VENTILAÇÃO MECÂNICA INDIVIDUALIZADA NO CONTEXTO DA COVID-19

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Dr. Roberto Ribeiro da Silva (RJ)

Fisioterapeuta pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Doutorando em Ciências – Cardiologia pelo ICES/UFRJ, Mestre em Ciências – Cardiologia pelo ICES/UFRJ, Especialização em Fisioterapia Respiratória e Fisioterapia em UTI pela UNISUAM, Especialista em Fisioterapia em Terapia Intensiva no Adulto pela ASSOBRAFIR/COFFITO, Fisioterapeuta do CTI Geral do Hospital Universitário Gaffrée e Guinle (HUGG/UNIRIO/MEC) e do CTI Geral do Hospital Federal de Bonsucesso (HFB/MS), Membro do Grupo de Pesquisa em Avaliação e Reabilitação Cardiorrespiratória – GECARE/UFRJ.

Contextualização: Coronavírus é uma família de vírus causadores de infecções respiratórias, sendo os primeiros coronavírus humanos isolados em 1937, sendo assim nomeados em 1965 (1). Segundo a OMS (2), os diversos coronavírus que causam doenças em humanos podem ocasionar desde um simples resfriado até doenças mais graves como a Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS-CoV) e Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS-CoV). Em dezembro de 2019 foi descoberto na China, em Wuhan, um novo Coronavírus, o SARS-CoV-2, assim denominado devido a sua semelhança com o vírus da SARS, causando uma pneumonia que foi denominada pela OMS em fevereiro de 2020 de coronavirus disease 2019 (COVID-19) (2,3). O novo coronavírus disseminou-se para países de todos os continentes (3). Em março de 2020, a OMS declarou a situação como pandemia e o número de contaminados e mortos aumenta a cada dia (2).

Pacientes acometidos pela COVID-19 apresentam quadro clínico variando desde infecções assintomáticas (cerca de 80%) a quadros respiratórios muito graves (1). Entre os sinais e sintomas relatados destacam-se febre, tosse, mialgia ou fadiga e dispneia, podendo apresentar também dor de garganta, cefaleia, anosmia, entre outros (3). Dos casos graves, apenas cerca de 5% podem evoluir com insuficiência respiratória grave podendo necessitar, inclusive, de suporte ventilatório avançado (1-3). O fator mais importante do gerenciamento da insuficiência respiratória é a ventilação mecânica (VM), que objetiva minimizar a lesão pulmonar induzida por ventilador (VILI) (4). Os pacientes que são acometidos pela COVID-19 se enquadram em fenótipos diferentes, que necessitam de configurações de VM e estratégias de gerenciamento da VM individualizadas e únicas para cada fenótipo (4).

Desenvolvimento: Segundo painel da Surviving Sepsis Campaign (5), “pacientes com COVID-19 ventilados mecanicamente devem ser tratados de maneira semelhante a outros pacientes com insuficiência respiratória aguda na UTI”. Entretanto, percebeu-se que a pneumonia da COVID-19 apresenta uma forma atípica de Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo (SDRA) (6), mostrando ser uma doença bem específica, sendo a hipoxemia grave frequentemente associada a uma complacência do sistema respiratório próxima da normalidade, fato que dificilmente é observado na SDRA grave (7). Esses pacientes gravemente hipoxêmicos podem apresentar diversas maneiras de evolução como eupneia (hipoxemia silenciosa) ou por vezes em franca dispneia, sensíveis ou não ao óxido nítrico, bastante hipocápnicos ou então normo/hipercápnicos, e até responsivos ou não à posição prona (7). Uma possível explicação para essa hipoxemia grave que ocorre em pulmões com boa complacência é a perda da regulação da perfusão pulmonar e a perda da vasoconstrição pulmonar hipoxêmica (6). Além disso, autópsias realizadas nos pulmões de pacientes com SARS-CoV-2 sugeriram um papel importante do componente vascular e da perfusão pulmonar na fisiopatologia da COVID-19 (8). O desconforto respiratório observado nesses pacientes parece incluir uma importante injúria vascular que potencialmente exige uma abordagem de tratamento diferente daquela habitualmente aplicada para à SDRA. Pode-se afirmar então que a COVID-19 é uma doença sistêmica que agride principalmente o endotélio vascular (9).

Segundo estudo de Gattinoni e cols. (7), os diferentes padrões de COVID-19 dependem da interação entre três fatores: “(1) a gravidade da infecção, a resposta do hospedeiro, a reserva fisiológica e as comorbidades; (2) a capacidade de resposta ventilatória do paciente à hipoxemia; (3) o tempo decorrido entre o início da doença e a observação no hospital”. Ainda segundo os autores (7), a interação entre esses fatores leva ao desenvolvimento de dois fenótipos principais: tipo Low (L), caracterizado por baixa elastância (alta complacência), baixa relação ventilação/perfusão, baixo peso pulmonar e baixa recrutabilidade; e tipo High (H), com alta elastância (baixa complacência), alto shunt direita-esquerda, alto peso pulmonar e alta recrutabilidade. Os mesmos afirmam ainda que a possível causa que determina a evolução da doença para um pior padrão é a ocorrência da combinação entre pressão intratorácica inspiratória negativa e aumento da permeabilidade pulmonar devido à inflamação resultando em edema intersticial pulmonar, gerando lesão pulmonar auto induzida pelo paciente (P-SILI, sigla em inglês) (7). Já Robba e cols. (4), identificaram três padrões principais na tomografia de tórax em pacientes com COVID-19, que representam 3 diferentes fenótipos: 1) opacidades múltiplas, focais e possivelmente hiperperfundidas em vidro fosco principalmente na região subpleural (que corresponde ao tipo L de Gattinoni); 2) atelectasias distribuídas não-homogeneamente e opacidades peribrônquicas (um padrão de transição); e 3) um padrão parecido com SDRA (correspondente ao tipo H de Gattinoni). Como esses fenótipos diferentes são atribuíveis a diferentes mecanismos fisiopatológicos, provavelmente requerem estratégias ventilatórias diferentes (4). De fato, a grande variação nas taxas de mortalidade em diferentes UTIs aumenta a possibilidade de que a abordagem do manejo ventilatório possa estar contribuindo para o resultado (9).

