UM DEBATE ACERCA DOS CUIDADOS PALIATIVOS E A CONSTITUIÇÃO DAS EQUIPES NO ATENDIMENTO A PACIENTES COM DOENÇAS CRÔNICAS E/OU INCURÁVEIS, SEUS FAMILIARES E EQUIPE MÉDICA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.6666142


Autores:
Antônio Franklin Pereira de Sousa
Francisco Nelson Lima Junior


RESUMO

Atualmente os cuidados paliativos compreendem um conjunto de ações voltadas para pacientes que sejam diagnosticados com uma doença crônica e/ou aqueles que enfrentam qualquer enfermidade sem possibilidade terapêutica de cura. Essas ações abrangem o paciente, seus familiares e a equipe médica, compondo o que denominamos de tríade dos cuidados paliativos. O presente artigo trata de um debate acerca dos cuidados paliativos e a constituição das equipes no atendimento a esta tríade. De antemão, podemos apontar que a constituição das equipes é fundamental. Análises teóricas definem que o melhor formato de equipes de cuidados paliativos possui um caráter multiprofissional e interdisciplinar. O percurso metodológico deste texto compreende uma revisão bibliográfica sobre a temática, composta de livros e artigos científicos localizados em revistas eletrônicas, na base de dados Scielo e no Manual de Cuidados Paliativos. O debate teórico realizado por meio das produções científicas aponta a importância de uma reflexão sobre a constituição das equipes de cuidados paliativos, e tem seus pressupostos ancorados na integralidade e integração dos cuidados, assim como na constituição de equipes multiprofissionais e interdisciplinares. Verificou-se, então, que a constituição de equipes de cuidados paliativos segue enfrentando inúmeros desafios. Além disso, a análise dos artigos apontou para uma carência de disciplinas que tratem da temática da morte nos currículos profissionais, em um contexto com poucos serviços de cuidados paliativos na sociedade brasileira e barreiras sobre esse novo olhar ao paciente terminal. Esta pesquisa visa ampliar a discussão dos cuidados paliativos na saúde pública, e fornecer subsídios a futuros estudos que tratem da temática.

Palavras-chave: Cuidados paliativos; Integração; Integralidade; Interprofissionalidade; Multiprofissionalidade.

1 INTRODUÇÃO

Os cuidados paliativos são voltados para pacientes que sofrem com doenças crônicas e/ou incuráveis, incluindo seus familiares e equipe multiprofissional. Tem como pressuposto ações preventivas que visam amenizar a dor e promover uma melhor qualidade de vida para o enfermo e seus parentes, com ações voltadas para questões físicas, psicossociais e espirituais (OMS, 2007, p. 3).

A história dos cuidados paliativos passou por várias reformulações ao longo do tempo, com indícios da filosofia paliativista na antiguidade, na idade média, e na prática de atenção à saúde, por meio do trabalho da médica Cicely Saunders, em 1960. Já na década seguinte essa perspectiva foi trazida para a América por Elisabeth Kübler-Ross, por meio da fundação de Hospices em Connecticut (EUA). Esse movimento teve rápida difusão pelo mundo, formando o que hoje denominamos de cuidados paliativos e são destinados para as pessoas que a ciência médica não vislumbra possibilidade de cura (GOMES e OTHERO, 2016).

Ainda sobre a história dos cuidados paliativos podemos apontar sua evolução conceitual e marco inicial no ano de 1990, com a definição trazida pela OMS (Organização Mundial da Saúde) e que foi traduzida para noventa nações em quinze idiomas. Nesse primeiro momento percebe-se que a definição de cuidados paliativos preconizava cuidados voltados para a área oncológica. Entretanto, em 2002, esse conceito foi reformulado, incluindo-se outras enfermidades como AIDS, doenças cardíacas e renais, doenças degenerativas e doenças neurológicas. Em outra reformulação realizada em 2004, pela OMS, amplia-se ainda mais o entendimento sobre cuidados paliativos, em que é compreendido o campo de atenção integral à saúde, incluindo políticas de atenção aos idosos (GOMES e OTHERO, 2016).

