NÚMERO DAS FRATURAS DE QUADRIL EM IDOSOS NO BRASIL NOS ÚLTIMOS 10 ANOS E A RELAÇÃO DA TÉCNICA ANESTÉSICA COM A MORBIMORTALIDADE

NUMBER OF HIP FRACTURES IN ELDERLY INDIVIDUALS IN BRAZIL IN THE LAST 10 YEARS AND THE RELATIONSHIP OF ANESTHETIC TECHNIQUE WITH MORBIDITY AND MORTALITY

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202510281303


Dra. Giovana Barreto Silvério1
Dra. Ana Luiza Barros Parreira2


RESUMO

As fraturas de quadril em idosos constituem um importante desafio em saúde pública, dada sua alta incidência, impacto funcional, custos assistenciais e associação com morbimortalidade significativa. O tratamento cirúrgico precoce é fundamental, mas a escolha da técnica anestésica ainda é motivo de discussão, especialmente em indivíduos frágeis, nos quais complicações perioperatórias como delirium, declínio cognitivo, complicações respiratórias e mortalidade influenciam diretamente os desfechos. A literatura recente apresenta resultados heterogêneos: revisões sistemáticas e metanálises apontam que a anestesia regional está associada à redução da incidência de delirium, menor risco de complicações respiratórias, menor declínio cognitivo precoce e tempo de internação reduzido. Esses achados sugerem vantagens em desfechos de curto prazo, principalmente em relação à preservação funcional imediata e à prevenção de complicações clínicas. No entanto, grandes ensaios clínicos randomizados não identificaram diferenças estatisticamente significativas entre anestesia espinhal e geral quanto à mortalidade ou à incapacidade funcional em curto e longo prazo. O objetivo deste trabalho é analisar o número de fraturas de quadril em idosos no Brasil nos últimos 10 anos e avaliar a relação entre a técnica anestésica utilizada e a morbimortalidade desses pacientes, buscando-se compreender os possíveis impactos da escolha anestésica sobre os desfechos clínicos e funcionais dessa população vulnerável.

Palavras-chave: Fratura de Quadril. Anestesia. Idosos.

ABSTRACT

Hip fractures in the elderly represent a major public health challenge due to their high incidence, functional impact, healthcare costs, and significant association with morbidity and mortality. Early surgical treatment is essential, but the choice of anesthetic technique remains a subject of debate, especially in frail individuals, in whom perioperative complications such as delirium, cognitive decline, respiratory complications, and mortality directly influence outcomes. Recent literature presents heterogeneous results: systematic reviews and meta-analyses indicate that regional anesthesia is associated with a lower incidence of delirium, reduced risk of respiratory complications, less early cognitive decline, and shorter hospital stays. These findings suggest advantages in short-term outcomes, particularly regarding immediate functional preservation and the prevention of clinical complications. However, large randomized clinical trials have not demonstrated statistically significant differences between spinal and general anesthesia in terms of mortality or functional disability in the short or long term. The aim of this study is to analyze the number of hip fractures in elderly patients in Brazil over the past 10 years and to evaluate the relationship between the anesthetic technique used and the morbidity and mortality of these patients, in order to better understand the potential impact of anesthetic choice on the clinical and functional outcomes of this vulnerable population.

Keywords: Hip Fracture. Anesthesia. Elderly.

1. INTRODUÇÃO

As fraturas de quadril são uma das principais causas de morbimortalidade em idosos, sendo responsáveis por elevados custos em saúde pública e por significativa perda de funcionalidade. Estima-se que a incidência anual mundial de fraturas de quadril ultrapasse 6 milhões de casos até 2050, impulsionada pelo envelhecimento populacional (CHEN et al., 2019; NEUMAN et al., 2021). No Brasil, dados recentes apontam aumento progressivo nas taxas de hospitalização por fratura de fêmur e quadril em indivíduos maiores de 60 anos, reforçando a relevância do tema na Atenção Hospitalar e na Saúde Pública (ZHANG et al., 2016).

