HIPOTIREOIDISMO CANINO EM PASTOR DE SHETLAND – RELATO DE CASO

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202511301058


Maria Carolina Mantovanelli Batisteti
Gabriela Moreno Pires
Orientador: Mauricio Miriam


RESUMO: O hipotireoidismo é o distúrbio tireoidiano mais comum em cães. Pode ser adquirido ou congênito, podendo ocorrer devido à destruição da glândula tireoide, diminuição da estimulação pelo TSH da glândula pituitária ou falha em qualquer uma das etapas da síntese do hormônio tireoidiano. O presente trabalho tem como objetivo relatar o caso de hipotireoidismo em um cão da raça pastor de shetland, macho, de sete anos atendido na Clínica Veterinária DeVet em São Paulo, apresentando hiperlipidemia, apatia, ganho de peso comendo pouco e com alterações dermatológicas. Ao exame físico animal apresentou escore corporal elevado, hiporexia, rarefação pilosa, “cauda de rato”, faces trágicas, frequência cardíaca baixa. Demais parâmetros clínicos dentro da normalidade e sem alterações neurológicas. Foram solicitados exames complementares como hemograma, perfil hepático e renal para melhor elucidação clínica após atendimento inicial, com os resultados evidenciando as seguintes alterações hiperlipidemia, hipercolesterolemia, funções hepáticas elevadas bem como lama biliar presente na ultrassonografia abdominal. Em virtude dos resultados obtidos, a dosagem de TSH e T4 total livre foram solicitadas com os achados suspeitando de hipotireoidismo canino, e sua confirmação sendo realizada após resultados desses hormônios alterados, juntamente com alterações clínicas encontradas.  

Palavras-chave: Hipotireoidismo Canino, Pastor de Shetland, T4 Total Livre. 

INTRODUÇÃO 

As enfermidades endócrinas representam uma parcela significativa das afecções que acometem pequenos animais, exigindo diagnóstico preciso e manejo clínico adequado por parte do médico-veterinário. Dentre essas doenças, o hipotireoidismo destaca-se como uma das endocrinopatias mais comuns em cães, sendo responsável por ampla variedade de manifestações clínicas que afetam múltiplos sistemas orgânicos. Devido à sua natureza crônica e progressiva, o reconhecimento precoce dessa disfunção é essencial para evitar complicações metabólicas, dermatológicas e cardiovasculares, contribuindo para uma melhor qualidade de vida dos animais acometidos (FELDMAN et al., 2014; RAMOS, 2017). 

O hipotireoidismo em cães é caracterizado pela produção insuficiente dos hormônios tireoidianos tiroxina (T4) e triiodotironina (T3), sintetizados pelas células foliculares da glândula tireóide e regulados pelo hormônio estimulante da tireoide (TSH) hipofisário. Estes hormônios exercem papel central na regulação do metabolismo basal, no desenvolvimento de tecidos, no funcionamento cardiovascular, na manutenção da homeostase cutânea e na atividade neuromuscular. A deficiência hormonal promove desaceleração metabólica sistêmica, alterando múltiplos sistemas orgânicos e culminando em sinais clínicos discretos, progressivos e muitas vezes inespecíficos (FELDMAN et al., 2014; RAMOS, 2017). 

O hipotireoidismo canino é classificado em primário, secundário e iatrogênico, conforme a origem da disfunção no eixo hipotálamo-hipófise-tireóide. O primário é o mais frequente, resultando de alterações intrínsecas da tireoide, como tireoidite linfocítica autoimune, caracterizada pela infiltração de linfócitos e plasmócitos e destruição progressiva dos folículos, ou atrofia idiopática, em que o parênquima é gradualmente substituído por tecido adiposo sem inflamação aparente. Estas condições reduzem a produção de T4 e T3 e elevam o TSH em resposta ao feedback negativo ausente.  (FELDMAN et al., 2014; FREITAS, 2009). O hipotireoidismo secundário, menos frequente, decorre da deficiência de TSH pela hipófise anterior, com níveis baixos ou normais de TSH e sintomas clínicos similares ao tipo primário (RAMOS, 2017). O iatrogênico surge após tireoidectomia, radioterapia ou uso prolongado de drogas antitireoidianas, como demonstrado em cães tratados para carcinoma de tireoide, nos quais a destruição das células foliculares pode levar ao hipotireoidismo (AMORES-FUSTER et al., 2015).  

A predisposição ao hipotireoidismo é influenciada por fatores genéticos, demográficos e hormonais. Raças como Doberman, Golden Retriever, Pastor de Shetland, Cocker Spaniel, Labrador, Beagle, Poodle e Boxer apresentam maior susceptibilidade, sugerindo um componente hereditário na etiologia da doença. Em termos etários, a doença é mais comum em cães de meia-idade a idosos, geralmente entre quatro e dez anos, embora possa ocorrer em qualquer faixa etária. Quanto ao sexo, embora ambos sejam suscetíveis, alguns estudos apontam que fêmeas castradas apresentam maior risco, possivelmente relacionado à influência dos hormônios sexuais sobre o sistema imunológico. O conhecimento desses fatores auxilia o médico veterinário na identificação de cães de alto risco e na interpretação criteriosa de exames laboratoriais (FREITAS, 2009; RAMOS, 2017; MARINHO E SILVA, 2017). 

