ASSISTÊNCIA DE ENFERMAGEM DOMICILIAR A CRIANÇA COM TRANSTORNO ESPECTRO AUTISTA (TEA): RELATO DE EXPERIÊNCIA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7063335


Autores:
Aline Martins de Araujo1
https://orcid.org/0000-0002-8960-5078
Marcos Manoel Honorato2
https://orcid.org/0000-0002-9700-9938


RESUMO

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é definido por déficits persistentes na comunicação e interação social nas mais variadas circunstâncias e por padrões restritos e repetitivos de comportamentos, interesses ou atividades. A complexidade do problema exige apoio multiprofissional. Objetivo: Relatar a experiência vivida como enfermeira no atendimento domiciliar de uma criança de sete anos diagnosticada com Transtorno do Espectro autista (TEA), no município de Santarém, Pará. Metodologia: estudo qualitativo, descritivo do tipo relato de experiência produzido a partir de vivências enquanto profissional de enfermagem durante atendimento domiciliar de uma criança com autismo severo. Resultados: Esta experiência possibilitou conhecer as nuances na assistência à criança diagnosticada com autismo, um assunto de crescente importância na mídia, mas que ainda gera dúvidas quanto à abordagem multiprofissional ideal. Conclusão: O profissional de enfermagem pode contribuir para a detecção precoce e diagnóstico do Transtorno do Espectro Autismo, além da realização do planejamento da assistência individualizada voltado para o contexto familiar.

Palavras-chave: Autismo. Assistência de enfermagem. Atendimento Domiciliar.

ABSTRACT

Autism Spectrum Disorder (ASD) is defined by persistent deficits in communication and social interaction in the most varied circumstances and by restricted and repetitive patterns of behavior, interest or activities. The complexity of the problem requires multidisciplinary support. Objective: To report the experience as a nurse in the home care of a seven-year-old child diagnosed with Autistic Spectrum Disorder (ASD), in the city of Santarém, Pará. Methodology: qualitative, descriptive study of the experience report type produced from experiences as a nursing professional during home care of a child with severe autism. Results: This experience made it possible to know the nuances as a nurse in the care of children diagnosed with autism, a subject of increasing importance in the media, but still raises doubts about the ideal multidisciplinary care. Conclusion: the nursing professional contributes to early detection for the diagnosis of Autism Spectrum Disorder, in addition to carrying out individualized care planning focused on the family context.

Keywords: Autism. Nursing assistance. Home Care.

1. INTRODUÇÃO

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) define-se por déficits persistentes na comunicação e interação social nas mais variadas circunstâncias e por padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades (ANDRADE et al., 2016).

No Brasil, profissionais de saúde, educação, pais e familiares exercem um papel extremamente importante relacionado às conquistas e alcance dos direitos fundamentais da pessoa com TEA por meio de uma política especifica (BRASIL, 2012).

O Transtorno de Espectro Autista passou a ser integrado definitivamente na pauta das políticas públicas no país com a sanção da Lei nº 12.762/2012, instituindo a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. A lei, também conhecida como Lei Berenice Piana prevê, entre outras coisas, o incentivo à formação e à capacitação de profissionais especializados no atendimento à pessoa com transtorno do espectro autista, bem como a pais e responsáveis e o estímulo à pesquisa científica, com prioridade para estudos epidemiológicos tendentes a dimensionar a magnitude e as características do problema relativo ao transtorno do espectro autista no país (BRASIL, 2012).

O enfermeiro provavelmente tem contato frequente com crianças autistas antes do diagnostico em seu ambiente de trabalho no programa de Crescimento e Desenvolvimento (CD), e talvez não consiga dar o diagnostico por não ter uma formação adequada.

A assistência de enfermagem aos pacientes com Transtorno Espectro Autista, no domicilio é repleta de desafios pela ausência de capacitação dos profissionais em realizar esse serviço e pela escassez de publicações a esse respeito.

Este trabalho teve como pergunta-problema: Qual o papel do enfermeiro na assistência domiciliar à criança diagnosticada com Transtorno do Espectro Autista?

Assim, esta pesquisa justifica-se, pela necessidade de enfatizar a importância do enfermeiro e sua contribuição juntamente com a equipe multiprofissional em diversas áreas no desenvolvimento de crianças autistas, estabelecendo rotinas e desempenhando estratégias conforme as necessidades de cada criança.