Por fim, segundo Gomes e Othero (2016), “o conceito atual da OMS amplia o horizonte de ação dos cuidados paliativos, podendo ser adaptado às realidades locais, aos recursos disponíveis e ao perfil epidemiológico dos grupos a serem atendidos”. Essa ampliação se traduz por meio da perspectiva de integralidade do cuidado na equipe de cuidados paliativos, que volta suas atenções para a tríade paciente, família e equipe de saúde (MELO et al., 2018).

Se estabelece assim um perfil integrativo de atendimento, onde é requerida a disposição de equipes multiprofissionais para o desempenho de todas as dimensões do paciente. O que nos leva a questionar: Como têm se constituído essas equipes de cuidados paliativos? Quais compreensões elas possuem acerca do tema? Quais os desafios elas têm encontrado em se consolidar enquanto equipes? Portanto, será discutida a integração, integralidade, a multiprofissionalização e a interprofissionalização das equipes de cuidados paliativos; devido ao entendimento de que se faz necessário definir a natureza do serviço cujas as diretrizes e definições são bem recentes no Brasil (HERMES e LAMARCA, 2013).

Com o intuito de responder as questões inerentes ao tema utilizou-se como percurso metodológico deste texto uma revisão bibliográfica de livros sobre as Ciências Sociais e Humanas, assim como artigos científicos localizados em revistas eletrônicas, na base de dados Scielo e no Manual de Cuidados Paliativos; direcionados as questões concernentes à problemática, como exemplo, cuidados paliativos, integração e integralidade dos cuidados, a interprofissionalidade e multiprofissionalidade.

O presente artigo é composto por uma introdução, seguida por um segundo tópico em que é tratada a seguinte questão: cuidados paliativos: para que e para quem? O terceiro tópico contém uma análise teórica a respeito das equipes de cuidados paliativos: uma interface dos cuidados em construção. Para as análises pertinentes esse tópico possui dois subtópicos intitulados: o debate multiprofissional/interprofissional e a integração em cuidados paliativos, e os desafios com relação à efetivação das equipes de cuidados paliativos. E por fim são apresentadas as considerações finais.

O objetivo primordial do texto em questão é realizar um debate sobre os cuidados paliativos e a constituição das equipes no atendimento a pacientes com doenças graves e/ou incuráveis, seus familiares e equipe médica. O debate em torno desses dois temas, cuidados paliativos e constituição das equipes de atendimento, é imperioso diante do cenário ainda em construção desses cuidados. Isto, principalmente, devido à necessidade de um fortalecimento na construção de equipes multiprofissionais e interdisciplinares, e de uma maior integração entre todos os níveis de atenção à saúde.

2 CUIDADOS PALIATIVOS: PARA QUE E PARA QUEM?

Na idade média, doentes, moribundos, pobres e leprosos eram acolhidos em uma espécie de hospedaria (hospices), onde além de abrigados, procuravam alívio para seus sofrimentos. Nessa mesma perspectiva, uma médica inglesa chamada Cicely Saunders criou, em 1960, o “St. Christopher´s Hospice, o primeiro serviço a oferecer cuidado integral ao paciente, desde o controle de sintomas, alívio da dor e do sofrimento psicológico” (ANCP, s.d.). O que distingue essas iniciativas de atenção à saúde das demais é a insistência em tratar do sofrimento do paciente, mesmo sem a expectativa de cura, na busca por lhes proporcionar alívio. O que futuramente compreenderíamos como cuidados paliativos.

O conceito de cuidados paliativos foi definido há pouco mais de três décadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS, 2007), e até os dias atuais seguimos consolidando e aprimorando nosso entendimento a respeito. A mais recente definição dada pela OMS referencia cuidado paliativo como:

uma abordagem para melhoria da qualidade de vida de pacientes e familiares que enfrentam uma doença ameaçadora da vida, através da prevenção e do alívio do sofrimento, através da identificação precoce e impecável avaliação e tratamento da dor e outros problemas, físicos, psicossociais e espirituais

(OMS, 2007, p. 3).

Como visto, a OMS engloba tais cuidados a uma atenção “com ações voltadas para questões física, psicossociais e espirituais” (OMS, 2007, p. 3). O que nos permite compreender que se trata de um campo amplo e complexo de sintomas e tratamentos, ou seja, uma ação cujo empenho se volta para todas as dimensões do paciente (MATSUMOTO, 2012, p. 28-29). Justificando assim a presença de quatro características com diferentes níveis de relevância e significados dentro dos cuidados paliativos: integração, integralidade, multiprofissionalidade e interdisciplinaridade.

