REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7102794
Autoras:
Patrícia da Silva Ribeiro1
Deise Lúcia da Silva Silvino Virgolino2
RESUMO
Sob a outorga Constitucional de proteção da dignidade humana, a Lei n. 14.289/2022, impôs a obrigatoriedade de sigilo quanto a condição de portador do Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), da Hepatite B e C (HBV e HCV) e portadores de Hanseníase e Tuberculose. Cuida-se de um estudo descritivo, com abordagem qualitativa, realizado a partir de revisão bibliográfica sistematizada de normas e publicações indexadas, que objetiva identificar sob quais aspectos o dever de sigilo garantido pela Lei n. 14.289/2022 promove a colisão entre o direito que preserva a dignidade e a liberdade dos indivíduos portadores doenças infectocontagiosas (HIV, HBV, HCV, Tuberculose e Hanseníase) e o direito que preserva a dignidade e a liberdade da coletividade de não se expor a risco de contágio. Dentre os resultados, observa-se que a lei em comento apresenta-se na contramão dos princípios Constitucionais, em especial à supremacia do interesse público, além de promover a discriminação entre os demais portadores de agravos infectocontagiosos não tutelado em semelhante norma, mostrando-se em franca colisão com os princípios e diretrizes do sistema único de saúde, notadamente nas ações de vigilância, visto que se pautam precipuamente no conhecimento e tratamento precoces com vistas à contenção da barreira de transmissão.
Palavra- chave: Direito ao sigilo. Colisão de direitos. Lei 14.289/2022.
ABSTRACT
Under the Constitutional grant of protection of human dignity, Law n. 14,289/2022, imposed the obligation of confidentiality regarding the condition of carrier of the Human Immunodeficiency Virus (HIV), Hepatitis B and C (HBV and HCV) and carriers of Leprosy and Tuberculosis. It is a descriptive study, with a qualitative approach, carried out from a systematic bibliographic review of norms and indexed publications, which aims to identify under which aspects the duty of secrecy guaranteed by Law n. 14,289/2022 promotes the collision between the right that preserves the dignity and freedom of individuals with infectious diseases (HIV, HBV, HCV, Tuberculosis and Leprosy) and the right that preserves the dignity and freedom of the community not to expose themselves to risk of contagion. Among the results, it is observed that the law in question presents itself against the Constitutional principles, in particular the supremacy of the public interest, in addition to promoting discrimination between other carriers of infectious diseases not protected by a similar norm, showing itself to be in frank collision with the principles and guidelines of the unified health system, notably in surveillance actions, as they are primarily based on early knowledge and treatment with a view to containing the transmission barrier.
Keywords: Right to secrecy. Rights collision. Law 14.289/2022.
1. INTRODUÇÃO
Contemporâneo aos acontecimentos sociais e em constante evolução, acompanhando os costumes e demais necessidades de adaptação da humanidade aos padrões, inclusos os normativos, os quais tutelam, no mais alto a proteção da dignidade da pessoa humana, com o advento da era digital, o Direito se revestiu no dever de positivar proteção de dados pessoais os quais foram assegurados nos termos da Lei n. 13.709/2018, conhecida como Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
Espelhada nas diretrizes da LGPD, a Lei n. 14.289/2022, tornou obrigatória a preservação do sigilo a todos e de forma indistinta, quanto a condição de portador do Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), Vírus da Hepatite B e C (HBV e HCV) e das pessoas portadoras de Hanseníase e Tuberculose, por agentes públicos ou privados.
Em que pese demonstre perfeita harmonia com as diretrizes da LGPD, a preservação indistinta do sigilo da condição de portadores ora tutelada, ao proteger a dignidade do indivíduo, preservando-lhe o sigilo e demais liberdades, ao mesmo tempo em que ratifica e efetiva tais direitos, colide diretamente com os interesses da administração pública consoante à proteção de direitos da coletividade.
Tendo em vista o princípio da supremacia do interesse público, que vincula o Estado à defesa dos interesses coletivos, sobretudo quando contrapostos aos privados/individuais, reveste o presente estudo de grande relevância social na medida em que questiona: há colisão entre direitos e garantais individuais e coletivos, quando da aplicabilidade da Lei n. 14.289/2022, o sigilo da condição de portador dos agravos tutelados pela Lei em comento se opõe aos direitos e garantias fundamentais de uma coletividade que venham ser exposta ao risco de contágio?
Ressalvadas as devidas proporções, o cenário inaugurado pela pandemia provocada pelo sars cov 2, pode ser compreendido como um paradigma do presente estudo visto que, a Covid-19 assim como as doenças cujo sigilo resta tutelado pela lei em comento, são doenças infectocontagiosas de notificação compulsória, cujas medidas não farmacológicas de prevenção e controle são pautadas no prévio conhecimento dos casos e tem nesse conhecimento, o direcionamento embrionário dos cuidados e demais medidas de contenção da disseminação, as quais, quando não empregadas contribuem para o contágio de contactantes, dentro e fora do domicílio, inclusive, em ambiente hospitalar, envolvendo tais práticas em grave risco à saúde pública como um todo.
Insta frisar que, a Lei n. 14.289 foi editada em pleno cenário de pandemia, marcado pela divulgação de informações, inclusive, da condição de portador do vírus sars cov 2 como direcionador das práticas assistenciais e de contenção da sua disseminação e, em nenhum momento, concebeu a divulgação dessas informações como violação de sigilo, logo, a imposição de sigilo positivada na norma supra, ainda que guarde estrita relação com o princípio basilar da proteção da dignidade humana, esculpido na Constituição, certamente contrapõe-se ao respeito à supremacia do interesse público consignado como dever da administração pública, desde a construção normativa até a sua atuação, não cabendo, no contexto normativo, privilegiar a dignidade do indivíduo quando conflitar com a dignidade da coletividade.
