crítica revela-se essencial ao aperfeiçoamento das instituições públicas. O escrutínio livre da comunidade política consubstancia fator de incremento das políticas públicas. O argumento é singelo: quanto mais pessoas puderem comentar e avaliar, o produto final será melhor. Convém destacar que ao Estado cumpre não apenas criar um ambiente livre e propício ao debate, mas também fomentar a crítica aos próprios programas. É por isso que são importantes as consultas e as audiências públicas, representações do que vem sendo chamado de democracia participativa.

No mais, em uma democracia pluralista, o fechamento dos canais de discussão pode implicar o alijamento de grupos minoritários. Observem existir um elemento epistêmico na defesa da liberdade de expressão. A verdade ou a falsidade de determinadas ideias é resultado de uma construção social, daí não ser legítimo excluir, de modo apriorístico, algum pensamento do debate público.

Essas considerações objetivam reafirmar a liberdade de expressão como um direito de primeira grandeza na ordem constitucional de 1988.”

Considerando tal fato social, existem limites a liberdade de expressão? É possível limitar tal direito?

O STJ em julgamento emblemático diz que a livre manifestação não é absoluta, assim:

(…) 3. Os direitos à informação e à livre manifestação do pensamento não possuem caráter absoluto, encontrando limites em outros direitos e garantias constitucionais que visam à concretização da dignidade da pessoa humana.
4. No desempenho da função jornalística, as empresas de comunicação não podem descurar de seu compromisso com a veracidade dos fatos ou assumir uma postura injuriosa ou difamatória ao divulgar fatos que possam macular a integridade moral do indivíduo. (…)
STJ. 3ª Turma. REsp 1.567.988/PR, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 13/11/2018.

O STF também tem diversos entendimentos a respeito do caráter não absoluto da liberdade de expressão. Vejamos alguns:

Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO CONSTITUCIONAL. LEI N. 9.612/98. RÁDIODIFUSÃO COMUNITÁRIA. PROBIÇÃO DO PROSELITISMO. INCONSTITUCIONALIDADE. PROCEDÊNCIA DA AÇÃO DIRETA. 1. A liberdade de expressão representa tanto o direito de não ser arbitrariamente privado ou impedido de manifestar seu próprio pensamento quanto o direito coletivo de receber informações e de conhecer a expressão do pensamento alheio. 2. Por ser um instrumento para a garantia de outros direitos, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal reconhece a primazia da liberdade de expressão. 3. A liberdade religiosa não é exercível apenas em privado, mas também no espaço público, e inclui o direito de tentar convencer os outros, por meio do ensinamento, a mudar de religião. O discurso proselitista é, pois, inerente à liberdade de expressão religiosa. Precedentes. 4. A liberdade política pressupõe a livre manifestação do pensamento e a formulação de discurso persuasivo e o uso do argumentos críticos. Consenso e debate público informado pressupõem a livre troca de ideias e não apenas a divulgação de informações. 5. O artigo 220 da Constituição Federal expressamente consagra a liberdade de expressão sob qualquer forma, processo ou veículo, hipótese que inclui o serviço de radiodifusão comunitária. 6. Viola a Constituição Federal a proibição de veiculação de discurso proselitista em serviço de radiodifusão comunitária. 7. Ação direta julgada procedente.
(ADI 2566, Relator(a): Min. ALEXANDRE DE MORAES, Relator(a) p/ Acórdão: Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 16/05/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-225 DIVULG 22-10-2018 PUBLIC 23-10-2018)