A relação entre o enfermeiro e o paciente autista é muito importante, uma vez que em alguns casos haverá a dificuldade de expressão oral do paciente, cabendo ao enfermeiro o olhar cuidadoso, a escuta e prestação de assistência diferenciada (SENA et al., 2015 apud ANJOS et al., 2019).

A pesquisa teve como objetivo principal relatar a experiência vivida como enfermeira no atendimento domiciliar de uma criança de sete anos diagnosticada com Transtorno do Espectro autista (TEA), no município de Santarém, Pará. E, como específicos, descrever de forma ampliada a interação entre o Enfermeiro e a família no contexto do tratamento da criança diagnosticada com TEA; discutir como reagem os familiares frente as demandas no convívio de crianças com TEA; destacar ações que podem ser desenvolvidas pelo profissional de Enfermagem no acompanhamento e reabilitação de pacientes com TEA.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 Aspectos da Criança Autista

Crianças diagnosticadas com Transtorno do Espectro Autista possuem diferentes graus de acometimento, que são definidos como leve, moderado e severo. Dessa forma, nesses diferentes níveis ocorrem a correlação com as dificuldades interação e comunicação social. A identificação precoce é de grande relevância e pode contribuir para minimizar o agravamento e possibilita a promoção da independência de atividades da vida diária, de adaptação ao transtorno e de melhor qualidade de vida (NASCIMENTO et al.,2018).

O Autismo é classificado no grupo de Transtornos do Espectro Autista (TEA). Com base no DSM 5, sabe-se que o diagnóstico é clínico, feito a partir da observação da criança, relato dos cuidadores e aplicação de instrumentos específicos. A causa do autismo ainda é desconhecida, considerando-se o envolvimento de predisposição genética, idade avançada dos pais, baixo peso ao nascer e exposição fetal ao ácido valpróico como fatores de risco (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014).

Portanto, as causas não estão claramente identificadas, porém sabe-se que o autismo é mais comum em crianças do sexo masculino, independente da etnia, origem geográfica ou situação socioeconômica. As estimativas mundiais revelam que 1 a cada 88 nascidos vivos apresenta o TEA (OPAS, 2017).

2.2 Papel da enfermagem no cuidado domiciliar à criança autista

A assistência domiciliar à saúde, também compreendida como cuidado domiciliar, é operacionalizada por meio de categorias distintas, dentre as quais estão: a atenção, o atendimento, a internação e a visita domiciliares (LACERDA et al., 2007).

A assistência de enfermagem à criança possui suas especificidades uma vez que o profissional de enfermagem necessita estabelecer uma parceria com os pais, para que juntos possam realizar o cuidado adequado (OLIVEIRA et al., 2017).

A atuação dos enfermeiros no cuidado à criança autista e sua família é essencial, uma vez que possuem um papel fundamental, na socialização, na aceitação, orientação e apoio à família (CAVALCANTE; ALVES; ALMEIDA, 2016).

O enfermeiro deve ser inserido como mediador na relação do autista e sua família, a fim de amenizar o sofrimento do paciente, oferecer apoio e orientação necessária para a família da criança autista (CARNIEL et al., 2010).

O estudo de Hofzmann et al. (2019) destaca que a figura materna reconhece no filho autista a dificuldade em relacionar-se, inflexibilidade ao barulho, falta de vínculo e dificuldades de comunicação. Tal situação faz com que a família tenha que se adaptar às exigências que a perturbação do transtorno do espectro autista traz, exigindo atenção permanente dos cuidadores, culminando no afastamento do convívio social.

No que se refere à equipe de Enfermagem no atendimento à criança com TEA, observa-se que as discussões acerca do autismo vêm crescendo de maneira significativa e, por isso, tanto os profissionais da enfermagem quanto os especialistas estão se familiarizando às nomenclaturas e/ou definições, permitindo assim uma assistência melhor (OLIVEIRA, 2019).

3. METODOLOGIA

3.1 Tipo de estudo

Realizou-se um estudo qualitativo, descritivo, do tipo relato de experiência produzido a partir de vivências enquanto profissional de enfermagem durante atendimento domiciliar a uma criança com autismo severo.

De acordo com Daltro et al. (2019) o relato de experiência é um instrumento da pesquisa descritiva que expressa uma reflexão sobre uma determinada ação ou um conjunto de ações existentes que abordam diversos contextos de opções teóricas e metodológicas.

3.2 Local e universo da pesquisa

O estudo refere-se a eventos e vivências ocorridos e observados pela pesquisadora durante a assistência prestada a uma criança com autismo severo em seu domicilio no ano de 2019 na cidade de Santarém-Pará.

