REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7102572
Autora:
Francine da Rosa Grings1
RESUMO
Este artigo tem por objetivo abordar as Parcerias Público-Privadas, especificamente, no sistema penitenciário brasileiro. O Estado, diante da incapacidade de gerir políticas públicas, vê na parceria público-privada a solução para melhorar a prestação dos serviços públicos, criar fontes de financiamento em infraestrutura e atrair investidores privados, fazendo emergir várias formas de parcerias do setor público com o privado, chegando no sistema penitenciário nacional que sofre com a superlotação dos presídios.
Palavras-chave: Direito penal. Privatizações. Execução Penal. Superlotação de presídios.
INTRODUÇÃO
A criação do instituto das Parcerias Público-Privadas está, intimamente, relacionada com a sucessão de modelos de organização político-social e econômica de Estado.
Ao longo da história, muitos modelos de Estado se desenvolveram, adequando-se às necessidades circunstanciais e temporais de cada época, determinando, de forma singular, a relação entre o Estado e a iniciativa privada.
Em meados do século XIX, o Estado Liberal cede espaço ao Estado Social, em razão da profunda desigualdade social que gerara o não intervencionismo estatal preconizado pelo liberalismo econômico, para o qual, o estado não deveria intervir na economia, que se autorregularia pelo mercado, cujos principais valores eram a propriedade e a iniciativa privada – liberdade – e o Estado estaria adstrito às funções judiciais e de defesa.
Em contrapartida, no Estado Social o interesse público substituiu o individualismo e, nesse viés, o Estado passou a intervir na ordem econômica e social, a fim de garantir a todos o acesso a serviços e condições mínimas de vida digna.
Leciona Maria Sylvia Zanela Di Pietro2:
Já não se fala mais em interesse público apenas, mas em vários interesses públicos, representativos dos vários setores da sociedade civil. Este fato teve lugar em todos os países, embora com consequências um pouco diversas. Na União Soviética e nas democracias populares, implantou-se o Estado Socialista, com tudo o que ele significa de direção central da economia. Nas democracias ocidentais, está vigente a noção de Estado Social de Direito, à qual é inerente a ideia de prestação de serviços, pelo Estado, à população, em grandes proporções.
Destarte, o Estado do Bem Estar Social, também conhecido como Welfare State, expande imensamente o rol de atribuições estatais, o qual assume a prestação direta de serviços públicos e o exercício de atividades de intervenção no domínio econômico, para as quais teve que se estruturar, criando empresas estatais, fundações, sociedades de economia mista e outras empresas controladas pelo Estado.
Além da assunção dessas atividades, o Estado passou a fomentar atividades exercidas pela iniciativa privada consideradas de interesse público. Segundo Di Pietro, são exemplos de fomento os convênios, os termos de parceria e os contratos de gestão celebrados com entidades filantrópicas, de utilidade pública, OSCIP, serviços sociais autônomos e organizações sociais.
Proporcionalmente ao aumento das funções estatais, a demanda por recursos financeiros e a burocracia também aumentaram. A escassez de recursos refletiu na restrição de investimento em infraestrutura, que, por via de consequência, afetou o crescimento econômico.
Nesse sentido a lição de Maria Sylvia Zanela Di Pietro3:
A forma burocrática de organização, porque aplicada, indistintamente, a todas as atividades do Estado, mesmo as de natureza social e econômica acabou por contribuir para a ineficácia do Estado na prestação dos serviços, ineficiência essa agravada pelo volume de atividades e pela crise financeira que tiveram que enfrentar especialmente os países da América Latina.
Diante da incapacidade do Estado Social de assegurar o bem comum e da estagnação mundial da economia na década de 80, reclamou-se uma reformulação do papel do Estado, que deixará de ser o único responsável pelo desenvolvimento econômico e social para coadjuvar com o setor privado na prestação de serviços públicos.
Surge o Estado Subsidiário, para o qual o Estado não deve atuar exercendo atividades que a iniciativa privada tenha condições de executar com excelência e recursos próprios, ocupando-se em fomentar, coordenar e/ou fiscalizar essas atividades, atuando de forma subsidiária na prestação de serviços que possam ser prestados pela iniciativa privada sem prejuízo ao interesse público.
Várias políticas públicas surgiram dentro dessa concepção de modelo estatal, a fim de melhorar a prestação dos serviços públicos, criar fontes de financiamento em infraestrutura e atrair investidores privados, fazendo emergir várias formas de parcerias do setor público com o privado.
O termo parceria passa a designar, em sentido amplo, todas as formas de acordo preconizadas entre os setores públicos e privado para a obtenção de fins de interesse público. Essa cooperação poderia se desenvolver nas áreas econômica e social, não a desconfigurando a ideia de obtenção de lucro visada pela iniciativa privada, desde que promovesse o interesse público.
O direito brasileiro não ficou alheio a essa tendência. A reforma administrativa promovida a partir da década de 80, preconizou, no Plano Diretor da Reforma do Aparelhamento do Estado – 1995, importantes alterações na forma de gerir a Administração Pública, das quais duas se destacam:
a) transformação da administração pública burocrática, rígida e ineficiente em uma administração pública gerencial, flexível e eficiente, na qual a redução de custos, o aumento da qualidade dos serviços prestados e o controle de resultados são considerados essenciais;
b) predominância dos valores da eficiência e qualidade na prestação dos serviços públicos.
Muitas inovações propostas pelo Plano Diretor da Reforma do Aparelhamento do Estado restaram prejudicadas com a extinção do ministério que as idealizara – Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE)4. Mas, isso não significou um abandono total dos objetivos propostos, como conclui Maria Sylvia Zanela Di Pietro5:
Os objetivos continuam presentes, embora não mais declarados em documento explícito como o Plano Diretor. O objetivo último – o da privatização em sentido amplo – continua sendo buscado por outros instrumentos, em especial com as parcerias público-privadas, que acrescentam às concessões tradicionais – mais adequadas aos serviços comerciais e industriais do Estado – novas modalidades, aplicáveis, inclusive, às atividades administrativas e sociais do Estado.