Ementa: ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. ADPF. PORTARIA GP Nº 69 DE 2019. PRELIMINARES SUPERADAS. JULGAMENTO DE MEDIDA CAUTELAR CONVERTIDO NO MÉRITO. PROCESSO SUFICIENTEMENTE INSTRUÍDO. INCITAMENTO AO FECHAMENTO DO STF. AMEAÇA DE MORTE E PRISÃO DE SEUS MEMBROS. DESOBEDIÊNCIA. PEDIDO IMPROCEDENTE NAS ESPECÍFICAS E PRÓPRIAS CIRCUNSTÂNCIAS DE FATO EXCLUSIVAMENTE ENVOLVIDAS COM A PORTARIA IMPUGNADA. LIMITES. PEÇA INFORMATIVA. ACOMPANHAMENTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. SÚMULA VINCULANTE Nº 14. OBJETO LIMITADO A MANIFESTAÇÕES QUE DENOTEM RISCO EFETIVO À INDEPENDÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO. PROTEÇÃO DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DE IMPRENSA. 1. Preliminarmente, trata-se de partido político com representação no Congresso Nacional e, portanto, legitimado universal apto à jurisdição do controle abstrato de constitucionalidade, e a procuração atende à “descrição mínima do objeto digno de hostilização”. A alegação de descabimento pela ofensa reflexa é questão que se confunde com o mérito, uma vez que o autor sustenta que o ato impugnado ofendeu diretamente à Constituição. E, na esteira da jurisprudência desta Corte, compete ao Supremo Tribunal Federal o juízo acerca do que se há de compreender, no sistema constitucional brasileiro, como preceito fundamental e, diante da vocação da Constituição de 1988 de reinstaurar o Estado Democrático de Direito, fundado na “dignidade da pessoa humana” (CR, art. 1º, III), a liberdade pessoal e a garantia do devido processo legal, e seus corolários, assim como o princípio do juiz natural, são preceitos fundamentais. Por fim, a subsidiariedade exigida para o cabimento da ADPF resigna-se com a ineficácia de outro meio e, aqui, nenhum outro parece, de fato, solver todas as alegadas violações decorrentes da instauração e das decisões subsequentes. 2. Nos limites desse processo, diante de incitamento ao fechamento do STF, de ameaça de morte ou de prisão de seus membros, de apregoada desobediência a decisões judiciais, arguição de descumprimento de preceito fundamental julgada totalmente improcedente, nos termos expressos em que foi formulado o pedido ao final da petição inicial, para declarar a constitucionalidade da Portaria GP n.º 69/2019 enquanto constitucional o artigo 43 do RISTF, nas específicas e próprias circunstâncias de fato com esse ato exclusivamente envolvidas. 3. Resta assentado o sentido adequado do referido ato a fim de que o procedimento, no limite de uma peça informativa: (a) seja acompanhado pelo Ministério Público; (b) seja integralmente observada a Súmula Vinculante nº14; (c) limite o objeto do inquérito a manifestações que, denotando risco efetivo à independência do Poder Judiciário (CRFB, art. 2º), pela via da ameaça aos membros do Supremo Tribunal Federal e a seus familiares, atentam contra os Poderes instituídos, contra o Estado de Direito e contra a Democracia; e (d) observe a proteção da liberdade de expressão e de imprensa nos termos da Constituição, excluindo do escopo do inquérito matérias jornalísticas e postagens, compartilhamentos ou outras manifestações (inclusive pessoais) na internet, feitas anonimamente ou não, desde que não integrem esquemas de financiamento e divulgação em massa nas redes sociais.
(ADPF 572, Relator(a): EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 18/06/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-271 DIVULG 12-11-2020 PUBLIC 13-11-2020)

Com esses entendimentos é fácil concluir que a liberdade de expressão não é absoluta e entre as várias limitações, temos especialmente as fake News. Não pode um individuo se valer de informações falsas para obter vantagens ou direitos em detrimento dos demais, abusando da vulnerabilidade informacional dos indivíduos.

Nesse caminho, a Lei 14.192/2021 que alterou o código eleitoral criminalizou a conduta de divulgar fatos que sabe inverídicos em relação a candidatos e partidos, assim:

“Art. 323. Divulgar, na propaganda eleitoral ou durante período de campanha eleitoral, fatos que sabe inverídicos em relação a partidos ou a candidatos e capazes de exercer influência perante o eleitorado:    (Redação dada pela Lei nº 14.192, de 2021)
Pena – detenção de dois meses a um ano, ou pagamento de 120 a 150 dias-multa.
Parágrafo único. Revogado.     (Redação dada pela Lei nº 14.192, de 2021)
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem produz, oferece ou vende vídeo com conteúdo inverídico acerca de partidos ou candidatos.    (Incluído pela Lei nº 14.192, de 2021)
§ 2º Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) até metade se o crime:    (Incluído pela Lei nº 14.192, de 2021)
I – é cometido por meio da imprensa, rádio ou televisão, ou por meio da internet ou de rede social, ou é transmitido em tempo real;    (Incluído pela Lei nº 14.192, de 2021)
II – envolve menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia.    (Incluído pela Lei nº 14.192, de 2021)

Dessa forma, vemos que as autoridades publicas estão atentas aos movimentos da sociedade, em especial em relação a divulgação massiva de noticias falsas. É prática que foi muito usada em 2018, porém não é pratica admitida pelo direito, devendo ser combatida.

