LUTO GESTACIONAL: O PAPEL DA PSICOLOGIA NO ENFRENTAMENTO DA PERDA

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202511141246


Bianca Coutinho dos Santos1
Soraya Rodrigues Coelho da Silva2
Orientadora: Profa. Andréia Ayres Gabardo3


Resumo: O presente trabalho de pesquisa demonstra a importância de validar e compreender o luto gestacional, além de destacar a necessidade de entender essa forma subjetiva de perda sob o viés do apoio psicológico.  Objetivo: Analisar o papel da Psicologia no enfrentamento do luto gestacional, a partir da representação da perda gestacional na série This Is Us, utilizando a análise comportamental para compreender os padrões de comportamento relacionados ao luto, as respostas emocionais das personagens e o impacto das intervenções psicológicas no apoio emocional e comportamental das famílias afetadas. Método: Adotará o método de pesquisa bibliográfica explicativa. Resultados: A revisão narrativa foi composta por 10 artigos que nortearam o estudo, possibilitando a organização das evidências encontradas. Essas evidências abordaram os aspectos essenciais ao tema e permitiram identificar questões que podem ser exploradas em pesquisas futuras. Discussão: No presente estudo, o objeto principal de análise será uma série de televisão. A obra selecionada é This Is Us (2016), uma produção da emissora norte-americana NBC, disponível atualmente na plataforma de streaming Star+. A série é reconhecida por abordar com profundidade questões emocionais e familiares, incluindo a vivência do luto gestacional. Conclusão: Espera-se, com isso, contribuir para a elaboração de diretrizes de intervenção que valorizem a validação do sofrimento, o acolhimento empático e o uso de recursos midiáticos como suporte ao processo terapêutico e à conscientização social acerca do luto gestacional. 

Palavras-chave: This Is Us; luto gestacional; psicologia; intervenção.

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho de pesquisa demonstra a importância de validar e compreender o luto gestacional, uma experiência muitas vezes invisível aos olhos da sociedade, além de destacar a necessidade de entender essa forma subjetiva de perda sob o viés do apoio psicológico. 

Segundo o Ministério da Saúde (2014), o luto gestacional refere-se à dor e ao sofrimento emocional experimentados por mulheres, parceiros e demais familiares diante da perda de um bebê durante a gestação, seja por aborto espontâneo, morte intrauterina ou interrupção terapêutica.

Estima-se que cerca de 10 a 20% das gestações clínicas conhecidas terminem em perdas espontâneas, especialmente no primeiro trimestre (World Health Organization [WHO], 2020; McCreight, 2018). Apesar da frequência com que esse fenômeno ocorre, ele ainda é amplamente negligenciado em contextos sociais, médicos e psicológicos, o que contribui significativamente para a intensificação do sofrimento vivido. A ausência de rituais sociais de luto, a minimização da dor por parte do entorno e a carência de políticas públicas voltadas ao acolhimento tornam essa vivência marcada por silêncio, solidão e invalidade emocional (SANTOS, 2015).

As perdas gestacionais precoces não abarcam consigo rituais fúnebres, pois a gravidez não é reconhecida pelos outros, visto que, na maior parte destes casos, não há evidência física visível. Já na perda gestacional tardia, segundo a mesma autora, o processo de luto poderá ter a sua elaboração facilitada dada a presença de um corpo e fotografias do bebê (SANTOS, 2015, p.12).

Do ponto de vista psicológico, a perda gestacional implica a ruptura de um vínculo que, embora muitas vezes não concretizado fisicamente, já existia simbolicamente e emocionalmente para os pais, sobretudo para a mãe. 

De acordo com Franco (2021), desde o início da gestação a mãe começa a formar um espaço psíquico para o bebê, investindo afetivamente em sua existência. A perda, portanto, representa não apenas a ausência física do feto, mas a interrupção abrupta de um projeto de vida, de uma identidade materna em constituição, e de um vínculo emocional profundo — muitas vezes intensificado pelas expectativas sociais em torno da maternidade.

A Psicologia reconhece o luto como um processo natural e necessário diante de perdas significativas. Freud (2011), em seu texto clássico Luto e Melancolia, já apontava que o luto envolve uma retirada gradual da energia psíquica investida no objeto perdido. No entanto, quando esse luto não é validado ou reconhecido — como ocorre com o luto gestacional —, há risco de cronificação ou de desenvolvimento de estados depressivos e ansiosos (WORDEN, 2018). Além disso, a literatura mostra que o luto perinatal, por sua natureza única, pode gerar sentimentos intensos de culpa, falha, vergonha e inadequação, sobretudo nas mulheres. (FRANKL ,2019).

Sanches e Freitas (2017), mencionam a Teoria do Apego, proposta por Bowlby (1980), também oferece uma importante base para compreender o impacto emocional dessas perdas. De acordo com o autor, o sofrimento do luto está diretamente relacionado ao rompimento de vínculos afetivos significativos. Assim, a perda de um bebê durante a gestação, mesmo sem o convívio físico, pode ser profundamente dolorosa, pois já há um vínculo emocional e simbólico em formação, que inclui sonhos, expectativas e fantasias parentais. 

Além da dor psíquica individual, o luto gestacional também impacta a dinâmica conjugal e familiar. Estudos apontam que os casais podem vivenciar e expressar o luto de formas distintas, o que pode gerar dificuldades de comunicação e suporte mútuo (WHO, 2020).