1.1 Materiais e método
Trata-se de estudo descritivo, com abordagem qualitativa, realizado a partir de revisão bibliográfica de normas, aqui compreendidas, leis, portarias, resoluções e demais institutos congêneres, doutrinas, artigos e demais publicações disponíveis na rede mundial de computadores, em plataformas de busca acadêmicas indexadas, tais quais “google acadêmico”, “Scielo”, periódicos da CAPES, revistas de tribunais, bibliotecas institucionais, sites jurídicos e entre outros, publicados a partir de 2018.
Nas buscas, foram empregados, como descritores: “colisão entre direitos individuais e coletivos”; “colisão entre direitos e garantias individuais e da coletividade”; “notificação compulsória e o dever de sigilo profissional”; “proteção de dados pessoais e saúde”, os quais foram equiparados às categorias de análise a partir de revisão sistemática, em conjunto com as normas e doutrinas que subsidiam a elucidação do problema de estudo, em cumprimento aos seus objetivos, os quais debruçam-se em identificar sob quais aspectos o dever de sigilo garantido pela Lei n. 14.289/2022 promove a colisão entre o direito que preserva a dignidade e a liberdade dos indivíduos portadores de doenças infectocontagiosas (HIV, HBV, HCV, Tuberculose e Hanseníase) e o direito que preserva a dignidade e a liberdade da coletividade de não se expor a risco de contágio.
2. TUTELA CONSTITUCIONAL DE DIREITOS: O INDIVÍDUO E A COLETIVIDADE
Enquanto embrionário dos demais princípios sob os quais se debruça o arcabouço jurídico brasileiro, a Constituição Federal tutela a dignidade da pessoa humana como expresso fundamento republicano no seu art. 1º, inciso III. Por sua vez, os objetivos presentes no art. 3º, sobretudo os incisos I “a construção de uma sociedade livre, justa e solidária” e IV “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (grifo nosso), deixam claro que os elementos normativos constitucionais estão voltados à garantia de direitos à coletividade.
Nesse contexto, a tutela constitucional da dignidade humana prevê a existência de direitos e garantias fundamentais que, a partir de instrumentos legais, assegurem, dentre outros, o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à informação, expressos, dentre outros, no art. 5º, caput e incisos I, XIV, XXXIII, XL, XLI, LXXIX, da aludida Carta Magna.
Estes como os demais direitos e garantias fundamentais presentes no art. 5º e seus incisos, assim como o direito à saúde e outros, constitucionalmente assegurados, tanto não estão postos de forma escalonada, por ordem de prioridades como não impõe exigências ou limitações, ao contrário, o seu conjunto deve alcançar a todos, indistintamente.
Sob esse prisma, quando a Lei n. 14.289/2022 elenca cinco agravos infectocontagiosos para a imposição de seus efeitos protetivos, claramente, promove discriminação entre os demais portadores de doenças igualmente infectocontagiosas e que não guardam a proteção da norma em comento, violando frontalmente a Constituição em seus objetivos fundamentais sagrados no art. 3º, especialmente, o inciso IV.
De modo semelhante, o direito à saúde, enquanto direito social, está previsto no art. 6º, assim como a redução de riscos inerentes ao trabalho está posta como direito dos trabalhadores no art. 7º, inciso XXII. Concomitante ao art. 196, também da Constituição, esculpe a saúde como um direito de todos é um dever do estado cuja efetivação é garantida, entre outros, a partir da redução do risco de doenças, nos seguintes termos:
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. (grifo nosso)
Reforça o caráter normativo contraditório da Lei n. 14.289/2022, o fato de fundamentar a imposição do sigilo no art. 11 da LGPD e, ao mesmo tempo, limitar o alcance dos seus efeitos a uma parte dos agravos de mesma natureza (infectocontagiosos e de notificação compulsória), violando os princípios esculpidos no art. 6º, sobretudo o inciso IX, consoante à não discriminação.
A observação atenta do texto constitucional evidencia que a ocupação do Estado está voltada à proteção de direitos que alcançam a coletividade. São princípios como a dignidade humana, a legalidade, a finalidade e o interesse público, dentre outros, os quais Pietro (2021) concebe como liames constitucionais que em tudo vinculam a Administração Pública direcionando sua razão de existir ao cumprimento estrito das prescrições normativas que convergem para as finalidades estatais, os quais encontram-se diluídos no texto constitucional balizando, além das práticas, alcançando, inclusive as constituições normativas adstritas.
3. DIREITO À LIBERDADE NA EFETIVAÇÃO DE DIREITOS
Como ciência contemporânea às transformações sociais, o direito foi impactado pelo advento da era digital cujo volume, a velocidade e facilidade de acesso a informações diversas, inclusive de caráter pessoal configura-se como cenário embrionário para a propositura da LGPD, cujo espírito, segundo Pinheiro (2021), foi de proteção aos direitos fundamentais de liberdade e privacidade inerentes à personalidade da pessoa natural sob a ótica da boa-fé.
