TRÁFICO HUMANO: SUA EXPANSÃO NO SÉCULO XXI E SUA OCORRÊNCIA NO ESTADO DO MARANHÃO

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7055923


Autora:
Rani Gomes Gedeon


RESUMO

O presente trabalho aborda o tema Tráfico de Pessoas, tratando de sua conceituação, tipificação e caracterização. Para tanto, utilizou-se de pesquisa bibliográfica na legislação brasileira atual e seus tratados internacionais, em especial o Protocolo de Palermo. Tal tema apresenta diversas discussões e problemáticas, englobando desde a questão das vítimas aos agentes causadores. Trataremos de forma específica do tráfico de pessoas para fins sexual, exploração do trabalho e remoção e venda ilegal de órgãos, fazendo uma análise relacionada aos aspectos desse crime no Maranhão. Por ser uma violação aos direitos humanos e um problema relacionado à globalização e à desigualdade social, um estudo acerca da dignidade da pessoa humana se faz relevante.

Palavras-chave: Tráfico de pessoas. Legislação brasileira. Protocolo de Palermo. Dignidade humana.

ABSTRACT

The present work addresses the Human Trafficking theme, treating about your conceptualization, typing and characterization. For that, was used bibliographic research on actual Brazilian legislation and yours international treaties, in especial Palermo Protocol. This theme features several discussions and problems, encompassing the issue of victims since the causative agents. We treat specifically of human trafficking for sexual purposes, labor exploration and illegal removal and sale of organs, making an analysis related to aspects of this crime in Maranhão. As a violation of human rights and a problem related to globalization and social inequality, a study about the human dignity of the human person is made relevant.

Keywords: Human trafficking, Brazilian legislation, Palermo Protocol, human dignity.

INTRODUÇÃO

O tema acerca do tráfico humano ganhou grande notoriedade no século vigente, principalmente com o advento da globalização que integrou todo o globo em uma ampla rede de informações. Trata-se de um tema de grande relevância por ser um produto de como nossa sociedade se estrutura, tendo em vista que é principalmente a busca por melhores condições de vida que levam pessoas a serem enganadas e submetidas ao trabalho escravo, à exploração sexual e à participação do comércio ilegal de órgãos.

Diante deste contexto, o problema latente a respeito deste assunto são as lacunas existentes na legislação brasileira com dificuldades na identificação do crime e na punição dos criminosos, além do precário atendimento às vítimas. Objetivou-se, portanto, uma análise do tráfico humano no cenário atual do século XXI e sua realidade no Maranhão, especificamente. Para tanto, foi necessário verificar os atuais tratados internacionais assinados pelo Brasil acerca do problema, como o Protocolo de Palermo, além da análise minuciosa do Código Penal brasileiro e da Constituição de 1988.

Uma prática tão prejudicial às suas vítimas capaz de afetar um de seus direitos fundamentais e um dos princípios substanciais de nossa constituição, como o da dignidade da pessoa humana, merece atenção. A partir deste estudo, foi possível esclarecer confusões em torno da conceituação do tema que não se faz claro no imaginário social nem em nossa constituição, em função da existência de suas várias vertentes e sua difícil identificação por parte das vítimas; situação que prejudica o reconhecimento do crime por parte tanto da população como da própria jurisdição brasileira.

O resultado deste trabalho trouxe a confirmação das hipóteses elaboradas durante seu desenvolvimento, como a não eficácia da legislação brasileira que encontra problemas de conceituação e nos caráteres punitivos, além do descaso estadual em relação à problemática, uma vez que não garante atenção satisfatória às vítimas do tráfico nem aos criminosos que muitas vezes terminam ilesos do crime ou tem punições brandas para seu delito, que fere a dignidade e liberdade da vítima.

Para o alcance de todas as respostas, foi feita uma pesquisa com abordagem qualitativa do tipo descritiva, sendo caracterizada por pesquisas bibliográficas, documentais e de campo. Para a coleta de dados, uma entrevista semi-estruturada foi realizada com a funcionária do Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas no Estado do Maranhão e o superintendente do Direitos Humanos por possuírem acesso direto a informações acerca da problemática em questão. Objetivou-se com a pesquisa de campo traçar as principais características das ocorrências de tráfico de pessoas no Maranhão e com a pesquisa em geral, objetivou-se analisar a legislação atual sobre esta problemática e sua eficácia, além do atendimento dado às vítimas e as políticas públicas empreendidas para prevenir o crime.

PROTOCOLO DE PALERMO

O enfrentamento ao tráfico de pessoas é hoje uma questão que ocupa um lugar de relevância nos debates políticos nacionais e internacionais. Dentre tantos problemas que circundam o tema, sua conceituação está no centro deles por ser um obstáculo marcante na identificação, repressão e punição desse ilícito.