Outro aspecto dos cuidados paliativos é a perspectiva humanizada do atendimento às pessoas com doenças crônicas e/ou incuráveis. Onde são questionados métodos que condicionam pacientes fora de possibilidade de cura a submissão de “tecnologias invasivas” e “assistências inadequadas”, prolongando o sofrimento. Como exemplo, o que referencia Gomes e Othero (2016, p. 156, apud BRASIL, 2008) quando citam que “profissionais da área da saúde, em especial a médica, têm ciência e consciência de que qualquer processo curativo aplicado a uma doença crônica em fase aguda tem resultado quase nulo”. Tornando existente a necessidade de uma “ética da atenção”, respeitando a opinião e a “soberania do paciente”, do contrário de medidas impositivas que ferem a dignidade humana (MATSUMOTO, 2012, p. 23-25).

Segundo registros da Organização Mundial da Saúde (OMS), dos 58 milhões de mortes por ano no mundo, 34 milhões são por doenças crônico-degenerativas incapacitantes e incuráveis. O Brasil assiste a um milhão de óbitos por ano, dos quais 650 mil deles por doenças crônicas. Cerca de 70% dessas mortes ocorrem em hospitais, grande maioria em unidades de terapia intensiva. Eis um quadro bem comum na fase de grande madureza da vida.

(GOMES e OTHERO, 2016, p. 156, apud PESSINI; BERTACHINI, 2006; ONU, 2012).

O cuidado paliativo é posto para uma maior “solidariedade entre o paciente e o profissional da saúde em atitude que resulta numa ‘compaixão afetiva’”. Ou seja, estamos falando de um método de atenção que, por mais que não resulte na cura, culmine em uma melhor qualidade de vida para pacientes e familiares, respeitando o direito de conhecimento de sua condição de saúde e decisão pelo seu tratamento. Logo, “os cuidados paliativos desenvolvem o cuidado ao paciente visando à qualidade de vida e à manutenção da dignidade humana no decorrer da doença, na terminalidade da vida, na morte e no período de luto” (MATSUMOTO, 2012, p. 25- 26).

É possível compreender onde age os cuidados paliativos (sofrimento físico, psíquico e espiritual). Porém, quem são os pacientes? Se quisermos compreender parte do público devemos olhar para o “progressivo envelhecimento populacional, associado a um predomínio de doenças crônico-degenerativas de evolução lenta, a um crescente e constante aumento de novos casos de câncer, a números também impressionantes de infecção pelo vírus HIV”, etc. (MATSUMOTO, 2012, p. 23). Deve-se ressaltar que estes cuidados são indicados para pessoas com doenças crônicas e/ou incuráveis — sem excluir seus familiares e equipe médica que de certo modo compartilham da aflição do familiar doente — cuja prevalência do sofrimento afeta a qualidade de vida e ameaça a vida das pessoas (MATSUMOTO, 2012).

Quando pensamos qual público deve ser atendido, em síntese, devemos ter em mente o que foi dito no parágrafo anterior. É mais que protocolar as doenças e seguir um roteiro predeterminado. Estamos nos referindo a olhares capacitados e sensíveis às dimensões do sofrimento provocado ao ser humano por doenças crônicas e/ou incuráveis. Ressaltando também o que diz Matsumoto: “pela primeira vez, uma abordagem inclui a espiritualidade dentre as dimensões do ser humano”, exigindo uma sensibilidade no olhar as questões do sofrimento que transcendem ao físico. E como diz a autora: “O cuidado paliativo não se baseia em protocolos, mas sim em princípios” (MATSUMOTO, 2012, p. 26).

3 EQUIPES DE CUIDADOS PALIATIVOS: UMA INTERFACE DOS CUIDADOS EM CONSTRUÇÃO

No capítulo anterior foi possível observar que os cuidados paliativos devem se direcionar para todas as dimensões do paciente (MATSUMOTO, 2012, p. 28-29). Por conseguinte, se caminha na construção de uma interface adequada para realizar um atendimento condizente com a necessidade apontada. A Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP) aponta em seu manual como deve se constituir a equipe de cuidados paliativos e o papel de cada profissional (CARVALHO e PARSONS, 2012). A resolução n° 41, de 31 de outubro de 2018 aponta os objetivos e princípios que devem nortear as equipes (BRASIL, 2018).