Fundamentada na obediência ao disposto no art. 11 da LGPD, a Lei n. 14.289/2022, ao obrigar o sigilo a todos e de forma indistinta, sobre a condição da pessoa que vive com infecção pelos vírus da imunodeficiência humana (HIV) e das hepatites crônicas (HBV e HCV) e de pessoa com hanseníase e com tuberculose, inclusive com a previsão de imputação de sanções e obrigações legais, nos termos da LGPD e Código Civil (Lei n. 10.406/2002), promoveu profundas alterações na Lei n. 6.259/1975, com reflexos na Portaria GM/MS n, 204/2016, na medida em que reputa sigiloso o caráter das notificações compulsórias e impõe o dever de sigilo profissional, inclusive, no âmbito dos serviços de saúde, dentre outros.
Embora de inegável a importância das duas constituições normativas (LGPD e Lei n. 14.289/22), as alterações promovidas pelo novo instituto, na medida em que promove a dignidade do indivíduo desampara a coletividade, mostrando-se contrária ao interesse público, ferindo, tanto a Constituição, dentre outros em seu art. 196, quanto dispositivos relativos ao Sistema Único de Saúde consagrados em sua Lei Orgânica (Lei n. 8.080/1990) e se contrapões a própria LGPD em seu art. 1º quando esta afirma ter por objetivo a proteção de direitos fundamentais.
Outro aspecto de grande relevância relativo ao desacordo da Lei n. 14.289/2022 remonta a inobservância dos aspectos afetos ao tratamento de dados pelo poder público, em especial os artigos 23 e 26, pois, ainda que não tenham expressa previsão de inaplicabilidade no art. 4º da LGPD, os dados relativos aos tratamentos de saúde, sobretudo àqueles que importam em notificação compulsória, se amoldam perfeitamente ao poder de polícia conferido ao Estado, o qual Pietro (2021) concebe como imposição legal de restrições ao exercício de direitos individuais em benefício do interesse coletivo.
Claramente, ao polarizar o direito dos portadores de ter preservada a sua dignidade soba a égide da preservação do sigilo, e sua liberdade de escolha em informar ou não a condição de portador de tais agravos, contrapõe-se ao direito dos que estejam a sua volta, seja em ambiente domiciliar ou hospitalar, nesse caso, alcançam, inclusive, a dignidade e direito dos profissionais e demais usuários de, mediante o prévio conhecimento adotar as medidas cabíveis afim de que não venham a se contagiar, razões que sugerem não mereça ver seus efeitos prosperarem.
Insta frisar que, embora o direito tutelado seja a liberdade dos portadores, os efeitos da Lei em comento afetam diretamente o direito à saúde, consequentemente, à vida, sagrados, respectivamente, na redução dos riscos de doenças e outros agravos, expressamente disposto no art. 196 e art. 5º, da Constituição.
Extrapolando os limites da Constituição e da LGPD, a Lei n. 14.289/2022 estende a sua contradição normativa em perspectiva de colisão de direitos sob a orbe do Direito Penal, na medida em que o Código Penal Brasileiro (Decreto Lei n. 2.848/1940), ao mesmo tempo em que tipifica como crime a “Violação do segredo profissional” (art. 154), criminaliza, igualmente, a “Omissão de notificação de doença” (art. 269), assim dispondo:
Violação do segredo profissional […]
Art. 154 – Revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem:
Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa de um conto a dez contos de réis.
Parágrafo único – Somente se procede mediante representação […].
Omissão de notificação de doença
Art. 269 – Deixar o médico de denunciar à autoridade pública doença cuja notificação é compulsória:
Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa.
Inegáveis as contradições afetas à dupla criminalização (silêncio ante a exigência de notificar e a violação do sigilo), é mister observar que a pena cominada à omissão da notificação corresponde ao dobro da violação do sigilo. Outro aspecto importante diz respeito à expressão ‘sem justa causa’, que assegura o viés da exceção, perfeitamente aplicável à proteção da coletividade posta pela notificação compulsória que oportunize a prestação de informações precisas e que conduzam ao cuidado e demais intervenções oportunas.
4. O ENFRENTAMENTO DA COLISÃO ENTRE DIREITOS
Em recente estudo com objetivo de analisar a colisão entre direitos fundamentais de proteção de dados pessoais e proteção à saúde e ao bem-estar coletivo, cujo cenário desenvolveu-se no contexto da pandemia, a partir da utilização de um aplicativo de georreferenciamento utilizado publicamente para mapear os casos de covid-19, Paiva (2022) concluiu que a proteção à saúde e ao bem-estar coletivo se sobrepõe à proteção dos dados pessoais.
Em outro estudo realizado no contexto da pandemia da Covid-19, Lopes & Casa Nova (2020) sugerem que o médico tem o dever legal de violar o sigilo profissional com vistas à notificação dos casos suspeitos e confirmados às autoridades sanitárias sob pena de violação ao Código Penal.
Para Carvalho Filho (2020), a norma constitucional precisa ser flexível, adequando-se à dinâmica das relações sociais, modificando seus parâmetros às situações atípicas com vistas a legitimar eventuais medidas alienígenas em benefício da preservação da ordem constitucional, do regime democrático e do bem-estar da coletividade.
Bolwerk, Sousa e Lima (2021), afirmam que as garantias fundamentais, tanto não consolidam direitos absolutos quanto precisam ser relativizados em face das circunstâncias fáticas emergentes, devendo ser apreciadas em uma perspectiva dialética na qual o sigilo profissional e as circunstâncias que impõe o dever de sua revelação refletem, não a colisão de direitos, mas a necessidade de sopesamento de princípios, reconhecendo que prevalência de um não inviabiliza o outro, embora estabeleça o de maior peso ante às circunstâncias fáticas apresentadas e assumem o caráter de dever, em quaisquer casos, voltado à proteção coletiva.
