A PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E SEUS IMPACTOS PARA AS POLÍTICAS SOCIAIS

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O Registro DOI deste artigo é: 10.5281/zenodo.6468795
https://doi.org/10.5281/zenodo.6468795


UNIVERSIDADE ÚNICA


Autora:
Vanessa Ferreira Vasconcelos Barbosa


RESUMO

Este trabalho analisa a acumulação de capital, como se sustenta o capital financeiro na atualidade e seus impactos as condições de trabalho na sociedade capitalista e à política social no Brasil. Estudamos as mudanças que impactaram o trabalho desde o período fordista, passando pelas transformações trazidas pelo modelo toyotista, as alterações no modo de produção e consequente mudança na forma de organização dos trabalhadores. E ainda como as políticas públicas reagem ao momento histórico em que o neoliberalismo se apresenta como solução para as mazelas sociais, sobretudo no Brasil, a partir da década de 1990 em contraponto à então recente Constituição de 1988.

Palavras-chave: Política Social; Serviço Social; Trabalho; Neoliberalismo.

INTRODUÇÃO

É inegável que o mundo do trabalho passou por transformações que mudaram as condições de vida do trabalhador nos últimos anos. A proposta deste trabalho é apresentar um estudo dessas mudanças e correlacionar com a precarização da política de saúde, que explicita um projeto privatista e como isso afeta os trabalhadores de modo geral, com desdobramentos ao Serviço Social de modo específico. Partimos do estudo e análise do processo de precarização do trabalho decorrente das condições de acumulação de capital na atualidade. Para tanto, precisamos analisar as estratégias do capitalismo para manter sua hegemonia, entender os impactos do neoliberalismo para as políticas sociais no Brasil. Ainda, procuramos identificar os desafios postos para o Serviço Social quando atua nesta área. Realizamos a pesquisa bibliográfica para estudar essas metamorfoses de modo a não dissociá-las do contexto histórico em que ocorreram e conduzimos o estudo em uma perspectiva de totalidade, com o intuito de ir além da aparência, tal como nos recomendou Marx.

O estudo sobre o tema é de extrema importância para o Serviço Social, pois é a partir da compreensão dos fatores envolvidos no processo de precarização do trabalho, de seu nível macro, do contexto histórico em que se deu e das motivações políticas que o desencadearam que o profissional deve intervir na realidade em seu cotidiano.

É essencial também que a sociedade tenha conhecimento das razões que impulsionam a precarização do trabalho e entenda que não é por acaso que as condições de vida e trabalho se tornaram tão degradantes nos últimos anos. Essa análise, possivelmente afetará a escolha dos representantes políticos, bem como o posicionamento do cidadão frente às investidas do grande capital.

Analisamos também o processo de financeirização do capital e as formas de avanço do capital financeiro sobre o fundo público. Fazemos um estudo sobre a transição do modelo fordista para o toyotista, que trouxe inovações, as quais mudaram forma de organização do trabalho em nível global, abrindo caminho para as formas mais precarizadas por meio da terceirização. Ressaltamos que essa foi uma das estratégias do capitalismo para manter sua hegemonia com o fim do estado de bem-estar nos países europeus. Debatemos a Constituição de 1988 e as mudanças no que se refere aos direitos sociais e aos impactos do neoliberalismo sobre esses direitos. Trazemos o conceito da contrarreforma a partir das reflexões de Behring, que avalia o Plano Diretor de Reforma do Estado feito no governo federal na gestão de Fernando Henrique Cardoso e como o projeto neoliberal adquire hegemonia naquele cenário.

1 O PROCESSO CONTEMPORÂNEO DE ACUMULAÇÃO DE CAPITAL

Na atualidade, o processo de acumulação de capital é sustentado por um conjunto de transformações que se dão no plano da economia, política e cultura. No presente capítulo deste trabalho de conclusão de curso, vamos versar sobre os dois primeiros.

Para tanto, é preciso entender como esse sistema se desenvolve e se reproduz. De acordo com Netto e Braz (2012), o processo de acumulação do capital se dá por meio da reprodução ampliada do capital em que parte da mais-valia obtida é utilizada no processo produtivo com o objetivo de ampliar a produção. Assim, a possibilidade de aumentar a extração de mais-valia é cada vez maior. Cabe ressaltar que esse processo ocorre, fundamentalmente, através da exploração da força de trabalho pelo prolongamento da jornada de trabalho, pela intensificação do ritmo de produção possibilitado pelo uso da tecnologia no processo produtivo e pelos baixos salários. Esses autores destacam que para o capitalista, é interessante reduzir ao máximo o tempo de rotação do capital, o qual configura o ciclo de produção. O ideal é ter o maior número de rotações no menor tempo possível para se ampliar a mais-valia e atingir seu principal objetivo: a concentração de riqueza. Dessa forma, várias estratégias são utilizadas tais como a fusão de capitais, conhecidos como cartéis e holdings com o objetivo de criar monopólios e centralizar capital.

A partir de reflexões dos autores mencionados acima, entendemos que a acumulação de capital também é beneficiada pelo conjunto de trabalhadores sem emprego que forma o exército industrial de reserva, uma vez que isso é capaz de pressionar os salários para baixo. Esse processo é inerente à dinâmica do modo de produção capitalista, que faz com que a demanda por máquinas seja superior à demanda da força de trabalho, resultando numa população sobrante, também conhecida como superpopulação relativa.

Para eles, existe uma diferenciação entre o processo de acumulação de capital e o processo de centralização de capital: o primeiro depende do processo produtivo onde se dá a mais-valia. Já o segundo não gera mais-valia nem produz nenhuma nova riqueza, porém gera uma associação entre capitais já concentrados, e são sustentados pela formação dos monopólios para dominar os investimentos. Assim, a robustez do capital bancário se alimenta da mais-valia e dos juros do capital produtivo e o monopólio bancário impõe o controle do crédito, com altas taxas de juros. A criação de monopólios industriais e bancários, possibilitou uma fusão entre ambos, designada como capital financeiro.

Ressaltam também que o modo de produção capitalista é base das relações sociais: de um lado os capitalistas, detentores dos meios de produção, compram a força de trabalho e de outro lado o proletariado, expropriado dos meios de produção, é obrigado a vender sua força de trabalho em troca de um salário para sobreviver. Dessa forma, a acumulação capitalista pressupõe a separação entre essas duas classes e o consequente aumento da pobreza em decorrência da concentração de riqueza.

Por conseguinte, compreendemos que o movimento do capital tende a produzir superacumulação, a qual consiste em capitais que não podem ser valorizados e precisam ser desvalorizados para manter a engrenagem do sistema e administrar as crises. Assim, é importante para esse sistema, buscar alternativas como saída das constantes crises produzidas. É necessário, portanto, dominar novas áreas a fim de ampliar as taxas de lucro.

De acordo com Marini (apud Santana 2013), no Brasil, o sistema econômico é constituído com base na dependência e na superexploração, na qual o Capital internacional se apropria de parte do excedente produzido:

(…) A acumulação interna de Capital, fundada na superexploração da força de trabalho, é o que constitui o fundamento ou a essência da dependência latino-americana. Por sua vez, a economia dependente revela sua essência interna agudizando até o limite as contradições inerentes ao modo de produção capitalista. (Ibidem, p. 45)

Cabe ressaltar que a formação do capitalismo nacional tem como alicerce o agronegócio, por meio da exportação de mercadorias agrícolas e minerais. É uma particularidade do capitalismo brasileiro. Portanto, a sociedade capitalista é mais complexa do que as relações de trabalho que se dão na indústria porque, além dos desempregados e dos trabalhadores que vivem na informalidade ou subempregados, temos uma massa de trabalhadores no campo, em condições sub-humanas de vida e trabalho.

Neste sentido, faremos aqui uma análise sobre como as metamorfoses no mundo do trabalho, produzidas em nível global, impactaram a realidade do nosso país, em especial, as políticas sociais.