Os sinais clínicos refletem o impacto multissistêmico da deficiência hormonal e se desenvolvem gradualmente. Alterações dermatológicas incluem alopecia bilateral simétrica, pele seca, hiperpigmentação, hiperqueratose e infecções secundárias bacterianas ou fúngicas, decorrentes da lentificação do turnover epidérmico. As manifestações metabólicas incluem letargia, ganho de peso sem aumento do apetite, intolerância ao frio, apatia e diminuição da atividade física (FELDMAN et al., 2014; FREITAS, 2009). O sistema cardiovascular também é afetado, podendo ocorrer bradicardia, redução da contratilidade miocárdica e aumento do tempo de relaxamento ventricular. Estudos demonstram que essas alterações podem ser revertidas mediante suplementação de levotiroxina, restaurando parâmetros metabólicos e cardíacos (BILHALVA et al., 2020; GUIGLIELMINI et al., 2019; SOUZA, 2023). 

O diagnóstico do hipotireoidismo requer uma abordagem integrada, baseada em exame clínico detalhado, avaliação laboratorial e testes complementares. A dosagem sérica de T4 total e livre, TSH e anticorpos antitireoidianos é fundamental para confirmar a doença, sendo que níveis baixos de T4 associados a TSH elevado são indicativos de hipotireoidismo primário, enquanto T4 baixo com TSH normal ou baixo sugere forma secundária (FELDMAN et al., 2014; RAMOS, 2017; RESENDE et al., 2021). Testes adicionais de estimulação com TSH recombinante ou TRH podem ser necessários em casos duvidosos. Diagnóstico diferencial para doenças que apresentam clínica similares, como hiperadrenocorticismo e dermatopatias primárias, são essenciais para evitar diagnósticos equivocados (RESENDE et al., 2021). 

O tratamento baseia-se na reposição hormonal contínua com levotiroxina, visando normalizar os níveis de T4 e TSH, promovendo a regressão dos sinais clínicos e restaurando a função metabólica e cardiovascular. A dose deve ser individualizada conforme idade, peso, tipo de hipotireoidismo bem como a presença de comorbidades, sendo necessário monitoramento periódico para ajustes terapêuticos. Estudos demonstram que a reposição adequada não apenas melhora os parâmetros metabólicos, mas também reverte alterações cardiovasculares, incluindo bradicardia e modificações eletrocardiográficas, e contribui para a melhora da qualidade de vida dos animais afetados (GUIGLIELMINI et al., 2019; AMORES-FUSTER et al., 2015). 

Dessa forma, a compreensão aprofundada do hipotireoidismo canino, considerando seus tipos, fatores predisponentes, manifestações clínicas e impacto sistêmico é fundamental para o manejo clínico eficaz. Neste contexto, o presente trabalho tem como objetivo relatar um caso de hipotireoidismo em um cão da raça Pastor de Shetland, destacando os achados clínicos, laboratoriais e a resposta terapêutica ao tratamento instituído, contribuindo para o aprimoramento do diagnóstico e da conduta clínica diante dessa endocrinopatia. 

DESENVOLVIMENTO 

Foi atendido pelo setor de endocrinologia, canino, macho castrado, raça pastor de shetland, de nome Fox com sete anos e sete meses pesando 11,8kg, encaminhado com histórico clínico de apatia, hiperlipidemia, hiporexia, ganho de peso e alterações dermatológicas. O Animal apresentava normodipsia, normúria, normoquesia, vacinado e vermifugado sem histórico de êmese, apenas tosses esporádicas parecidas com engasgos. 

Alimentação a base de ração royal canin adult+ com resto de comida do prato dos tutores do dia a dia, pois não come se não tiver algo misturado. Não utiliza medicações com recorrência ou faz uso de corticoides.  Ao exame físico foram identificados:  nível de consciência preservada, temperatura corporal de 38,2°C, frequência cardíaca de 88 bpm, frequência respiratória de 28 mpm, tempo de preenchimento capilar de um segundo, glicemia sérica de 87mg/dL, mucosas normocoradas, linfonodos não reativos, escore corporal de 7/9 e faces trágicas. 

Além disso, alterações dermatológicas evidentes como focos de alopecia por todo corpo, incluindo no rabo, conhecida como “cauda de rato”, crostas, rarefação pilosa, hiperemia e pele seca por toda extensão ventral do animal.

FIGURA 1 e 2: Alterações dermatológicas em pastor de shetland.

Fonte: arquivo pessoal, 2025. 

