ATIVISMO JUDICIAL E A PROTEÇÃO DE VULNERÁVEIS E ADO 26/DF

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7103084


Autor:
Rafael Lima Ribeiro


O ativismo judicial tem a sua origem no debate tormentoso e inconclusivo travado entre Hart e Dworkin e em especial no pós Segunda Guerra Mundial, em que saímos do positivismo e adentramos a era do pós-positivismo.

Vladimir Passos de Freitas traz em seu texto que “Imprescindível, também, registrar a influência dos Estados Unidos da América e, em especial, de sua respeitada Suprema Corte que, muito mais do que a Corte Internacional de Haia, dita práticas que se entranham em nosso sistema de Justiça.”

Em suma, os direitos positivados serviram de base para as atrocidades e com isso, os juristas, doutrinadores e governantes passaram a entender que a lei deveria ser permeada por outros conceitos e não somente pela lei posta pelos chefes de poder. Assim, passou-se a entender que a lei não é um fim em si mesmo e que a lei posta não é suficiente para atender todas as necessidades da sociedade. É cediço que a Lei muitas vezes se torna atrasada em relação as mudanças advindas com o passar do tempo e das gerações e especialmente, com as demandas da sociedade.

É importante dizer que o ativismo judicial é um fenômeno mundial, e vem sendo questionado em diversos países. No Brasil não é diferente, e ganha destaque a partir de algumas decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, em especial, a decisão proferida na ADO 26/DF.

Assim, vejamos:

1. Até que sobrevenha lei emanada do Congresso Nacional destinada a implementar os mandados de criminalização definidos nos incisos XLI e XLII do art. 5º da Constituição da República, as condutas homofóbicas e transfóbicas, reais ou supostas, que envolvem aversão odiosa à orientação sexual ou à identidade de gênero de alguém, por traduzirem expressões de racismo, compreendido este em sua dimensão social, ajustam-se, por identidade de razão e mediante adequação típica, aos preceitos primários de incriminação definidos na Lei nº 7.716, de 08.01.1989, constituindo, também, na hipótese de homicídio doloso, circunstância que o qualifica, por configurar motivo torpe (Código Penal, art. 121, § 2º, I, “in fine”);
2. A repressão penal à prática da homotransfobia não alcança nem restringe ou limita o exercício da liberdade religiosa, qualquer que seja a denominação confessional professada, a cujos fiéis e ministros (sacerdotes, pastores, rabinos, mulás ou clérigos muçulmanos e líderes ou celebrantes das religiões afro-brasileiras, entre outros) é assegurado o direito de pregar e de divulgar, livremente, pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, o seu pensamento e de externar suas convicções de acordo com o que se contiver em seus livros e códigos sagrados, bem assim o de ensinar segundo sua orientação doutrinária e/ou teológica, podendo buscar e conquistar prosélitos e praticar os atos de culto e respectiva liturgia, independentemente do espaço, público ou privado, de sua atuação individual ou coletiva, desde que tais manifestações não configurem discurso de ódio, assim entendidas aquelas exteriorizações que incitem a discriminação, a hostilidade ou a violência contra pessoas em razão de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero;
3. O conceito de racismo, compreendido em sua dimensão social, projeta-se para além de aspectos estritamente biológicos ou fenotípicos, pois resulta, enquanto manifestação de poder, de uma construção de índole histórico-cultural motivada pelo objetivo de justificar a desigualdade e destinada ao controle ideológico, à dominação política, à subjugação social e à negação da alteridade, da dignidade e da humanidade daqueles que, por integrarem grupo vulnerável (LGBTI+) e por não pertencerem ao estamento que detém posição de hegemonia em uma dada estrutura social, são considerados estranhos e diferentes, degradados à condição de marginais do ordenamento jurídico, expostos, em consequência de odiosa inferiorização e de perversa estigmatização, a uma injusta e lesiva situação de exclusão do sistema geral de proteção do direito.
STF. Plenário. ADO 26/DF, Rel. Min. Celso de Mello; MI 4733/DF, Rel. Min. Edson Fachin, julgados em em 13/6/2019 (Info 944).

