REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7069002
Autora:
Vanessa Gomes Lopes
RESUMO
O presente trabalho propõe fazer uma análise acerca do Caso Ximenes Lopes vs. Brasil, julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. Este processo teve por objeto, dentre outros temas, julgar a ocorrência de violações aos direitos das pessoas com deficiência, em especial aos direitos à vida e à integridade.
Palavras-chave: Pessoas com deficiência. Corte Interamericana de Direitos Humanos. Direito à Vida. Direito à Integridade.
ABSTRACT
The present work proposes to analyze the case of Ximenes Lopes v. Brazil, judged by the Inter-American Court of Human Rights. This process aimed, among other issues, to judge the occurrence of violations of the rights of people with disabilities, particularly the rights to life and integrity.
Keywords: Disabled people. Inter-American Court of Human Rights. Right to life. Right to Integrity.
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho propõe fazer uma análise acerca do Caso Ximenes Lopes vs. Brasil, julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH). Este processo teve por objeto, dentre outros temas, julgar a ocorrência de violações ao direito à vida e à integridade de pessoa com deficiência em situação de instituição.
Além disso, visa avaliar se houve ou não o devido cumprimento da sentença da Corte IDH após mais de 16 (dezesseis) anos de sua prolação.
2. O CASO XIMENES LOPES VS. BRASIL
O caso se refere ao senhor Damião Ximenes Lopes que, durante sua adolescência apresentou um quadro de depressão orgânica – ou seja, adquirida por meio de alterações funcionais em seu cérebro –, tendo crises psiquiátricas consecutivas.
No ano de 1995, Damião teve sua primeira internação na Casa de Repouso Guararapes, em Sobral/CE, ocasião em que ficou internado por 2 (dois) meses. Ocorre que, no momento de sua alta, ele possuía sinais de violência física que, conforme justificativa apresentada pela clínica, foram consequências de uma tentativa de fuga.
Em sua segunda internação, em 1998, ainda na mesma clínica, única que contava com prestação de serviço público psiquiátrico, Damião voltou para sua casa, novamente, com novas lesões em seu corpo.
Por fim, em 1999, Damião foi novamente internado na Casa de Repouso Guararapes, a pedido de Dona Albertina, sua mãe, que, embora não quisesse deixar seu filho na clínica, não vislumbrou outra opção, já que ele se recusava a alimentar-se e não conseguia dormir.
Na primeira visita feita por Dona Albertina, ela fora informada de que seu filho supostamente teria apresentado uma crise nervosa, precisando ser contido fisicamente, amarrado com suas mãos para trás. Segundo relatos da genitora, Damião estaria “sangrando pelo nariz, com a cabeça toda inchada e com os olhos quase fechados, vindo a cair a meus pés, todo sujo e com cheiro de urina” 1, tendo chegado, inclusive, a pedir sua ajuda.
No mesmo dia, o médico da clínica teria prescrito uma medicação sem examinar o paciente e saído do local. Duas horas depois, sem apoio médico, Damião veio a óbito. A autópsia concluiu pela ocorrência de morte natural apesar de existirem claras marcas de tortura, a exemplo de equimoses oculares, no punho e no ombro.
Irresignada com a causa mortis apontada pela necropsia, a família buscou auxílio em diversas entidades e organizações públicas, o que ensejou a abertura de sindicâncias e auditorias. Nesse contexto, a Casa de Repouso acabou por ser descredenciada do Sistema Único de Saúde, mas, além disso, não foram estabelecidas responsabilidades penal ou administrativa pelo fato.
Nesse contexto, em dezembro de 1999, a senhora Irene Ximenes Lopes Miranda, irmã de Damião, peticionou à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (Comissão IDH). Ocorre que o descaso do Estado brasileiro foi tão grande que sequer apresentou resposta aos fatos alegados, embora tenha sido notificado2.
Nos termos da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), a CIDH fez recomendações ao Brasil acerca da adoção de medidas de reparação das violações de direitos sofridos por Damião e sua família. Entretanto, em face da inércia brasileira, o caso foi levado à Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH).
Por ocasião da audiência pública marcada para o mês de setembro de 2005, o Brasil reconheceu sua responsabilidade pelos maus tratos e pela morte do usuário do sistema de saúde. “Esta atitude do Estado – que tem repercussões substantivas e processuais – foi apreciada pela Corte e faz parte de uma crescente corrente de entendimento que favorece a composição entre as partes. As dimensões éticas e jurídicas deste comportamento processual merecem reflexão”3.
Nesse sentido, a Corte IDH estabeleceu que, “em relação ao intrincado sistema de saúde, ainda que a Casa de Repouso de Guararapes fosse um estabelecimento privado, ele atuava de forma complementar ao Sistema Único de Saúde (SUS) no serviço de auxílio a pacientes com sofrimentos mentais. Logo, de acordo com o raciocínio da Corte IDH, o Brasil deveria ter criado mecanismos adequados para inspecionar as instituições psiquiátricas sob a sua jurisdição, principalmente quando se tratava de um serviço com correlação direta à administração pública”4.