1.1 A hipertrofia do capital financeiro e as mudanças no mundo do trabalho

Diante de um capitalismo globalizado, o Estado se organiza para combater as crises e utiliza como uma de suas principais estratégias a financeirização do Capital. Segundo Guerra (2010), os investimentos na área financeira são ampliados e prioriza-se o capital na esfera especulativa em vez de investir na esfera produtiva.

Nesta perspectiva Iamamoto (2015, p. 106) discorre sobre como ocorreu o processo de financeirização do Capital no mundo após a Guerra Fria, no final do século XX. A forma de estruturação do capital sofre mudanças no âmbito financeiro, de forma que passa a trabalhar com o capital que rende juros e altera as formas de articulação entre seus agentes.

Para a autora os grupos industriais transnacionais apoiam a mundialização da economia. Tais grupos se associam a instituições financeiras como bancos, fundos de pensão e sociedades financeiras de fundos mútuos para comandar o processo de acumulação, que, com o suporte dos Estados Nacionais, formam um modo específico de dominação social e política (IAMAMOTO, 2015). Desta forma, a acumulação capitalista ocorre de forma fetichizada, conforme a mesma explicita (Ibidem, p. 109):

A esfera estrita das finanças, por si mesma, nada cria. Nutre-se da riqueza criada pelo investimento capitalista produtivo e pela mobilização da força de trabalho no seu âmbito, ainda que pareça de uma forma fetichizada (…). Nessa esfera, o capital aparece como se fosse capaz de criar “ ovos de ouro”, isto é, como se o capital tivesse o poder de gerar mais dinheiro no circuito fechado das finanças, independente da retenção que faz dos lucros e dos salários criados na produção. O fetichismo das finanças só é operante se existe produção de riquezas, ainda que as finanças minem seus alicerces ao absorverem parte substancial do valor produzido.

Nesse cenário, algumas organizações transnacionais exercem o controle em nível global: a Organização Mundial do Comércio, o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, criadas para representar a elite mundial e comandar esse mercado cada vez mais unificado. O desenvolvimento da tecnologia e da robótica, aliada a precarização do trabalho trazem consigo um aumento exponencial da desigualdade, cuja raiz está na transferência de riquezas em âmbito mundial.

A transferência de riqueza entre classes e categorias sociais e entre países está na raiz do aumento do desemprego crônico, da precariedade das relações de trabalho, das exigências de contenção salarial, da chamada “flexibilidade” das condições e relações de trabalho, além do desmonte dos sistemas de proteção social. (Ibidem, p. 111)

O capital financeiro mundializado introduz algumas mudanças. Uma delas é o fato de os grandes fundos de investimentos passarem a fazer empréstimos, assim como os bancos, com elevadas taxas de juros. Instituições como companhias de seguro, fundos de pensão somam-se aos bancos comerciais e de investimentos com o objetivo de aumentar as taxas de lucro do capital, e para tanto, concentram os rendimentos. Outra alteração importante é o crescimento da dívida pública, sempre superior ao PIB (Produto Interno Bruto) e o fato de os fundos de pensão e de investimento passarem a fazer aplicações em títulos dessa dívida. Com isso, Oliveira (apud Iamamoto 2015) esclarece que esse processo configura o avanço do Capital financeiro sobre o fundo público, o qual ocorre à medida que o Estado repassa ao Capital financeiro valores obtidos por meio de impostos e taxas.

Considerando a tributação regressiva, tributos menores para os altos rendimentos, o ônus da dívida púbica recai sobre a grande maioria dos trabalhadores ativos e inclusive inativos, cujos rendimentos são consumidos por meio da tributação pública direta ou dos tributos inscritos nos preços dos produtos; inclusive aqueles essenciais à reprodução da força de trabalho. (IAMAMTO, 2015, p. 113)

Os organismos internacionais que comandam a financeirização do capital ditam as regras que ampliam a exploração do trabalhador para aumentar as taxas de lucro das empresas, tais determinações impõem medidas que intensificam o trabalho por meio da polivalência, aumenta o número de trabalhadores informais à proporção que diminui o trabalho formal, há perda dos direitos trabalhistas, e submete os trabalhadores a uma lógica competitiva, com avaliação a partir de metas cada vez mais difíceis de serem cumpridas.

Seguindo, Hassan (apud Iamamoto, 2015, p.118), explicita a forma de controle do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial sobre o pagamento da dívida externa, uma vez que impõe medidas para negociação da dívida, visando a abertura da economia desses países, a qual deve priorizar as exportações e não a proteção interna. Além disso, impõe um controle de gastos públicos, principalmente no âmbito social, rebaixamento dos salários e privatizações. Esses processos, segundo Iamamoto (2015), marcam a primeira etapa da financeirização do capital.

Ao apostar na lucratividade das empresas, a partir de 1994 inicia-se uma segunda etapa, onde o mercado financeiro tende a buscar a ampliação dos lucros pela maior exploração dos trabalhadores. Os salários são ainda mais rebaixados enquanto o trabalho torna-se mais intenso à medida que existem metas de produtividade a serem alcançadas. O trabalhador cada vez mais perde direitos, visto que as formas de contratação são precarizadas pelo trabalho temporário e sem direitos trabalhistas. Além disso, a rotatividade da mão de obra cresce e o desemprego atinge índices alarmantes.

O papel que o Estado exerce para promover essa hegemonia do capital financeiro é fundamental para manter e criar as condições necessárias para seu desenvolvimento e ampliação. Iamamoto indica de que maneira isso ocorre (2015, p. 120):

O marxismo clássico já estabelecia as funções que pertencem ao domínio do Estado: criar as condições gerais da produção, que não podem ser asseguradas pelas atividades privadas dos grupos dominantes; controlar as ameaças das classes dominadas ou frações das classes dominantes, através de seu braço repressivo (exército, polícia, sistema judiciário e penitenciário); e integrar as classes dominantes, garantindo a difusão de sua ideologia para o conjunto da sociedade.

No contexto do capital financeiro mundializado, o Estado oferece condições de lucratividades aos grandes grupos industriais e administra as crises, sobretudo por meio de ações que visam garantir o domínio e a ordem burguesa. Só há sustentação de suas bases, se houver interferência do Estado. O mercado de ações e a dívida pública que formam o alicerce desse modelo, só tiveram êxito porque foram sustentados pelo Estado por meio de ações nocivas ao conjunto de trabalhadores.

Por um lado, a privatização do Estado, o desmonte das políticas públicas e a mercantilização dos serviços, a chamada flexibilização da legislação protetora do trabalho; por outro, a imposição da redução dos custos empresariais para salvaguardar as taxas de lucratividade, e com elas a restruturação produtiva, centrada menos no avanço tecnológico e fundamentalmente na redução dos custos do chamado “fator trabalho” com elevação das taxas de exploração. (IAMAMATO, 2015, p. 124)

No cenário mundial, a reestruturação produtiva traz consigo novas e flexíveis dimensões que reorganizam o mundo do trabalho através da automação e da descentralização possibilitada pelo desenvolvimento da microeletrônica e da robótica. O mundo trabalho, a partir de 1970, passa por significativas transformações que alteram sua estrutura baseada no fordismo para um ‘sistema’ toyotista, cujo objetivo foi, sem dúvida, ampliar as margens de lucro através da dita flexibilização do trabalho na tentativa de sair de mais uma crise capitalista. Isso resulta em um desemprego estrutural, com a substituição do trabalho vivo possibilitada pelo desenvolvimento da tecnologia. Além disso, a precarização do trabalho ocorre de maneira acelerada.