Em 2004, o Brasil ratificou o Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças, mais conhecido como Protocolo de Palermo. Até então, o conceito de tráfico de pessoas estava reduzido ao Artigo 231 do Código Penal que caracterizava-o apenas como tráfico internacional de pessoas para fim de exploração sexual. Porém, sabe-se que o tráfico da pessoa humana é algo bem mais complexo que isso, fazendo-se necessário, portanto, uma caracterização e tipificação mais abrangente do tema, sendo essa uma das principais preocupações durante a elaboração do Protocolo que resultou na alínea “a” do Artigo 3º do mesmo:

A expressão “tráfico de pessoas” significa o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração. A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos. (BRASIL, 2004)

Desse conceito é possível extrair as principais fases do tráfico de pessoas: o recrutamento, o transporte e a exploração. No que se diz respeito ao recrutamento, existe uma polêmica no sentido de que os aliciadores contam com o consentimento das vítimas para as seguintes fases. Há uma “colaboração” por parte dos aliciados que são convencidos ou obrigados a se submeterem às situações impostas pelos criminosos. Contudo, a alínea “b” do Artigo 3° do Protocolo trata de esclarecer essa situação, desconsiderando o consentimento da vítima em função das formas de coação utilizadas pelos criminosos:

O consentimento dado pela vítima de tráfico de pessoas tendo em vista qualquer tipo de exploração descrito na alínea “a” do presente Artigo será considerado irrelevante se tiver sido utilizado qualquer um dos meios referidos na alínea “a”. (BRASIL, 2004)

A fase do transporte é fundamental para a configuração do crime como tráfico, podendo ser interno, dentro do próprio país, entre municípios ou estados; ou externo, entre países distintos. Especialmente em função dessa dimensão global tomada por esse crime que o Protocolo de Palermo se preocupou em pôr em pauta questões de cooperações entre os Estados e de maior fiscalização em áreas de fronteira como expõe seu Artigo 10º:

1. As autoridades competentes para a aplicação da lei, os serviços de imigração ou outros serviços competentes dos Estados Partes, cooperarão entre si, na medida do possível, mediante troca de informações em conformidade com o respectivo direito interno, com vistas a determinar:
a) Se as pessoas que atravessam ou tentam atravessar uma fronteira internacional com documentos de viagem pertencentes a terceiros ou sem documentos de viagem são autores ou vítimas de tráfico de pessoas;
b) Os tipos de documentos de viagem que as pessoas têm utilizado ou tentado utilizar para atravessar uma fronteira internacional com o objetivo de tráfico de pessoas; e
2. Os Estados Partes assegurarão ou reforçarão a formação dos agentes dos serviços competentes para a aplicação da lei, dos serviços de imigração ou de outros serviços competentes na prevenção do tráfico de pessoas. A formação deve incidir sobre os métodos utilizados na prevenção do referido tráfico, na ação penal contra os traficantes e na proteção das vítimas, inclusive protegendo-as dos traficantes. A formação deverá também ter em conta a necessidade de considerar os direitos humanos e os problemas específicos das mulheres e das crianças bem como encorajar a cooperação com organizações não-governamentais, outras organizações relevantes e outros elementos da sociedade civil. (BRASIL, 2004)

Essa questão do transporte é de extrema importância para o Brasil que, em função de sua extensão territorial, exige controles fronteiriços, interno e externo, necessários para detectar e prevenir o tráfico de pessoas.

Outras práticas, como o Contrabando de Imigrantes, não devem ser confundidas com o tráfico de pessoas. Uma vez que o Contrabando configura facilitação, por terceiros, de travessia ilegal de fronteiras, mas não tem, necessariamente, correlação com a exploração do imigrante.

A última fase do tráfico de pessoas é a exploração. É a principal fase de desrespeito ao direito da dignidade da pessoa humana. Seja para exploração sexual, do trabalho ou para a remoção e venda ilegal de órgãos, o crime encontra suporte nos aspectos socioeconômicos de cada região. A falta de informação e a busca por melhores condições de vida ainda são os principais motivos que levam as vítimas desse ilícito a serem facilmente ludibriadas pelos criminosos. Sobre esses aspectos, o Protocolo de Palermo aborda medidas preventivas em seu Artigo 9º:

2. Os Estados Partes envidarão esforços para tomarem medidas tais como pesquisas, campanhas de informação e de difusão através dos órgãos de comunicação, bem como iniciativas sociais e econômicas de forma a prevenir e combater o tráfico de pessoas.
4. Os Estados Partes tomarão ou reforçarão as medidas, inclusive mediante a cooperação bilateral ou multilateral, para reduzir os fatores como a pobreza, o subdesenvolvimento e a desigualdade de oportunidades que tornam as pessoas, especialmente as mulheres e as crianças, vulneráveis ao tráfico (BRASIL, 2004).