A ausência de protocolos clínicos, de profissionais capacitados e de espaços de escuta empática contribui para o sofrimento psíquico prolongado. Nesse sentido, práticas psicológicas baseadas na Terapia Cognitivo-Comportamental, intervenções em grupo e abordagens narrativas têm sido estudadas como estratégias eficazes para o acolhimento e elaboração do luto gestacional (WORDEN, 2018).

Contudo, grande parte das pesquisas sobre o tema ainda se concentra em aspectos clínicos ou epidemiológicos, deixando em segundo plano a análise de produções culturais e midiáticas que abordam o luto gestacional. As obras audiovisuais, por exemplo, ao dramatizarem essas vivências, têm potencial não apenas para sensibilizar o público, mas também para ampliar a compreensão simbólica do fenômeno e subsidiar práticas psicológicas humanizadas (Fonseca, 2020). A série This Is Us (NBC, 2016–2022) se destaca nesse contexto por retratar, com sensibilidade e realismo, as repercussões emocionais da perda gestacional em uma de suas protagonistas.

Diante disso, o presente trabalho propõe uma investigação qualitativa, por meio da análise de conteúdo documental, sobre o papel da Psicologia no enfrentamento do luto gestacional, tomando como referência os episódios da série This Is Us que retratam essa experiência. Busca-se, com isso, contribuir para o debate acadêmico sobre práticas de acolhimento psicológico que valorizem a escuta ativa, a validação emocional e o uso de recursos simbólicos e culturais no cuidado a pessoas enlutadas por perdas gestacionais.

O acolhimento psicológico é uma ferramenta essencial no cuidado à mulher enlutada pela perda gestacional, pois oferece um espaço seguro de escuta, validação emocional e expressão da dor psíquica. Essa escuta qualificada possibilita que a mulher se sinta compreendida e legitimada em seu sofrimento, promovendo um ambiente propício para a elaboração do luto.

Segundo Santos (2015), atitudes como empatia, aceitação incondicional e congruência são fundamentais para que o vínculo terapêutico se estabeleça de forma genuína e transformadora. No contexto do luto gestacional, marcado muitas vezes pelo silêncio social e pela invisibilidade da dor, o acolhimento torna-se ainda mais necessário. Kutac e Larson (2016) destacam que a ausência de suporte emocional adequado pode intensificar quadros de depressão, ansiedade e luto complicado, impactando negativamente a saúde mental da mulher.

Diferentes abordagens psicológicas contribuem de maneira significativa nesse processo. A terapia cognitivo-comportamental auxilia na reestruturação de pensamentos automáticos disfuncionais; a terapia narrativa favorece a ressignificação da experiência por meio do relato pessoal da perda; e a terapia de grupo fortalece o suporte social e o sentimento de pertencimento. Além disso, a Análise do Comportamento, conforme Skinner (1953), oferece compreensão sobre os reforçadores que mantêm comportamentos relacionados ao sofrimento, propondo estratégias para o desenvolvimento de respostas mais adaptativas.

Nesse sentido, a Psicologia assume um papel central no enfrentamento do luto gestacional, promovendo saúde emocional e possibilitando à mulher reconstruir sua narrativa de vida de forma mais integrada e significativa.

Assim, este projeto tem como pergunta de pesquisa: como a Psicologia pode contribuir para o enfrentamento do luto gestacional, a partir das vivências emocionais retratadas na série This Is Us?

O objetivo geral deste trabalho é analisar o papel da Psicologia no enfrentamento do luto gestacional, a partir da representação da perda gestacional na série This Is Us, utilizando a análise comportamental para compreender os padrões de comportamento relacionados ao luto, as respostas emocionais das personagens e o impacto das intervenções psicológicas no apoio emocional e comportamental das famílias afetadas. E tem como objetivos específicos: Compreender o conceito de luto gestacional e suas implicações emocionais e psicológicas; identificar como o luto gestacional é representado na série This Is Us; refletir sobre as formas de acolhimento e suporte psicológico às famílias que vivenciam o luto gestacional e relacionar as vivências das personagens da série com práticas psicológicas que promovam um enfrentamento saudável do luto.

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 Luto gestacional: o papel da psicologia no enfrentamento da perda.

O luto gestacional é uma experiência marcada por intensa dor emocional, muitas vezes vivida de forma silenciosa e solitária por mulheres e famílias que enfrentam a perda de um bebê durante a gestação ou logo após o parto. Apesar da relevância e profundidade dessa vivência, ainda é comum que esse tipo de luto seja minimizado ou ignorado socialmente, sendo classificado como uma dor “menor” por não haver, em muitos casos, a convivência física prolongada com o bebê. Essa negligência social contribui para o agravamento do sofrimento psíquico, tornando fundamental o olhar atento da psicologia sobre o tema.

De acordo com Franco (2021), o luto é uma experiência complexa que se inicia quando uma situação conhecida e significativa cessa, envolvendo uma série de significados para o indivíduo e sua relação com o contexto. “Sendo o luto uma experiência que, embora apresente similaridades entre indivíduos ou grupos, terá sempre um cunho particular, a tentativa de padronizá-lo ou homogeneizá-lo não trará resultados favoráveis à sua compreensão” (Franco, 2021, p. 95). 

Ela também discute que o luto é um processo que envolve oscilação entre o enfrentamento da perda e a busca por restauração, permitindo ao enlutado lidar com suas experiências diárias e enfrentar a dor da perda.

Porém, o que acontece quando o luto gestacional não é reconhecido? Ainda em Franco, “o luto não reconhecido é aquele que não pode ser expresso e vivenciado abertamente, por censura da sociedade ou do próprio enlutado, quando o vínculo rompido não é validado” (2021, p.116).