Segundo Harvey (2009), a partir de meados da década de 60, o fordismo já apresentava sinais de crise. Um dos principais motivos era a dificuldade de se manter rígido e continuar produzindo em larga escala uma vez que o contexto não era favorável a isso. O aumento da inflação no pós-guerra, seguido da crise dos mercados imobiliários e do aumento dos preços do petróleo provocaram um colapso para o capital em nível mundial. A alternativa encontrada para sair dessa decadência foi um novo regime de acumulação: a acumulação flexível.

O desenvolvimento da tecnologia e da robótica propiciaram o surgimento de um novo modelo de produção a partir da década de 70. Novos setores foram criados e a rigidez do fordismo deu lugar à flexibilidade das formas de trabalho, com formas de contrato temporárias e precárias. Diante disso, o desemprego aumentou sobremaneira e os sindicatos perderam força, já que muitos trabalhadores deixaram de se reunir em fábricas (HARVEY, 2009).

A acumulação flexível incentivou a produção em escalas menores em diferentes locais do mundo. O mercado tornou-se dinâmico e competitivo de modo que a informação passou a ser mais valorizada comercialmente e a responder aos interesses do capital com o objetivo de gerar cada vez mais lucros, e o Estado passou a intervir para este fim.

O sistema financeiro foi desregulamentado. Criou-se um mercado de finanças global e singular, possibilitado pelo desenvolvimento das telecomunicações e da rede mundial de computadores. As transações bancárias e movimentações de compra e venda de ações foram otimizadas de maneira a trazer maior rapidez e controle aos procedimentos financeiros.

Harvey (2009, p. 144) sinaliza também que a acumulação flexível criou diferentes grupos de trabalhadores:

(…) o primeiro grupo consiste em uma minoria, com um emprego mais estável e alguns direitos trabalhistas. O segundo e o terceiro grupo formam a “periferia”_ um deles abrange os trabalhadores com menor especialização, portanto, com maior rotatividade. O outro grupo consiste em trabalhadores temporários, com subcontratos, o qual tende a aumentar cada vez mais por ser funcional ao sistema de acumulação capitalista.

Ao fazer uma análise marxista sobre o Capitalismo, Harvey indica que esse sistema é propenso a crises, inclusive crises de superacumulação. Assim ele explicita (Ibidem, p. 170):

A tendência de superacumulação, nunca pode ser eliminada sob o capitalismo. Trata-se de um interminável e eterno problema de todo modo capitalista de produção. A única questão, portanto, é como exprimir, conter, absorver ou administrar essa tendência de maneira que não ameacem a ordem social capitalista.

Para administrar as crises, o capitalismo utiliza algumas estratégias a fim de manter sua hegemonia. Conforme afirma o autor (Ibidem, p. 170), uma delas é a desvalorização de mercadorias pela diminuição de seu valor ou, simplesmente, por torná-la inexistente. Outro exemplo é a queima de estoques excedentes, utilizada historicamente para controlar as crises. Ou até mesmo o rebaixamento dos salários, utilizado para desvalorizar a mão de obra e aumentar as taxas de lucro e exploração. Outra estratégia utilizada é o controle macroeconômico, a exemplo do keynesianismo, de modo a incentivar o consumo e evitar a superacumulação. No entanto, com a crise do fordismo, esse modelo recebeu ataques que inviabilizaram sua manutenção.

A absorção da superacumulação, também é utilizada para o controle estratégico da mesma e atrela-se ao deslocamento temporal e espacial. A aceleração do tempo de giro depende do capital fictício para serem investidos. Já o deslocamento espacial é possibilitado pela expansão capitalista geográfica. No entanto, trata-se de soluções paliativas que não dão conta de evitar ou administrar em longo prazo as crises produzidas pelo capitalismo, fruto da relação entre capital e trabalho, contraditória em si mesma (Ibidem, p. 171).

De acordo com Harvey (2009, p. 181), houve a partir de 1972, uma reconfiguração dos mercados financeiros: “(…) o sistema financeiro alcançou um grau de autonomia diante da produção real sem precedentes na história do capitalismo, levando este último a uma era de riscos financeiros igualmente inéditos.”

As mudanças a partir do processo de acumulação flexível foram decisivas para alterar o âmbito financeiro do capital, agora voltado para o crédito. E não considera irreversíveis as alterações no âmbito do trabalho, mas sim uma estratégia recorrente do capital para aumentar as taxas de lucro, diante da crise (HARVEY, 2009).

Sabel e Piore (apud Antunes, 1999, p. 17) corrobora com Harvey em suas afirmações e esclarece que o processo de flexibilização da produção afasta o trabalhador de um trabalho mais alienado, por desconstruir o trabalho em série, e o aproxima de um trabalho mais artesanal e desenvolvido no sentido tecnológico. Antunes também ressalta que os direitos no campo do trabalho são desregulamentados, em decorrência desse novo modelo, para que o Capital entre em uma nova fase.

Para ele, a acumulação flexível consiste no crescimento apoiado na exploração da mais-valia. Além disso, o avanço tecnológico resultou em mão de obra excedente para o capital, facilitando esse ciclo de superexploração. No entanto, o índice de desemprego estrutural se tornou alarmante, e novas formas de trabalho de procedência informal se desenvolveram e trouxeram ainda mais retorno para o sistema capitalista. O autor indica em que consiste esse modelo de produção, conforme abaixo:

Ao contrário do fordismo, a produção sob o toyotismo é voltada e conduzida diretamente pela demanda. A produção é variada, diversificada e pronta para suprir o consumo. É este quem determina o que será produzido, e não o contrário, como se procede na produção em série e de massa do fordismo. Desse modo, a produção sustenta-se na existência do estoque mínimo. O melhor aproveitamento possível do tempo de produção (incluindo-se também o transporte, o controle de qualidade e o estoque) é garantido pelo just in time. (GOUNET; CORIAT, 1992 apud ANTUNES, 1999, p. 26)

O toyotismo é sustentado também pela polivalência. Um trabalhador deve ser apto para operar em diversas máquinas e o trabalho tem caráter múltiplo, ou seja, é realizado por um grupo de pessoas. Além disso, a exploração é intensificada pelo sistema de luzes, que alerta o trabalhador sobre a otimização da demanda. Esse modelo também introduz a horizontalização na produção, uma vez que estende a produção a outras empresas, as terceirizadas, como forma de subcontratação.

Não há dúvidas então, que a acumulação flexível acarreta uma diminuição com gastos sociais e aumenta a desigualdade social, à medida que aprofunda o desemprego estrutural e constitui “uma decisiva aquisição do capital sobre o trabalho” (ANTUNES, 1999, p. 33).

O autor ressalta que no toyotismo, embora o trabalhador participe mais da produção, se comparado ao modelo fordista, ainda há o “estranhamento” descrito por Marx em suas obras. Assim explicita Antunes (1999, p. 34):

A subsunção do ideário do trabalhador àquele veiculado pelo capital, a sujeição do ser que trabalha ao “espírito” Toyota, à “família” Toyota, é de muito maior intensidade, é qualitativamente distinta daquela existente na era do fordismo. Esta era movida centralmente por uma lógica mais despótica; aquela, a do toyotismo, é mais consensual, mais envolvente, mais participativa, em verdade mais manipulatória.

De acordo com o autor (ibidem, p.34), a lógica do toyotismo é direcionada para o capital e na verdade não elimina a lacuna que há entre elaboração e execução, uma vez que quem decide sobre a produção não é o trabalhador. Portanto, o resultado do trabalho continua estranho a quem produz e as características do “fetichismo da mercadoria” são mantidas.

Nesse contexto, ainda existe um fator agravante: o trabalho é afetado em sua forma de organização e representação: o sindicatos e movimentos sociais perdem força pois há uma onda de resignação e aceitação da ordem vigente no lugar da luta e organização de tempos anteriores. As negociações se limitam ao que Antunes (1999, p. 35) define como “valores fornecidos dentro da sociabilidade do mercado e do capital”.

