A VISITA VIRTUAL COMO INSTRUMENTO PARA EFETIVAÇÃO DO DIREITO À VISITA DAS PESSOAS PRIVADAS DE LIBERDADE NO SISTEMA PENITENCIÁRIO FEDERAL

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7102554


Autora:
Francine da Rosa Grings1


RESUMO

O presente artigo tem como objetivo discorrer acerca do direito à visita, na modalidade virtual, dos presos custodiados no Sistema Penitenciário Federal. O estudo é pautado na análise dos instrumentos legais que asseguram esse direito e o regulamentam, especialmente a Portaria Conjunta da Defensoria Pública da União e Departamento Penitenciário Nacional. Demonstra-se, a partir de informações extraídas da doutrina, jurisprudência e de dados fornecidos pelo referido Departamento, que a visita virtual contribui para manutenção dos vínculos familiares e redução dos efeitos do cárcere, evita a exposição dos visitantes ao ambiente prisional, bem como auxilia na ressocialização dos presos.

Palavras-chave: Visita virtual. Sistema Penitenciário Federal.

Introdução

O presente trabalho tem como tema o estudo do direito à visita virtual dos indivíduos que cumprem pena privativa de liberdade nas Penitenciárias Federais.

A escolha deste tema se deve ao fato de que a visitação na modalidade virtual é uma medida recentemente implementada, merecendo ser debatida no âmbito acadêmico.

Para isso, este artigo analisará as disposições contidas na Portaria Conjunta n.º 500 de 30 de setembro de 2010, editada pelo Departamento Penitenciário Nacional e pela Defensoria Pública da União, bem como demonstrará a compatibilidade desse projeto com os direitos fundamentais das pessoas presas.

Nessa linha, serão explorados aspectos como a dignidade da pessoa humana, a manutenção dos vínculos familiares e a ressocialização do indivíduo.

No curso deste trabalho científico, serão mencionados dados estatísticos oficiais fornecidos pelo Departamento Penitenciário Nacional e pela Defensoria Pública da União. Ademais, para compreender o instituto da visita, serão utilizadas informações extraídas de diplomas legais e da doutrina.

Desenvolvimento

Inicialmente, é oportuno lembrar que a pessoa que cumpre pena privativa de liberdade, seja provisória ou definitiva, preserva todos os seus demais direitos não atingidos pela sanção penal.

Nesse sentido dispõe a Lei de Execução Penal Brasileira, em seu art. 3º: “ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei”. Tal regra está em sintonia com o disposto no artigo 38 do Código Penal, que estabelece que: “O preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito à sua integridade física e moral”.

A respeito disso, Mirabete (2004) assevera que:

Por estar privado de liberdade, o preso encontra-se em uma situação especial que condiciona uma limitação dos direitos previstos na Constituição Federal e nas leis, mas isso não quer dizer que perde, além da liberdade, sua condição de pessoa humana e a titularidade dos direitos não atingidos pela condenação.

Nesse contexto, assegura-se o direito ao recebimento de visitas pelas pessoas encarceradas.

Tal garantia já estava prevista nas “Regras Mínimas para o Tratamento dos Presos”, documento elaborado pelas Nações Unidas em 1955, que assim dispôs: “Os presos serão autorizados, sob a necessária supervisão, a comunicar-se periodicamente com as suas famílias e com amigos de boa reputação, quer por correspondência quer através de visitas”.

Por sua vez, a legislação pátria (Lei de Execução Penal – Lei 7.210/1984), preconiza o seguinte:

Art. 41 – Constituem direitos do preso:
[…]
X – visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados.

No âmbito do Sistema Penitenciário Federal, o direito à visitação dos internos está regulamentado, atualmente, na Portaria n.º 10, de 04 de agosto de 2017, que assim dispõe em seu artigo inaugural:

Art. 1º – As visitas às pessoas privadas de liberdade, custodiadas no Sistema Penitenciário Federal, são destinadas exclusivamente a informação processual e a manutenção do laço familiar e social, estando sujeitos apenas às restrições e supervisão necessárias aos interesses da administração da justiça e à segurança e boa ordem do estabelecimento prisional, em consonância com as “Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros da ONU” (BRASIL, 2017).

Nessa linha, a Portaria n.º 05/2018, que aprova o Regimento Interno do Departamento Penitenciário Nacional, também menciona o direito à visitação, inclusive a visita virtual, in verbis:

VI – promover e apoiar ações voltadas à manutenção e fortalecimentos dos vínculos familiares e sociais, dentre elas, as relacionadas com o direito às visitas social, virtual e íntima das pessoas privadas de liberdade (BRASIL, 2018).