Neste contexto, emerge a política de desestatização da economia, que desencadeou uma série de privatizações e concessões de serviços públicos a partir do final dos anos 80, culminando na edição da Lei nº 11.079/04, a qual inovou a prestação de serviços públicos por meio da criação das Parcerias Público-Privadas.
1. CONCEITO, MODALIDADES E FINALIDADE
A Parceria Público-Privada, designada pela sigla PPP, foi instituída pela Lei nº 11.079/04, como proposta de solução à crise financeira enfrentada pelo Estado, que o impossibilitava de cumprir a contento todas as competências definidas na Constituição Federal de 1988.
O conceito legal de PPP encontra-se no art. 2º, da lei nº 11.079/04, que reservou o termo Parceria Público-Privada para designar duas modalidades específicas de contrato administrativo de concessão de serviço público, quais sejam a concessão patrocinada e a concessão administrativa.
Na realidade, o dispositivo legal não possui qualquer conceituação, pois utiliza expressões que também devem ser definidas.
Doutrinariamente, segue-se a linha de Diógenes Gasparini6, para o qual a Parceria Público-Privada é:
Um contrato administrativo de concessão por prazo certo e compatível com o retorno do investimento privado, celebrado pela Administração Pública com certa entidade particular, remunerando-se o parceiro privado conforme a modalidade de parceria adotada, destinado a regular a prestação de serviços públicos ou a execução de serviço público precedido de obras públicas ou, ainda, a prestação de serviços em que a Administração Pública é sua usuária direta ou indireta, respeitando-se sempre o risco assumido.
Brilhante a lição de Marçal Justen Filho7:
Portanto, a PPP é e não é uma real inovação no cenário brasileiro. É uma inovação porque permitirá ao poder público captar investimentos privados para projetos que anteriormente dependiam apenas de recursos públicos. Não é uma inovação porque as regras aplicáveis serão, basicamente, as da concessão de serviço público.
Em relação às modalidades, entende-se por concessão patrocinada o contrato de concessão de serviço público, por meio do qual a Administração Pública delega ao parceiro privado – concessionário – a execução de um serviço público, antecedido ou não de obra pública, para que o execute em seu nome e às suas expensas, mediante o pagamento de tarifa pelo usuário, acrescida de contraprestação paga pelo Poder Público.
A característica marcante dessa modalidade é a forma de remuneração, pois há a necessidade de contraprestação paga pelo Estado em complementação ao valor pago pelo usuário a título de tarifa.
Por sua vez, Diógenes Gasparini define a modalidade de concessão administrativa como o contrato de prestação de serviços públicos ou de interesse público, ainda que envolva execução de obra ou o fornecimento e instalação de bens, de que a Administração Pública seja usuária direta ou indireta.8
Nessa modalidade, caso os serviços sejam utilizados diretamente pela Administração, estar-se-á diante de uma concessão de serviços ao Estado e, sendo usuária indireta, referir-se-á à concessão de serviço público, na qual o particular usufruirá o serviço sem nenhum custo, que será integralmente arcado pelo Poder Público.
Considerando-se que o conceito legal de PPP contém o de concessão, imprescindível analisá-lo pela lição de Roberto Caldas9:
Desde os primórdios de sua concepção mais moderna na Itália, Alemanha e França, o contrato de concessão pública é considerado como o acordo de vontades entre a Administração e os particulares, pelo que aquela delega a estes poderes que lhe são próprios, com aquiescência destes que passarão a exercê-los por conta e risco seus, executando obras e prestando serviços, considerados públicos, mediante remuneração, no todo ou em parte, dos beneficiários com a obra ou usuário dos serviços.
Nesse contexto, embora possua semelhanças com os contratos regidos pela Lei nº 8.987/95, as PPPs possuem um regime parcialmente diverso da concessão comum. Dentre as diversas especificidades do regime da PPP, as principais são: contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado; obrigatoriedade de constituição de sociedade de propósito específico para implantar e gerir o objeto da parceria; possibilidade da Administração Pública ofertar garantia ao cumprimento de suas obrigações pecuniárias; compartilhamento de riscos entre os parceiros; normas especiais para procedimento licitatório; balizas quanto ao prazo de duração dos contratos e imposição de limites de despesas para contratação.
Nominalismo à parte, não adentraremos às divergências doutrinárias acerca da conceituação, natureza jurídica ou constitucionalidade da PPP, por serem discussões extemporâneas ao objetivo deste trabalho, que é fazer uma análise prática do instituto aplicado ao sistema penitenciário.
Desde a entrada em vigor da Lei nº 11.079/04, muitas críticas insurgiram-se ao regramento federal, sobretudo sobre sua constitucionalidade e prescindibilidade em relação à Lei nº 8.987/95. Todavia, desde a entrada em vigor da Lei das PPPs, esta não sofreu controle de constitucionalidade pela via adequada, razão pela qual se presume válida, vigente e de execução obrigatória.
Assim, de acordo com o disposto no art. 1°, da Lei nº 11.079/04, poderão firmar contratos de PPP os órgãos da Administração Pública direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e as demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
O Estado, durante longo período, prestou os serviços públicos de forma direta, tentando fazê-la da melhor forma possível. Todavia, em razão de circunstâncias econômicas e financeiras, viu-se impossibilitado de fazê-lo de forma eficiente, passando a buscar formas mais adequadas de realizá-los.
No passado, os investimentos em infraestrutura eram predominantemente estatais. O contexto hodierno, desfavorável à realização desses investimentos, impôs a necessidade de uma maior contribuição e participação dos entres privados no desenvolvimento de atividades de interesse público, sobretudo, às que precedem de obras de infraestrutura.