Além disso, o protocolo traz questões relacionadas ao atendimento especializado às vítimas em seu Artigo 6°:

3. Cada Estado Parte terá em consideração a aplicação de medidas que permitam a recuperação física, psicológica e social das vítimas de tráfico de pessoas, incluindo, se for caso disso, em cooperação com organizações não-governamentais, outras organizações competentes e outros elementos de sociedade civil e, em especial, o fornecimento de:
a) Alojamento adequado;
b) Aconselhamento e informação, especialmente quanto aos direitos que a lei lhes reconhece, numa língua que compreendam;
c) Assistência médica, psicológica e material; e
d) Oportunidades de emprego, educação e formação. (BRASIL, 2004)

Dessa forma fica claro que o tráfico de pessoas é um crime que ainda se encontra distante de uma erradicação completa, mas ao ser colocado no centro de discursões políticas já configura que pelo menos a dimensão de que se trata de um crime extremamente danoso à sociedade está consolidada. Portanto, o Protocolo de Palermo deve ser visto como um passo inicial em busca da prevenção, repressão e punição desse crime.

TRÁFICO DE PESSOAS PARA FINS DE EXPLORAÇÃO SEXUAL

O tráfico de pessoas para fins de exploração o sexual é uma realidade no Brasil e um fenômeno em expansão que atinge frontalmente a dignidade da pessoa humana; é um meio pelo qual os criminosos obtêm lucro financeiro por conta da exploração sexual de outra pessoa, o que acaba sendo uma atividade de baixos riscos e altos lucros. Esse tipo de tráfico está presente em vários países, sejam esses países receptores de pessoas ou exportadores delas, onde as vítimas são escravizadas, coagidas a se prostituírem, marginalizadas e sofrem abusos desumanos.

Para ampliar o conceito de tráfico, faz-se necessário conceituar a exploração sexual comercial como:

[…] uma violência sexual que se realiza nas relações de produção e mercado (consumo, oferta e excedente) através da venda dos serviços sexuais de crianças e adolescentes pelas redes de comercialização do sexo, pelos pais ou similares, ou pela via de trabalho autônomo. Essa prática é determinada não apenas pela violência estrutural (plano de fundo) como pela violência social e interpessoal. É resultado, também, das transformações ocorridas nos sistemas de valores arbitrados nas relações sociais, especialmente o patriarcalismo, o racismo, e a apartação social, antítese da ideia de emancipação das liberdades econômicas/culturais e das sexualidades humanas. (LEAL, 2001, p.4)

As principais vítimas da exploração sexual são as mulheres e adolescentes, com faixa etária entre 15 e 25 anos, as quais são enganadas pelos criminosos que lhes prometem empregos de garçonete, balconista, dançarina, entre outras propostas mascaradas, com salário bem remunerado e uma vida digna; os aliciadores chegam a pagar as despesas iniciais do deslocamento e podem arcar até com outros gastos, como presentes ou cestas básicas com a finalidade de obterem a confiança da vítima e de sua família. Todavia, algumas moças partem para o exterior sabendo que vão se prostituir, têm consciência de que foram incumbidas para a indústria do sexo. Estas vão descobrir, ao chegar, que as condições de trabalho, o pagamento e o grau de liberdade pessoal não são os mesmos que haviam combinado, passam a viver em condições fatídicas.

As principais causas desse tipo de tráfico são: a ausência de oportunidades de trabalho, assim como a pobreza e a falta de meios de garantir a subsistência; a discriminação de gênero que é a visão da mulher como objeto sexual; a violência doméstica que gera um ambiente difícil de conviver e incita a pessoa a deixar sua moradia; a facilidade, rapidez dos meios de transporte e falta de policiamento nas fronteiras, entre outros fatores que acabam propiciando a prática desse crime.

Deve-se salientar que existe uma forma de prostituição diferenciada que é o turismo sexual, definido, de acordo com a Organização Mundial do Turismo (OMT), como “viagens organizadas dentro do seio do sector turístico ou fora dele, utilizando, no entanto, as suas estruturas redes, com a intenção primária de estabelecer contatos sexuais com os residentes do destino”.  Os visitantes, em geral, procedentes de países desenvolvidos, ou até mesmo do próprio país, interessam-se por mulheres ou adolescentes do local com os quais mantêm relações sexuais.

Quanto aos criminosos, de acordo com os dados da mídia, a maioria são homens que representam cerca de 59% dos traficantes responsáveis pelo transporte de mulheres, crianças e adolescentes para o mercado do sexo. O que impressiona é o número de mulheres (41%) participantes desse crime, as quais são responsáveis, principalmente, pelo aliciamento e recrutamento das vítimas.  Os acusados, na maioria das vezes, são donos de bares, casas de show, agências de turismo e salões de jogos, e possuem participação com o tráfico de armas, de drogas e com a lavagem de dinheiro.