3.3 Instrumentos e fontes da pesquisa

Os aspectos da experiência foram relatados a partir de um instrumento de observação: arquivos escritos e acumulados na experiência, durante a idas ao terapeuta ocupacional, psicólogo, fonoaudiólogo, neurologista e no domicilio da criança.

3.4 Aspectos Éticos

Foram obedecidos os quatro princípios básicos da bioética conforme a resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, que norteia as pesquisas em seres humanos.

Diferentemente de um estudo de caso, não houve novo contato com a criança nem com familiares. Seus prontuários médicos não foram examinados, e a criança não teve sua identidade revelada em nenhum momento. Sendo assim, não foi necessária submissão ao Conselho de Ética em Pesquisa da universidade.

Foi mantida a autenticidade dos dados, conceitos e definições dos autores pesquisados, bem como as devidas citações e referências seguindo a norma estabelecida pela ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas).

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

4.1 Descrição da experiência

A assistência de enfermagem, prestada a uma criança do sexo masculino, diagnosticada com autismo infantil desde os cinco anos de idade, e que se encontra sob tratamento para distúrbio neuropsiquiátrico caracterizado por atraso no desenvolvimento psicomotor, hiperatividade e déficit de atenção. Teve início em 2019, através de uma conversa com a sua genitora, que tinha dificuldade em encontrar profissionais que o acompanhasse em algumas atividades e idas as consultas com psicólogos, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo e neurologista.

Sua genitora informou antecedentes de pós maturidade e icterícia neonatal. Ao observar a descrição do laudo médico constatou-se que o exame classifica a criança com desempenho inferior (severo profundo), caracterizando atraso acentuado no desenvolvimento psicomotor, sua idade mental foi classificada como de dois anos a idade de desempenho, sendo que a criança tinha 7 (sete) anos.

A pesquisadora teve a oportunidade de observar e vivenciar a realidade da família nos cuidados da criança, uma rotina bem difícil, mesmo fazendo uso de medicamentos de uso continuo tais como: risperidona e erva de São João (fitoterápico), utilizados para melhorar atenção e hiperatividade.

Em alguns momentos, a genitora da criança suspendia a medicação por conta própria por achar que a criança não estava apresentando o comportamento adequado e atribuía a eficácia do medicamento, pois a criança fazia uso continuo aproximadamente três anos.

Figueiredo (2015) cita em seu estudo que não existe tratamento medicamentoso para o TEA. Os fármacos receitados para pessoas autistas geralmente são para tratar as comorbidades pertinentes desse transtorno como insônia, ansiedade, impulsividade, distúrbios alimentares e hiperatividade. O tratamento é terapêutico, de forma individualizada, concentrado nas principais dificuldade do transtorno, buscando o melhor desenvolvimento social desse paciente. O autismo é uma condição difícil e complexa de desenvolver intervenção, sendo necessárias abordagens multidisciplinares realizadas visando a criança e a família, já que o diagnóstico de uma criança autista desencadeia mudanças na vida familiar. Conforme destaca Zanatta et al., (2014) o tratamento do autismo exige suporte multidisciplinar e multiprofissional, para que os melhores resultados possam ser alcançados. Na psicofarmacoterapia, as ações concentram-se na redução dos sintomas-alvo representados por agressividade, agitação e irritabilidade e podem tornar-se uma barreira para programas de estimulação educacional.

É fundamental que na atuação do enfermeiro ocorra conversa com o paciente. No caso paciente autista, este diálogo é dificultado pela sua incapacidade no contato social, achando-se necessária a presença dos pais na ajuda do cuidado apresentado nas organizações de saúde. Diante disso, o enfermeiro, ao lado de outros profissionais de saúde, necessita atuar como mediador na relação com a criança autista e sua família, minimizando o sofrimento do paciente e apresentando orientações e base para os familiares. No caso em questão a criança não falava frases e conseguia expressar o que queria apontando para os objetos, levando até o local onde estava o que queria, por exemplo: quando desejava assistir televisão levava até a sala e apontava para o televisor, ou se queria beber água puxava até a geladeira. A forma de comunicação que os adultos utilizavam era através das figuras, uso de objetos e tentando formar frases curtas para que a criança entendesse, por exemplo “escovar dentes”, apontando, mostrando e mudando o olhar para algo que a criança desejava. Dessa forma, o papel do enfermeiro não se restringe a executar técnicas e procedimentos, ele deve desenvolver a habilidade de comunicação que satisfaça a necessidade do paciente, pois esta é uma ferramenta que garante a qualidade do processo de cuidar. É também seu papel, orientar à família sobre a melhor forma de se comunicar com a criança no ambiente domiciliar, para estimulá-la a interagir com aqueles que com ela convivem. O desenvolvimento da capacidade comunicativa é capaz de mudar os hábitos da criança, integrá-la à sociedade e, com isso, melhorar sua qualidade de vida, permitindo que ela leve uma vida bem próxima ao normal (CAMPOS et al., 2010).