Nessa conjuntura, surge a ideia de firmar Parcerias Público-Privadas como alternativa a ser utilizada de forma complementar às modalidades de financiamento acessíveis ao Estado. Além disso, pretendem viabilizar o investimento privado para prestar serviços públicos ou de interesse público em áreas que não proporcionam retorno econômico satisfatório, por meio da assunção da responsabilidade pela remuneração da atividade concedida pelo poder concedente.
A PPP, com forma de obtenção de investimento privado, possibilitou o direcionamento dos recursos públicos para áreas de exclusiva atuação do Poder Público, além de trazer a ideia de profissionalização da administração, rompendo com os entraves que obstavam a eficiência na prestação dos serviços públicos, como o excesso de formalismos e controles próprios da Administração centralizada.
Dessarte, a PPP é um contrato pelo qual se oportunizará verbas para infraestrutura e serviços públicos, cabendo ao parceiro privado a responsabilidade pela elaboração do projeto, financiamento e execução da obra e operação das atividades para a qual a obra foi viabilizada, que ao final do contrato, serão transferidas ao Estado. O Poder Público assegurará a adequação do serviço estabelecendo indicadores de desempenho a serem observados no controle e na gestão da atividade concedida.
2. ESPECIFICIDADE
Com propriedade, Paulo Modesto10 elenca um rol de características gerais das parcerias, presentes em maior ou menor intensidade de acordo com a modalidade de ajuste:
(a) a voluntariedade da adesão ao ajuste; (b) a convergência de interesses, (c) a complementariedade de encargos; (d) a atenuação no emprego de prerrogativas exorbitantes por parte da Administração, com vistas a não inibir o interesse do parceiro privado; (e) flexibilização dos arranjos institucionais viabilizadores do ajuste de interesse.
Neste tópico não pretendemos esgotar a temática, mas analisar somente as características que distinguem as PPPs das demais formas de parceria entre o setor público e o privado e que influenciam de alguma forma na sua modelagem ou contratação.
2.1 Excepcionalidade
A doutrina pátria e a experiência internacional convergem para o reconhecimento da excepcionalidade e subsidiariedade das Parcerias Público-Privadas.
A contratação em regime de PPP se legitima diante da insuficiência de recursos públicos e da inviabilidade da adoção das modalidades comum de concessão de serviço, de obra ou de uso de bem público ou mesmo da contratação direta em regime de empreitada, por manifesto desinteresse de investidores privados, em razão da baixa taxa de retorno financeiro e o alto risco econômico, regulatório e político.
Neste sentido, leciona Paulo Modesto11:
A opção pelo modelo das PPPs deverá exigir ao menos dois fundamentos concretos: a ausência de recursos suficientes para investimentos de interesse público e, cumulativamente, a inviabilidade da transferência para a iniciativa privada do risco integral da prestação do serviço, precedido ou não de obra pública.
A constatação acerca da excepcionalidade das PPP decorre das próprias regras legais que regulamentam sua implementação, tais como a observância da sustentabilidade financeira e de vantagens socioeconômicas do projeto de parceria, da repartição objetiva de riscos entre as partes, do sistema de garantia e contragarantia, da observância a rígidas regras de responsabilidade fiscal, da necessidade de consulta pública e das normas especiais para procedimento licitatório.
A excepcionalidade se justifica ainda por respeito ao princípio da economicidade, pois o compartilhamento de risco na PPP traz maior ônus para o Poder Público em oposição às formas de contratação convencionais.
Duas questões permeiam o debate acerca da implementação de projetos de PPP: viabilização de investimentos em um ambiente de restrição orçamentária e a eficiência na prestação dos serviços públicos.
A motivação para adoção do regime de PPP deve privilegiar as razões de eficiência na prestação dos serviços públicos e no uso dos recursos estatais às razões de aparente solução para a insuficiência de recursos públicos em infraestrutura, pois que isto apenas posterga a utilização desses recursos, que inevitavelmente serão empregados para saldar o investimento privado – contraprestação – e garantir o contrato.
Além disso, a implantação de PPPs exige a formação de uma estrutura própria, que será responsável pela modelagem, contratação, gestão e controle, bem como demanda altos custos em qualificação técnica de servidores, a fim de habilitá-los a desenvolver essas atribuições, agregando aos custos de implementação, custos de transação.
A solução para a falta de recursos públicos depende da contenção de despesas dentro das possibilidades orçamentárias, cuja diluição no decurso do tempo é apenas um auxílio, e nada mais.
Portanto, a decisão quanto à implementação de PPP deve perpassar por uma avaliação criteriosa, em cada caso concreto, que permita determinar as vantagens face às formas tradicionais de parceria com o setor privado ou a inadequação dessas formas e a sustentabilidade do projeto, mediante estudo técnico revelador da conveniência e oportunidade da contratação.
Encerramos o tópico com brilhante lição de Roberto Caldas12:
As parcerias público-privadas, tal qual positivadas no Brasil, têm, e muito, esmaecida a sua vocação de buscar investimentos particularmente para o setor público, restando como uma tentativa bastante tímida de avanço aos paradigmas preexistentes, ressaindo, apenas, sua grande ênfase à transferência da gestão das obras e serviços públicos ao setor particular, segundo a ideia de que este, à luz do seu natural maior engajamento e aptidão administrativa, permitirá que se alcancem os almejáveis níveis de excelência nas prestações e nas suas respectivas necessárias adaptações as adversidades ocorridas ao longo dos projetos. E os empresários, diante dessa conjuntura jurídico-econômico-organizativa, entendem as PPPs como úteis, mas não suficientes para suprir a deficiência em infraestrutura do País, continuando a ser fundamental a eliminação dos obstáculos institucionais à sua participação nos projetos financeiramente rentáveis (através de privatizações e concessões), com uma rediscussão ampla sobre as prioridades do gasto público, havida, assim, como o melhor modo de se assegurar investimentos públicos naqueles projetos cuja rentabilidade é estritamente social.