É certo que o cenário imposto pela pandemia provocada pelo novo corona vírus apresenta-se como um padrão atípico, contudo, é necessário trazer à baila que os mecanismos de prevenção de contágio se assemelham às demais doenças infectocontagiosas, o que permitiria inferir que, a mesma liberdade de utilização de dados pessoais voltados à proteção da coletividade empregadas no contexto da pandemia deveriam ser observados para a legitimação dos efeitos da Lei n. 14.289/2022, sobretudo quando sancionada nesse mesmo cenário, em tese, dispensaria cuidados excepcionais quanto deveriam estar sob o mesmo judice os demais agravos infectocontagiosos e de notificação compulsória, pois que compartilham os mesmos condicionantes e determinantes semelhantes.
5. O LIAME ENTRE O SIGILO PROFISSIONAL E O DEVER LEGAL: CONTRIBUIÇÕES DEONTOLÓGICAS NA PROTEÇÃO DE DIREITOS
O Conselho Nacional de Saúde, pela Resolução CNS Nº 287/98, reconhece 14 (catorze) categorias de profissionais de saúde de nível superior, das quais Profissionais de Educação Física, Enfermeiros, Fisioterapeutas, Fonoaudiólogos, Médicos, Odontólogos, Psicólogos e Terapeutas ocupacionais, em maior ou menor grau, possuem um contato mais próximo, prestando assistência direta ou permanecendo um tempo maior em contato pessoal com os usuários.
Em conjunto, constituem um rol de profissões de saúde regulamentadas em lei. Todas, com seus respectivos Conselhos profissionais e Códigos de Ética devidamente aprovados por resoluções. Das oito profissões supramencionadas, a única que não faz qualquer previsão ao sigilo profissional em seu código de ética é a Educação Física, as demais, tanto o fazem quanto, em alguns casos, este (o sigilo) tem um capítulo próprio dentro do Código.
Consoante ao sigilo profissional, ainda que alguns Conselhos inovem, a semelhança do Conselho Federal de Medicina que prevê a manutenção do sigilo, inclusive, sobre informações relativas à crianças e adolescentes, medicina do trabalho e seguradoras, em regra, as exigências de sigilo estão postas em razão do conhecimento decorrente da atuação profissional, inclusive, quando decorrente da atuação em juízo, embora, em alguns casos, esta condição esteja prevista como justa causa, tanto quanto a existência de dispositivo legal que o autorize, conforme dispõe os referidos Códigos in verbis:
Código de Ética de Enfermagem
[…]
Art. 52 Manter sigilo sobre fato de que tenha conhecimento em razão da atividade profissional, exceto nos casos previstos na legislação ou por determinação judicial, ou com o consentimento escrito da pessoa envolvida ou de seu representante ou responsável legal.
§ 1º Permanece o dever mesmo quando o fato seja de conhecimento público e em caso de falecimento da pessoa envolvida.
§ 2º O fato sigiloso deverá ser revelado em situações de ameaça à vida e à dignidade, na defesa própria ou em atividade multiprofissional, quando necessário à prestação da assistência.
§ 3º O profissional de Enfermagem intimado como testemunha deverá comparecer perante a autoridade e, se for o caso, declarar suas razões éticas para manutenção do sigilo profissional[…] (COFEN, 2017).
Código de Ética de Fisioterapia
[…]
Artigo 9º – Constituem-se deveres fundamentais do fisioterapeuta, segundo sua área e atribuição específica:
IV – manter segredo sobre fato sigiloso de que tenha conhecimento em razão de sua atividade profissional e exigir o mesmo comportamento do pessoal sob sua direção, salvo situações previstas em lei […].
Capítulo VI – Do Sigilo Profissional
Artigo 32 – É proibido ao fisioterapeuta:
I – revelar, sem justa causa, fato sigiloso de que tenha conhecimento em razão do exercício de sua profissão; […].
§ Único – Compreende-se como justa causa: demanda judicial ou qualquer previsão legal que determine a divulgação […] (COFFITO, 2013).
Código de Ética da Terapia ocupacional
[…]
Artigo 9º – Constituem-se deveres fundamentais do terapeuta ocupacional, segundo sua área e atribuição específica:
[…]
IV – manter segredo sobre fato sigiloso de que tenha conhecimento em razão de sua atividade profissional e exigir o mesmo comportamento do pessoal sob sua direção, salvo em situações previstas em lei […].
Capítulo VI – Do Sigilo Profissional
[…]
Artigo 32 – É proibido ao terapeuta ocupacional:
I – revelar, sem justa causa, fato sigiloso de que tenha conhecimento em razão do exercício de sua profissão;
II – negligenciar na orientação de seus colaboradores, quanto ao sigilo profissional […]
§ Único: Compreende-se como justa causa: demanda judicial ou qualquer previsão legal que determine a divulgação (COFFTO, 2013).
Código de Ética dos Fonoaudiólogos
[…]
CAPÍTULO VI DO SIGILO PROFISSIONAL
Art. 23 Constituem deveres do fonoaudiólogo em relação ao sigilo profissional:
I – guardar sigilo sobre as informações de outros profissionais também comprometidos com o caso;
II – conservar prontuários e(ou) documentos que resguardem a relação de seus clientes em arquivo apropriado, não permitindo o acesso de pessoas estranhas a este;
III – orientar seus colaboradores, alunos, estagiários e residentes sob sua orientação quanto ao sigilo profissional e à guarda de prontuário e documentos;
IV – manter sigilo sobre informações, documentos e fatos de que tenha conhecimento em decorrência de sua atuação com o cliente;
V – manter sigilo, mesmo quando o fato seja de conhecimento público, e em caso de falecimento da pessoa envolvida.