Ainda segundo o autor a classe operária sofreu um decréscimo, mas ao mesmo tempo, o setor de serviços recebeu novos trabalhadores, embora em formas precarizadas, por meio de terceirizações e subcontratos. Nesse período há também um significativo aumento de mulheres trabalhadoras à medida que o trabalho é cada vez mais precarizado.

Sobre o subproletariado Bihr (1991, apud Antunes 1999, p. 44) esclarece:

Essas diversas categorias de trabalhadores têm em comum a precariedade do emprego e da remuneração; a desregulamentação das condições de trabalho em relação às normas legais vigentes ou acordadas e a consequente regressão dos direitos sociais, bem como a ausência de proteção e expressão sindicais, configurando uma tendência à individualização extrema da relação salarial

Outra modificação identificada (op. cit., p. 47), nesse novo cenário, foi a exigência de uma maior qualificação dos trabalhadores, que o autor indica como uma tendência à intelectualização devido à necessidade de se adequar às novas tecnologias aplicadas à produção.

Enquanto perdurar o modo de produção capitalista, não pode se concretizar a eliminação do trabalho como fonte criadora de valor, mas, isto sim, uma mudança no interior do processo de trabalho, que decorre do avanço científico e tecnológico e que se configura pelo peso crescente da dimensão mais qualificada do trabalho pela intelectualização do trabalho social. (ANTUNES, 1999, p. 50)

Aliado a esse processo de qualificação, Antunes (1999) indica que há o processo de desqualificação, que consiste em mudanças e adequações aos diferentes setores. Já não se exige uma especialização do trabalhador para um determinado fim como na era fordista. Os trabalhadores migram entre as diferentes formas de trabalho precário: o temporário e o parcial com alta taxa de rotatividade e um número alarmante de desempregados.

Seguindo, Marx (1972, apud Antunes 1999, p. 49) discorre sobre a contradição do capital, que ao desenvolver as forças produtivas, aciona um mecanismo de autodestruição:

O Capital mesmo é a contradição em processo, (pelo fato de) que tende a reduzir a um mínimo de tempo de trabalho, enquanto que, por outro lado, converte o tempo de trabalho em única medida e fonte de riqueza. Diminui, pois o tempo de trabalho na forma de tempo de trabalho necessário, para aumenta-lo na forma de tempo de trabalho excedente; põe, portanto, em medida crescente, o trabalho excedente como condição do (trabalho) necessário. Por um lado, desperta para a vida todos os poderes da ciência e da natureza, assim como a criação da riqueza seja (relativamente) independente do tempo de trabalho empregado por ela. Por outro lado, mensura com o tempo de trabalho estas gigantescas forças sociais criadas desse modo e as reduz os limites requeridos para que o valor já criado se conserve como valor. As forças produtivas e as relações sociais _ umas e outras, aspectos diversos do desenvolvimento do indivíduo social_ aparecem frente ao capital unicamente como meios para produzir, fundando-se em sua mesquinha base. De fato, todavia, constituem as condições materiais para fazer saltar esta base pelos ares.

Antunes faz uma conclusão sobre o trabalho com base em sua análise marxista (1999, p. 54), após identificar e caracterizar sua complexidade e tendências de contínua fragmentação: “Tudo isso nos permite concluir que nem o operariado desaparecerá tão rapidamente e, o que é fundamental, não é possível perspectivar nem mesmo num universo distante, nenhuma possibilidade de eliminação da classe-que-vive-do-trabalho”.

Mais adiante, no último capítulo, retomaremos alguns desses elementos para pensar a “questão social” na atualidade reconhecendo que suas expressões perpassam a vida cotidiana dos trabalhadores sejam eles mais ou menos expostos a condições precárias de trabalho e de proteção social. Aqui, aprendemos o conceito de questão social elaborado por Iamamoto (2015, pág. 160):

A questão social expressa, portanto, desigualdades econômicas, políticas e culturais das classes sociais, mediatizadas por disparidades nas relações de gênero, características étnico-raciais e formações regionais, colocando em causa amplos segmentos da sociedade civil no acesso aos bens da civilização. Dispondo de uma dimensão estrutural, ela atinge visceralmente a vida dos sujeitos numa “luta aberta e surda pela cidadania” (IANNI, 1992), no embate pelo respeito aos direitos civis, sociais e políticos e aos direitos humanos.

Esse processo é perpassado por rebeldias e conformismos, que expressam a consciência dos indivíduos e do coletivo social. O qual, afirma a autora, é radicalizado pelo desmonte das políticas sociais e neste campo que trabalham os assistentes sociais. (IAMAMOTO, 2015)

Mesmo que este trabalho não tenha sua ênfase dedicada à atividade profissional do Serviço Social, convém destacar, por ser graduanda da área, essa particularidade da questão social e sua inferência à categoria de assistentes sociais que têm seu cotidiano de trabalho marcado pelo atendimento dos segmentos mais precarizados da classe trabalhadora. Vejamos, portanto, as expressões contemporâneas do capitalismo impactando as políticas sociais.

1.2 O Neoliberalismo e as políticas sociais: impactos para o Brasil contemporâneo

O modelo de acumulação flexível vai implicar na nova hegemonia neoliberal, implementada por Reagan e Tatcher, e trazer profundas modificações, sobretudo nas condições e relações de trabalho, que flexibilizará os direitos sociais, ampliará a filantropia e o terceiro setor, bem como o trabalho informal.

O processo de reestruturação produtiva preparou o terreno para a implantação da ideologia neoliberal em nível mundial, uma vez que o pleno emprego do pacto fordista foi substituído pelas formas de precarização e diferentes inserções no mundo do trabalho. Conforme indica Guerra (2010, p. 6):

A economia de trabalho vivo, que leva ao desemprego estrutural, que é a expressão mais desenvolvida da crise do capitalismo, vem acompanhado de um movimento de depreciação das condições e relações de trabalho: precárias formas de contratação, desespecialização profissional, terceirização, informatização, ampliação do terceiro setor e do voluntariado, flexibilização dos direitos sociais e desregulamentação (dos direitos e das profissões).

Segundo Anderson (2003, p. 9), o neoliberalismo teve sua origem na Europa e na América do Norte após a segunda guerra mundial e tinha como objetivo atacar o estado de bem-estar, a princípio, no âmbito ideológico. No entanto, com o crescimento econômico durante os anos de ouro – nas décadas de 50 e 60 – os alertas emitidos contra o estado de bem-estar não faziam muito sentido e manteve-se somente na teoria durante esses anos. O autor descreve que para Hayek, um escritor protagonista da ideologia neoliberal, a desigualdade era algo bom para o capitalismo e o estado de bem-estar representava uma ameaça à liberdade econômica e política.

O autor relata (ibidem, p. 10) que as ideias neoliberais só ganharam espaço quando a partir de 1973, houve a grande crise inflacionária com nefasta repercussão econômica. Dessa forma, os idealizadores da política neoliberal atribuíram a recessão aos gastos sociais que o Estado mantinha. A solução encontrada, portanto, foi diminuir os gastos sociais e minimizar a intervenção estatal, ao mesmo tempo em que promovia o enfraquecimento dos sindicatos. Nesse contexto, o controle da inflação era prioridade, então reduzir o número de trabalhadores foi uma das estratégias, o que promoveu mais desigualdade social. Esse discurso esteve apoiado na recuperação do crescimento econômico por meio do livre mercado para promover a acumulação capitalista.

Em 1979, Thatcher assumiu o governo na Inglaterra e Reagan, em 1980, nos Estados Unidos. A política neoliberal foi adotada nos países capitalistas considerados mais avançados, com graves prejuízos no âmbito social, como explicita Anderson (2003, p. 12):

Os governos Thatcher contraíram a emissão monetária, elevaram as taxas de juros, baixaram drasticamente os impostos sobre os rendimentos altos, aboliram controles sobre os fluxos financeiros, criaram níveis de desemprego massivos, aplastaram greves, impuseram uma nova legislação anti-sindical e cortaram gastos sociais. E finalmente_ esta foi uma medida surpreendentemente tardia, se lançaram num amplo programa de privatização, começando por habitação pública e passando em seguida a indústrias básicas como o aço, a eletricidade, o petróleo, o gás e a água. Esse pacote de medidas é o mais sistemático e ambicioso de todas as experiências neoliberais em países de capitalismo avançado.