A autonomia dessa criança e sua capacidade para auto cuidar-se pode ser mais comprometida quando seus pais, por falta de conhecimento e compreensão, não a estimulam precocemente, tendem a infantilizá-la, desconhecem suas potencialidades e há super proteção. A criança em análise era dependente para atividades de vida diária, precisava de vigilância constante, pois não apresentava boa coordenação motora fina, não segurava a escova de dente, tinha que ter ajuda, não segurava o lápis, não se alimentava sozinho, fazia bastante sujeira, e colocava grande quantidade de alimento na boca, querendo comer tudo muito rápido.

4.2 A criança

O paciente era um menino de 7 anos, com pais não consanguíneos, o 3º de uma prole de 4 irmãos, nascido após gestação normal. Sua genitora relatava que a gestação foi bem tranquila, a criança não mexia muito, teve anemia no período gestacional. Em relação ao parto, a mãe aguardava o parto normal, não teve orientação quanto ao tempo de espera, e aos riscos. Depois de longa demora em trabalho de parto, não teve dilatação. Após o exame de ultrassom, foi observada diminuição do líquido amniótico e indicou-se cesárea. A criança nasceu com peso normal, sem hipóxia, Apgar: 8/9, com 52 cm e 39 semanas, e após o nascimento apresentou icterícia neonatal e precisou ficar 24 horas em fototerapia. Sua mãe refere que a criança realizou o teste do pezinho e foi detectado que o mesmo possui um traço falciforme.

Sobre o Desenvolvimento Neuropsicomotor (DNPM) relatou-se: controle cervical – 2 meses, rolar – 4 meses, sentar – 5/6 meses, arrastar – 7 meses, engatinhar – 9 meses, ficar de pé – 11 meses, andou de forma independente com 1 ano e 2 semanas. Surgiram as primeiras palavras após 1 ano: mamãe, papai.

Nesse período os pais residiam em outro município, e sua genitora fazia estágio supervisionado, e em suas visitas observou as características de algumas crianças, e comparou com as que seu filho apresentava. Aos 2 anos foi percebido pela mãe que tinha atraso de desenvolvimento da fala e comportamentos atípicos: hiperatividade, dificuldade na interação com outras pessoas, pouco contato visual, pobreza na exploração dos brinquedos, não demonstrando interesse pelos objetos e nem interesse por outras crianças, além de presença de comportamentos estereotipados e de um repertório restrito de interesses e atividades.

4.3 O diagnóstico

Observou-se que o diagnóstico foi tardio, devido provavelmente à demora da genitora em procurar os profissionais para tirar dúvidas de como proceder, e isso pode ter interferido nas intervenções terapêuticas e no prognóstico. A mãe recebeu orientações de uma psicóloga, e a partir daí iniciou as buscas por conhecimento e avaliações por profissionais que ajudassem a potencializar o desenvolvimento da criança aumentando as alternativas terapêuticas.

É importante mencionar que o diagnóstico de TEA, é complexo, existem diversas dificuldades para que ele seja feito de maneira precoce e precisa, uma vez que nesse transtorno do neurodesenvolvimento, são observados um conjunto de sinais e sintomas com diferentes quadros clínicos (SENA et al., 2015).

O diagnóstico de TEA é apenas clínico, ainda não há exames laboratoriais ou de imagem que possam detectar seu aparecimento. A falta de conhecimento sobre o TEA por parte dos profissionais de enfermagem pode trazer prejuízos ao desenvolvimento e ao tratamento da criança (SOUSA et al., 2017).

O diagnóstico do autismo, mesmo quando é uma suspeita, é permeado por um conjunto de sensações e sentimentos diversos, a exemplo de inquietações, culpa, frustração, medo. Com isso, o profissional enfermeiro deve ter conhecimento sobre como irá dizer para os pais sobre a suspeita do autismo na primeira infância (PINTO et al., 2016 apud SANTOS-FILHO et al., 2020).