Segundo o Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS, 2024), o número de óbitos fetais de 2013 a 2022 foi de 175.440. Enquanto que no último ano, 2023, o Departamento de Análise Epidemiológica e Vigilância de Doenças Não Transmissíveis (DAENT, 2024) registrou, ainda em dados preliminares, um total de 30.506 óbitos fetais.

Sanches e Freitas (2017) declaram que diante da ruptura de um vínculo, é natural que ocorra o luto. O luto é o processo de lidar com uma perda significativa, vivenciado de forma única e pessoal por cada indivíduo, utilizando diversos recursos que possuem para enfrentar esse momento de dificuldade e sofrimento. 

Para Casellato (2015), o luto resultante da perda gestacional ainda é visto pela sociedade como um luto não reconhecido, acabando por ser frequentemente ignorado e subestimado. Isso faz com que aqueles que sofrem essa perda sejam levados a enfrentar o luto, de maneira isolada.

Na cultura do desvincular-se fácil e rapidamente, do esquecimento, da não construção de uma memória, o não reconhecimento de um luto está muito próximo da não validação de relações dedicadas que possibilitem tanto a empatia como a intimidade, esta última requerendo tempo e tolerância para ser construída. Posso mesmo pensar que o luto não reconhecido surge como um sintoma da pós-modernidade (Franco, 2021, p. 117).

Moreno e Bleicher (2022) evidenciam que, embora a perda seja real, o reconhecimento do sofrimento nem sempre é o que afeta o suporte social disponível. Em um estudo conduzido pelos autores (2022), mulheres entrevistadas expressaram sentir que sua dor era invisível. “Eu queria falar do meu filho, porque eu gosto, e não me deixam falar”, “Sobre término de relacionamento tem música de sofrência, todo mundo entende a dor e a saudade, mas, quando você vai falar do filho que perdeu não deixam, pois, é mórbido (Moreno; Bleicher, 2022, p. 43). 

De acordo com Ferraro (2019), a perda gestacional envolve mais do que a ausência do bebê em si, ela está ligada à perda da maternidade, do status social e das expectativas futuras, o que pode levar a uma fragilidade emocional, trazendo à tona sentimentos como angústia, culpa, medo, solidão e ansiedade. Essa situação não apenas abala a identidade da mulher, como também exige uma reconstrução de si mesma.

De acordo com Rodrigues (2018), é importante que o psicólogo considere o sofrimento individual diante da perda e o impacto desse evento em toda a família. Reconhecer que cada membro pode lidar com o luto de maneira distinta e em momentos diferentes é essencial. 

Diante dos fatos, se faz necessário, que nesse contexto, o profissional analise a cultura familiar, relação com a perda e outros aspectos fundamentais, a fim de auxiliar cada membro no processo de elaboração do luto e promover mudanças que possam restaurar a interação familiar.

Ainda continuando com o autor citado acima o psicólogo é o profissional mais capacitado para facilitar a expressão do luto. Entretanto, é essencial entender que esse processo requer tempo e não pode ser apressado nem pela família, nem pela equipe de saúde. Esse tempo deve ser usado para fortalecer a capacidade do enlutado de lidar com a perda do bebê

2.2 O luto gestacional é representado na série This Is Us.

A morte de um filho antes ou logo depois do nascimento rompe com a ordem natural da vida, assim como interrompe os sonhos, as esperanças, as expectativas e as esperas existenciais que normalmente são depositados na criança que está por vir. Nas palavras de Franco (2021, p. 97), “A morte de um feto é a morte de um sonho”.

Na série This Is Us é um drama familiar sobre a vida da família Pearson ao longo de diferentes linhas do tempo, focando em Rebecca e Jack e seus trigêmeos Kevin, Kate e Randall. Randall foi adotado por Jack e Rebecca após a morte de um dos trigêmeos deles. A adoção dele é um dos temas centrais da série, explorando sua busca pela identidade e a relação com seus pais biológicos e adotivos.

A série alterna passado e presente para explorar os dilemas, amores, perdas e o crescimento dos personagens, mostrando que as experiências moldam as pessoas e que o amor e a conexão familiar são o alicerce para superar desafios. 

A série This Is Us é fundamental para a análise psicológica, explorando de forma aprofundada como a infância, traumas e dinâmicas familiares moldam a vida adulta, além de promover a empatia ao humanizar personagens com suas feridas e traumas. A narrativa, que transita entre passado e presente, permite observar a formação de esquemas psicológicos, a influência do luto, a complexidade dos relacionamentos e a construção da identidade, gerando reflexões sobre amor, perda, arrependimento e redenção para o espectador. 

Desde o primeiro episódio, “This Is Us” deixa claro que o luto será um tema recorrente. A morte de Jack Pearson, o patriarca da família, é um dos principais eventos que moldam a narrativa. Cada membro da família Pearson lida com essa perda de maneira única, refletindo a diversidade de experiências e sentimentos que o luto pode desencadear. A série explora o impacto do luto através de diferentes perspectivas e fases da vida dos personagens. Randall, Kevin e Kate, os três filhos de Jack, vivem o peso dessa perda enquanto enfrentam desafios pessoais como ansiedade, vícios e dificuldades de autoestima. Rebecca, viúva de Jack, também é retratada em sua jornada para equilibrar o papel de mãe solo com a dor de perder seu grande amor.