E mais, a Liberdade de Expressão também não abarca discursos de ódio ou Hate speech (discurso de ódio), sendo limitados pelo direito. O caso Ellwanger de 2003 já relatava tal limitação, vejamos:

(…)
6. Adesão do Brasil a tratados e acordos multilaterais, que energicamente repudiam quaisquer discriminações raciais, aí compreendidas as distinções entre os homens por restrições ou preferências oriundas de raça, cor, credo, descendência ou origem nacional ou étnica, inspiradas na pretensa superioridade de um povo sobre outro, de que são exemplos a xenofobia, “negrofobia”, “islamafobia” e o anti-semitismo.
(…) 13. Liberdade de expressão. Garantia constitucional que não se tem como absoluta. Limites morais e jurídicos. O direito à livre expressão não pode abrigar, em sua abrangência, manifestações de conteúdo imoral que implicam ilicitude penal.
14. As liberdades públicas não são incondicionais, por isso devem ser exercidas de maneira harmônica, observados os limites definidos na própria Constituição Federal (CF, artigo 5º, § 2º, primeira parte). O preceito fundamental de liberdade de expressão não consagra o “direito à incitação ao racismo”, dado que um direito individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas, como sucede com os delitos contra a honra. Prevalência dos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica. (…)
STF. Plenário. HC 82424, Relator p/ Acórdão Min. Maurício Corrêa, julgado em 17/09/2003.

O seguinte julgado do STF também merece ser destacado:

EMENTA Recurso ordinário em habeas corpus. Denúncia. Princípio da correlação. Observância. Trancamento da ação penal. Descabimento. Liberdade de manifestação religiosa. Limites excedidos. Recurso ordinário não provido. 1. Inexiste violação do princípio da correlação quando há relação entre os fatos imputados na denúncia e os motivos que levaram ao provimento do pedido da condenação. 2. O direito à liberdade religiosa é, em grande medida, o direito à existência de uma multiplicidade de crenças/descrenças religiosas, que se vinculam e se harmonizam – para a sobrevivência de toda a multiplicidade de fés protegida constitucionalmente – na chamada tolerância religiosa. 3. Há que se distinguir entre o discurso religioso (que é centrado na própria crença e nas razões da crença) e o discurso sobre a crença alheia, especialmente quando se faça com intuito de atingi-la, rebaixá-la ou desmerecê-la (ou a seus seguidores). Um é tipicamente a representação do direito à liberdade de crença religiosa; outro, em sentido diametralmente oposto, é o ataque ao mesmo direito. 4. Como apontado pelo Superior Tribunal de Justiça no julgado recorrido, a conduta do paciente não consiste apenas na “defesa da própria religião, culto, crença ou ideologia, mas, sim, de um ataque ao culto alheio, que põe em risco a liberdade religiosa daqueles que professam fé diferente [d]a do paciente”. 5. Recurso ordinário não provido.
(RHC 146303, Relator(a): Min. EDSON FACHIN, Relator(a) p/ Acórdão: Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 06/03/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-159 DIVULG 06-08-2018 PUBLIC 07-08-2018)

Diante de todo o exposto, em que pese a previsão da palavra liberdade de expressão, vemos que esse direito fundamental não é irrestrito ou desarrazoado, devendo encontrar suas próprias limitações a depder do caso concreto, especialmente quando a liberdade se voltar contras pessoas vulneráveis, com fundamentos em mentira ou fake News. Portanto, fez bem o poder legislativo em incriminar a conduta de proferir fake News em termos de propaganda eleitoral.

Referências Bibliográficas

https://www.conjur.com.br/2021-out-17/publico-pragmatico-fake-news-liberdade-expressao-moderacao-redes-sociais-tendencias

https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/903cc7be42d6fae3ae8c8be791ceeb74

https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/e92e1b476bb5262d793fd40931e0ed53