A respeito desse julgado é interessante dizer que a Lei nº 7.716/89 prevê os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor. Por exemplo, o art. 20 da Lei nº 7.716/89, por exemplo, trata sobre o crime de racismo, além disso, a lei tipifica outros delitos relacionados:

Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.
Pena: reclusão de um a três anos e multa.
Art. 5º Recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, negando-se a servir, atender ou receber cliente ou comprador.
Pena: reclusão de um a três anos.
Art. 13. Impedir ou obstar o acesso de alguém ao serviço em qualquer ramo das Forças Armadas.
Pena: reclusão de dois a quatro anos.

O cerne da questão é que a lei prevê que a punição para essas condutas ocorre se o preconceito manifestado for somente em razão da raça ou da cor da vítima, etnia, religião e procedência nacional. A Lei não fala em orientação sexual.

E, conforme é cediço no sistema jurídico brasileiro, a lei penal adota o principio da legalidade estrita e da taxatividade, ou seja, não há crime sem lei anterior que o defina e nem pena sem previa cominação legal.

Assim, estaria o STF legislando? O Ativismo Judicial é bom?

Vladimir Passos de Freitas diz: “Sim e não é a resposta. Sim, quando ele se propõe a impulsionar os demais poderes a tomar iniciativa premente e necessária (normalmente exercida pelo STF) ou quando a iniciativa de membros do Poder Judiciário descobre meios para agilizar a Justiça. Não, quando os magistrados interferem indevidamente nos outros Poderes de Estado, sem avaliar as consequências paralelas de seus atos(…)

Com foco no STF, ações invocando a Constituição se sucedem a cada ato do Poder Executivo ou Legislativo, como se a Corte fosse um terceiro órgão do Congresso Nacional. Algumas são oportunas, outras políticas. Decisões proferidas com a melhor das intenções, podem suscitar consequências de difícil mensuração.

A criminalização da homofobia como racismo decidida pelo STF por analogia, revela ativismo judicial consistente em fazer o que o Congresso se negava a fazer. Muito embora o mérito seja correto, já que a homofobia merece todo o repúdio, o certo é que o Supremo rompeu com o princípio secular da legalidade, abrindo exceção que, no futuro, poderá ser aplicada a outras as hipóteses. Imagine-se que a Corte, daqui a dez anos, substituídos todos ou quase todos atuais ministros, decida que é crime de apropriação indébita (artigo 168 do CP), emprestar por 24 horas a terceiro, coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção. Ou outra coisa qualquer que lhe pareça de justiça.”

Ou seja, a intenção do ativismo é boa, porém a forma escolhida usurpa a tripartição dos poderes, tornando o STF a ultima instancia do poder legislativo. Porém, em termos de pessoas vulneráveis e diante do cenário nacional de discriminação direta e indireta, é necessário relativizar a tripartição dos poderes e adotar a posição posta pelo STF em que enquanto não advinda a legislação protetiva, a lei que esteja em vigor  deve ser usada sob interpretação extensiva para que se evite crimes e atrocidades em prol dos vulneráveis.

Ademais, a CF/88 possui mandados de criminalização, ou seja, “ordens” dadas pelo constituinte ao legislador infraconstitucional no sentido de que ele deveria editar lei punindo criminalmente condutas que configurem discriminação e racismo. Esses mandados de criminalização estão previstos no art. 5º da CF/88. E além disso, o conceito de racismo é amplo, abrangendo os vulneráveis.

Assim, diante da ausência de proteção estatal em relação a pessoas vulneráveis a lei não pode continuar sendo omissa, em especial em relação à denominada ideologia de gênero e integrantes de comunidade LGBT, além dos demais vulneráveis. Assim, visando a proteção dos seres humanos, é legitima a atuação positiva dos outros poderes, que não o legislativo, em especial, ao poder judiciário.

Referências Bibliográficas

CAVALCANTE, Márcio André Lopes. A Lei nº 7.716/89 pode ser aplicada para punir as condutas homofóbicas e transfóbicas. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/ae581798565c3b1c587905bff731b86a>. Acesso em: 20/09/2022

https://www.conjur.com.br/2021-dez-12/segunda-leitura-ativismo-judicial-afinal-trata

https://www.conjur.com.br/2021-jun-12/diario-classe-debate-hart-dworkin-critica-doutrina-discricionariedade-judicial