Ao longo de seis temporadas, “This Is Us” deixa uma mensagem clara: o luto não é um processo linear. Ele é cheio de altos e baixos, marcado por momentos de tristeza profunda, mas também por instantes de superação e alegria. 

Em “This Is Us”, o luto é mostrado como algo que não se limita apenas ao sofrimento. Ele também é um processo de ressignificação, onde a memória dos que partiram é mantida viva através do amor, das lembranças e das conexões que eles deixaram.

Assistir à série pode ser uma forma de apoio emocional para quem está enfrentando o luto. Ao ver como os personagens lidam com suas próprias perdas, muitos espectadores encontram conforto, compreensão e até mesmo inspiração para ressignificar suas experiências pessoais. “This Is Us” é mais do que uma série de drama familiar; é uma lição de vida. Com sua narrativa sensível e realista, ela nos ensina que o luto faz parte da jornada humana e que, mesmo diante das perdas, podemos encontrar motivos para seguir em frente.

A personagem que vivencia o luto gestacional na série This Is Us é Kate Pearson que sofre um aborto espontâneo no início de sua jornada para engravidar com seu então marido, Toby. A série aborda de forma sensível o luto do casal e os desafios emocionais e físicos que ela enfrenta, inclusive sendo desencorajada por médicos a tentar novamente devido a riscos de saúde.

2.3 O luto do ponto de vista Psicológico.

Do ponto de vista psicológico, o luto é uma resposta natural e processual a uma perda significativa, envolvendo reações emocionais, cognitivas e comportamentais. 

Conforme Frankl (2019), é um processo de enfrentamento da dor que pode se manifestar como tristeza, raiva, culpa, ansiedade e, às vezes, sintomas físicos, e não se limita apenas à morte, estendendo-se a outras perdas como emprego, divórcio ou fim de amizades. A psicologia entende o luto como uma jornada para a reestruturação emocional e para a aceitação da ausência. 

“A psicologia entende que para dissipar a dor psíquica de uma perda, é necessário que ela seja dita, vivida, sentida, refletida e elaborada, mas nunca negada” (Moreno, et al., 2022, p. 65). 

Levando em conta o enfrentamento ao luto, Franco (2021) aponta que do ponto de vista do desenvolvimento do trabalho do psicólogo, é importante que o profissional faça uma reflexão do luto do ponto de vista fenomenológico-existencial e quais os desdobramentos que isso terá implicações na prática clínica, visto que através dessa perspectiva, quando uma pessoa perde uma pessoa próxima, ela “perde também possibilidades próprias de existir no mundo, podendo experienciar, assim, o esvaziamento de sentido de sua existência.”

Sendo assim, conforme Bardin (2016), o psicólogo tem que compreender esse processo de ruptura, não desvalidando os sentimentos e narrativas apresentadas pelo enlutado. Na contramão disso, o profissional deve oferecer ferramentas para o paciente viver o luto e ressignificar o morto enquanto sentido na própria vida.

Contudo, mediante Santos (2017), há um tempo para todo esse processo se constituir que não pode ser apressado nem pela família e nem pela equipe de saúde. Na verdade, o tempo tem de ser usado para melhorar a capacidade do enlutado de elaborar a perda do bebê.

Segundo Rodrigues (2018), um dos papéis da psicologia diante de intercorrências como o luto perinatal é desafiar a mentalidade da morte como tema interdito, buscando identificar as vulnerabilidades e o alto risco dos pais que perderam seus filhos. Cabe à psicologia ajudar os pais e familiares a se apropriar da situação que estão vivendo, de modo que, posteriormente, eles consigam falar do fato ocorrido, assimilá-lo e, algum tempo depois, aceitá-lo.

De acordo com Moreno et al. (2021), os rituais fúnebres ajudam no processo de luto, pois a recuperação é centrada na aceitação, e o velório permite que as pessoas se despeçam e que o enlutado seja considerado como tal.

Buscou-se analisar por meio de artigos, revistas e livros base a compressão do luto nas três principais abordagens da psicologia atualmente: Análise do Comportamento (AC), Psicanálise e Psicologia Humanista. 

Na perspectiva analítica comportamental situações em que ocorrem o luto o ambiente do sujeito é alterado, criando-se um conjunto de contingências aversivas e a perda de reforçadores valorosos para o enlutado. Aumenta-se também a emissão de comportamentos de fuga e de esquiva já que o indivíduo tende a evitar dores e frustrações, diminuindo a frequência de comportamentos de sua atividade cotidiana, expondo-se menos a diferentes contingências e reforços. (FERRARO, 2019).

Na teoria psicanalítica a concepção da perda objetal é o ponto chave do processo do luto, Freud indica em sua obra que: “O luto, de modo geral, é a reação à perda de um ente querido, à perda de alguma abstração que ocupou o lugar de um ente querido, como o país, a liberdade ou o ideal de alguém” (Freud, Luto e Melancolia, SE, XIV, pág. 249).

No manejo clínico sobre a demanda de luto a psicanálise busca utilizar o setting terapêutico como facilitador na elaboração do luto, através de um estudo de caso apresenta que a conduta do psicólogo no espaço terapêutico favorece a formação de um lugar para o paciente significar o processo de estruturação do luto durante a terapia. (FERRARO, 2019).

Para tanto é fundamental que o analista desenvolva o espaço para se realizar a significação, levando em consideração singularidades e características do sujeito para consolidação do trabalho sobre o luto.

Para a Psicologia Humanista o luto representa a consciência da finitude do ser, por meio dele surgem sentimentos da ausência de sentido no mundo. Para além da ausência física o luto recorre na ausência da relação que se havia com o sujeito e dessa forma o luto não será visto como algo a ser superado, mas sim um fenômeno que trará evocações de lembranças e sentimentos. (CASELLATO, 2015).