Segundo o manual de cuidados paliativos, organizado por Carvalho e Parsons (2012, p. 333-372), a equipe em cuidados paliativos é composta por médico, enfermeiro, psicólogo, assistente social, nutricionista, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional, assistente espiritual e dentista. Segundo os autores essa é a representação de uma “Equipe Multiprofissional” em cuidados paliativos.

Compreendendo que estamos diante de um assunto cujo debate perpassa pelo âmbito filosófico, social, psicológico, espiritual e político. E que as categorias profissionais citadas acima são compostas por seres humanos, bem como, norteadas por princípios, valores e éticas condizentes com a profissão. Como tem sido a constituição da equipe multiprofissional? Podemos dizer que há uma homogeneidade no modo de compreender a temática por parte destes profissionais? Hermes e Lamarca (2013), referenciando artigos produzidos por áreas como serviço social, psicologia, enfermagem e medicina, destacam que as disciplinas compreendem a temática a partir da OMS e reconhecem a importância da equipe multiprofissional. Na qual entendem a importância de se repensar a morte e problematizam a ausência de disciplinas que tratem da morte na academia, o que resulta num despreparo profissional para lidar com ela (HERMES e LAMARCA, 2013).

É possível dizer que ter diferentes profissionais com a mesma fonte de compreensão da disciplina é suficiente para abranger todas as dimensões que vimos sobre cuidados paliativos? Se agirem isoladamente, é lógico que não. Se ficarem confinados tão somente a ideia da construção de uma equipe multiprofissional com características multidisciplinares, correrão sérios riscos de cometerem equívocos. Afinal, segundo Alvarenga et al. (2013, p. 5945) ela retrata uma “justaposição de diversas disciplinas e cada profissional atuará de acordo com o seu saber especializado; o processo terapêutico é fragmentado”. O próprio manual de cuidados paliativos, mesmo separadamente reforçando os papéis de cada profissional, preconiza que os profissionais devem conhecer bem sua área de conhecimento, como também saber trabalhar em equipe e principalmente manter uma boa comunicação (CARVALHO e PARSONS, 2012).

Quando se trata de equipes de saúde, conceitos como interprofissional e interdisciplinar também fazem parte do debate. A resolução n° 41, de 31 de outubro de 2018 prevê “o trabalho em equipe multiprofissional e interdisciplinar para abordar as necessidades do paciente e de seus familiares”, como, “princípios norteadores para a organização dos cuidados paliativos”. Com esta resolução, os cuidados paliativos são vistos legalmente “à luz dos cuidados continuados integrados, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS)” e inserida na Rede de Atenção à Saúde (RAS) como um cuidado que passa a existir em todos os níveis de atenção à saúde (BRASIL, 2018). Nesse processo de constituição das equipes multiprofissionais, é preciso aprofundar um debate sobre processos integrativos e interprofissionais.

3.1 O debate multiprofissional e interprofissional e a integração em cuidados paliativos.

Para entender um pouco sobre a natureza desse serviço ao qual estamos discorrendo é preciso refletir sobre conceitos postos e fundamentais neste processo construtivo das equipes de cuidados paliativos. Ao refletir sobre o campo de atuação dos cuidados paliativos apontamos duas perspectivas de constituição dessas equipes que coexistem: são equipes de caráter multiprofissional e interprofissional. Posto que entendemos assim como Hermes e Lamarca (2013) que “o termo ‘cuidados paliativos’ é utilizado para designar a ação de uma equipe multiprofissional aos pacientes fora de possibilidades terapêuticas de cura”.

Nesse sentido, é preciso compreender a diferença entre equipes multidisciplinares e interdisciplinares. A primeira corresponde às equipes formadas por diversas especialidades que concorrem para um objetivo comum, mas que o nível de comunicação entre as especialidades não é profundo e/ou é quase inexistente. Ao contrário, as equipes de caráter interdisciplinar se caracterizam por uma maior comunicação entre profissionais das diversas especialidades em que “[…] horizontalizar a verticalização, para que a visão complexa seja também profunda, e verticalizar a horizontalização, para que a visão profunda seja também complexa” (DEMO, 1997, p. 88). Assim, Demo compreende a interdisciplinaridade “[…] como a arte do aprofundamento com sentido de abrangência, para dar conta, ao mesmo tempo, da particularidade e da complexidade do real” (DEMO, 1997, p. 88-89).