O Brasil possui um índice muito elevado de pessoas exportadas para outros países para se prostituírem, as vítimas são de vários estados, principalmente, da região norte e nordeste, onde é mais ostensiva a quantidade de mulheres das classes populares, desprovida de uma boa educação e que vivem em municípios de baixo desenvolvimento socioeconômico. Percebe-se, então, que há extremas desigualdades regionais no Brasil, e as vítimas são levadas das regiões menos desenvolvidas para as mais desenvolvidas, assim como dos países periféricos para os centrais.  Os países que mais recebem as brasileiras para a indústria do sexo são a Espanha, Holanda, Portugal, Itália, Estados Unidos e Alemanha.

No estado do Maranhão, a maior incidência de vítimas do tráfico humano para fins de exploração sexual é de mulheres, seguida por crianças e adolescentes; as rotas do tráfico nessa região são, em grande parte, internas (interestadual e intermunicipal). Têm-se a cidade de São Luís como a principal receptora de pessoas vindas do interior do estado para servirem à indústria do sexo, pois a cidade serve como ponto intermediário das rotas nacionais e internacionais, devido aos locais de escoamento que possui, os aeroportos e as hidrovias.

Em São Luís, o Porto do Itaqui é um dos pontos onde ocorre grande fluxo de saída de mulheres e adolescentes para se prostituírem em países como a Holanda e Guiana Francesa. Pode-se encontrar várias adolescentes maranhenses, vindas do interior para a capital, nos prostíbulos, casas de show e esquinas da capital. Estas vêm com o intuito de uma vida melhor, longe de toda a miséria do interior do estado.

TRÁFICO HUMANO PARA FINS DE EXPLORAÇÃO DO TRABALHO HUMANO

É válido destacar a importância do trabalho, tanto como elemento formador do ser humano, de sua cultura, de seus valores, quanto como elemento fundamental para a produção da nossa existência, ou seja, é o trabalho que nos forma como humanos e produz as condições necessárias a nossa vida. Entretanto, percebemos em nossa sociedade um processo de expropriação, de exploração, de uns sobre o trabalho dos outros, este processo impede que todos tenham as condições de viver dignamente e desenvolver sua humanidade em plenitude.

Tráfico humano e trabalho escravo são atividades que têm, na miséria e na desigualdade social, espaço fértil para a ação de traficantes e exploradores, movidos pela ganância e pela certeza da impunidade. Implicam grave desrespeito aos direitos da pessoa humana, à sua dignidade, e, no caso do trabalho escravo, negam o direito de livre exercício da atividade laboral.

O tráfico e a exploração do trabalho humano são duas dimensões interligadas de um mesmo problema, presentes em nossas vidas mais do que possamos perceber e se manifestam em nosso cotidiano em quase todas as relações sociais que estabelecemos. Este problema está relacionado à estrutura da sociedade em que vivemos, que se nutre da desigualdade, onde uns tem a posse dos recursos pra produzir a vida e se utiliza dessa posse para explorar o trabalho daqueles que não a tem. É essa estrutura social que vai criando em nossa sociedade uma cultura de exploração.

ORIGEM E PÚBLICO ALVO

 O tráfico de seres humanos, com o intuito de trabalho braçal, tem suas origens com o transporte transatlântico de pessoas para a escravidão. O Brasil foi o último país do mundo ocidental a abolir a escravidão e o penúltimo a abolir o tráfico transatlântico. Milhares de homens e mulheres foram trazidos para o país como mercadoria, e até hoje essa experiência está inscrita em todos os aspectos das relações sociais.

Para a socióloga Lúcia Xavier, ativa militante nos direitos humanos envolvendo as questões relativas à de raça e etnia, a escravidão e consequentemente o tráfico estava baseado na noção de humanidade dos africanos — que teoricamente não a tinham — e, ao mesmo tempo, na construção de relações de hierarquização e subordinação de grupos considerados inferiores, primitivos, bárbaros, não civilizados, incapazes de produção intelectual e cultural. É por isso que grande parte da população afrodescendente compõe camadas mais pobres da população, com subempregos, morando em condições precárias e sendo mais vulneráveis ao tráfico de pessoas. A Pestraf (Pesquisa Nacional sobre o Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes) mostra que o perfil das jovens traficadas em nosso país é predominantemente de afrodescendentes, apresentando baixa escolaridade, habitando espaços urbanos periféricos, e que a faixa etária de maior incidência é de 15 a 25 anos. Essas mulheres adolescentes inserem-se em atividades laborais relativas ao ramo de prestação de serviços domésticos (arrumadeira, doméstica, zeladora, cozinheira) e ao comércio (auxiliar de serviços gerais, garçonete, balconista, atendente, vendedora etc.), em funções desprestigiadas e subalternas. O alvo principal realmente são os jovens também pela necessidade de produção material da vida aliada ao desejo de independência, o que faz com que estes estejam mais suscetíveis a situações de trabalho degradantes.

CAUSAS E DISPARIDADES REGIONAIS

Em pleno século XXI, há mais pessoas em situação de escravidão em nosso planeta do que já foi registrado na história da humanidade. O tráfico de pessoas tem uma de suas causas no modelo de globalização instituído mundialmente, que se revela extremamente concentrador de riquezas em algumas regiões do planeta e em algumas classes sociais. O outro lado de tal realidade é a miséria de camadas da população mundial cada vez mais excluídas de qualquer processo de desenvolvimento.