3. MATERIAIS E MÉTODOS

A pesquisa documental utilizada neste trabalho tem como conceito principal recorrer a fontes diversificadas e dispersas, sem tratamento analítico prévio, tais como: tabelas estatísticas, jornais, revistas, relatórios, documentos oficiais, cartas, filmes, séries de televisão, fotografias, pinturas, vídeos de programas televisivos, entre outros (FONSECA, 2020).

No presente estudo, o objeto principal de análise foi uma série de televisão. A obra selecionada é This Is Us (2016), uma produção da emissora norte-americana NBC, disponível atualmente na plataforma de streaming Star+. A série é reconhecida por abordar com profundidade questões emocionais e familiares, incluindo a vivência do luto gestacional.

A análise foi realizada a partir de episódios específicos que retratam a perda gestacional vivida por uma das personagens centrais, buscando compreender os aspectos emocionais e comportamentais envolvidos na vivência do luto. Para tanto, foi observado o contexto psicológico da personagem afetada, sua rede de apoio, os impactos na dinâmica familiar e conjugal, além das estratégias de enfrentamento do sofrimento psíquico diante da perda. 

A escolha da série This Is Us justifica-se por sua capacidade de sensibilizar o público ao retratar, de forma realista e emocional, experiências humanas profundas e frequentemente silenciadas, como a dor da perda de um filho ainda durante a gestação.

A pesquisa adotou o método de pesquisa explicativa, o qual se preocupa em identificar os fatores que determinam ou contribuem para a ocorrência de determinados fenômenos (GIL, 2015). No caso deste trabalho, o fenômeno estudado é o luto gestacional e o papel da Psicologia no processo de enfrentamento dessa experiência. Por meio da análise das situações representadas na série, buscou-se compreender como a Psicologia pode contribuir para o acolhimento emocional, a validação dos sentimentos e o fortalecimento de estratégias de enfrentamento saudáveis por parte das famílias enlutadas.

Esta produção textual foi realizada a partir de uma abordagem teórica fundamentada nos princípios da Psicologia, especialmente no campo da psicologia clínica e do acolhimento do sofrimento psíquico relacionado a perdas. A análise será guiada pelos fundamentos da análise de conteúdo, conforme proposta por Bardin (2016), que permite a identificação de categorias temáticas com base na observação das falas, expressões emocionais, comportamentos e contextos apresentados pelos personagens. A técnica permite organizar e interpretar os dados de forma sistemática, favorecendo uma compreensão profunda do fenômeno estudado.

Dessa forma, o presente trabalho propõe uma investigação qualitativa, por meio de análise de conteúdo documental, sobre o papel da Psicologia no enfrentamento do luto gestacional, considerando as vivências emocionais retratadas em This Is Us. Espera-se, com isso, contribuir para a elaboração de diretrizes de intervenção que valorizem a validação do sofrimento, o acolhimento empático e o uso de recursos midiáticos como suporte ao processo terapêutico e à conscientização social acerca do luto gestacional. 

Por fim, esta pesquisa tem também um caráter exploratório e reflexivo, ao utilizar uma obra ficcional como recurso pedagógico para ampliar a compreensão sobre o luto gestacional e a atuação psicológica. Acredita-se que a análise de obras midiáticas pode enriquecer a formação de futuros psicólogos, proporcionando empatia, escuta sensível e reconhecimento das múltiplas formas de sofrimento humano.

3.1 Episódios Selecionados da Série This Is Us

Para a realização desta pesquisa, foram selecionados episódios específicos da série This Is Us que abordam de forma direta o luto gestacional e suas repercussões emocionais e familiares. Os episódios foram escolhidos com base na relevância temática, na intensidade emocional das cenas e na presença de elementos que permitam uma análise psicológica significativa. Os episódios selecionados são:

Temporada 1, Episódio 1: Introduz o contexto da perda gestacional e os personagens centrais envolvidos. A trama alterna entre diferentes linhas do tempo, revelando no final que as histórias estão ligadas à família Pearson. 

A história dos pais, Jack (Milo Ventimiglia) e Rebecca (Mandy Moore), se passa no passado, em 1980, e gira em torno do nascimento de seus trigêmeos. O parto acontece no 36º aniversário de Jack. No hospital, eles descobrem que um dos bebês não sobreviveu ao parto.

A perda do terceiro filho é um momento devastador, mas crucial para a história da família, pois leva à decisão de adotar um bebê abandonado que havia sido levado ao mesmo hospital. 

Temporada 2, Episódio 8: Aborda o impacto psicológico da perda na vida de Kevin, irmão da personagem enlutada, revelando como suas perdas e traumas de infância moldaram suas inseguranças e seu vício. O episódio se concentra em Kevin, mas o tema do luto é central para toda a família. 

Kevin, que sempre foi o “número um” de sua família, tem seu futuro promissor no futebol desfeito por uma lesão no joelho na adolescência. Essa experiência o leva a se sentir um fracasso e a não ser bom o suficiente, o que o faz questionar seu valor. 

No presente, Kevin está mergulhado no vício em álcool e analgésicos. Ao voltar a sua antiga escola para receber um prêmio, ele tem uma crise pública de desespero e embriaguez, mostrando como ele usa o vício para anestesiar o sentimento de perda e insuficiência.