O projeto neoliberal foi vitorioso em sua implementação, pois conseguiu implantar o que havia proposto, entretanto não conseguiu realizar seu objetivo de retomar o crescimento, principalmente, porque devido ao desemprego, o Estado teve gastos sociais e o número de pessoas aposentadas também aumentou. Além disso, o sistema financeiro não criou condições para a produção, ao contrário, criou uma especulação que foi prejudicial ao mercado. (Ibidem)

Na década de 90, ocorreu nova recessão, com significativo aumento da dívida pública nos países centrais. Ainda assim, a hegemonia neoliberal não sofreu grandes abalos. Com a derrocada do comunismo na União Soviética, o neoliberalismo avançou para países da Europa oriental e não demorou, alcançou a América Latina. Nesse sentido há uma passagem no texto do autor que define bem o neoliberalismo:

Tudo o que podemos dizer é que este é um movimento ideológico, em escala verdadeiramente mundial, como o capitalismo jamais havia produzido no passado. Trata-se de um corpo de doutrina coerente, autoconsciente, militante, lucidamente decidido a transformar todo o mundo à sua imagem, em sua ambição estrutural e sua extensão internacional. (Ibidem, p. 22)

Na concepção de Anderson (2003) o neoliberalismo não conseguiu alcançar o seu objetivo econômico de “revitalização básica do capitalismo avançado”. Entretanto, no âmbito social, obteve êxito, visto que a desigualdade aumentou, embora o Estado não tenha deixado de interferir. No campo ideológico e político, houve uma vitória inesperada e sem precedentes, sob o convencimento de que não há outra escolha, senão a de adequar-se às suas regras.

Já no Brasil, os processos de reforma e contrarreforma ocorreram historicamente de forma antidemocrática por meio de combinações específicas, conforme aponta Iamamoto (2015, p. 128):

As desigualdades que presidem o processo de desenvolvimento do país tem sido uma de suas particularidades históricas: O “moderno” se constrói por meio do “arcaico”, recriando elementos de nossa herança histórica colonial e patrimonialista, ao atualizar marcas persistentes e, ao mesmo tempo, transformá-las no contexto de mundialização do capital sob a hegemonia financeira. As marcas históricas persistentes, ao serem atualizadas, repõe-se, modificadas ante a inéditas condições históricas presentes, ao mesmo tempo em que imprimem uma dinâmica própria aos processos contemporâneos. O novo surge pela mediação do passado, transformado e recriado em novas formas de processos sociais do presente. A atual inserção do país na divisão do trabalho, como um país de economia dita “emergente” em um mercado mundializado, carrega a história de sua formação social, imprimindo um caráter peculiar à organização da produção, às relações entre o Estado e a sociedade, atingindo a formação do universo político-cultural das classes, grupos e indivíduos sociais.

A luta por democracia trouxe frutos com a Constituição de 1988, a qual representou um grande avanço, sobretudo no âmbito político e social, ela teve características híbridas que também correspondiam aos interesses da elite brasileira. Novas organizações como PT, MST e CUT se mobilizaram na década de oitenta para pressionar o governo ditatorial por liberdade e democracia. Além disso os sindicatos também ganharam força e houve resistência política. Os sindicatos, partidos políticos e movimentações populares reivindicavam liberdade democrática, direitos sociais, autonomia nacional, rejeição ao FMI, reforma agrária, entre outros.

Esse período representou um momento de intensa correlação de forças. Em 1988 foi promulgada a Constituição Federal, que concedia direitos sociais importantíssimos, entre os quais ressaltamos a Seguridade Social que integrava os serviços de saúde, previdência e assistência. Conforme consta no artigo 194 da Constituição Brasileira: “A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.”

A constituição de 1988, como mencionado acima, define alguns princípios da seguridade social, Behring &Boschetti (2010, pp.157-158) esclarecem o que trata cada um deles:

O princípio da universalidade da cobertura proposto não tema pretensão de garantir direitos iguais a todos os cidadãos, mas assegura a política de saúde como direito universal. Estabelece a assistência como um direito aos que dela necessitarem (embora o benefício do salário mínimo para idoso e pessoa com deficiência seja associado à incapacidade para o trabalho), mas mantém a previdência submetida à lógica do seguro, visto que o acesso aos direitos é derivado de uma contribuição direta anterior. Os princípios da uniformidade e da equivalência dos benefícios garantem a unificação dos regimes urbanos e rurais no âmbito do regime geral de previdência, mediante contribuição, e os trabalhadores rurais passam a ter direito aos mesmos benefícios dos trabalhadores urbanos. A seletividade e a distributividade na prestação de serviços apontam para a possibilidade de instituir benefícios orientados pela” discriminação positiva”. Esse benefício não se refere somente aos direitos assistenciais, mas também permite tornar seletivos os benefícios da política de saúde e de assistência social, numa clara tensão com o princípio da universalidade; A irredutibilidade do valor dos benefícios indica que nenhum deles deve ser inferior ao salário mínimo, mas também sinaliza que tais benefícios devem ser reajustados de modo a não ter seu valor real corroído pela inflação, o que vem assegurando que nenhum benefício previdenciário seja inferior ao salário mínimo, apesar das diversas tentativas governamentais de desvinculação; A diversidade das bases de financiamento , talvez um dos mais importantes princípios constitucionais, absolutamente fundamental para estruturar a seguridade social, tem duas implicações. Primeiro, as contribuições dos empregadores não devem ser mais baseadas somente sobre a folha dos salários. Elas devem incidir sobre o faturamento e o lucro, de modo a tornar o financiamento mais redistributivo e progressivo, o que compensaria a diminuição das contribuições patronais ocasionadas pela introdução da tecnologia e consequente mão de obra, além de compensar o elevado mercado informal no Brasil. Em seguida essa diversificação obriga o governo federal, os Estados e os municípios a destinarem recursos fiscais ao orçamento da seguridade social. Finalmente o caráter democrático e descentralizado da administração deve garantir gestão compartilhada entre governo, trabalhadores e prestadores de serviços, de modo que aqueles que financiam e usufruem os direitos (os cidadãos) devem participar das tomadas de decisão. Isso não significa, por outro lado, que os trabalhadores e empregadores devem administrar as instituições responsáveis pela seguridade social. Tal responsabilidade continua sob a égide do Estado.

De acordo com a obra citada, a Constituição também instituiu o controle democrático, o qual o representou um avanço para um país que acabara de sair de uma ditadura militar e teve como principal objetivo fortalecer a democracia por meio da participação da sociedade nos processos decisórios das políticas sociais com vistas a tornar mais transparente e igualitário esse processo, para tanto, criou-se diversos conselhos em diferentes áreas de atuação.

No entanto, ao serem criados ministérios separados, a ideia de integralidade da seguridade social não se concretizou, bem como muitos princípios constitucionais não se efetivaram na prática. O Sistema Único de Saúde, no entanto, se destacou por seu caráter universal, por meio de uma rede regionalizada e de atendimento integral com a participação da comunidade e constituiu um dos maiores direitos sociais da população brasileira.

O SUS, como fruto da reforma sanitária, teve como proposta universalizar o acesso à saúde para que toda a população pudesse ter atendimento de forma integral em todos os níveis de atenção, agora não só na saúde curativa, mas também na prevenção de doenças. O conceito ampliado de saúde foi utilizado no desenho desse projeto. A saúde passou a ser entendida não só como ausência de doenças, mas como resultado de múltiplos processos econômicos e sociais, como educação, renda, habitação, alimentação, entre outros.