Considerações finais: Considerando o exposto, foi elaborado, por time de Fisioterapeutas especialistas, um protocolo de VM no Hospital Federal de Bonsucesso que contempla a individualização de estratégias ventilatórias de acordo com o fenótipo apresentado por cada paciente, que vem sendo aplicado aos pacientes de COVID-19 internados. Alguns resultados preliminares importantes dessa estratégia começam a ser verificados, como redução da taxa de mortalidade geral e aumento do número de extubações com sucesso, e serão brevemente publicados.


Referências:
⦁ Brasil. Ministério da Saúde. Coronavírus (COVID-19). Profissionais e gestores de saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2020. Disponível em https://coronavirus.saude.gov.br (Acessado em 10/09/2020).

⦁ World Health Organization. Novel Coronavirus (2019-nCoV) 2020. Disponível em https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019 (Acessado em 10/09/2020).

⦁ Associação de Medicina Intensiva Brasileira – AMIB. Recomendações da Associação de Medicina Intensiva Brasileira para a abordagem do COVID-19 em medicina intensiva. Abril de 2020, atualizado em 10 de junho de 2020. Disponível em: https://www.amib.org.br/fileadmin/user_upload/amib/2020/junho/10/Recomendacoes_AMIB-3a_atual.-10.06.pdf (Acessado em 20/06/2020).

⦁ Robba C, Battaglini D, Ball L, Patroniti N, Loconte M, Brunetti I, Vena A, Giacobbe DR, Bassetti M, Rocco PRM, Pelosi P. Distinct phenotypes require distinct respiratory management strategies in severe COVID-19. Respir Physiol Neurobiol. 2020 Aug;279:103455. doi: 10.1016/j.resp.2020.103455. Epub 2020 May 11. PMID: 32437877; PMCID: PMC7211757.

⦁ Alhazzani W, Møller MH, Arabi YM, Loeb M, Gong MN, Fan E, Oczkowski S, Levy MM, Derde L, Dzierba A, Du B, Aboodi M, Wunsch H, Cecconi M, Koh Y, Chertow DS, Maitland K, Alshamsi F, Belley-Cote E, Greco M, Laundy M, Morgan JS, Kesecioglu J, McGeer A, Mermel L, Mammen MJ, Alexander PE, Arrington A, Centofanti JE, Citerio G, Baw B, Memish ZA, Hammond N, Hayden FG, Evans L, Rhodes A. Surviving Sepsis Campaign: guidelines on the management of critically ill adults with Coronavirus Disease 2019 (COVID-19). Intensive Care Med. 2020 May;46(5):854-887. doi: 10.1007/s00134-020-06022-5. Epub 2020 Mar 28. PMID: 32222812; PMCID: PMC7101866.

⦁ Gattinoni L, Camporota L, Marini JJ. COVID-19 phenotypes: leading or misleading? Eur Respir J. 2020 Aug 27;56(2):2002195. doi: 10.1183/13993003.02195-2020. PMID: 32616591; PMCID: PMC7331647.

⦁ Gattinoni L, Chiumello D, Caironi P, Busana M, Romitti F, Brazzi L, Camporota L. COVID-19 pneumonia: different respiratory treatments for different phenotypes? Intensive Care Med. 2020 Jun;46(6):1099-1102. doi: 10.1007/s00134-020-06033-2. Epub 2020 Apr 14. PMID: 32291463; PMCID: PMC7154064..

⦁ Yao XH, Li TY, He ZC, Ping YF, Liu HW, Yu SC, Mou HM, Wang LH, Zhang HR, Fu WJ, Luo T, Liu F, Guo QN, Chen C, Xiao HL, Guo HT, Lin S, Xiang DF, Shi Y, Pan GQ, Li QR, Huang X, Cui Y, Liu XZ, Tang W, Pan PF, Huang XQ, Ding YQ, Bian XW. [A pathological report of three COVID-19 cases by minimal invasive autopsies]. Zhonghua Bing Li Xue Za Zhi. 2020 May 8;49(5):411-417. Chinese. doi: 10.3760/cma.j.cn112151-20200312-00193. PMID: 32172546.

⦁ Marini JJ, Gattinoni L. Management of COVID-19 Respiratory Distress. JAMA. 2020 Jun 9;323(22):2329-2330. doi: 10.1001/jama.2020.6825. PMID: 32329799.