Temporada 2, Episódio 9: Foca na experiência emocional da personagem Kate, que vivencia a perda gestacional é retratado de forma devastadora e realista. A narrativa explora as complexas camadas de culpa, vergonha e luto que ela sente, enquanto tenta processar a tragédia. 

A perda gestacional é um evento frequentemente cercado de culpa, e o episódio capta isso de forma intensa. Kate se sente responsável, como se seu corpo tivesse falhado, um sentimento que ecoa suas inseguranças de longa data relacionadas ao seu peso e à sua saúde.

O ponto de virada no episódio ocorre durante uma conversa emocional com sua mãe, Rebecca, que também enfrentou a perda de um filho. A partilha de experiências e a compreensão de Rebecca oferecem a Kate a validação que ela precisava para começar a se curar. A conexão entre as duas, muitas vezes complicada, se fortalece na dor e na empatia. 

O episódio não termina na escuridão. A interação com Rebecca, a aceitação gradual de que não precisa carregar o fardo sozinha e a promessa de apoio de Toby apontam para um caminho de recuperação. A dor não desaparece, mas a perspectiva de supera-la em conjunto começa a se formar.

A complexidade do luto é elogiada por retratar a experiência multifacetada da perda gestacional, mostrando que o luto não é um processo linear e que a dor pode vir acompanhada de sentimento de culpa e inadequação. 

Temporada 4, Episódio 6:  Apresenta reflexões posteriores da personagem Kate sobre a perda e suas tentativas de enfrentamento. Foca nas lutas pessoais de cada um dos Pearson: Randall lida com ansiedade, o casamento com Beth enfrenta turbulências, e ele se dedica a ajudar a comunidade na Filadélfia. Kate e Toby enfrentam desafios na criação do bebê Jack, o que gera tensões entre eles. Kevin tenta manter sua sobriedade e busca respostas sobre o tio Nicky, que descobre estar vivo. 

No final da temporada, a doença de Alzheimer de Rebecca, já em estágio avançado, é o ponto central, com os filhos lidando com a situação e Rebecca decidindo participar de um ensaio clínico. 

Esses episódios oferecem cenas que ilustram com profundidade a vivência do luto, incluindo expressões emocionais, apoio familiar, silêncio social e tentativas de ressignificação da dor.  Com isso, espera-se que a pesquisa contribua para ampliar o olhar da Psicologia sobre o luto gestacional, a partir da análise simbólica e reflexiva de uma obra de ficção que representa de forma sensível e realista um tema tão importante e, ao mesmo tempo, negligenciado em nossa sociedade. 

O estudo busca também promover discussões sobre a importância do acolhimento psicológico e da validação do luto em contextos reais, valorizando as representações midiáticas como recurso complementar de estudo e reflexão na formação de profissionais da saúde mental.

Por meio desta análise, pretende-se não apenas compreender representações ficcionais de dor e superação, mas também lançar luz sobre as dores reais.  Cenas intensas de expressões emocionais, dinâmicas familiares e estratégias de enfrentamento que podem ser examinadas à luz das práticas psicológicas. A seleção de episódios centrados no tema justifica-se pela profundidade narrativa e pelo potencial didático para a formação de psicólogos.

4. RESULTADOS

A revisão narrativa foi composta por 10 artigos que nortearam o estudo, possibilitando a organização das evidências encontradas. Essas evidências abordaram os aspectos essenciais ao tema e permitiram identificar questões que podem ser exploradas em pesquisas futuras. (Quadro 1).

Com isso, espera-se que a pesquisa contribua para ampliar o olhar da Psicologia sobre o luto gestacional, a partir da análise simbólica e reflexiva de uma obra de ficção que representa de forma sensível e realista um tema tão importante e, ao mesmo tempo, negligenciado em nossa sociedade.

Quadro 1. Estudos selecionados para compor a Revisão Narrativa.

Autor/anoTítuloObjetivoTipo de Pesquisa
BARDIN (2016)Análise de conteúdoDescrever o método e as técnicas da análise de conteúdo e suas contribuições.Pesquisa qualitativa deEpidemiologia
CASELLATO(2015)O resgate da empatiaÉ tornar a ajuda acessível nos mais diferentes cantos de nosso país, para enlutados que surgem aos milhares a cada dia.Revisão Integrativa
DATASUS (2024)Óbitos fetaisAnalisar os dados do departamento de informática do sistema Único de SaúdePesquisa quantitativa deEpidemiologia
FERRARO(2019)O sofrimento psíquico e suas implicações diante da perda gestacionalAnalisar a construção da maternidade de mulheres que vivenciaram a perda gestacional e as especificidades da elaboração do luto materno nesses casos. Pesquisa qualitativa
FRANCO(2021)O luto no século 21: uma compreensão abrangente do fenômenoCaracterizar as práticas de terapeutas ocupacionais brasileiros com pessoas enlutadasPesquisa transversal, exploratória, de abordagem qualitativa
FRANKL(2019)O Sofrimento Humano: fundamentos Antropológicos da psicoterapiaAnalisar o tema do sofrimento na obra do filósofo alemão Friedrich. Nietzsche (1844-1900) e do criador da LogoterapiaPesquisa Bibliográfica
MORENO et al., (2022)A atuação de ONGs e coletivos no apoio a pais em condição de luto perinatal.Dar importância a atuação de ONGs e coletivos no apoio a pais em condição de luto perinatal. Estilos da ClínicaRevisão Integrativa
RODRIGUES(2018)Uma revisão da literatura acerca do processo de elaboração do luto no sistema familiar Realizar uma revisão sistemática da literatura sobre a dinâmica familiar no processo de lutoRevisão Integrativa
SANCHES et al.,(2017)O papel do psicólogo hospitalar diante da perda fetalCompreender o papel do psicólogo na unidade hospitalar.Pesquisa Bibliográfica
SANTOS(2017)A elaboração do luto materno na perda gestacionalCompreender de que forma se organizam as vivências maternas após uma perda gestacional. Sobretudo, pretende-se compreender que factores contribuem para que essas vivências apresentem variações mais amplas ou mais restritasEstudo descritivo, transversal e quantitativo de campo