Essa diferenciação entre as diversas regiões do globo faz com que contingentes cada vez maiores de pessoas saiam de suas terras em busca de melhores condições de vida em outras regiões, num crescente fluxo migratório.

O Brasil ocupa uma posição extremamente interessante dentro do contexto mundial desse crime. Nós somos considerados os maiores “exportadores”, nas Américas, de mulheres, adolescentes e meninas para a indústria do sexo nos países desenvolvidos. Por outro lado, nós também “consumimos” escravos.

É o que ocorre, por exemplo, com meninas moradoras do interior dos estados do nordeste brasileiro, cuja família destas atende às solicitações de uma “madame” da capital, prometendo trabalho e estudo, e permite que a criança a acompanhe. Para seus pais, as promessas da senhora se concretizariam no futuro que eles não podem dar a sua filha. O que não sabem é da grande probabilidade de a menina ter uma jornada de mais de dez horas por dia, sem qualquer possibilidade de estudo, pois o trabalho doméstico infantil ocupa o primeiro lugar no ranking da exploração do trabalho escravo de crianças no Brasil.

O Maranhão é um dos principais estados de origem dos trabalhadores resgatados em todo o país em trabalho escravo. As histórias se repetem. São a falta de oportunidade no povoado e a vontade de melhorar de vida que levam os trabalhadores a ir para estados como São Paulo, Pará, Mato Grosso e Goiás. Grande parte trabalhou e trabalha no corte da cana. Na zona rural de Vargem Grande, as principais fontes de renda são a roça e o babaçu. Com o dinheiro que se ganha, não é possível comprar mais do que o necessário para viver e sustentar a família. Na cidade, também não há muita oferta de emprego, o município tem um dos 300 piores índices de Desenvolvimento Humano e a renda por pessoa é R$ 165,37 por mês.

Do outro lado do país, no Sudeste, exploram a mão de obra de lugares mais pobres, como exposto anteriormente, os nordestinos, e também os imigrantes latino-americanos da Bolívia, Peru, Haiti, Paraguai ou até mesmo a Coréia, nas indústrias de confecção na capital paulista, como, por exemplo, nas numerosas oficinas de costura do Brás ou Bom Retiro, lugar onde há o trabalho em condições análogas à escravidão. É a própria Polícia Federal que denuncia o trabalho escravo com uma jornada de 16 a 18 horas por dia em algumas confecções da região.

A psicóloga Anália Ribeiro, antiga presidente do Comitê Paulista de Enfrentamento ao Tráfico de Seres Humanos, sediado na Secretaria de Justiça e Cidadania do Estado de São Paulo, relata ter sido detectado trabalho escravo em oficinas de costura, envolvendo imigrantes bolivianos não documentados, na cidade de Americana, no interior paulista. Por outro lado, a enorme extensão da fronteira terrestre de nosso país, que faz divisa com a maioria dos outros países latino-americanos, facilita tanto a “importação” quanto a “exportação” de pessoas para o tráfico. É o que admitem as ONGs e autoridades policiais que trabalham nas regiões fronteiriças com a Bolívia, Paraguai, Uruguai, Peru ou Argentina. Em algumas dessas fronteiras, o que nos separa de outro país é uma rua por onde a pessoa traficada é facilmente transportada.

A capital brasileira também é um grande alvo dos traficantes, a Polícia Federal encontrou 22 pessoas, vindas de Bangladesh em uma cidade satélite do Distrito Federal, vivendo em condição considerada degradante.

A pesquisa feita pelo Ministério Público registrou queixas de pessoas trazidas do exterior e de brasileiros levados para outros países, mas é cada vez mais comum o tráfico dentro do território brasileiro, principalmente envolvendo crianças e jovens. Desde o ano 2000, o Ministério Público registrou em todo o Brasil 1.758 casos envolvendo a entrega de filho menor para adoção ilegal, o uso de pessoas submetidas ao trabalho escravo e à exploração sexual, entre outros crimes catalogados na pesquisa como tráfico de seres humanos.

A OIT afirma que 43% das vítimas são usadas na exploração sexual comercial e 32% na exploração econômica. As demais — 25% dessas pessoas — são traficadas para uma combinação dessas duas formas de escravidão ou por razões indefinidas. Para a OSCE – Organização para Segurança e Cooperação na Europa, 2,6 milhões de pessoas são traficadas anualmente no mundo, sendo que 800 mil delas para mão de obra em trabalhos forçados. Já a Secretaria Federal de Polícia da Suíça afirma que nesse país há entre 1.500 a três mil mulheres em situação de escravidão e muitas delas são brasileiras. Conforme essa Secretaria, cada mulher chega a dar um lucro de 120 mil euros anuais para seu explorador.