Exames anteriores do dia 16/04/25 apresentavam: hematócrito 45%; leucócitos 12,9 mil; plaquetas 597 mil; glicose 72mg/dL; frutosamina 368 µmol/L; ureia 39 mg/dL; creatinina 1,2 mg/dL; ALT 147 U/L; fosfatase alcalina 510 U/L; GGT 32,5 U/L; albumina 3,4 g/dL; colesterol 1059 mg/dL; triglicerides. 466 mg/dL. Ultrassonografia abdominal 08/04/2025: Fígado com moderada camada gordurosa, vesícula biliar com grande quantidade de lama. Adrenal esquerda medindo 1,62 x 0,46 x 0,7 e adrenal direita medicando 1,41 x 0,54 x 0,47. 

Posteriormente aos achados clínicos e de exames citados, a suspeita permaneceu em Hipotireoidismo + Hiperlipidemia + Dermatite. Com isso iniciou-se o planejamento de tratamento para o paciente, realizando ajuste e dieta com medicamentos associados, ezetimiba, bezafibrato e ursacol, após 15 dias de tratamento, foi realizado exame de dosagem hormonal para TSH e T4 Total livre.

FIGURA 3 e 4: Pastor de shetland (Fox) apático apresentando faces trágicas.

Fonte: arquivo pessoal, 2025. 

Paciente retornou com os resultados de exame solicitados, referindo que animal se adaptou ao tratamento quanto a nova dieta e receber a medicação todos os dias, além de melhora dos sintomas clínicos, está mais disposto, perdeu peso e boa melhora das alterações dermatológicas com as medicações prescritas que ainda estava utilizando. Apresentando normorexia, normoquezia, normodipsia, normúria e nega quadros de êmese. Novos exames complementares foram realizados no laboratório (10/07/25) que apontaram: Colesterol 524 mg/dL; triglicerides 126 mg/dL; T4 total livre 0,36 ng/dL; TSH 1,79 UI/L. 

Com resultado satisfatório da dosagem hormonal, concluiu-se o diagnóstico de Hipotireoidismo canino devido apresentar abaixo do normal de T4 total livre em conjunto com sintomas clínicos. A prescrição domiciliar foi mantida com o tratamento medicamentoso anterior e adicionado Synthroid 150mcg um comprimido + 25mcg um comprimido pela manhã juntos, 30 minutos antes da alimentação, de uso contínuo. A alimentação prescrita foi ração royal canin satiety na quantidade de 150 gramas por dia.  

Visando avaliar se a dose do medicamento estava sendo efetiva, foi solicitado uma nova dosagem de TSH e teste de reposição hormonal após 20 dias de tratamento.  

No retorno do paciente, os tutores relataram grande melhora na disposição e adaptação à rotina alimentar e medicamentosa, pesando 9,8kg (perdeu dois quilos). Os novos exames hormonais realizados no dia laboratório (05/09/2025) apontam T4 0,93 ng/dL, T4 pós reposição hormonal 3,81 ng/dL e TSH 0,09ng/ml pós introdução do Synthroid (levotiroxina) mostrando melhora evidente no tratamento do paciente, mas devido ainda não estar dentro dos valores ideias, foi reajustado a dosagem da medicação para duas vezes ao dia e solicitado novos exames hormonais após 20 dias de reajuste. Paciente segue em acompanhamento endocrinológico. 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

AMORES-FUSTER, I.; CRIPPS, P;. BLACKWOOD, L. Post-radiotherapy hypothyroidism in dogs treated for thyroid carcinomas. Veterinary and Comparative Oncology, p. 1-5, 2015. Disponível em: <https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/vco.12162>. Acesso em: 20 out. 2025. 

BILHALVA, M. A.; EVARISTO, T. A.; ISNARDI, C. P.; ROCHA, M. M.; ALVES, C. C.; SOARES, M. A.; WALLER, S. B.; BORBA, A.; SANTOS, T. C.; COSTA, P. P. C. O hipotireoidismo canino e seus efeitos sobre o sistema cardiovascular. PUBVET, v. 14, n. 4, p. 1-6, abr. 2020. Disponível em: <https://www.pubvet.com.br/uploads/54792acab21332cdc75b352ea14391c1.pdf>. Acesso em: 21 out. 2025. 

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RESENDE, K. V. M. S. RODRIGUES J. B.; NASCIMENTO, J. D. O.; SOUZA, K. R. F.; LIMA, L. O.; CORTEZ, B. O. F.; FERREIRA, D. N. P.; BARROS, N. C. B. Aspectos diagnósticos do hipotireoidismo canino – Revisão de literatura. Brazilian Journal of Development. Curitiba, v. 7, n. 10, p. 95112-95117, oct., 2021. Disponível em: <https://ojs.brazilianjournals.com.br/ojs/index.php/BRJD/article/view/36942/pdf>. Acesso em: 24 out. 2025. 

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