5. DISCUSSÃO

A análise dos estudos selecionados evidencia uma investigação qualitativa, por meio de análise de conteúdo documental, sobre o papel da Psicologia no enfrentamento do luto gestacional, considerando as vivências emocionais retratadas em This Is Us

A morte do filho antes do nascimento ou óbito fetal representa, geralmente, grande perda para pais e familiares constituindo acontecimento traumatizante, lembrado e temido em uma próxima gestação. A involução da gestação coloca em suspenso os sonhos, as esperanças, as expectativas e as esperas existenciais que os pais normalmente depositam no nascimento da criança. (BARDIN ,2016). 

Sanches et al., (2017) (2001) organizam em três tipos as variáveis que influenciam a reação emocional à perda. No que concerne às variáveis relacionadas aos pais, deve-se evidenciar, a nível individual, fatores como a idade, as características da personalidade, as crenças religiosas, seu contexto social e sua história de vida, entre vários aspectos. 

Diante dos fatos sobre a temática, a série *This Is Us*, criada por Dan Fogelman e lançada em 2016, é uma produção dramática que retrata a trajetória da família Pearson ao longo de diferentes fases da vida. Por meio de uma narrativa não linear, a obra aborda temas como amor, adoção, relações familiares, identidade e, de maneira sensível e profunda, o luto. 

Quando se fala em luto segundo Bardin (2016), é comum a associação deste termo com a experiência de perder uma pessoa querida para a morte. Contudo, o luto também pode ser compreendido de uma forma mais ampla, como uma resposta após qualquer perda significativa, podendo aparecer de forma constante durante o desenvolvimento humano, uma vez que há diversas perdas ao longo da vida, tanto reais como simbólicas. 

Observando os diferentes olhares sobre esse fenômeno, ressalta alguns trabalhos como os de Moreno et al., (2022 apud FRANCO, 2021), que pensa o luto como um processo de construção de significado, e os de Santos (2017 apud FRANCO, 2021), que possuem um olhar voltado à possibilidade de se manter vínculos contínuos, em oposição à necessidade de desligamento da pessoa falecida. 

Desse modo, entendem que as intervenções durante o trabalho de luto que vão além do foco no afastamento da pessoa perdida podem ser muito relevantes, uma vez que buscam a construção de um vínculo contínuo e saudável com o que se perdeu.

Conforme Frankl (2019), na série This Is Us, um dos enredos centrais envolve a perda gestacional de um dos trigêmeos esperados por Rebecca e Jack Pearson. A morte do bebê logo após o parto é apresentada como um evento marcante, que desencadeia intensas reações emocionais e comportamentais nos personagens. 

Diante disso, a série evidencia como o luto gestacional impacta não apenas a mãe, mas todo o núcleo familiar, demonstrando diferentes formas de enfrentamento diante da perda. 

A partir dessa representação, de acordo com Sanches et al., (2017), This Is Us contribui para reflexões relevantes no campo da Psicologia, ao retratar o luto gestacional como uma experiência legítima e significativa, que demanda acolhimento, escuta e validação emocional. 

A obra ressalta a importância do suporte psicológico nesse processo, destacando o papel do profissional de Psicologia em promover um espaço de expressão emocional, favorecer a ressignificação da perda e auxiliar na reconstrução do vínculo afetivo interrompido. 

Dessa forma Ferraro (2019), comenta que a série oferece subsídios para compreender o luto gestacional sob uma perspectiva comportamental e emocional, reforçando a necessidade de reconhecimento social e psicológico dessa forma de perda, frequentemente invisibilizada.

Para a realização desta pesquisa, foram selecionados episódios específicos da série This Is Us que abordam de forma direta o luto gestacional e suas repercussões emocionais e familiares. Os episódios foram escolhidos com base na relevância temática, na intensidade emocional das cenas e na presença de elementos que permitam uma análise psicológica significativa. 

Temporada 1, Episódio 1: Introduz o contexto da perda gestacional e os personagens centrais envolvidos. A busca por respostas sobre quem somos e de onde viemos é um tema central, especialmente para Randall, que busca se reconectar com suas origens biológicas, e Kevin, que busca entender seu próprio valor. 

Temporada 2, Episódio 8: Aborda o impacto psicológico da perda na vida de Kevin, irmão da personagem enlutada.

O luto de Kevin não se restringe à morte do pai. Ele lida com a morte de Jack e as perdas de sua infância, como o fim de sua carreira no futebol, que são catalisadas no episódio. A série mostra como esses eventos moldam o caráter e as ações dele na vida adulta.

Kevin passa a vida tentando fugir das perdas e dos traumas. Seu vício em álcool e analgésicos é uma maneira de negar a dor. Quando está em crise, ele tenta fugir da realidade, mas a pressão interna aumenta e ele acaba explodindo. As perdas de Kevin, que vão além da morte do pai, são um exemplo de luto complexo, em que as perdas não resolvidas do passado continuam a afetar a vida adulta. 