Como se vê, o próprio legislador e o administrador público reconhecem a importância da convivência para manutenção dos laços afetivos, seja com familiares ou amigos.

Nessa perspectiva, a doutrina de Mirabete (2004) enaltece a contribuição do contato familiar para que a pessoa privada de liberdade se sinta, ainda que minimamente, incluída na sociedade:

Não há dúvida de que os laços mantidos principalmente com a família são essencialmente benéficos para o preso, porque o levam a sentir que, mantendo contatos, embora com limitações, com as pessoas que se encontram fora do presídio, não foi excluído da comunidade.

Tal afirmativa faz lembrar da lição de Aristóteles (1998) de que o homem tem a necessidade de viver em sociedade, pois é, por sua natureza, “um animal político.

Além disso, o fato de a pessoa em cárcere receber visitas faz com que lhe seja oportunizado “manter viva a afeição pela mulher e pelos filhos”, bem como lhe permite “intervir na solução dos problemas domésticos” (CUELLO CALÓN “apud” BRITO, 2011, p. 137).

Em relação aos filhos, trata-se de um direito da criança e do adolescente a convivência no seio de sua família, motivo pelo qual o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990), em seu artigo 19, assegura o seguinte:

§4ºSerá garantida a convivência da criança e do adolescente com a mãe ou o pai privado de liberdade, por meio de visitas periódicas promovidas pelo responsável ou, nas hipóteses de acolhimento institucional, pela entidade responsável, independentemente de autorização judicial (Incluído pela Lei nº 12.962, de 2014) (BRASIL, 2014).

Ademais, vale lembrar que a Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LXIII, assegura ao preso o direito fundamental de assistência familiar.

Acerca do tema, o Supremo Tribunal Federal já reconheceu que o convívio familiar contribui para atingir uma das finalidades da pena, que é a ressocialização (STF, HC 107701).

Nessa oportunidade, a Corte reafirmou que é dever do Estado promover os meios necessários para a realização das visitas nas prisões de forma segura.

Além de contribuir para a ressocialização, o recebimento de visitas pelo detento, no ambiente prisional, ameniza o sentimento de solidão carcerária (NUNES, 2013, p. 88).

É nesse contexto que surge, para os presos custodiados no Sistema Penitenciário, a visita virtual como instrumento de efetivação do direito à visita.

O projeto foi resultado de uma parceria entre o Departamento Penitenciário Nacional e a Defensoria Pública da União por intermédio da Portaria Conjunta n.º 500 de 30 de setembro de 2010.

Cabe esclarecer que o Departamento Penitenciário Nacional, órgão responsável pelo Sistema Penitenciário Federal, possui na sua estrutura 05 (cinco) unidades prisionais, situadas nas cidades de Brasília/DF, Porto Velho/RO, Mossoró/RN, Catanduvas/PR e Campo Grande/MS (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA, Artigo).

Nos termos da portaria acima referida, para realização da visita por videoconferência, o familiar do preso custodiado em uma das penitenciárias federais comparece até um dos Núcleos da Defensoria Pública da União nos Estados na data e horário designados.

Para agendamento das visitas é exigido prévio cadastramento do visitante e autorização do respectivo Diretor da unidade prisional. As visitas são realizadas nas sextas-feiras, com duração de 30 minutos cada, no total de 10 visitas por dia em cada unidade prisional federal.

Conforme prevê a portaria supramencionada em seus artigos 4º e 6º, o custodiado será levado da sua cela até uma sala própria, na qual consta o equipamento de videoconferência, acompanhado de agentes federais, sendo mantido algemado apenas nos tornozelos, evitando, assim, a exposição de imagem das algemas na câmera.

Além disso, a recomendação é que os agentes penitenciários federais, que acompanham o ato, devam ficar, também, afastados do alcance das câmeras, conforme descrito no enunciado n.º 13 do I Workshop do Sistema Penitenciário Federal.

A implementação das visitas pelo sistema eletrônico visa sanar um problema enfrentado nas unidades prisionais federais: a baixa quantidade de visitas presenciais (sociais), conforme relata membro da Defensoria Pública da União:

[…] ressalte-se que as penitenciárias federais ficam sempre distantes dos centros urbanos, o que dificulta ainda mais a visita dos familiares, sobretudo em relação àqueles mais pobres. Segundo dados do próprio DEPEN, pelo menos 50% dos presos das Penitenciárias Federais não recebiam visitas sociais. Essa distância, em alguns casos, proporciona um terreno fértil para a aproximação de organizações criminosas que oferecem auxílio material para os familiares (passagens e hospedagem na sede do presídio, por exemplo) em troca de apoio à organização (SANTOS, 2016, p. 314).