2.2 Compartilhamento de riscos
O art. 5º, inc. III, da Lei nº 11.079/04 prevê como cláusula obrigatória do contrato de PPP a que diz respeito à repartição de riscos entre os parceiros. Essa previsão representou uma inovação aos contratos administrativos de concessão e visa garantir o equilíbrio econômico- financeiro do contrato.
Um dos fatores mais importantes na modelagem dos projetos de PPP é a adequada identificação e alocação dos riscos.
O princípio basilar da PPP é maximizar a eficiência, minimizando os custos. E é a assunção de riscos pelo parceiro privado que vai incentivá-lo a desenvolver uma gestão desejavelmente mais eficiente e inovadora em relação à gestão pública. O maior grau de risco atribuído ao investidor privado sugere potenciais perdas, o que impõe, a maximização da eficiência produtiva.
De acordo com a acepção contida nas Diretrizes para Parcerias Público-Privadas Bem Sucedidas13, estabelecida pela Diretoria Geral da Política Regional da União Europeia, risco é todo fator, evento ou influência que ameace a conclusão bem sucedida de um projeto, em termos de prazo, custo ou qualidade.
Na concessão comum, a execução se faz por conta e risco do contratado, enquanto na PPP esse risco é objetivamente compartilhado entre os parceiros, visando-se à célere recomposição do equilíbrio econômico-financeiro.
Em um projeto de PPP, todos os riscos devem ser identificados e, se possível, eliminados do projeto. Todavia, quando esta exclusão não for possível, os riscos devem ser proporcionalmente compartilhados entre parceiros público e privado, conforme a capacidade de cada um para administrá-los e controlá-los.
A alocação dos riscos deve manter inalterada a responsabilidade objetiva do parceiro privado, enquanto prestador de serviço e a responsabilidade subsidiária do Poder Público, enquanto poder concedente.
A doutrina nacional e a experiência internacional apontam diversos tipos de riscos em projetos de PPP, mas qualquer listagem é necessariamente incompleta. A identificação dos riscos e a respectiva alocação devem ser avaliadas em cada projeto, pontualmente, considerando-se os fatores de risco específicos à natureza da atividade delegada.
Gustavo Eugênio Maciel Rocha e João Carlos Mascarenhas Horta elencaram como principais riscos identificáveis nas relações de PPP14:
a) Risco de Receita: incerteza quanto às receitas a serem obtidas com a exploração do serviço público prestado (tarifa e utilização);
b) Risco de Parceria: incerteza quanto ao parceiro privado, reduzido diante de criteriosa avaliação das propostas durante o processo licitatório;
c) Risco de Construção: envolvem os percalços relativos ao projeto, tecnologias, licenças ambientais e aspectos climáticos, atrasos, dentre outros, cuja redução se verifica pela realização de estudos prévios de engenharia;
d) Risco Cambial: presente quando há capital externo, sujeito à variação cambial;
e) Risco Contratual: relativo à inadimplência contratual por parte do parceiro público;
f) Risco político: decorre da instabilidade das instituições políticas do país – guerras, conflitos civis, expropriações etc. – reduzido pela contratação de seguro;
g) Risco de sustentabilidade: incerteza quanto à autossustentabilidade financeira do projeto à longo prazo, que será minimizado por meio de fiscalização efetiva do poder concedente.
2.3 Garantias
A realidade política brasileira converge no sentido da descontinuidade das políticas públicas e obrigações assumidas pelo predecessor, sobretudo as que comprometem o orçamento público, conforme as prioridades do governo em exercício, mais empenhado com resultados imediatos do que com a continuidade. Nesse contexto, as garantias nos contratos de PPP, surgem para conferir certeza no cumprimento integral das obrigações assumidas ou os meios para assegurar essa receita.
Assim, verifica-se imprescindível para viabilizar projetos de PPPs, a capacidade de convencer os parceiros e financiadores privados da estabilidade da relação contratual, ou seja, de que o Governo irá honrar as obrigações contratuais de longo prazo assumidas, bem como, de que em eventual inadimplência, os parceiros e financiadores terão meios de executar, rápida e eficientemente as garantias oferecidas, a fim de se restabelecer o equilíbrio econômico- financeiro e garantir a continuidade da prestação dos serviços delegados.
As obrigações dos parceiros estão intimamente relacionadas. O pagamento da contraprestação estatal permite que o parceiro privado tenha condições de prestar o serviço de forma eficiente e continuada, bem como que possa cumprir suas obrigações financeiras em relação ao financiamento obtido para viabilizar o empreendimento. Daí a necessidade de se ter bem estruturado o sistema de garantias, a fim de garantir que cada parceiro cumpra suas obrigações voluntária ou involuntariamente.
No que tange à garantia, a Lei das PPPs prevê três tipos de garantias: garantia de execução do contrato, prestada pelo parceiro privado ao parceiro público; garantia de cumprimento das obrigações pecuniárias assumidas pelo parceiro público ao parceiro privado e a contragarantia prestada pelo parceiro público à entidade financiadora do projeto.
A garantia de execução do contrato é comum a todos os contratos administrativos e de caráter obrigatório, oferecida ao parceiro público em garantia ao cumprimento das obrigações do parceiro privado. A escolha da modalidade de garantia compete exclusivamente ao parceiro público, dentre as previstas em lei: caução em dinheiro ou títulos da dívida pública, seguro- garantia e fiança bancária.
O limite percentual dessa garantia é de até 10% do valor do contrato, auferido em razão dos ônus e riscos assumidos pelo parceiro privado no contrato.
O segundo tipo de garantia refere-se à prestada pelo parceiro público em benefício do parceiro privado, a fim de salvaguardar sua contraprestação, abrangendo as seguintes modalidades: vinculação de receitas, observado os limites constitucionais; instituição ou utilização de fundos especiais previstos em lei; contratação de seguro-garantia; garantia prestada por organismos internacionais ou instituições financeiras não controladas pelo Poder Público e garantias prestadas por fundo garantidor ou empresa estatal.