O Tráfico de pessoas gera um lucro de proporções fantásticas. É ainda a ONU que afirma ser esse crime a terceira fonte ilegal de lucro no mundo, perdendo para o tráfico de armamentos e o de drogas. O tráfico de pessoas renderia 12 bilhões de dólares ao ano.

Porém, o relatório da OIT já mencionado anteriormente afirma que a atividade de venda de pessoa dá um lucro anual de cerca de 31,6 bilhões de dólares. Tal cifra, com certeza, faz com a o TP seja mais rendoso que o tráfico de drogas. O documento da OIT declara que os países industrializados respondem pela metade dessa soma (15,5 bilhões de dólares); a Ásia por 9,7 bilhões de dólares; o Leste Europeu por 3,4 bilhões de dólares; o Oriente Médio por 1,5 bilhões de dólares; a América Latina por 1,3 bilhões de dólares e a África Subsaariana por 159 milhões de dólares.

LEGISLAÇÃO E A IMPUNIDADE BRASILEIRA

O tráfico humano para fins de exploração do trabalho está incluso na Legislação Brasileira graças ao Protocolo de Palermo, como já detalhado, e também é abrangido pelas leis de exploração do trabalho humano, de acordo com o artigo 149 do Código de Processo Penal:

Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: (Redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)
Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência. (Redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem: (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)
I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)
II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho. (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)
§ 2º A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido: (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)
I – contra criança ou adolescente; (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)
II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem. (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

Como visto, no Brasil, o problema não é a falta de leis para punir a prática de trabalho escravo, visto que a Constituição Federal e a legislação ordinária já preveem a repressão aos infratores. O Código Penal estabelece, inclusive, penas que podem chegar a oito anos de reclusão, e até maiores, dependendo do agravante. No entanto, há poucas decisões definitivas na esfera criminal, e ninguém preso. “Só se conhece uma condenação criminal que tivesse envolvido uma sentença de prisão”, diz o relatório global da OIT de 2009: em maio de 2008, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região sentenciou Gilberto Andrade a 14 anos de prisão, 11 dos quais pelo crime de exploração de trabalho escravo no Maranhão.

Luiz Antonio Machado, do projeto de Combate ao Trabalho Escravo da OIT, concorda que ninguém está na cadeia exclusivamente por esse crime. Ele diz que nem sempre os inquéritos policiais são abertos e muitos empregadores não são denunciados à Justiça pelo Ministério Público Federal.

A OIT ouviu 121 trabalhadores rurais resgatados de situações análogas à escravidão, entre outubro de 2006 e julho de 2007. A amostra não permite generalizações, mas indica algumas informações sobre a situação das vítimas. A maioria dos entrevistados (60%) já passou anteriormente por situações de trabalho escravo. No entanto, apenas 12,6% deles foram resgatados por equipes de fiscalização. Machado diz que o problema persiste e está mais perto do que imaginamos: Quando o trabalhador é resgatado, a situação de vulnerabilidade dele não acaba. Faltam ações e políticas públicas, como as de geração de renda, de escolarização, capacitação e inserção no mercado formal.

A escravidão no país começa, em alta proporção, pelo trabalho infantil: 92,6% dos entrevistados iniciaram a vida profissional antes dos 16 anos (a idade média é de 11,4 anos). Quase 40% deles disseram que a melhor forma de combater o crime é melhorar a fiscalização. Eles também sugeriram o cumprimento de leis, melhoria das condições de trabalho e o fim do trabalho do “gato” (homem que alicia os peões).

TRÁFICO DE ÓRGÃOS: UM MERCADO NEGRO EM EXPANSÃO

É de conhecimento da grande maioria das pessoas que o ser humano é capaz de viver normalmente sem alguns órgãos ou parte deles. Assim, como nem todos os órgãos são indispensáveis, alguns podem ser doados. A doação de órgãos consiste na remoção dos órgãos de uma pessoa que recentemente morreu (doador cadáver), desde que haja seu consentimento em vida, ou de seus familiares após a morte. Ou ainda de um doador voluntário (doador vivo) com o propósito de transplantá-lo em outras pessoas vivas. Tal prática é um gesto voluntário de solidariedade pela qual se manifesta a vontade de doar uma ou mais partes do corpo para ajudar no tratamento de outras pessoas. No entanto, algo que tem se tornado muito comum, é a comercialização de órgãos mediante a criação de um mercado negro específico para essa conduta ilícita, compondo o crime que conhecemos por tráfico de órgãos humanos.

Conhecido como o crime do século XXI, o tráfico de órgãos envolve a colheita e a venda de órgãos de doadores involuntários ou que vendem seus órgãos em circunstâncias eticamente questionáveis. Essa prática criminosa, que assusta pelo seu crescimento exponencial nos últimos anos, ocorre geralmente mediante coação – por parte dos traficantes –  das vítimas, que quase sempre se encontram em uma situação de vulnerabilidade, seja ela financeira, social ou psicológica.