A implementação do SUS foi regulamentada pela Lei Orgânica da Saúde em 1990, que abrange a Lei nº 8080/90 que “dispõe sobre as condições promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências” e a Lei nº 8142/90 que “dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde e dá outras providências”. Esta lei foi fundamental para regulamentar a participação social dos usuários do serviço, através dos Conselhos Gestores e Conferências de Saúde e também para dar diretriz à prática dos profissionais de saúde por meio dos princípios de universalidade, integralidade e equidade.

Já no âmbito econômico, a década de 80 foi marcada por uma profunda crise. O projeto de modernização conservadora propiciado pelo chamado milagre econômico não conseguiu se sustentar diante da crise mundial do petróleo. Houve um desemprego estrutural, aumento da miséria, fome, diminuição de gastos sociais e descontrole inflacionário. Esse cenário foi favorável para o que se apresenta como um plano de desenvolvimento para resolução da crise. São os ajustes estruturais estabelecidos pelo consenso de Washington (1989), com a promessa de estabilizar a economia, fazê-la crescer para criar condições de pagar a dívida externa.

Neste sentido o FMI e o Banco mundial estabeleceram a proposta dessa política de estabilização econômica, de combate à inflação pela estabilidade monetária, cujo objetivo é reformar o Estado por meio do controle de gastos públicos, privatizações diretas, reestruturação do sistema de seguridade social e reforma tributária. Além disso o Estado tem seu papel redefinido, cujo objetivo é a liberalização financeira, abertura comercial, desregulação do mercado de trabalho e reinserção econômica competitiva. O Estado, portanto, exerce um importante papel para a lógica neoliberal, uma vez que assume funções importantes para manter a acumulação capitalista. Iamamoto (2015, p. 122) descreve as atribuições do Estado, assim:

O Estado interfere na gestão da crise e na competição intercapitalista, pois, se os mercados transcendem os Estados, operam nas suas fronteiras. São também decisivos na conquista de mercados externos e na proteção dos mercados locais. Os Estados são estratégicos no estabelecimento de pactos comerciais, dos acordos de investimentos, da proteção à produção produzida no seu território mediante barreira alfandegárias, na pesquisa e no desenvolvimento de novas tecnologias para subsidiar os interesses empresariais, nos meios de comunicação de massas e na expansão do poder político das entidades internacionais.

Segundo Bering & Boschetti (2010), as conquistas obtidas na Constituição foram desprezadas, já no governo Collor. Atribuíram ao Estado as causas da crise financeira e social dos anos 80 e os direitos sociais definidos em 1988 eram considerados um atraso, portanto, era 18necessário reformar o Estado, sobretudo com vistas às privatizações e mudanças no âmbito da seguridade social.

A partir de 1995, Fernando Henrique Cardoso, por meio do Plano Diretor de Reforma do Estado executou a tarefa de implantar a estratégia neoliberal no Brasil. No entanto, assim como em outros países, as particularidades latino-americanas não foram levadas em conta, sobretudo o fato de não ter havido estado de bem-estar em nosso país, o que torna esse controle de gastos sociais ainda mais degradante para a população. Além disso, submete os trabalhadores a níveis elevados de exploração, uma vez que flexibiliza os direitos trabalhistas.

De acordo com Behring (2003), o termo reforma não é apropriado ao neoliberalismo, uma vez que este tem um caráter retrógrado. Portanto, o termo mais adequado é “contrarreforma”, à medida que atua no âmbito da desconstrução, sobretudo de políticas sociais. Assim, o Estado assume funções específicas, ao operar como um financiador empresarial e criar as condições necessárias à liberalização e à desregulamentação econômica, como afirma a autora (2003, p. 59):

São decisivas as liberalizações, desregulamentações e flexibilidades no âmbito das relações de trabalho, diminuição da parte dos salários, segmentação do mercado de trabalho e diminuição das contribuições sociais para a seguridade; e do fluxo de capitais, na forma da IED e de investimentos financeiros em portfólio (…).

O Plano Diretor de Reforma do Estado, segundo Bresser (1996) visava reformar o Brasil por meio do controle de gastos, privatização e liberalização comercial sob o discurso de “recuperar a governabilidade e a governança de um Estado ineficiente”. Esse plano passou a ser implantado no Brasil em meados da década de 90 no governo de Fernando Henrique Cardoso, e construiu a ideia de que medidas neoliberais eram necessárias para que o serviço público pudesse melhorar.

O plano propunha uma redefinição do papel do Estado, onde algumas funções deveriam ser assumidas por setores públicos não estatais, ou seja, o recurso financeiro caberia ao Estado, mas a administração do recurso não se daria mais no âmbito estatal. Dessa forma, serviços como saúde e educação poderiam ser administrados por empresas estatais. Assim como define Behring (2003, p. 178): “A contrarreforma consiste em transferir para o setor privado as atividades que podem ser controladas pelo mercado.”

Segundo a autora, o Estado se refuncionaliza para responder as demandas do Capital, principalmente após a crise dos anos 70. No entanto, cada país, com sua singularidade, reage de forma diferente a esse processo que deveria levar em conta a condição histórica, a posição perante o mercado, e a formação econômica e política de cada um deles. Assim, não se trata de uma única opção, mas de uma escolha política, ou seja, não é algo encaminhado naturalmente, mas construído por opções práticas que, pautadas no ajuste fiscal, tende a mudar o critério de proteção social dos trabalhadores.

Behring (2003, pp. 198-199) denuncia que o discurso neoliberal voltado para o cidadão e a democracia não condizem com a lógica da política, uma vez que se defende que o a causa do problema tem seu fundamento no Estado, por isso é preciso alterar suas funções e controlar os gastos públicos. Em contrapartida, permite que o capital financeiro se aproprie do dinheiro público para pagamento das dívidas interna e externa.

O Estado se responsabiliza pela crise fiscal e assume o papel de ineficiente, portanto, incapaz de promover o desenvolvimento econômico e social do país. Assim, deve assumir um novo modelo, o gerencial, que visa eficiência e qualidade por meio de formas flexíveis de gestão. A proposta é transferir para o setor privado através das privatizações das empresas estatais e das privatizações da saúde, educação e cultura sob o discurso da publicização, cujos serviços continuam sendo subsidiados pelo Estado, mas não são mais administrados diretamente por ele. O Estado vai se restringir às suas atividades exclusivas como fiscalização das normas sanitárias, compra dos serviços de saúde e a previdência social básica.

Biondi (apud Behring 2003, pp. 200-201) afirma que o processo de privatização no Brasil se dá por meio do convencimento midiático e de argumentos que pretendem legitimar esse objetivo, tais como o fato de o Estado ser ineficiente, barateamento dos custos para a população, melhoria na qualidade dos serviços, redução das dívidas internas e externas, entre outros. Entretanto, a privatização se tornou um negócio altamente lucrativo, pois tem o ônus assumido pelo Estado e total facilidade administrativa, e, via de regra, aumentam o valor das tarifas cobradas. Além disso não há compromisso algum de comprarem aqui no Brasil, o que prejudica a indústria nacional e transfere riqueza para fora do nosso país. Sem contar que o valor calculado da venda das estatais é sempre inferior ao valor real, o que descontrói o discurso da necessidade de privatizar.

A lógica neoliberal trata-se, portanto, de uma proposta disfarçadamente democrática, mas segundo a autora, tem caráter conservador, e uma ideologia intencionalmente confusa e contraditória, mas com aparência progressista, se analisada isoladamente.

Ainda na leitura desta obra de Behring (2003) há um estudo do Instituto Nacional de Estudos Socioeconômicos (INESC) que aponta como a problemática social foi agravada no governo de FHC, sobretudo no ano de 1999, pela falta de investimentos na área social. O objetivo era aumentar o superávit primário, então, os gastos com programas sociais em diversos âmbitos sofreram cortes severos para que essa meta fosse alcançada.