Parágrafo único. Excetuam-se do dever de sigilo:
I – situações em que o seu silêncio ponha em risco a integridade do profissional, do cliente ou da comunidade, desde que o fato seja comunicado às autoridades competentes;
II – o cumprimento de determinação judicial ou de dever legal;
III – o consentimento, por escrito, do cliente ou de seu representante legal (CFFA, 2021).
Código de Ética Médico
Capítulo I PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS
[…]
XI – O médico guardará sigilo a respeito das informações de que detenha conhecimento no desempenho de suas funções, com exceção dos casos previstos em lei […].
Capítulo IX SIGILO PROFISSIONAL
É vedado ao médico:
Art. 73. Revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente. Parágrafo único. Permanece essa proibição:
a) mesmo que o fato seja de conhecimento público ou o paciente tenha falecido;
b) quando de seu depoimento como testemunha (nessa hipótese, o médico comparecerá perante a autoridade e declarará seu impedimento);
c) na investigação de suspeita de crime, o médico estará impedido de revelar segredo que possa expor o paciente a processo penal.
Art. 74. Revelar sigilo profissional relacionado a paciente criança ou adolescente, desde que estes tenham capacidade de discernimento, inclusive a seus pais ou representantes legais, salvo quando a não revelação possa acarretar dano ao paciente […].
Art. 76. Revelar informações confidenciais obtidas quando do exame médico de trabalhadores, inclusive por exigência dos dirigentes de empresas ou de instituições, salvo se o silêncio puser em risco a saúde dos empregados ou da comunidade.
Art. 77. Prestar informações a empresas seguradoras sobre as circunstâncias da morte do paciente sob seus cuidados, além das contidas na declaração de óbito, salvo por expresso consentimento do seu representante legal.
Art. 78. Deixar de orientar seus auxiliares e alunos a respeitar o sigilo profissional e zelar para que seja por eles mantido.
Art. 79. Deixar de guardar o sigilo profissional na cobrança de honorários por meio judicial ou extrajudicial (CFM, 2018).
Código de Ética da Odontologia
[…]
CAPÍTULO II DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
[…]
Art. 5º. Constituem direitos fundamentais dos profissionais inscritos, segundo suas atribuições específicas:
[…]
II – guardar sigilo a respeito das informações adquiridas no desempenho de suas funções;
Art. 9º. Constituem deveres fundamentais dos inscritos e sua violação caracteriza infração ética:
[…]
VIII – resguardar o sigilo profissional;
[…]
Art. 10. Constitui infração ética:
II – intervir, quando na qualidade de perito ou auditor, nos atos de outro profissional, ou fazer qualquer apreciação na presença do examinado, reservando suas observações, sempre fundamentadas, para o relatório sigiloso e lacrado, que deve ser encaminhado a quem de direito […];
CAPÍTULO VI DO SIGILO PROFISSIONAL
Art. 14. Constitui infração ética:
I – revelar, sem justa causa, fato sigiloso de que tenha conhecimento em razão do exercício de sua profissão;
II – negligenciar na orientação de seus colaboradores quanto ao sigilo profissional; e […],
Parágrafo Único. Compreende-se como justa causa, principalmente:
I – notificação compulsória de doença;
II – colaboração com a justiça nos casos previstos em lei;
III – perícia odontológica nos seus exatos limites;
IV – estrita defesa de interesse legítimo dos profissionais inscritos; e,
V – revelação de fato sigiloso ao responsável pelo incapaz.
Art. 15. Não constitui quebra de sigilo profissional a declinação do tratamento empreendido, na cobrança judicial de honorários profissionais.
Art. 16. Não constitui, também, quebra do sigilo profissional a comunicação ao Conselho Regional e às autoridades sanitárias as condições de trabalho indignas, inseguras e insalubres (CFO, 2012).
Código de Ética da Psicologia
[…]
Art. 6º – O psicólogo, no relacionamento com profissionais não psicólogos:
[…]
b) Compartilhará somente informações relevantes para qualificar o serviço prestado, resguardando o caráter confidencial das comunicações, assinalando a responsabilidade, de quem as receber, de preservar o sigilo. […]
Art. 9º – É dever do psicólogo respeitar o sigilo profissional a fim de proteger, por meio da confidencialidade, a intimidade das pessoas, grupos ou organizações, a que tenha acesso no exercício profissional.
Art. 10 – Nas situações em que se configure conflito entre as exigências decorrentes do disposto no Art. 9º e as afirmações dos princípios fundamentais deste Código, excetuando-se os casos previstos em lei, o psicólogo poderá decidir pela quebra de sigilo, baseando sua decisão na busca do menor prejuízo.
Parágrafo único – Em caso de quebra do sigilo previsto no caput deste artigo, o psicólogo deverá restringir-se a prestar as informações estritamente necessárias (CFP, 2005).
No tocante aos Códigos de Ética ora mencionados, em linhas gerais, observa-se que a previsão legal se apresenta como condição que autoriza a quebra de sigilo pelos profissionais. O Código de Ética da Odontologia prevê, expressamente, os casos de notificação compulsória como condição que autoriza a violação do sigilo pelo profissional. Por outro lado, o dever de notificar está devidamente normatizado, logo, consolida previsão legal.
Outro aspecto que chama a atenção reside na imposição de dever de violação “em situações de ameaça à vida e à dignidade, na defesa própria ou em atividade multiprofissional, quando necessário à prestação da assistência”, observado no Código de Ética de Enfermagem, situação que expressa a necessidade de relativização do direito à preservação do sigilo, visto que se mostra em colisão direta com direitos, se não de maior importância, mas, certamente, que impactam direitos de terceiros.