O art. 8º, inc. V, da Lei nº 11.079/04, não traçou um rol taxativo de mecanismos legalmente admitidos para garantir as obrigações da Administração Pública, conferindo flexibilidade aos contratos de PPP para atender as peculiaridades de cada caso concreto e dos orçamentos dos vários Estados e Municípios brasileiros.
O outro tipo de garantia prevista no art. 5º, § 2º, da Lei das PPPs é a contragarantia a ser prestada pelo poder público ao financiador, que pode assumir diversas modalidades: possibilidade de transferência, aos financiadores, do controle da sociedade de propósito específico constituída pelo parceiro privado, com o objetivo de promover a sua reestruturação e assegurar a continuidade dos serviços; possibilidade de emissão de empenho em nome dos financiadores do projeto no que tange às obrigações pecuniárias do Poder Público; legitimidade dos financiadores para receber indenizações em caso de extinção antecipada do contrato e possibilidade do financiador receber os pagamentos efetuados pelos fundos e empresas estatais garantidoras de parcerias ao invés do parceiro privado. Todas essas garantias devem estar especificadas no contrato.
Ao regular essa contragarantia a lei pretendeu criar uma sistemática que atraísse os financiadores, responsáveis pelo investimento inicial imprescindível à execução do objeto dos contratos de PPPs, diminuindo, por via de consequência, o risco do empreendimento e os juros avençados.
A contragarantia não afasta a garantia a ser prestada pelo parceiro privado aos financiadores. Neste ponto, não há inovação, os contratos de financiamento formalizados pelo parceiro privado nas PPPs terão as mesmas características e garantias estabelecidas no Direito Privado. Essa garantia é proporcional ao risco de crédito do empreendimento. Assim, conforme o poder público também o garanta haverá um ganho econômico decorrente da redução desse risco, o qual deverá ser compartilhado com o parceiro público.
Destarte, apontados os diversos tipos de garantia inerentes aos contratos de PPP, indubitável a importância e complexidade do tema e a diversidade de arranjos que serão efetuados, resultando em complexos sistemas de garantias, que devem tanto quanto possível não constituir fontes de endividamento para o setor público, bem como eleger a forma que apresente menos ônus ao erário e que permita o menor comprometimento de capital líquido, a fim de se resguardar a maior disponibilidade de recursos para outros investimentos de curto prazo.
Tão essencial quanto à liquidez do mecanismo escolhido, é a garantia de recomposição automática em caso de utilização.
A primeira é um contrato de seguro celebrado pelo parceiro privado, em favor do Poder público, no valor equivalente à soma das contraprestações mensais durante um ano. O seguro resguarda o poder público da continuidade da prestação dos serviços por no mínimo um ano.
O agente garantidor surge como a pessoa jurídica responsável por guardar e negociar os títulos da dívida pública, oferecidos pelo Poder Público em garantia do cumprimento de sua obrigação pecuniária ao parceiro privado.
Assim, caso o poder público não promova o pagamento da contraprestação mensal ou anual, o agente garantidor, acionado pela GPA, negociará os títulos dados em garantia e pagará ao parceiro privado o valor equivalente à contraprestação não adimplida. E, ao mesmo tempo, notificará o Poder Concedente a repor, em títulos, o valor negociado para quitar o parceiro privado.
2.4 Atividade privada capitalista
As parcerias público-privadas são estabelecidas para prover um serviço público ou serviço de interesse geral, logo, imbuídas de caráter público, impondo-se, portanto, a observância das obrigações e princípios dos serviços públicos, tais como o da universalidade, continuidade, equidade, adequados níveis de serviço, mutabilidade, lucro razoável proporcional aos riscos assumidos pelo parceiro privado e transparência das atividades desenvolvidas.
O caráter público dos serviços delegados submete a empresa concessionária a um regime jurídico híbrido. Assim, em relação à organização, estruturação, relações com terceiros, regime trabalhista de seus empregados – submetidos à CLT – regular-se-á pelas normas do direito privado, enquanto a sua relação com o poder público concedente é regido pelo direito público.
Por conseguinte, as atividades privadas exercidas sobre esse modelo não podem ser consideradas como outra atividade privada qualquer, pois apesar de executarem a operação do serviço público, esse será prestado sob orientação e autoridade da Administração Pública.
Destarte, as parcerias público-privadas, à semelhança da concessão de serviços públicos, estruturam-se sobre duas ideias antagônicas, que precisam ser equilibradas para que se garanta o sucesso da implementação do instituto, quais sejam: a prestação de um serviço público, que busca o interesse geral e a delegação a uma empresa capitalista que visa ao lucro.
É direito do parceiro privado a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro. Referido direito tem por objetivo garantir ao parceiro privado a percepção da remuneração adequada a assegurar o binômio custo-benefício estabelecido no momento da celebração do contrato durante toda a execução do contrato.
As cláusulas que garantem esse equilíbrio são denominadas cláusulas financeiras e não podem ser unilateralmente modificadas pela Administração e visam preservar a equivalência entre as vantagens que se concedem ao parceiro privado e as obrigações que lhe são impostas.
Assim, cumpre ressaltar que a possibilidade de aferição de lucro não é incompatível com os princípios jurídicos do serviço público. Acaso se vedasse a percepção de lucro pelo parceiro privado, haveria a inviabilidade desse e de outros institutos que buscam a parceria com o setor privado.
O lucro a ser auferido pelo parceiro privado encontra limite no valor da remuneração e no controle do cumprimento das metas contratualmente estabelecidas.
A remuneração do parceiro privado, regida pelo princípio da modicidade da tarifa, deve ser tal que garanta a cobertura dos custos de investimentos, assegure a prestação de serviço adequado e permita a percepção de um lucro razoável.