Logo, quanto mais cedo for o diagnóstico do transtorno do espectro autista, melhor será o prognóstico. Por conseguinte, o planejamento do tratamento deve ser organizado de acordo as etapas de vida de cada paciente. Ou seja, a criança precisará, possivelmente, de uma terapia voltada para a fala, interação social, terapia ocupacional e outros (MELO et al., 2016).

4.4 O impacto do diagnóstico na família

No início os familiares observavam que a criança apresentava dificuldade para dormir, e era bastante agitado, porém depois de muitas insistências, a mãe procurou ajuda profissional. Então, com o passar do tempo a família manifestou várias reações diante dos acontecimentos, como preocupação, sofrimento, aceitação e a sua genitora apresentava negação, geralmente dizia que o filho dela não tinha nada, não queria procurar ajuda. Somente após aceitação, passou a buscar a melhor assistência para a criança.

A rotina familiar sofreu profundas mudanças devido ao cuidado e atenção dispensados à criança. Ainda assim, a mãe tinha a necessidade de estudar e ser aprovada em um concurso público, o que garantiria benéficos como passar em um concurso público, como trabalhar jornada integral de seis horas, o plano de saúde para criança e etc.

A mãe trabalha em uma instituição pública e precisa arranjar alguém para cuidar da criança, que não pode ficar sozinha, precisa ser vigiada o tempo todo, o que torna difícil encontrar um cuidador. Sua genitora, lida diariamente com a criança, e muitas vezes é difícil controlar suas crises. Às vezes ele não quer ir à escola, não quer sair de casa, não quer receber a psicóloga. Toda essa rotina é bem cansativa.

Em alguns casos, a criança demonstra agressividade com a mãe quando é contrariado. Os irmãos só têm contato com a mãe e a criança período das férias escolares, pois residem em outra cidade. A chegada da irmã trouxe mais relação afetiva, pois a criança demonstra carinho e atenção, a criança interage com a irmã, demostra desejo de protegê-la, gosta de ficar perto enquanto ela fica sem chorar, mas fica agitado quando a vê chorando.

O pai mora com a família, e em algumas situações age de forma inadequada, reagindo mal à desobediência e à hiperatividade apresentadas pela criança. Foi observado que a criança precisava de limites e regras e os pais pareciam ter dificuldade quanto a isso.

4.5 Interação entre enfermeiro e a família no tratamento da criança

De acordo com Cavalcante e Lisboa (2021, p. 478) ao estabelecer um contato cotidiano com o paciente, o acompanhante terapêutico poderá obter uma informação fidedigna sobre o comportamento do mesmo na rua, dos vínculos que mantém com os membros da família, do tipo de pessoas com que prefere se relacionar, das emoções que o dominam. Registrará também condutas em relação à alimentação, ao sono, à higiene pessoal.

O papel do enfermeiro como profissional no tratamento de crianças autistas é estar atento aos sinais e sintomas apresentados pela criança com suspeita desse transtorno do neurodesenvolvimento, prestando assistência de enfermagem o mais precoce possível, apoiando a família, transmitindo segurança e tranquilidade, garantindo o bem estar da criança, esclarecendo dúvidas e incentivando o tratamento e acompanhamento do autista (NITKIN et al., 2015).

4.6 Reação dos familiares frente às demandas no convívio de crianças com TEA

Foi observado que o diagnóstico de autismo naquela família causou impacto e dificuldade de aceitação a princípio. No início, a mãe expressou preocupação e resistência, embora compreendia que precisava buscar assistência adequada para a criança, percebendo que depois do diagnostico o tratamento é muito importante. As rotinas de todos foram afetadas porque foi necessário abrir mão de algumas atividades rentáveis para se adequar a nova rotina. O custo emocional e financeiro foi afetado, gerando desgaste psicoemocional, alterando todo ambiente familiar.

Dúvidas surgem quanto aos procedimentos a serem tomados. Normalmente, é um choque para qualquer mãe, e haverá perguntas e a fase temporária de negação, após procurar ajuda profissional, ocorre aceitação é possível adequar da melhor maneira o tratamento (NOGUEIRA; RIOS, 2011).

Nesse contexto, a família desempenha papel importante como parte ativa em todas as terapias empregadas na criança autista, pois cada avanço alcançado reflete significativamente na harmonia e na qualidade de vida de toda a família (ROTTA et al., 2006). Naquela família em análise percebeu-se que a reação foi adequada, apesar das dificuldades, prejuízos e alterações que comprometem o ambiente familiar, tanto em rotina quanto em questões emocionais.