Insta frisar que, embora não haja na ordem Constitucional uma hierarquia de direitos e garantias, o caput do art. 5º é cristalino em dispor que: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade […]”. Assim, ao autorizar a quebra do sigilo em defesa própria, ameaça à vida ou à dignidade ou mesmo em face de previsão legal, aqui considerados, dentre outros, seus códigos de ética e as legislações do Sistema Único de Saúde (SUS) que impõe o dever de notificar compulsoriamente algumas doenças e agravos, dentre os quais, vários de natureza infectocontagiosa, certamente, os Conselhos Profissionais coadunam com os preceitos Constitucionais ao mesmo tempo em que se mostram conflitantes ao preconizado na Lei 14.289/2022.
6. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE E LEI N. 14.289/2022: COLISÃO NORMATIVA DE DIREITOS
Guarda previsão Constitucional sagrada no título VIII, capítulo II, seção II, da Constituição, os aspectos inerentes à saúde, inclusas as diretrizes e competências do Sistema Único de Saúde – SUS, que tem na Lei n. 8080/90, seus principais princípios e fundamentos, além de importantes conceitos, dentre os quais:
Art. 2º A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.
Art. 3º Os níveis de saúde expressam a organização social e econômica do País, tendo a saúde como determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, a atividade física, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais.
Art. 5º São objetivos do Sistema Único de Saúde SUS:
I – a identificação e divulgação dos fatores condicionantes e determinantes da saúde; […].
III – a assistência às pessoas por intermédio de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde, com a realização integrada das ações assistenciais e das atividades preventivas.
Art. 6º Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS):
I – a execução de ações:
a) de vigilância sanitária;
b) de vigilância epidemiológica;
c) de saúde do trabalhador; […]
§ 2º Entende-se por vigilância epidemiológica um conjunto de ações que proporcionam o conhecimento, a detecção ou prevenção de qualquer mudança nos fatores determinantes e condicionantes de saúde individual ou coletiva, com a finalidade de recomendar e adotar as medidas de prevenção e controle das doenças ou agravos.
Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios:
III – preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e moral;
V – direito à informação, às pessoas assistidas, sobre sua saúde;
[…]
VII – utilização da epidemiologia para o estabelecimento de prioridades, a alocação de recursos e a orientação programática;
[…]
Art. 15. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios exercerão, em seu âmbito administrativo, as seguintes atribuições:
[…]
XVII – promover articulação com os órgãos de fiscalização do exercício profissional e outras entidades representativas da sociedade civil para a definição e controle dos padrões éticos para pesquisa, ações e serviços de saúde;
[…]
§ 1º A União poderá executar ações de vigilância epidemiológica e sanitária em circunstâncias especiais, como na ocorrência de agravos inusitados à saúde, que possam escapar do controle da direção estadual do Sistema Único de Saúde (SUS) ou que representem risco de disseminação nacional.
Depreende-se do texto Constitucional a importância dos Conselhos profissionais para o estabelecimento de padrões éticos para as ações e serviços, bem como a identificação e divulgação dos determinantes e condicionantes da saúde, pautados nas ações de vigilância epidemiológicas, nos termos do §2º, do art. 6º e art. 7º, VII, todos da Lei n. 8080/90.
Estão entre os objetivos do SUS esculpidos no art. 5º, I dessa referida lei a identificação e divulgação dos determinantes e condicionantes da saúde, enquanto o inciso V, do art. 7º, prevê que o direito à informação constitui um dos princípios do SUS. Tais observações demonstram claramente, o conflito existente face à imposição de sigilo nos termos da Lei n. 14.289/2022.
Insta frisar que, está compreendida no âmbito do SUS as ações de vigilância epidemiológica, que tem dentre as suas finalidades, a adoção e recomendação de medidas preventivas das doenças e agravos, o que se fará a partir do conhecimento, detecção e prevenção de determinantes e condicionantes da saúde, nos termos do art. 6º, I, “b”, da Lei n. 8080/90
Nesse contexto de proteção e contradição, Bolwerk, Sousa e Lima (2021), trazem à baila a importância da vigilância, compreendida, entre outros, na perspectiva da notificação compulsória, para o enfrentamento dos condicionantes da saúde, sobretudo, enquanto subsídio aos profissionais da assistência direta, pois, independente do cenário as medidas não farmacológicas dispensadas à contenção da disseminação de doenças infectocontagiosas estão amparadas no prévio conhecimento de tais condições.
As ações de vigilância epidemiológica e as normas relativas à notificação compulsória de doenças estão regulamentadas na Lei n. 6.259/75 que além de importantes conceitos, dispõe:
Art 7º São de notificação compulsória às autoridades sanitárias os casos suspeitos ou confirmados:
I – de doenças que podem implicar medidas de isolamento ou quarentena, de acordo com o Regulamento Sanitário Internacional.
II – de doenças constantes de relação elaborada pelo Ministério da Saúde, para cada Unidade da Federação, a ser atualizada periodicamente […].
Art 8º É dever de todo cidadão comunicar à autoridade sanitária local a ocorrência de fato, comprovado ou presumível, de caso de doença transmissível, sendo obrigatória a médicos e outros profissionais de saúde no exercício da profissão, bem como aos responsáveis por organizações e estabelecimentos públicos e particulares de saúde e ensino a notificação de casos suspeitos ou confirmados das doenças relacionadas em conformidade com o artigo 7º.