O superávit primário previsto no acordo de 1999 levou a uma “brutal contenção de gastos” em todas as áreas, com exceção do pagamento do serviço da dívida e de pessoal. Os gastos e investimentos e atividades-fim foram extremamente limitados; e programas sociais e ambientais de relevância foram paralisados. O estudo alerta para a baixíssima execução orçamentária nos programas voltados para crianças e adolescentes em situação de risco e a não implementação do estatuto da criança e do adolescente pela falta de aplicação de recursos públicos. (BEHRING, 2003, p. 203)

Tudo isso acarretou no aprofundamento da pobreza e do desemprego, e trouxe graves consequências para o trabalho, uma vez que essa lógica pretende precarizar cada vez mais as condições de vida do trabalhador, que ao se vê sem meios de sustento, submete-se a condições aviltantes, o que é funcional ao sistema capitalista, sobretudo sob a hegemonia do capital financeiro. (Ibidem)

O projeto de contrarreforma neoliberal ainda introduz o chamado “programa de publicização” (ibidem), o qual confere a entidades sem fins lucrativos, não governamentais e filantrópicas uma parceria com o Estado na qual o pano de fundo é a solidariedade, e o real objetivo é a redução do papel do Estado em áreas de sua responsabilidade. A autora denuncia as deficiências desse programa e ressalta que se trata de um terreno fértil para práticas clientelistas e desprofissionalizadas, uma vez que as contratações não se dão por critério de concurso público. Além disso, não há clareza quanto ao financiamento nem mecanismos de fiscalização dessas formas gerenciais.

Nesse sentido, o Estado neoliberal vai à contramão da implementação de políticas públicas, visto que ataca diretamente a seguridade social, aumentando os níveis de desemprego e pobreza por meio da descentralização, focalização e privatização. (BEHRING, 2003, p. 211)

A partir de reflexões da autora, entendemos que o Estado brasileiro, durante o governo FHC, não foi capaz de criar mecanismos capazes de viabilizar o crescimento do país, fomentar a retomada do emprego, muito menos combater a desigualdade social nesse período. Em contrapartida, oportunizou um processo de desmonte em diversos âmbitos, com vistas a promover a flexibilização das relações de trabalho, as privatizações e modificar o caráter da seguridade social através da redução de direitos.

No Brasil, as medidas de flexibilização trabalhistas foram defendidas sob o discurso de diminuir os custos do país por meio do corte com encargos sociais, no entanto, esses já eram parcos. Mattoso (apud Behring 2003) aponta que a política antinacional e antidemocrática do governo FHC aprofundou o desemprego à medida que foi na contramão da formalização do emprego e do investimento na economia industrial brasileira. O objetivo declarado pelo governo era flexibilizar o trabalho para trazer investimentos internacionais e garantir o emprego, mas isso não foi possível, conforme indica a pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que mostra na PNAD/1996 (Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios) que de 1995 a 1996 cerca de 1 milhão de pessoas tornaram-se desempregadas.

Druk (apud Behring 2003) explicita que a flexibilização remete a um processo político reacionário da burguesia em resposta à organização do movimento operário da década de 70 e 80, cujo objetivo é desconstruir o processo de luta por direitos. Assim, as empresas foram terceirizadas, o trabalho precarizado pelas condições impostas, bem como pela falta de garantias trabalhistas e pela implantação de um modelo de polivalência. Além disso, o país se abre para investimentos internacionais e para privatizações. O Estado, por sua vez, assume um papel bem definido e se posiciona ao lado das grandes empresas, fornecendo-lhes o suporte necessário e, ao desregulamentar as relações de trabalho, reduz os custos salariais.

No plano das privatizações, a autora ressalta que se tratou de uma estratégia para favorecer parte da elite brasileira em associação ao grande capital estrangeiro, sob o discurso de inserir o país num mercado competitivo, melhorar a economia para investir no âmbito social e reduzir a dívida pública, no entanto, nada disso ocorreu. Em vez de haver investimentos internos, o que teve foi o aumento do número de importações de equipamentos e peças, sem contar que parte da economia passou a ser controlada externamente, afetando assim autonomia do Estado nacional.

No texto, Behring (2003) explicita o interesse internacional pelo Brasil e motivo das privatizações serem tão atrativas – o nosso país possui dimensões continentais, localização privilegiada, um vasto mercado interno e oferece possibilidades reais de crescimento. Além disso, a compra das empresas nacionais ainda é incentivada pela redução de seu valor e pelas expectativas de obtenção de lucro. Outro aspecto importante é o quanto algumas elites nacionais se beneficiaram com as privatizações em detrimento da nacionalização da economia e do capital nacional. Ocorreram diversas fusões com participação majoritária do capital internacional de diferentes setores como mineração, comunicação, setores elétricos, eletrônico, alimentício, entre outros.

Esse processo trouxe consequências internas que variaram desde o enfraquecimento institucional, que implicou na dificuldade de regulação interna, como também uma instabilidade ao país devido à vulnerabilidade do mercado externo. Além disso, não houve melhoria na qualidade dos serviços, conforme anunciado, tampouco redução dos custos dos serviços públicos para a população e as empresas que eram consideradas deficitárias para o país trouxeram um lucro acima da média para os empresários, enquanto a dívida pública só aumentou devido aos custos gerados para o Brasil.

No campo da seguridade social, constituída pela saúde, previdência e assistência, o cenário não é diferente durante o governo de FHC, visto que o Estado tende a reduzir direitos. O caráter da política social torna-se cada vez mais pontual e fragmentado à medida que o Estado se retrai e atribui ao setor privado a solução para os problemas na administração pública. Segundo Behring (2003), o que o neoliberalismo propõe é a tríade: privatização, descentralização e focalização como reposta às demandas sociais. Dessa forma, o enfrentamento à questão social se dá num terreno de correlação de forças em que o acesso aos serviços sociais depende do grau de organização e mobilização dos trabalhadores.

Embora a Constituição Federal de 1988, tenha representado um grande avanço no âmbito da proteção social, ela possui um caráter ambíguo e inconcluso que deixa algumas lacunas (Ibidem). Isso porque foi resultado de uma disputa de interesses que repercutiu claramente na construção do texto constitucional. Portanto, ocorre um distanciamento entre o que foi regulamentado com o que é implementado concretamente e uma grande dificuldade em garantir os princípios da seguridade social.

A partir de reflexões da autora, entendemos que esse processo foi interrompido pela onda neoliberal de modo que antes mesmo de haver sua consolidação, o texto foi submetido ao ajuste fiscal e à lógica privatista. Assim, as políticas sociais não foram ampliadas, nem vistas sob a ótica da universalidade, mas como um campo atrativo para a venda de serviços de saúde e previdência complementar. Já no campo da assistência ocorre uma focalização em que somente os pobres ao extremo conseguem acessar aos serviços compensatórios de transferência de renda, cujo objetivo é incentivar o consumo.

Além disso, ocorre um incentivo por parte do governo ao terceiro setor, em que as organizações sem fins lucrativos e os cidadãos são chamados pelo Estado para cumprir uma tarefa que cabe a Ele. Yazbek (apud Behring 2003) define essa prática como “refilantropização da assistência social”, representando um retrocesso ao clientelismo que não obteve impacto significativo. Houve também outras práticas, associadas ao favor do Estado, como a distribuição de cestas básicas pela primeira dama Ruth Cardoso, antagônicas ao processo de construção da assistência social como um direito.

O governo colocou em prática o que estava previsto no Plano Diretor de Reforma do Estado (PDRE), instituindo organizações sociais (OS) por meio do programa de publicização em que entidades públicas não estatais com autonomia administrativa e financeira, foram chamadas para gerenciar serviços públicos, sob o argumento da ineficiência do Estado e da necessidade de equilibrar as contas. Entretanto, o Estado não assume compromisso legal de manter essas entidades e mais uma vez se recolhe do papel de prover os recursos para a política social. Sem contar que não há mecanismos de controle social que garanta a participação da população nos processos decisórios, o que vai na contramão do que prevê a Constituição em termos de políticas públicas, sobretudo no âmbito do SUS, onde as Organizações vão atuar.