4.7 Ações que podem ser desenvolvidas pelo profissional de Enfermagem no acompanhamento e reabilitação de pacientes com TEA

Araujo et al. (2019) destaca que o papel do enfermeiro na assistência da criança com TEA contribui para o diagnóstico e possibilita a busca de outros profissionais para auxiliar no tratamento. Dentre os profissionais envolvidos na assistência de saúde à criança autista, o enfermeiro é o primeiro e quem tem maior contato com esse paciente.

Na consulta de enfermagem do Programa de Crescimento e desenvolvimento, o profissional tem a possibilidade de detectar algumas alterações do desenvolvimento da criança a partir da aplicação de alguns testes e, portanto, percebe-se que o enfermeiro pode ser um importante elo para o diagnóstico precoce, colaborando para melhor desenvolvimento da criança.

Partindo desse pressuposto, para auxiliar os profissionais da área da saúde na investigação de risco para TEA, existem alguns instrumentos de rastreamento e triagem de indicadores para o Transtorno do Espectro Autista, onde os mais comuns são o IRDI (Indicadores Clínicos de Risco para o Desenvolvimento) e o M-CHAT (Modified Checklist for Autismo in Toddlers), sendo que dos 23 itens compostos no M- CHAT seis são específicos para risco de TEA, sendo os demais também relacionados ao transtorno (ARAUJO et al., 2019). Nas atividades cotidianas o enfermeiro não realiza esses testes, porém deveria fazê-lo. Infelizmente, na graduação não ocorre esse treinamento, nos estágios supervisionados em Unidades Básicas de Saúde não são repassadas informações sobre a importância de aplicar esses testes de rastreio para auxiliar no diagnóstico de TEA. Dessa maneira é notória a falta de profissionais treinados e capacitados para reconhecer os sinais precoces do TEA, o que se agrava diante da escassez de serviços especializados. Dessa maneira, esses fatores influenciam na demora do diagnóstico, consequentemente atrasam o início do tratamento e a evolução da criança (MANSUR et al., 2017).

Existem inúmeras modalidades terapêuticas que possibilita buscar estímulos e adequar atividades que possam inserir as crianças ao grupo social integrando a sua prática, jogos, cantigas de roda, e brincadeiras. Utilizando fantoches e narração de histórias. Alguns estudos demonstraram que a prática de Enfermagem com crianças autistas tem sido desenvolvida cada vez mais por meio de estratégias que possibilitam a inserção de experiências lúdicas como forma de promover o cuidado (RODRIGUES et al., 2017).

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Acreditamos que é necessária a formação adequada da equipe multiprofissional, pois o diagnóstico precoce interfere diretamente no tratamento da criança e nos cuidados assistenciais. Em síntese a busca por capacitação dos profissionais de enfermagem é essencial, para oferecer um cuidado que contribua com qualidade de vida das crianças. Pela emergente necessidade social e importância epidemiológica, o currículo na graduação de Enfermagem precisa contemplar essa temática.

Relatos de experiência como esse são importantes porque podem contribuir para que o profissional de enfermagem fique mais atento e seja mais efetivo em contribuir para detecção e diagnóstico do Transtorno do Espectro Autismo, além da realização do planejamento da assistência individualizada voltado para o contexto familiar.

Há evidências para intervenções no tratamento do paciente autista, porém pouco se discute a realização dessas intervenções pelos enfermeiros. Existe uma carência na implementação de ações direcionadas à educação continuada, uma vez que os profissionais de saúde necessitam ampliar o olhar para todas as condições e barreiras que permeiam a vida dos pacientes, seja elas pessoais, mentais e emocionais, proporcionando um maior contato com o paciente e sua família.

Espera-se com este relato contribuir de maneira assertiva para o diagnóstico e acompanhamento da criança com TEA, através das observações dos comportamentos, mediante a consultas de acompanhamento com equipe multiprofissional para verificar e analisar o desenvolvimento como também, auxiliar os pais e responsáveis dando suporte e informando quanto aos desafios e procedimentos auxiliares que os mesmos utilizarão no processo de cuidar da criança com autismo. Sendo assim a ligação entre o enfermeiro e a criança autista e seus familiares torna- se um elo fundamental para o desenvolvimento do seu trabalho na assistência domiciliar.

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1Enfermeira, especialista em Saúde pública, Discente do Curso de pós-graduação Transtorno do Espectro Autista: intervenções multidisciplinares em contextos intersetoriais.
2Orientador(a) Médico, neurologista, doutor em Ciências, professor da Universidade do Estado do Pará.