Desse modo, as visitas virtuais destinam-se, preferencialmente, aos internos que não recebem visitação presencial, especialmente por carência de recursos da família, motivo pelo qual foi editado o enunciado n.º 26 no Workshop sobre o Sistema Penitenciário Federal (CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL, 2013), contendo o seguinte teor: “O preso, cuja família não tem condições de realizar a visita social, tem direito à visita virtual”.

Tal enunciado corrobora com o papel Defensoria Pública, que é promover, de forma gratuita e integral, os direitos dos necessitados, nos termos do artigo 134 da Constituição Federal.

Nessa perspectiva, a visita virtual se apresenta como instrumento para atingir o princípio da igualdade (art. 5º, caput, da Constituição Federal) entre os custodiados, pois proporciona que todos usufruam, de forma efetiva, do direito à visita, independente das suas condições socioeconômicas.

Conforme dados divulgados pelo Departamento Penitenciário Nacional (2017), foram realizadas 738 visitas virtuais nas penitenciárias federais, o que é um número expressivo, considerando que a ocupação total do Sistema Penitenciário Federal, no mesmo ano, foi de 492 presos (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA, Artigo).

Em relatório divulgado pela Defensoria Pública, após a realização de questionários com os presos que participaram do projeto, foram apontadas como vantagens das visitas virtuais, além da aproximação familiar, a melhora do estado psicológico pela sensação de alívio e tranquilidade em constatar que seus familiares se encontravam bem (LACERDA, 2011).

Acrescenta-se, ainda, o fato de que a visita virtual evita a exposição das famílias ao ambiente carcerário, ao risco inerente a esse local e a situações constrangedoras, como a revista pessoal e íntima, a qual tem sido uma prática repudiada pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), nos termos da Resolução nº 5 editada pelo órgão em 05 de agosto de 2014.

Diante de todos esses fatores positivos visualizados desde a sua implementação, tem-se discutido o aumento do período de duração das visitas virtuais, conforme recomendação n.º 23 do IV Workshop do Sistema Penitenciário Federal (CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL, 2013), in verbis: “Na medida do possível, o Projeto Visita Virtual deve ser expandido para que o preso possa, no mínimo, ter uma hora semanal de visita virtual com seus familiares.”

Há, ainda, por parte da Defensoria Pública (NOTÍCIAS, 2015) e do Ministério da Justiça (NOTÍCIAS, 2017), a pretensão de expandir o projeto para fora do Brasil, possibilitando que presos estrangeiros se comuniquem com seus familiares no país de origem.

Como se vê, a visita virtual ainda é recente, sendo objeto de debates e estudos visando o seu aperfeiçoamento, mas já apresenta muitas vantagens à pessoa privada de liberdade e à sua família, bem como ao Estado, pois facilita o cumprimento do seu papel de garantir os direitos dessa população.

Conclusão

O desenvolvimento do presente estudo possibilitou uma análise de como ocorrem as visitas virtuais no âmbito do Sistema Penitenciário Federal, demonstrando que se trata de um instrumento importante para efetivar o direito à visitação nesses estabelecimentos, especialmente pela distância dessas unidades e carência de recursos financeiros dos familiares da população carcerária.

Conforme demonstrado, a visita virtual auxilia na manutenção dos vínculos familiares, redução dos efeitos do cárcere, contribuindo com a ressocialização, bem como evita a exposição dos familiares ao ambiente prisional.

A visitação virtual insere-se em um contexto de execução penal pautada no respeito e efetivação dos direitos das pessoas privadas de liberdade, motivo pelo qual percebe-se que tal projeto deveria ser replicado, pelos gestores prisionais, nos sistemas penitenciários estaduais, os quais abrigam a maior parcela da população carcerária.

Ademais, no âmbito federal, a Defensoria Pública da União poderia, em parceria com as Defensoria Estaduais, oportunizar que os familiares pudessem comparecer, em datas e horários marcados, nos Municípios que não são capitais de Estados para realização da visita e não tão somente onde tenha sede a Defensoria da União. Dessa forma, muitos familiares que residem no interior reduziriam o custo de deslocamento e tempo para participar da visita virtual, possibilitando, consequentemente, que as visitas fossem mais frequentes.

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1Graduada em Direito pelo Centro Universitário Ritter dos Reis com Especialização em Gestão do Sistema Prisional pela Universidade Cândido Mendes e em Direito Constitucional pela Faculdade UNIBF.
Agente Federal de Execução Penal do Departamento Penitenciário Nacional, Ministério da Justiça.