Nesse sentido, conforme Behring (2003, p. 170), pode-se destacar a existência de um “sistema pobre para os pobres e outro para os que podem pagar”. A partir dessa reflexão, entendemos que enquanto a saúde pública é precarizada, com baixos investimentos no SUS que afetam a qualidade do serviço de saúde prestado à população, ocorre, ao mesmo tempo, estímulo por parte do governo aos planos de saúde e à atuação das OS no setor público, totalmente na contramão dos princípios de integralidade, equidade e universalidade previstos em lei.

Já na área da assistência foram implementadas as ONGs (Organizações não governamentais sem fins lucrativos), em associação ao Programa Comunidade Solidária, em contraponto com a Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) – 1993, uma vez que desconstruía o que a lei preconizava no sentido de ampliação de direitos sociais e de ruptura com o viés assistencialista.

A previdência social passou por um processo de modernização gerencial, as agências foram transformadas de modo a reduzir a burocracia. Criou-se o trabalho por produtividade, custos foram reduzidos, a autonomia do assistente social no processo de promoção de cidadania tornou-se mais limitado por estar submetido à gerência e as formas de controle social também não foram viabilizadas.

Outra alteração na previdência durante o governo de FHC foi o fator previdenciário, que passou a atrelar tempo de contribuição e idade com restrição para a aposentadoria integral, ou seja, os trabalhadores passaram a ter que contribuir mais tempo para se aposentarem integralmente. Além disso, os professores universitários deixarem de ter direito à aposentadoria especial com tempo de contribuição reduzido. Essas mudanças trouxeram um impacto negativo, sobretudo para aquelas pessoas que tiveram que permanecer mais tempo no mercado de trabalho ou tiveram que continuar trabalhando mesmo aposentados para complementar a renda, já que o valor da aposentadoria foi reduzido.

Sendo assim entendemos que a opção política do governo FHC foi priorizar o pagamento da crescente dívida pública, restringir os gastos sociais e desconstruir direitos para nutrir o setor financeiro de modo a aprofundar a crise interna e o abismo que há entre ricos e pobres em nosso país.

Ainda no governo FHC, o Banco Mundial e o FMI definiram uma política de combate à pobreza que deveria ser aplicada nos países periféricos com o objetivo de reduzir a miséria produzida pelo sistema capitalista. Entretanto, trata-se de uma política focalizada, seletiva e de caráter compensatório, não se constituindo como um direito social universal, pois é restritiva, visto que inclui apenas os mais necessitados entre os pobres. A política de transferência de renda é vista pelos capitalistas como uma possibilidade de retorno ao sistema, à medida que incentiva o consumo e movimenta a economia. Para Druck & Filgueiras (2007), essa política pretende mudar o foco da histórica disputa entre capital e trabalho e é também motivo de divisão entre os trabalhadores pelas diferentes posições que ocupam no mercado de trabalho de modo a segmentar a classe trabalhadora e provocar conflitos em seu interior.

Assim, percebemos que os padrões de universalidade defendidos na Constituição foram tensionados pelo projeto neoliberal que se tornou hegemônico. Conforme indica Behring & Boschetti (2010, p. 155-156):

Já sabemos que a configuração de padrões universalistas e redistributivos de proteção social foi fortemente tensionada: pelas estratégias de extração de superlucros, em que se incluem as tendências de contração dos encargos sociais e previdenciários; pela supercapitalização, com a privatização explícita ou induzida de setores de utilidade pública, em que se incluem saúde, educação e previdência; pelo desprezo burguês para com o pacto social dos anos de crescimento, configurando um ambiente ideológico individualista, consumista e hedonista ao extremo. Tudo isso num contexto em que as forças de resistência se encontram fragmentadas, particularmente o movimento dos trabalhadores em função do desemprego, da precarização e flexibilização das relações de trabalho e dos direitos.

Dessa forma, os direitos sociais são fortemente reduzidos sob o argumento da crise econômica e o caráter da política social é cada vez mais pontual, compensatório e focalizado, enquanto a lógica neoliberal avança com a implementação de seus projetos baseados na privatização, focalização e descentralização (BEHRING; BOSCHETTI, 2010).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O modo de produção capitalista, o qual é centrado na exploração, na separação entre classes e na grande concentração de renda é terreno fértil para a precarização de políticas sociais, sobretudo sob a égide do capital financeiro, pois a necessidade de ampliar as taxas de lucro é a razão das investidas à Seguridade Social, de forma a retirar os direitos conquistados pela classe trabalhadora.

As transformações no mundo do trabalho contribuíram muito para maximizar a exploração, uma vez que o desenvolvimento da microeletrônica e da robótica permitiu o aumento do desemprego e a decorrente precarização do trabalho, introduzindo novas formas de exploração e os subempregos.

Esse processo abre caminho para o neoliberalismo, que ganha hegemonia através de um projeto devastador para as relações trabalhistas e para as políticas sociais. A defesa do mínimo para o social e o máximo para o capital produz desigualdade e aumento da informalidade à medida que concentra a riqueza.

O governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2003) introduz o neoliberalismo em nosso país por meio do Plano Diretor de Reforma do Estado, que atua, entre outras, na esfera ideológica por meio do convencimento de que é a melhor opção para sair da crise e recuperar a economia. Houve tentativas de implantar novos modelos de gestão na saúde, mas a princípio fracassaram. Foi só durante os governos de Lula (2003-2011) e Dilma (2011-2016) que esses novos modelos ganharam espaço e se aprofundaram, desconstruindo os princípios do Sistema Único de Saúde e tornando o trabalho na saúde extremamente precário, por meio de vínculos trabalhistas desregulamentados e instáveis.

Além disso, os movimentos sociais foram enfraquecidos e os trabalhadores já não possuem o mesmo potencial de organização de outrora. É necessário, portanto, estabelecer formas de enfrentamento à política neoliberal para que a classe proletária não tenha seus direitos completamente retirados.

O modo de produção Capitalista, sustentado pela superexploração, por meio do trabalho precarizado, aprofunda as manifestações da questão social, ou seja, produz o aumento de demandas para o assistente social, que por sua vez, também está incluído nesse processo de precarização, já que é um trabalhador assalariado. Este profissional é chamado para atuar no enfrentamento de questões que também o afeta, no entanto, a ferramenta que precisa “utilizar”, que é a política social, representa uma disputa de interesses antagônicos que tem sido cada vez mais minimizada e incapaz de dar conta dessa realidade. Sendo assim, o profissional, para manter seu emprego que também se tornou instável, precisa, ao mesmo tempo, tanto dar respostas às demandas da classe trabalhadora como ao sistema hegemônico representado, na maioria das vezes, pelo Estado.

Embora o assistente social tenha um diferencial, que é o projeto ético-político comprometido com a classe trabalhadora, e deva seguir os princípios de seu código de ética, não é uma tarefa fácil pela natureza da profissão que está mergulhada nas contradições produzidas pelo sistema capitalista.

Diante do cenário desfavorável, os trabalhadores precisam se organizar politicamente. O caráter pedagógico do Serviço Social é fundamental nesse contexto de retração social, no sentido de disseminar informações aos usuários dos serviços.

Entendemos que é preciso que os assistentes sociais sejam comprometidos com o que propõe o nosso projeto ético político. Antes de tudo, é necessário estar embasado teoricamente para ser capaz de fazer uma leitura crítica da realidade que busca a essência dos fatos, com a finalidade não só de defender os interesses da classe trabalhadora, mas principalmente de torná-los cidadãos autônomos e capazes de lutar pelos seus direitos.

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