Art 9º A autoridade sanitária proporcionará as facilidades ao processo de notificação compulsória, para o fiel cumprimento desta Lei.
O conceito de notificação compulsória pode ser observado no art. 2º, VI, do anexo V, da Portaria de Consolidação n. 4/2017, assim definido como uma “comunicação obrigatória à autoridade de saúde, realizada pelos médicos, profissionais de saúde ou responsáveis pelos estabelecimentos de saúde, públicos ou privados, sobre a ocorrência de suspeita ou confirmação de doença, agravo ou evento de saúde pública […]”.
Consta no anexo I, do anexo V da supramencionada Portaria e foi recentemente atualizada pela Portaria GM/MS n. 3.418/2022 e retificada pela Portaria 269/2022, a “lista nacional de notificação compulsória de doenças, agravos e eventos de saúde pública”, a qual elenca 53 (cinquenta e três) condições de saúde para as quais exige-se a notificação compulsória, das quais, mais da metade apresenta-se como doenças infectocontagiosas ou decorrem dessas e como tal, exigem o seu conhecimento para a adoção de práticas assistenciais, precauções e cuidados precisos e oportunos.
Chama a atenção o fato de que os agravos cujo sigilo vem tutelado pela Lei 14.289/2022 estão previstos na supramencionada lista e, segundo Brasil, (2021) podem ser caracterizadas da seguinte forma:
a) Vírus da imunodeficiência humana (HIV) – o HIV, apresenta-se como importante problema de saúde pública mundial cuja ausência ou falhas de tratamento podem evoluir para a síndrome da imunodeficiência humana (AIDS), tem como modo de transmissão a via sexual, sanguínea e vertical (da mãe para o filho durante a amamentação, gestação, parto e aleitamento). Dentre as medidas de prevenção e controle constam: a definição de estratégias que reduzam a reinfecção; viabilizar a investigação de eventuais fontes infecciosas e transmissoras; promover o controle da transmissão e disseminação, sobretudo entre os grupos de maior vulnerabilidade à infecção.
b) Vírus das hepatites crônicas (HBV e HCV) – Juntamente com a hepatite D (delta), as hepatites B e C estão mais relacionados aos casos crônicos e podem ser transmitidas pelo sangue, percutâneo, parenteral e sexual, normalmente, apresentam-se de forma oligo ou até mesmo assintomáticas até a forma fulminante, com letalidade da ordem de 40 a 80% e se caracteriza pela necrose, degeneração, fibrose e/ou cirrose celular do fígado (hepatócitos). Dentre as medidas de prevenção e controle, prescrevem a adoção de medidas de biossegurança; o não compartilhamento de objetos de uso pessoal (lâminas de barbear e depilar, escovas de dentes, materiais de manicure, seringas, agulhas, canudos e cachimbos, além do uso de preservativos, entre outros); monitoramento de pacientes hemofílicos e que recebam hemoderivados e vacinação.
c) Hanseníase – A hanseníase é uma doença crônica, infectocontagiosa que se manifesta dermatoneurologicamente e potencialmente incapacitante, além de altamente estigmatizante. A transmissão se dá pela inalação de gotículas expelidas por um portador (sem tratamento) ao falar, tossir ou espirrar, que contenham o Mycobacterium leprae. Embora exista tratamento disponível e gratuito no âmbito do SUS, durará, no mínimo de 6 (seis) a 12 (doze) meses e não se ocupa com a reversão de lesões ou incapacidades as quais exigem intervenções adicionais, conforme os casos A vacinação (BCG) somente previne as formas graves da doença.
d) Tuberculose – Assim como a hanseníase, a tuberculose é uma doença infectocontagiosa e transmissível causada por Mycobacterium, cujo mais importante para efeitos de vigilância é o tuberculosis. Outra semelhança reside na forma de transmissão (inalação de gotículas e aerossóis de pacientes infectados). Quanto às manifestações clínicas, a forma pulmonar é a de maior relevância na medida em que é a responsável em manter a cadeia de transmissão e tem na tosse o seu principal sintoma. Possui tratamento gratuito pelos SUS, com duração considerável, tendo na vacinação (BCG) seu maior agente de prevenção.
Tais observações reforçam o caráter conflitante na edição de norma eletiva de condições de saúde caracterizadas como infectocontagiosas e de notificação compulsória para as quais seja imposta a obrigação de sigilo, inclusive, no contexto das instituições de saúde, pois, além da exposição dos profissionais e da população institucionalizada a um risco maior de contágio, impacta negativamente na implementação do tratamento correto e oportuno.
Tendo em vista que se pautam, dentre outros, na detecção e tratamento precoce e na contenção da transmissão, com relação aos agravos tutelados pela Lei n. 14.289/2022, cuja condição de portador tem o silêncio tutelado, quais sejam: “infecção pelos vírus da imunodeficiência humana (HIV) e das hepatites crônicas (HBV e HCV) e de pessoa com hanseníase e tuberculose”, tal obrigação vem expressa diretamente no texto legal, em seu art. 2º, assim dispondo:
Art. 2º É vedada a divulgação, pelos agentes públicos ou privados, de informações que permitam a identificação da condição de pessoa que vive com infecção pelos vírus da imunodeficiência humana (HIV) e das hepatites crônicas (HBV e HCV) e de pessoa com hanseníase e com tuberculose […].