Quando se fala em vulnerabilidade social, estamos nos referindo aos casos em que há refugiados. Ou seja, àqueles típicos do tráfico de pessoas – independente do fim (sexual, laboral, etc.) – em que as vítimas são forçadas a ficarem em dívida com os traficantes e então recebem “uma oferta oportuna” para “doar” um órgão e ficar livre da dívida. Já a vulnerabilidade financeira é a mais comum, e ocorre quando esses criminosos se aproveitam de pessoas desfavorecidas economicamente e as convencem a usar esse meio ilícito como válvula de escape da pobreza, ou como uma forma de pelo menos tentar melhorar a sua situação financeira. Porém, o que acontece de fato é que as vítimas desse tipo de crime acabam sendo enganadas, recebendo apenas uma pequena parte da quantia prometida, já que o maior montante acaba por ficar em posse desses meliantes. Em ambos os casos está presente a vulnerabilidade psicológica das vítimas, uma vez que as mesmas sempre se encontram em situações delicadas e, por isso, acabam aceitando tais propostas, acreditando que vendendo o seu órgão estarão amenizando o seu problema e ajudando outra pessoa que o está necessitando.

Para que esse crime se configure como tal deve haver, assim como em todos os tipos de tráficos de pessoas, três elementos básicos: ato, meio e finalidade. No caso específico do tráfico de órgãos, o ato consiste na coleta do órgão da vítima, seu transporte e transplante no corpo do destinatário. Já os meios podem ser diversos, sendo os mais comuns a coação, a chantagem e a força. Quanto à finalidade do tráfico de órgãos, não restam duvidas: a obtenção de elevados lucros. Sobre esse assunto, Vaseashta, em um painel realizado em Nova York em 14 de fevereiro de 2013, intitulado “Crimes do século 21: tráfico de órgãos, Saúde Global e Segurança”, destaca que cerca de 50 bilhões de dólares são arrecadados anualmente por traficantes de órgãos em todo o mundo. Desta forma, esse tipo de crime se torna muito atraente para os traficantes, pois, além de ser altamente lucrativo, possui uma demanda elevadíssima.

Não se pode falar sobre tráfico de órgãos humanos e deixar de dar destaque para dois países: China e Irã. A China ganhou destaque no cenário internacional no que diz respeito ao tráfico de órgãos especialmente depois dos anos 2000. Quando um fato curioso começou a chamar atenção: os órgãos transplantados eram obtidos a partir de seu vasto sistema de prisões e campos de trabalhos forçados. Embora o governo se defendesse alegando que os órgãos eram apenas daqueles prisioneiros executados, os números de transplantes era muito superior ao registro das mortes dos mesmos por execução. Em 2006 foi feito um relatório intitulado “colheita sangrenta” que evidenciava a presença dessa prática ilícita acobertada pelo governo chinês. Apesar de o comércio de órgãos ser proibido por todas as legislações do mundo (inclusive na China, oficialmente), existe uma exceção: o Irã, onde, a cada ano, segundo as estatísticas, 1.400 pessoas oferecem legalmente no mercado um dos seus rins por quantias que giram ao redor de 10 mil dólares. No Brasil, é grande a dificuldade para lidar com esse problema visto por muitos ainda como “lenda urbana”. No entanto é crescente a conscientização e a preocupação a respeito desse crime, uma vez que o mesmo é considerado uma violação aos direitos humanos fundamentais. A lei 9.434/97 de 04 de fevereiro de 1997, dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento e dá outras providências, entre elas destaca -se para o nosso fim de estudo o artigo 14, que sanciona com Pena de reclusão de dois a seis anos, e multa, de 100 a 360 dias-multa àqueles que removerem tecidos, órgãos ou partes do corpo de pessoa ou cadáver, em desacordo com as disposições desta Lei. E vai mais além:

§ 1.º Se o crime é cometido mediante paga ou promessa de recompensa ou por outro motivo torpe.
Pena – reclusão, de três a oito anos, e multa, de 100 a 150 dias-multa.
§ 2.º Se o crime é praticado em pessoa viva, e resulta para o ofendido:
I – incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias;
II – perigo de vida;
III – debilidade permanente de membro, sentido ou função;
IV – aceleração de parto
Pena – reclusão, de três a dez anos, e multa, de 100 a 200 dias-multa.
§ 3.º Se o crime é praticado em pessoa viva e resulta para o ofendido:
I – Incapacidade para o trabalho;
II – Enfermidade incurável ;
III – perda ou inutilização de membro, sentido ou função;
IV – deformidade permanente;
V – aborto
Pena – reclusão, de quatro a doze anos, e multa, de 150 a 300 dias-multa.