O poder público deve estar atento no momento da avaliação da remuneração pretendida pelo parceiro privado, a fim de verificar se os custos sociais advindos da celebração da PPP compensam os custos financeiros superiores aos da gestão pública, evitando-se a intensificação do lucro do parceiro privado e o desperdício de recursos públicos.
A avaliação da modicidade deve levar em conta o Comparador do Setor Público, que é o valor que traduz o custo teórico para o Estado, caso a construção da infraestrutura e ou disponibilização do serviço fosse realizada com recursos à contratação tradicional, isto é, construída e gerida pelo próprio Estado e de forma eficiente.
O cálculo do CSP reveste-se de certa complexidade. Primeiramente, porque a precisa estimativa implica a utilização de dados reais, com base no histórico de projetos desenvolvidos com características semelhantes, o que nem sempre existe e, mesmo quando existentes, nem sempre são capaz de oferecer o custo real com suficiência de detalhes. Por sua vez, os dados existentes sobre as atividades desenvolvidas sob a gestão pública nem sempre são fonte de informações rigorosas e detalhadas para estimar os custos com a atividade. Não se trata de mera análise financeira, mas uma contabilização de custos ou benefícios sociais.
O imprescindível é conciliar a percepção do lucro com a prestação de serviço público adequado, tal como definido no art. 6º, da Lei nº 8.987/95. Os custos devem ser remunerados, mas o ponto nevrálgico é a produção de benefício à sociedade. Essa avaliação será possível mediante a avaliação do cumprimento das metas contratuais.
O objetivo de lucro perseguido desmesuradamente leva ao desvirtuamento do instituto, ferindo os princípios da moralidade administrativa, do interesse público, da razoabilidade e, especialmente, o da modicidade da tarifa. Precisamente pelo interesse público envolvido, o Estado é obrigado a prestar o serviço ainda que lhe advenha prejuízo ou gratuitamente, como ocorre com os serviços sociais, sem que, no entanto, possa exigir do parceiro privado tão altruísta conduta.
O conceito de interesse público, nesse viés pode ser entendido como a exigência de prestação de serviço adequado, considerado assim o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas, nos termos do §1º, do art. 6º, da Lei nº 8.987/95.
2.5 Modelagem e estrutura organizacional
O ciclo de vida de uma PPP perpassa por três grandes fases: planejamento, contratação e desenvolvimento da parceria, as quais têm características, objetivos e resultados diversos e o sucesso desta está, intimamente, relacionado aos resultados obtidos em cada uma dessas fases. A fase do planejamento definirá os pressupostos que condicionarão o desenvolvimento de todo o projeto.
Nesta fase serão definidos, principalmente, a conveniência e oportunidade da contratação – necessidade da contratação, os objetivos da concessão, as capacidades e habilidades necessárias ao regular desenvolvimento da atividade, a viabilidade econômica da concessão e a avaliação de interesse de mercado.
A avaliação quanto à conveniência e oportunidade na contratação da PPP deve necessariamente abranger uma avaliação estratégica dos benefícios econômicos, sociais, ambientais, entre outros, viabilizados com o projeto, bem como uma análise quanto à adequação legislativa da delegação.
Ademais, deve-se verificar ainda a maturidade e o comprometimento da liderança política com o projeto, haja vista que, envolvendo contratos de médio e longo prazo, fatalmente haverá sucessões políticas no decorrer da execução do contrato. O desalinhamento político comprometerá a prestação do serviço e sua interrupção antes do termo final do contrato, por vontade da Administração, causará grandes prejuízos aos cofres públicos em razão da necessidade de pagamento de indenização ao parceiro privado.
Necessário ainda avaliar a capacidade técnica e gerencial do poder concedente para gerir o projeto, ou seja, modelá-lo; contratá-lo; acompanhar e fiscalizar a execução, dando suporte ao parceiro privado em relação aos assuntos que caibam ao poder público decidir e aos ajustes que serão necessários após a celebração do contrato– manuais de procedimentos, regras de segurança etc; bem como verificar os índices estabelecidos para avaliação de desempenho do parceiro privado.
Por fim, considerando-se a excepcionalidade do instituto da PPP, para um parecer adequado sobre o mérito de conveniência da PPP, imprescindível examinar os modelos existentes para a execução do objeto do projeto, avaliando-os sob uma perspectiva qualitativa e quantitativa, bem como as formas tradicionais de financiamento do investimento nas várias alternativas disponíveis para contratação.
3. A EXECUÇÃO PENAL NO BRASIL
A execução penal é a fase do processo penal, em que se cumpre o comando contido na sentença penal condenatória, infligindo-se, concretamente, a pena privativa de liberdade, a pena restritiva de direitos ou a pecuniária. É uma atividade complexa, que envolve três ramos do direito: direito penal, direito processual penal e o direito penitenciário.
Não obstante, a discussão doutrinária sobre o tema, hoje, atribui-se à execução penal brasileira natureza jurídica mista, em razão da complexidade dessa atividade, que se desenvolve, organizadamente, nos planos jurisdicional e administrativo.
Assim, a execução penal brasileira envolve atividades de dois Poderes estatais, quais sejam o Poder Judiciário, que atua por meio dos órgãos jurisdicionais, e o Poder Executivo, através dos estabelecimentos penais.
A atividade jurisdicional no âmbito da execução penal se justifica pela mutabilidade da pena durante o processo executivo, conferindo-se dinamismo ao título executivo judicial penal. É nessa atuação que se verifica a individualização executória da pena.
Ademais, a intervenção jurisdicional será necessária sempre que insurgirem incidentes da execução ou fatos que influenciem no início da execução ou na redução, substituição, modificação ou extinção da sanção penal.