Pela breve caracterização supra, dos agravos cujos portadores devem ter esta condição preservada, no âmbito Constitucional, apresentam-se em colisão frontal com os princípios da supremacia do interesse público, além de violar o direito à vida, à saúde e à informação. Ato contínuo, violam princípios e demais normas inerentes ao SUS, de modo que, reitera-se não lhe assiste quaisquer razões de validade para seus efeitos, quanto mais, pelo fato de ter sido sancionada em pleno período de pandemia cuja concomitância de quaisquer dos agravos manifestos na Lei em comento, apresentam-se como fatores de risco de gravidade para a coinfecção pelo sars cov 2.
Resta claro que as inovações impostas pela Lei em comento impactam diretamente nas ações de vigilância, visto que, dentre os seus objetivos, tanto do HIV quanto das hepatites B e C o monitoramento dos casos notificados e seus fatores condicionantes e determinantes, com a finalidade de recomendar medidas de prevenção e controle. Nesse mesmo diapasão, consoante à tuberculose ou a hanseníase, os objetivos da vigilância epidemiológica consistem na detecção e tratamento precoces voltadas à interrupção da cadeia transmissiva, prescrevendo, inclusive, a avaliação dos contatos, sobretudo os intradomiciliares (BRASIL, 2021).
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pretexto de efetivar o direito ao sigilo e sub-rogando-se nas prerrogativas Constitucional da proteção de dados alicerçados na LGPD, a Lei n. 14.289/2022, ao efetivar o sigilo dos portadores de HIV, HCV, HBV, hanseníase e tuberculose, ao mesmo tempo em que lhes garante o aludido direito, inaugura um vasto campo para instabilidades diversas.
No campo jurídico, claramente viola princípios Constitucionais, sobretudo a supremacia do interesse público, usurpando direitos e garantias fundamentais além de promove a discriminação entre portadores de agravos semelhantes sob o ponto de vista da transmissão, a exemplo da própria Covid-19 e outras constantes na lista nacional de notificação compulsória de doenças, agravos e eventos de saúde pública.
Repousa na saúde pública outro importante conflito. Vale salientar que, como as demais doenças infectocontagiosas e de notificação compulsória, a condição de portador dos agravos tutelados pela lei em tela, tanto não protegem os indivíduos como expõe ao risco todos os seus contactantes, na medida em que as ações de vigilância impostas para conter a sua disseminação estão pautadas, sobretudo, na detecção e tratamento precoces, logo, ao efetivar o direito ao sigilo, claramente a Lei 14.289/2022 colide com dispositivos do Sistema Único de Saúde, expondo à risco a coletividade em proporções inimagináveis, pois impacta diretamente na cadeia de transmissão desses agravos.
Por fim, as inovações da Lei em comento, promoveram profundas alterações normativas no âmbito do Sistema Único de Saúde, impondo o dever de sigilo, inclusive, aos profissionais, no âmbito dos serviços de Saúde, ponto em que contrapõe os dispositivos dos códigos de ética que lhes permitiam a violação de tais sigilos, em geral, nas hipóteses de ameaça a vida ou à dignidade própria e de suas prerrogativas profissionais, quando necessárias à assistência, quando a lei assim os autoriza, dentre outros.
Insta frisar que os aludidos agravos tanto constituem objeto de intervenção direta quanto podem margear outros agravos funcionando como fatores de risco, agravantes ou comorbidades, em quaisquer casos, exigindo intervenções específicas pautadas no seu prévio conhecimento, cuja imposição do sigilo impacta, inclusive, nos fluxos institucionais, além de conferir risco exponencial de contágio aos profissionais e, mesmo aos usuários, situação que se projeta para os ambientes escolares, em todos os seguimentos.
Ante ao exposto, em que pese os fundamentos da Lei 14.289/2022, não lhe assiste razão para prosperar em seus efeitos. Embora no apagar das luzes, fora editada ainda sob a vigência de uma pandemia que ratificou a importância das medidas de vigilância pautadas na contenção da cadeia de transmissão, o que se mostra impossível sem o prévio conhecimento da condição de portador.
Ressalvadas as devidas proporções é mister a compreensão de que todas são doenças infectocontagiosas, inclusive, a tuberculose e a hanseníase compartilham dos mesmos meios de transmissão da Covid-19, mostrando-se injustificáveis medidas distintas das ora praticadas.
Assim, claramente, antes de garantidora de direitos, as inovações promovidas pela Lei n. 14.289/2022 apresenta-se como verdadeira usurpadora de prerrogativas, constitucionais, legais e, mesmo profissionais.
Por óbvio, o presente estudo apresenta-se incipiente, embora não menos relevante, o que sugere que não se esgote nos argumentos ora esboçados, mas que avance no seu intuito de declarar a inconstitucionalidade material da lei em epígrafe, razão pela qual, como contrapartida social, pretende-se encaminhá-lo ao conhecimento dos legitimados à propositura de ação direta de inconstitucionalidade material a fim de que possa ser arguida ante ao Supremo Tribunal Federal, restituindo a ordem Constitucional e normativa, efetivando direitos e prerrogativas, não de uns, mas de todos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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1Acadêmica de Direito.
E-mail: patriciasilva_9@hotmail.com
2Prof. Orientadora. Graduada em Direito pela Faculdade de Direito da Alta Paulista.
Pós-graduação: Metodologia do Ensino Superior pela Universidade Federal de Rondônia – UNIR.
Pós-graduação: Direito Público/Constitucional e Administrativo pela Universidade Federal de Rondônia – UNIR. Pós-graduação: Gestão em Direito dos Serviços Sociais Autônomos Pelo Instituto de Direito Público (Gilmar Mendes) IDP. Professor de Direito.
E-mail: deise.virgolino@uniron.edu.br.
Artigo apresentado a Faculdade Interamericana de Porto Velho-UNIRON, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito Porto Velho, 2022