A integração dos conhecimentos nas equipes interdisciplinares é fundamental para a integração do cuidado, principalmente nos paliativos, que demandam ações integradas visando promover uma melhor qualidade de vida e amenizar a dor e o sofrimento aos enfermos e seus familiares, assim como a equipe médica:

A interdisciplinaridade é entendida como uma necessidade intrínseca para referenciar as práticas em saúde, por intermédio da integração de saberes, possibilitando a diversidade de olhares, o reconhecimento da complexidade dos fenômenos e o reforço da coerência na materialização da integralidade.

(PORTO, et al., 2012, p.232).

A natureza dos cuidados ofertados é determinante para a formação de qualquer equipe de saúde e isso não é diferente para os cuidados paliativos. Devido a condição peculiar, complexa, dinâmica e multidimensional da doença, os cuidados paliativos requerem a formação de equipes multidisciplinares formadas por amplo espectro profissional, como observado anteriormente. Visto que que “todos esses profissionais são importantes já que essa filosofia de cuidado objetiva eliminar ou reduzir os problemas associados à enfermidade, valorizando a multidimensionalidade do ser humano” (SILVA et al., 2013, p. 2602).

A partir das reflexões conceituais e teóricas sobre a composição das equipes de cuidados paliativos desenvolvida acima, entende-se que essas equipes devem ser compostas na perspectiva multiprofissional e interdisciplinar em virtude da natureza do cuidado pretendido. Isto, pois, oferta cuidados integrais aos enfermos, seus familiares e equipe médica e “nesse contexto, é imprescindível a interatividade entre todos os envolvidos (paciente, família e equipe multiprofissional), através da escuta ativa e de uma adequada comunicação” (SILVA et al., 2013, p. 2602).

O potencial de comunicação, envolvimento e interatividade entre os envolvidos (paciente, família e equipe multiprofissional) são fatores determinantes para a integralidade dos cuidados que, a partir de uma visão holística do enfermo, pretende ofertar cuidados nas dimensões médicas, psicológicas, sociais, e espirituais dentre outras que o paciente necessite (MARTINS e HORA, 2019). Com isso temos duas perspectivas confluentes: a integração e a integralidade dos cuidados nas configurações das equipes de cuidados paliativos. Entretanto, algumas ressalvas são pertinentes em relação aos cuidados integrados, como apontado por Dias e Santana (2009).

Os cuidados integrados não são um fim em si mesmo. Os objetivos são a eliminação das redundâncias, a promoção da continuidade e da personalização na prestação de cuidados e o aumento da autonomia dos utentes. Tal traduz-se numa melhoria da qualidade, em termos de acesso, eficácia, eficiência e satisfação do utilizador.

(DIAS E SANTANA, 2009, p.13)

Essa integração dos cuidados propõe-se como um desafio a ser construído, principalmente na constituição de equipes de cuidados paliativos, que pretende desempenhar essa abordagem ampliada do seu campo de atuação ao longo do tempo. Com isso, faz-se necessário pensar numa integração não somente ao nível de equipe por meio da interdisciplinaridade, mas também por meio da integração dos níveis de atenção à saúde: primário, secundário, terciário e quaternário. A integração é uma perspectiva já prevista entre os níveis de atenção à saúde se tornando um desafio a ser superado. Posto que, “(…) a falta de integração afeta fortemente a capacidade de coordenação dos cuidados pela atenção primária, especialmente em função da existência de barreiras que dificultam o percurso do usuário no interior do sistema” (VIEIRA e GAZZINELLI, 2017, p. 449).

Quando pensamos na construção de um sistema integrado em níveis de atenção à saúde estamos pensando na integralidade do cuidado e na importância que a comunicação entre os setores possui. Isto para todos os usuários, mas principalmente para aqueles que merecem cuidados especiais como previsto pela equidade, um dos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS). Pois “quando integrados, os sistemas de atenção à saúde garantem maior qualidade aos serviços prestados, mais satisfação e melhor qualidade de vida para usuários e familiares (…)” (VIEIRA e GAZZINELLI, 2017, p. 449).