O Poder Executivo é o responsável pela execução material das atividades administrativas afetas ao cumprimento da sanção penal nos estabelecimentos penais, competindo-lhe administrá-los e custeá-los, garantindo-se aos presos o acesso aos direitos estabelecidos na Lei de Execuções Penais.
Segundo o art. 1º da LEP, o objetivo precípuo da execução penal é a reintegração social do condenado, a qual somente será alcançada pelo respeito aos direitos da pessoa privada de liberdade não atingidos pela sentença condenatória, bem como pela disponibilização de condições de vida digna nos estabelecimentos penais, associada a um tratamento penitenciário eficaz, nos moldes do estabelecido naquele diploma legal.
O tratamento penitenciário deve buscar desenvolver no preso o respeito próprio, bem como o sentido de responsabilidade, a fim inculcar-lhe a vontade de viver observando a lei e sustentando-se pelo produto de seu trabalho lícito.
Diante da inexistência de pena perpétua no Brasil, fatalmente as pessoas privadas de liberdade retornarão ao convívio social. A forma como retornarão é o ponto crucial da execução penal. Assim, o retorno ao convívio social é necessário e deve se dar de forma gradativa.
O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o HC nº 82969-720, firmou entendimento de que a progressão de regime é a forma mais eficaz de se promover a ressocialização do condenado, admitindo-se a progressão de regime mesmo nos casos de crimes hediondos.
A lição do Ministro Marco Aurélio 15, proferida no citado julgado, encerra com brilhantismo a importância do Sistema Progressivo:
Digo que a principal razão de ser na progressividade do cumprimento de pena não é em si a minimização desta, ou benefício indevido, porque contrário ao que inicialmente sentenciado, daquele que acabou perdendo o bem maior que é a liberdade. Está, isto sim, no interesse da preservação do ambiente social, da sociedade, que, dia- menos-dia, receberá de volta aquele que inobservou a norma penal e com isso deu margem a movimentação do aparelho punitivo do Estado. A ela não interessa o retorno de um cidadão, que enclausurou embrutecido, muito embora tenha mandado para detrás das grades com o fito, dentre outros, de recuperá-lo, objetivando uma vida comum em seu próprio meio.
3.1 A delegação da Execução Penal
A natureza híbrida da execução penal gera uma discussão acerca da possibilidade de delegação dessa atividade à iniciativa privada.
A análise acerca da possibilidade de delegação da execução penal deve se desenvolver em dois planos distintos: o jurisdicional e o administrativo.
A atividade jurisdicional é gerida pelo Princípio da Indelegabilidade, o qual decorre do Princípio da Indeclinabilidade previsto no art. 5, inc. LIII, da CF/88. A Constituição Federal fixou as atribuições do Poder Judiciário, as quais não podem ser delegadas a outro Poder ou à iniciativa privada, por meio dos institutos da concessão, permissão ou PPP.
Assim, a delegação não poderia recair sobre as atividades da execução penal afetas aos órgãos jurisdicionais, por expressa vedação constitucional.
Todavia, as atividades administrativas da execução penal não só podem como já são delegadas à iniciativa privada. A administração de estabelecimentos penais é atividade administrativa do Poder Executivo e, como tal, está adstrita ao disposto no art. 175 da CF/88, o qual prevê a possibilidade do Estado prestar os serviços públicos de forma direta ou sob regime de concessão ou permissão.
Sobre o assunto, cumpre destacar as lições de João Marcello de Araújo16 , em seu trabalho Privatização das Prisões:
Ao princípio ético da liberdade individual, corresponde a garantia constitucional do direito à liberdade. Essa garantia reconhece, no âmbito da ordem jurídica, o comando ético segundo o qual não será moralmente válido a um homem exercer sobre outro qualquer espécie de poder, que se manifeste pela força. A única coação moralmente válida é a exercida pelo Estado através da imposição e execução de penas ou outras sanções. Portanto, o Estado, seja do ponto de vista moral, seja do ponto de vista jurídico, não está legitimado para transferir a uma pessoa, natural ou jurídica, o poder de coação de que está investido e que é exclusivamente seu, por ser, tal poder, violador do direito de liberdade.
O instituto da concessão de serviços públicos é inaplicável ao sistema penitenciário, em razão da impossibilidade de cobrança de tarifa aos usuários do serviço – presos – imprescindível nessa formatação. E ainda porque não se vislumbraria propriamente uma voluntariedade na utilização do serviço, tratar-se-ia, no entanto, de coerção estatal à utilização.
A criação do instituto das Parcerias Público-Privadas trouxe a possibilidade da delegação desses serviços à iniciativa privada, a qual se restringiria às atividades administrativas exercidas no âmbito da execução penal, haja vista a impossibilidade da delegação das atividades jurisdicionais, expressa na Carta Magna e no art. 4º, inc. III, da Lei nº 11.079/04.
4. REALIDADE DO SISTEMA PENITENCIÁRIO NACIONAL
Desde os primórdios da humanidade, impunha-se aos transgressores de normas de conduta social algum tipo de punição. A forma de aplicação desta percorre um penoso caminho desde a fase da vingança privada até chegar-se à fase da vingança pública, contexto no qual surgiu a pena de prisão.
A pena de prisão tal como apresentada na atualidade, é instituto recente. Conforme ensina Masson, o cárcere, como instrumento de castigo, foi desenvolvido inicialmente pelo Direito Canônico17. Durante a Idade Média, emerge-se a ideia de confinamento celular como castigo, mas é no século XVI que apareceram a primeiras prisões tal como concebida até hoje.
Desde então, argutas críticas foram dirigidas aos locais de cumprimento da pena de prisão. E, não obstante, a época em que se insurgiram, continuam, abismavelmente, contemporâneas.
No século XIX, a pena privativa de liberdade incorpora-se, definitivamente, ao sistema penal contemporâneo, sem destituir-se de várias das mazelas que se verificaram desde a sua origem.