§ 4.º Se o crime é praticado em pessoa viva e resulta morte:Pena – reclusão, de oito a vinte anos, e multa de 200 a 360 dias-multa. (BRASIL, 1997)

Aprovada em 16/01/97 pelo Congresso Nacional, sancionada pelo Presidente da República em 04/02/97 e regulamentada pelo decreto nº. 2.268/97 de 30 de junho de 1997, essa lei apresenta controvérsias quanto a sua aplicabilidade e eficácia. Por se tratar de um crime de difícil fiscalização e por vezes mediante o consentimento da própria vítima, essa prática ilícita e imoral vai persistindo em nosso meio sem que as autoridades consigam efetivar uma fiscalização, de fato, eficiente. Devido a isso, o fator chave no intuito de minimizar esse problema, ao menos a curto prazo, parece ser a conscientização por meio de palestras e campanhas ao principal público alvo, as classes menos favorecidas sócio- economicamente.

TRÁFICO DE PESSOAS E A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

A Constituição Brasileira de 1988 já em seu artigo 1º destaca entre os cinco fundamentos do Estado Democrático Brasileiro a dignidade da pessoa humana, direito norteador das Constituições modernas do pós-guerra. O tráfico humano é um crime que afronta diretamente tal fundamento constitucional à medida que cerceia a liberdade e a dignidade da vítima traficada, coisificando o ser humano e tratando-o similar a uma moeda de troca.

As vítimas desse tipo de crime são facilmente enganadas devido ao contexto social em que vivem como afirma Andrea Siqueira em seu artigo:

A desigualdade e a pobreza abrem caminho para a busca de melhores condições de vida em outras nações. Nesse contexto, aliado às facilidades advindas da globalização, se aproveitam os aliciadores do crime organizado, ludibriando pessoas para posteriormente submetê-las às mais degradantes e desumanas situações. (SIQUEIRA, 2012, p. 2)

Diante de dificuldades econômicas e sem perspectiva de vida, as pessoas saem de sua cidade natal em busca de um futuro e uma expectativa em locais desconhecidos, sustentando-se nos respaldos dos aliciadores que são bastante criativos e tem uma enorme capacidade de argumentação para com as vítimas, que geralmente não tem educação e conhecimento suficiente para perceber que estão diante deste tipo de crime.

Independente da finalidade do tráfico, as vítimas quando chegam ao local de destino, onde acontece a exploração, têm seus documentos tomados e são obrigadas a pagar por todas as suas despesas, inclusive as da viagem; tais dívidas são impossíveis de serem sanadas o que aprisiona a vítima àquela situação. Apesar de terem que pagar valores, muitas vezes exorbitantes, por sua estadia, comida, roupas, dentre outros, essas são oferecidas com péssima qualidade, submetendo à vítima a condições insalubres.

Essas características e também o desgaste psicológico que sofre a vítima quando se depara com tal situação são o que fazem o tráfico humano um crime que violenta de forma degradante a dignidade da pessoa humana e a liberdade, direitos inerentes ao ser humano, inalienáveis e indivisíveis. Por ferir direitos fundamentais e coisificar o ser humano, esse tipo de crime deveria ter penas mais severas e o texto legal que dispõe sobre ele ser melhor elaborado, com definições mais abrangentes que qualifiquem e enquadrem melhor os criminosos nesse tipo de delito.

Diante de tal contexto, é crucial o atendimento às vítimas de maneira prestativa, de modo que permita a recuperação psicológica, física e social, além da seguridade da vítima até que esta chegue ao seu ambiente familiar. Além disso é importantíssimo a realização de políticas públicas que visem à conscientização e informação da sociedade civil em geral, em especial as pessoas mais suscetíveis a serem vitimadas, para que possam conseguir identificar uma situação de tráfico humano, e saberem como agir e a quem recorrer diante de tal situação.

CONCLUSÃO

O tráfico humano, consoante demonstrado, ganhou grande notoriedade após o advento da globalização, sendo importante estudar sua amplitude no cenário atual do século XXI e sua realidade no Estado do Maranhão, à luz do Protocolo de Palerma, da Constituição Federal e do Código Penal.  

Nesse contexto, restou demonstrado as lacunas existentes na legislação brasileira, com dificuldades na identificação do crime e na punição dos criminosos, além do precário atendimento às vítimas, sendo necessário a adoção de medidas por todos os Poderes.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

SIQUEIRA, Andrea Cristina Matos. Dignidade humana e tráfico de pessoas. [S.l.: s.n.], 2012. Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/dignidade-humana-e-tr%C3%A1fico-de-pessoas>. Acesso em: 25 jun. 2014.

BRASIL. Decreto nº 5.017, de 12 de março de 2004. Promulga o Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 15 mar. 2004. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5017.htm>. Acesso em: 26 jun. 2014.


Graduada na Universidade Federal do Maranhão. Pós Graduada em Direitos Humanos pela Faculdade de Ciências e Tecnologias de Campos Gerais – Facica. Analista Judiciária do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, domiciliada em São Luís/Ma
Email: ranigedeon@hotmail.com