Na ocasião da prolação da sentença restou decidido que5:
(i) “O reconhecimento parcial de responsabilidade internacional efetuado pelo Estado pela violação dos direitos à vida e à integridade pessoal consagrados nos artigos 4.1 e 5.1 e 5.2 da Convenção Americana, em relação com a obrigação geral de respeitar e garantir os direitos estabelecida no artigo 1.1 desse tratado, em detrimento do senhor Damião Ximenes Lopes”;
(ii) “O Estado violou, em detrimento do senhor Damião Ximenes Lopes, tal como o reconheceu, os direitos à vida e à integridade”;
(iii) “O Estado violou, em detrimento das senhoras Albertina Viana Lopes e Irene Ximenes Lopes Miranda e dos senhores Francisco Leopoldino Lopes e Cosme Ximenes Lopes, familiares do senhor Damião Ximenes Lopes, o direito à integridade pessoal”;
(iv) “O Estado violou, em detrimento das senhoras Albertina Viana Lopes e Irene Ximenes Lopes Miranda, familiares do senhor Damião Ximenes Lopes, os direitos às garantias judiciais e à proteção judicial”;
(v) a própria sentença constitui por si só uma forma de reparação;
(vi) “O Estado deve garantir, em um prazo razoável, que o processo interno destinado a investigar e sancionar os responsáveis pelos fatos deste caso surta seus devidos efeitos”;
(vii) O Estado deve publicar os fatos provados na sentença;
(viii) “O Estado deve continuar a desenvolver um programa de formação e capacitação para o pessoal médico, de psiquiatria e psicologia, de enfermagem e auxiliares de enfermagem e para todas as pessoas vinculadas ao atendimento de saúde mental, em especial sobre os princípios que devem reger o trato das pessoas portadoras de deficiência mental”;
(ix) O dever do Estado deve pagar indenização em dinheiro para as senhoras Albertina Viana Lopes e Irene Ximenes Lopes Miranda, por danos materiais; e
(x) O Estado deve pagar em dinheiro para as senhoras Albertina Viana Lopes e Irene Ximenes Lopes Miranda e para os senhores Francisco Leopoldino Lopes e Cosme Ximenes Lopes indenização por dano imaterial.
Por conseguinte, quanto ao processo de supervisão de cumprimento de sentença, têm-se os seguintes aspectos:
(i) Quanto à investigação do caso6: houve condenação de 6 (seis) pessoas pela prática de maus tratos e pela morte de Damião, porém o Tribunal de Justiça do Estado do Ceará reviu a sentença de primeira instância e declarou a extinção da punibilidade pela prescrição dos crimes;
(ii) Quanto à reparação civil dos danos7: embora tenha havido condenação ao pagamento de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais) à Sra. Albertina, esse valor ainda não foi integralmente pago; e
(iii) Quanto à capacitação em direitos humanos dos profissionais de saúde mental: as medidas ainda não foram implementadas.
3. CONCLUSÃO
Diante de todo o exposto, percebe-se que, mesmo após mais de 16 (dezesseis) anos da publicação da sentença proferida pela Corte IDH, os direitos das pessoas com deficiência continuam sendo reiteradamente violados pelo Estado brasileiro.
Assim, fica o seguinte questionamento: o que deverá ser feito para dar visibilidade a essas pessoas e para dar efetividade aos seus direitos?
1 LOPES, Albertina Viana. Caso Damião: 1º condenação do Brasil na OEA completa 10 anos. Valdir Almeida. G1 CEARÁ. 30 de agosto de 2016.
2 Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Relatório nº 38/02, de 09 de outubro de 2002.
3 Corte IDH. Caso Ximenes Lopes versus Brasil. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 4 de julho de 2006.
4 LEGALE, Siddharta. Caso Ximenes Lopes vs. Brasil (2006): o assassinato de um deficiente e o modelo hospitalocêntrico. Disponível em: < https://nidh.com.br/damiao/#_ftnref7>. Acesso em 18 de agosto de 2022.
5 Corte IDH. Caso Ximenes Lopes versus Brasil. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 4 de julho de 2006.
6 Processo penal n. 0012736-95.2000.8.06.0167.
7 Ação de indenização n. 0014219-63.2000.8.06.0167.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Relatório nº 38/02, de 09 de outubro de 2002. Disponível em: <https://www.cidh.oas.org/annualrep/2002port/brasil12237.htm>. Acesso em 02 setembro 2022.
Corte IDH. Caso Ximenes Lopes versus Brasil. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 4 de julho de 2006. Disponível em: <https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_149_por.pdf>. Acesso em 08 de julho de 2022.
Corte IDH. Casos em etapa de Supervisão de Cumprimento de Sentença. Disponível em: <https://www.corteidh.or.cr/ver_ficha_tecnica.cfm?nId_Ficha=319&lang=es>. Acesso em 03 de agosto de 2022.
LEGALE, Siddharta. Caso Ximenes Lopes vs. Brasil (2006): o assassinato de um deficiente e o modelo hospitalocêntrico. Disponível em: <https://nidh.com.br/damiao/#_ftnref7>. Acesso em 18 de agosto de 2022.
LOPES, Albertina Viana. Caso Damião: 1º condenação do Brasil na OEA completa 10 anos. Valdir Almeida. G1 CEARÁ. 30 de agosto de 2016.
PIOVESAN, Flávia; SOARES, Inês Virgínia Prado Soares (org.). Impacto das Decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos na Jurisprudência do STF. Salvador, 2016, P.488.
Réu Brasil. Disponível em: < https://reubrasil.jor.br/caso-damiao-ximenes-lopes/>. Acesso em 29 de julho de 2022.
Pós-graduada em Direito Tributário (Universidade Anhanguera).
E-mail: vanessagomeslopes@gmail.com