A realidade do sistema penitenciário brasileiro não é muito alentadora, embora reconheçamos os avanços perpetrados. Infelizmente, o sistema penitenciário pátrio tem garantido apenas o caráter retributivo da pena, renegando sua vertente reeducadora e humanista.
A fúria legiferante no sentido do recrudescimento das penas e da constante criminalização de novas condutas, associada ao desrespeito das disposições da Lei de Execuções Penais, implicaram no surgimento de fenômenos, como a superlotação carcerária, a explosão da violência interna nos presídios e a formação de organizações criminosas, cuja atuação se estende extramuros.
A esses podemos acrescentar outros, fruto da omissão estatal, tais como a falta de condições de higiene e deficiência na prestação das assistências à saúde, jurídica, educacional, a carência da laborterapia, o uso de drogas, a corrupção dos agentes prisionais, a falta de investimento em infraestrutura, o baixo quantitativo de servidores e a proliferação de doenças.
A finalidade ressocializadora da execução penal não é tarefa fácil de ser alcançada em estabelecimentos penais com capacidade adequada, em razão da necessidade de conjugação de diversos fatores para sua execução, como local adequado, quantidade suficiente de servidores e mediação entre os postulados de segurança e os da reinserção social.
Neste contexto, tanto mais difícil, será atender-se a esse fim em unidades superlotadas, onde sequer há espaços suficientes para confinamento dos presos, soando utópico falar-se em espaços para laborterapia e assistência educacional a todos os custodiados.
5. CONCLUSÃO
Assim, diversas políticas públicas têm sido desenvolvidas em resposta à necessidade de melhora da execução penal brasileira, dentre as quais estão a restrição do uso das penas privativas de liberdade, mediante a aplicação de medidas alternativas e descriminalização, e a formalização de parcerias com o setor privado, através de modelos de cogestão e de Parceria Público-Privada.
A falta de investimentos para a criação de vagas em estabelecimentos destinados a todos os regimes, principalmente, para os presos provisórios e os do regime semiaberto, levarão o sistema penitenciário ao colapso.
Este é o panorama: faltam investimentos para a criação de vagas nos regimes fechado e semiaberto; faltam vagas no regime semiaberto, gerando a permanência de condenados irregularmente no regime mais rigoroso, quando já promovidos ou inicialmente condenados ao cumprimento de pena no regime intermediário, mostrando-se como um dos principais motivos da superpopulação no regime fechado, cujas condições das instalações, em regra, são péssimas e violam todas as garantais elencadas na Constituição Federal e na Lei de Execuções Penais.
O fato é que temos mais de 600 mil presos nas penitenciárias e cadeias do Brasil, representando um déficit de 212 mil vagas nos presídios, conforme dados do DEPEN, consolidados em 2021.18
2 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Participação popular na administração pública. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, n. 191, jan./mar. 1993, p. 19.
3 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas. São Paulo: Atlas, 2005, p. 30.
4 BRASIL. Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado. Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. Brasília: Presidência da República, 1995.
5 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas. São Paulo: Atlas, 2005, p. 36.
6 GASPARINI, Diogenes. Direito administrativo. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 380.
7 FILHO, Marçal Justen. As PPPs sob fogo cruzado. O Estado de S. Paulo. São Paulo, 2004, p. B-10.
8 GASPARINI, Diogenes. Op. cit.
9 CALDAS, Roberto. Parcerias público privadas e suas garantiras inovadoras nos contratos administrativos e concessões de serviços públicos. Belo Horizonte: Ed. Fórum. 2011, p. 177.
10 MODESTO, Paulo. Legalidade e autovinculação da Administração Pública: pressupostos conceituais do contrato de autonomia no anteprojeto da nova lei de organização administrativa. In: MODESTO, Paulo (Coord.). Nova Organização Administrativa Brasileira. Belo Horizonte: Fórum, 2009, pp.113-169.
11 Ibidem.
12 CALDAS, Roberto. Parcerias público privadas e suas garantiras inovadoras nos contratos administrativos e concessões de serviços públicos. Belo Horizonte: Ed. Fórum. 2011, p. 204.
13 CALDAS, Roberto. Parcerias público privadas e suas garantiras inovadoras nos contratos administrativos e concessões de serviços públicos. Belo Horizonte: Ed. Fórum. 2011, p. 204.
14 CALDAS, Roberto apud ROCHA, Gustavo Eugênio Maciel; e HORTA, João Carlos Mascarenhas. Parcerias público privadas e suas garantiras inovadoras nos contratos administrativos e concessões de serviços públicos. Belo Horizonte: Ed. Fórum. 2011, p. 204.
15 STF, HC nº. 82969-7; Relator: Ministro Marco Aurélio; Paciente: Oseas de Campos, Coator: Superior Tribunal de Justiça e Tribunal de Justiça de São Paulo. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarConsolidada.asp>. Acesso em: 17 jan. 2022.
16 ARAÚJO Jr., João Marcello (org.). Privatização das Prisões. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, pp. 12- 13.
17 MASSON, Cleber. Direito Penal, Parte Geral, São Paulo, Vol. 1, 2019, p.170.
18 MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. DEPEN- Departamento Penitenciário Nacional. Dados consolidados de 2021.
Disponível em: <https://www.gov.br/depen/pt-br/servicos/sisdepen>. Acesso em: 15 fev. de 2022.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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________. LEI Nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995. Dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal, e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8987cons.htm>. Acesso em: dez. 2021.
________. LEI Nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004. Institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração pública. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l11079.htm>. Acesso em: dez. 2021.
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<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarConsolidada.asp>. Acesso em: 16 jan. 2022.
1Graduada em Direito pelo Centro Universitário Ritter dos Reis com Especialização em Gestão do Sistema Prisional pela Universidade Cândido Mendes e em Direito Constitucional pela Faculdade UNIBF.
Agente Federal de Execução Penal do Departamento Penitenciário Nacional, Ministério da Justiça.