Então, percebe-se que a integração é fator primordial nos cuidados paliativos não somente ao nível da tríade (paciente, familiares e equipe médica) mas também ao nível de atenção à saúde, visto que os pacientes devem ser incluídos nos cuidados paliativos desde a atenção primária com o diagnóstico de doenças crônicas, promovendo assim um cuidado longitudinal. Nesse sentido, entende-se a importância da integração nesse campo do desenvolvimento de ações que fortaleçam os níveis de comunicação intersetoriais com o objetivo de levar cuidados integrais aos usuários dos cuidados paliativos.

3.2 Os desafios com relação a efetivação das equipes de cuidados paliativos.

Embora tenha início no Brasil na década de 1980, os cuidados paliativos apenas obtiveram um crescimento significativo a partir dos anos 2000 (BRASIL, 2018). Desta forma, não podemos confirmar que hoje somos plenamente beneficiados dessa prática. Como relatado, é recente a resolução que insere os cuidados paliativos no âmbito do SUS e na RAS, e segundo a ANCP ainda nos falta a “implantação de modelos padronizados de atendimento que garantam a eficácia e a qualidade” (ANCP, s.d.).

Portanto, é de suma importância que paralelamente a efetivação de regulamentos, leis e políticas públicas voltadas para tal atendimento, fomente-se a formação dos profissionais que compõem a equipe multiprofissional. Alguns trabalhos apontam que ainda prossegue fragilizada a inserção de assuntos relacionados a cuidados paliativos nas instituições de ensino que formam os profissionais previstos a atuarem nessa área (HERMES & LAMARCA, 2013). Um salto importante é saber que hoje está prevista como objetivos na organização dos cuidados paliativos “fomentar a instituição de disciplinas e conteúdos programáticos de cuidados paliativos no ensino e especialização dos profissionais de saúde”, bem como, “ofertar educação permanente em cuidados paliativos para os trabalhadores da saúde no SUS” (BRASIL, 2018).

Além de outros aspectos importantes, a relevância da formação continuada dos profissionais está no enfrentamento das divergências com relação ao pensar sobre a morte e o trabalho focado no tecnicismo, configurações presentes nas equipes multiprofissionais de cuidados paliativos na atualidade (PINTO et al., 2020). Os estudos de Oliveira e Silva (2010) denotam que ainda existe uma certa fragilidade nas equipes em atribuir o princípio da autonomia aos pacientes quanto a fundamentação de suas decisões. Certas confusões são consequências da atual condição de inserção dos profissionais nas equipes, sem um preparo adequado e contínuo.

No trabalho de Cardoso et al. (2013) a habilidade de comunicar, é citada como ferramenta imprescindível ao trabalho multiprofissional, quando adequadamente realizada é capaz de transpor as dificuldades e entraves no cuidado aos pacientes sem possibilidades de cura. A necessidade de uma adequada qualificação profissional e a inclusão dentro dos hospitais, de espaços de discussão e reuniões da equipe de saúde sobre a temática, foi citada como opção para identificar possíveis empasses e dilemas éticos ao se lidar com o processo de morte

(PINTO et al., 2020, p. 247-248, apud CARDOSO et al, 2013; SIBERMANN et al. 2013)

A importância de políticas de promoção dos cuidados paliativos também segue como desafio que reverbera no trabalho das equipes multiprofissionais. Está prevista na resolução n° 41, de 31 de outubro de 2018 “promover a disseminação de informações sobre cuidados paliativos na sociedade” (BRASIL, 2018). Já temos o conhecimento da relevância dos processos integrativos que envolvem as demais políticas públicas, pontos de atenção à saúde, família e sociedade, impossibilitando, portanto, ser um processo limitado, mas sim expansivo, interativo e participativo dos demais setores da sociedade.