Temporada 2, Episódio 9: Foca na experiência emocional da personagem Kate, que vivencia a perda gestacional.

Temporada 4, Episódio 6:  Apresenta reflexões posteriores da personagem Kate sobre a perda e suas tentativas de enfrentamento.

Esses episódios introduzem a perda como um elemento fundamental na vida dos personagens, e a série explora como uma lida com esse trauma de maneira diferente, impactando suas vidas de formas distintas. A mensagem central é que a vida é feita de altos e baixos, e que, mesmo diante de adversidades, é possível encontrar esperança e resiliência, valorizando os laços familiares e o amor. 

Segundo Ferraro (2019), durante o luto, as pessoas enlutadas podem vivenciar uma ampla gama de sentimentos, como tristeza, raiva, culpa, ansiedade, solidão, fadiga, desamparo, choque, libertação, alívio e torpor. Entre os comportamentos mais comuns, estão o isolamento social, choro, lembranças, hiperatividade, valorização de lugares e objetos que lembrem ou pertenciam a pessoa morta, podendo aparecer, inclusive, distúrbios do sono.

Assim, ainda que algumas reações sejam semelhantes, têm de se considerar que cada indivíduo vivencia o luto de uma forma distinta, sobretudo em diferentes etapas da vida, pois o modo ele irá sentir e enfrentar tem relação com a sua história.

Alguns acontecimentos da infância certamente podem marcar toda uma jornada. Porém, a vida também traz oportunidades para que, ao topar com os fantasmas do passado, seja possível fazer uma releitura do que ocorreu e até mesmo dar um novo significado. (FERRARO,2019).

De acordo com a literatura, o estudo busca promover discussões sobre a importância do acolhimento psicológico e da validação do luto em contextos reais, valorizando as representações midiáticas como recurso complementar de estudo e reflexão na formação de profissionais da saúde mental.

Mediante Franco (2021), uma das primeiras tarefas do profissional de psicologia ao acompanhar um caso de luto perinatal é acolher e buscar identificar as vulnerabilidades e o alto risco da paciente que perdeu seu bebê. Ademais, cabe ao profissional auxiliar também os pais e familiares a assimilar a situação que estão vivendo, de modo que, posteriormente, eles consigam se expressar sobre o fato ocorrido e como se sentem, para assim, algum tempo depois, aceitá-lo. 

Para tanto Santos (2017), a intervenção psicológica precisa ser acompanhada de uma postura compreensiva e empática. Nesse contexto, mensagens sensíveis podem ser importantes, como “Isto que estão passando deve ser realmente muito difícil”, “Estou aqui disponível para vocês”, “Fico triste com vocês”, “O que posso fazer para vos ajudar? ” (SANCHES ET AL.,2017).

Por meio desta análise, pretende-se não apenas compreender representações ficcionais de dor e superação, mas também lançar luz sobre as dores reais.  Cenas intensas de expressões emocionais, dinâmicas familiares e estratégias de enfrentamento que podem ser examinadas à luz das práticas psicológicas. 

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, pode-se afirmar que a perda de um filho antes do nascimento tem certamente grande impacto emocional para a mulher e seus familiares. 

Os dados da presente pesquisa reforçam o entendimento do luto gestacional e o papel da psicologia no enfrentamento da perda descrito na literatura. Destaque dado à assistência profissional é um ponto interessante encontrado no estudo, que nos faz refletir sobre a importância do psicólogo no atendimento eficaz e acolhedor.

Os estudos analisados apontam que se atribui ao psicólogo a função de facilitar o contato com o processo de luto, bem como, de possibilitar aos que perderam alguém a chance de expressar seus sentimentos, viabilizando a elaboração do luto pelo filho que se foi.

Espera-se, com isso, contribuir para a elaboração de diretrizes de intervenção que valorizem a validação do sofrimento, o acolhimento empático e o uso de recursos midiáticos como suporte ao processo terapêutico e à conscientização social acerca do luto gestacional. 

Por fim, esta pesquisa tem também um caráter exploratório e reflexivo, ao utilizar uma obra ficcional como recurso pedagógico para ampliar a compreensão sobre o luto gestacional e a atuação psicológica. 

Acredita-se que a análise de obras midiáticas pode enriquecer a formação de futuros psicólogos, proporcionando empatia, escuta sensível e reconhecimento das múltiplas formas de sofrimento humano.

Ao fazer essa pesquisa, não estamos apenas visando conhecimento, mas também dando voz às experiências silenciadas e de luta por uma sociedade mais compassiva e acolhedora para todas as mulheres que enfrentam o luto gestacional. 

Com isso, espera-se que a pesquisa contribua para ampliar o olhar da Psicologia sobre o luto gestacional, a partir da análise simbólica e reflexiva de uma obra de ficção que representa de forma sensível e realista um tema tão importante e, ao mesmo tempo, negligenciado em nossa sociedade. 

Ademais, cabe salientar a importância de estudos futuros que possam investir em novas reflexões acerca do luto gestacional.

REFERÊNCIAS

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BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 1.459, de 24 de junho de 2011. Institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS – a Rede Cegonha. 2014. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt1459_24_06_2011.html. Acesso em: 30 maio. 2025.

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1Discente do curso de Bacharelado em Psicologia, (UNINASSAU), biancacoutinho478@gmail.com
2Discente do curso de Bacharelado em Psicologia, (UNINASSAU), sorayarodriguesdasilva9@gmail.com
3Docente e Orientadora do curso de Bacharelado em Psicologia, (UNINASSAU).