Além de preparar os recursos humanos, também se faz necessário um preparo dos recursos materiais e das condições estruturais para a execução do trabalho. Segundo aponta os estudos de Pinto et al. (2020 apud, BRAGA e QUEIROZ, 2013) alguns desafios são presentes nos hospitais, como exemplo, insalubridade que afeta as condições de saúde dos trabalhadores e fatores que contribuem para uma sobrecarga de estresse, como exemplo:

a exposição frequente à morte, a demanda de carga de trabalho, fadiga crônica, a vivência de conflitos advindos de dificuldades em comunicação, culpa da impossibilidade de oferecer terapêutica curativa aos doentes, depressão, culpa sentimentos de desamparo, tais fatores precisam ser considerados e amparados

(PINTO et al., 2020, apud ZAMBRANO et al., 2014)

A sociedade de modo geral precisa conhecer o debate acerca dos cuidados paliativos, pois ainda falta regulamentação que torne possível ultrapassar o campo das ideias e observar no cotidiano todos os aspectos de atenção no atendimento dos cuidados paliativos. No contexto atual, os desafios são bem vastos como pontuamos neste breve capítulo. E estão relacionados ao ensino/pesquisa, capacitação profissional, promoção de políticas públicas, legislações, efetivação das diretrizes existentes na realização da atenção continuada e integrada em cuidados paliativos no âmbito do SUS e da RAS, etc.

4 CONCLUSÃO

É ampla a noção de cuidados paliativos. O que não significa que seja indefinida e irresoluta, apenas abre espaço para noções multidimensionais de compreensão dos cuidados em relação ao sofrimento humano; onde, como discutimos, perpassa pelo físico, psicológico, espiritual e social (OMS, 2007). Incluindo assim questões filosóficas e religiosas como: vida, morte, cultura, etc. Diante desse conhecimento é que ressaltamos a ampliação do debate acerca do tema no âmbito das categorias profissionais que compõem a “equipe multiprofissional” (CARVALHO e PARSONS, 2012). Observamos que para o aprofundamento e consolidação das definições deve ser superada a vacância do assunto nas disciplinas das instituições de ensino que formam os profissionais da área. O ensino e consequentemente a pesquisa são elementos base a corroborar tudo que engloba cuidados paliativos.

A constituição das equipes está além de apontar seu caráter multiprofissional e determinar as atribuições de cada um separadamente. Como demonstrado a partir de Matsumoto (2012, p. 26) são mais que “protocolos”, é sobre “princípios”. Por isso o debate sobre como tem se constituído as equipes multiprofissionais e como elas têm entendido os cuidados paliativos. No geral, há uma certa concordância quanto à conceituação do tema, porém ainda temos como problemática o modo como os profissionais se organizam e executam o trabalho. Um exemplo interessante das rachaduras desencadeadas por esse problema são as divergências nas equipes com relação aos temas morte e tratamento humanizado. Além disso, existem ações deliberadas de profissionais que muitas vezes ignoram a opinião dos demais profissionais e até mesmo do paciente, algumas vezes negando o conhecimento sobre suas possíveis escolhas diante de sua real condição de saúde (GOMES & OTHERO, 2016; MATSUMOTO, 2012).

O processo integrativo e o caráter interprofissional configuram uma perfeita relação com os avanços esperados com a resolução n° 41, de 31 de outubro de 2018, que aponta os objetivos e princípios que devem nortear as equipes (BRASIL, 2018). Principalmente por serem vistos legalmente “à luz dos cuidados continuados integrados, no âmbito do sistema único de saúde (SUS)” e inserida na Rede de Atenção à Saúde (RAS) como um cuidado que passa a existir em todos os níveis de atenção à saúde (BRASIL, 2018). As exigências de uma comunicação eficiente, uma relação verticalizada entre os profissionais em detrimento da horizontalidade relativa ao multiprofissional, uma relação entre as demais redes de atenção à saúde, bem como fomento a participação da comunidade e demais aspectos que marcam o SUS, devem obrigatoriamente ensejar novos desafios e consequentemente novos avanços no atendimento a pacientes com doenças graves e/ou incuráveis, seus familiares e toda a equipe médica.

Concluímos com o entendimento de que estamos na construção de uma política de cuidados paliativos no Brasil, e esse processo é recente. E em conjunto com o andamento das leis e regulações pleiteadas aos poderes estabelecidos, urge crescer enquanto discussão acerca do tema juntamente com profissionais que compõem a equipe, seus gestores e a sociedade civil. Inúmeros são os desafios como observado, que vão desde o campo teórico, a recursos humanos, ambiente e condições de trabalho, porém é uma demanda crescente com a necessidade de ser melhor propagada.

REFERÊNCIAS

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