O tratamento cirúrgico precoce é considerado o padrão-ouro para reduzir complicações como tromboembolismo, pneumonia e mortalidade (SORENSON; PACE, 1992; LUGER et al., 2014). Contudo, a escolha da técnica anestésica regional (espinhal ou peridural) ou geral, permanece objeto de debate, especialmente em idosos frágeis, devido ao impacto potencial em desfechos como delirium, declínio cognitivo, mortalidade e tempo de internação (CAO et al., 2023; CHEUNG et al., 2023).

A anestesia espinhal é a técnica neuraxial mais utilizada nesse contexto. Consiste na administração de anestésico local no espaço subaracnóideo, promovendo bloqueio motor e sensitivo rápido e previsível. Uma de suas principais vantagens é a eficácia analgésica, associada à menor necessidade de opioides no período pós-operatório. Em estudos comparativos, a anestesia espinhal tem se mostrado relacionada à menor incidência de complicações respiratórias, delirium e declínio cognitivo precoce, além de contribuir para a redução do tempo de internação hospitalar (CHEUNG et al., 2023; FAN et al., 2024; LIN et al., 2023). Seu perfil de segurança e eficiência a torna uma das opções mais empregadas em idosos, embora possa apresentar limitações em pacientes com alterações anatômicas de coluna, distúrbios de coagulação ou recusa do procedimento (ZHENG et al., 2020).

A anestesia peridural envolve a administração do anestésico local no espaço peridural, o que possibilita tanto o bloqueio intraoperatório quanto a manutenção da analgesia no pós-operatório por meio do uso de cateter. Essa característica permite maior flexibilidade no manejo da dor após a cirurgia, o que pode ser um diferencial em pacientes com elevado risco de complicações decorrentes da dor não controlada. Apesar de não ser a técnica isolada mais utilizada em cirurgias de fratura de quadril, a peridural pode ser aplicada em associação a sedação leve ou em técnicas combinadas com a anestesia espinhal, ampliando as opções de manejo anestésico e oferecendo vantagens no controle prolongado da dor (SORENSON; PACE, 1992; LUGER et al., 2014; HUSHAN et al., 2022).

A anestesia geral, por sua vez, é realizada com o uso de agentes inalatórios ou intravenosos, proporcionando inconsciência, analgesia e controle das vias aéreas. É particularmente indicada em casos de contraindicação ao bloqueio neuraxial, como em pacientes com distúrbios de coagulação, infecção na região de punção ou deformidades anatômicas importantes.

Além disso, mais recentemente os bloqueios periféricos — especialmente o bloqueio da fáscia ilíaca (FICB), bloqueio do nervo femoral (FNB) e o bloco pericapsular (PENG) — têm ganhado espaço como complemento frequente à raquianestesia, sendo muitas vezes realizados de forma pré-operatória ou perioperatória com auxílio do ultrassom. O acesso mais amplo ao ultrassom à beira leito aumentou a segurança e a precisão desses procedimentos, facilitando sua difusão na rotina hospitalar e permitindo estratégias que preservam a função motora quando desejado e amplificam o controle da dor. Há indícios de redução consistente da intensidade dolorosa e do consumo de opioides quando bloqueios guiados por ultrassom são empregados em pacientes com fratura de quadril.(EXSTEEN et al., 2022; GUAY, 2020; HONG, 2019). Há ainda evidências apontando associação entre o uso precoce de bloqueios periféricos e menor incidência de delírio pós-operatório e de eventos adversos associados às outras modalidades anestésicas (EXSTEEN et al., 2022; MUSE et al., 2024).

Ensaios clínicos randomizados e metanálises recentes também sugerem que protocolos que combinam raquianestesia com bloqueios periféricos podem reduzir a necessidade de opioides no pós-operatório imediato e favorecer a mobilização precoce, fatores estes relacionados à redução de complicações e potencial melhoria na recuperação funcional dos idosos (HOUSERMAN et al., 2022; TSÁI et al., 2022).

Diante desse cenário, revisões sistemáticas e metanálises têm buscado comparar os efeitos das modalidades anestésicas em idosos submetidos a cirurgias de fratura de quadril, para embasar recomendações baseadas em evidências (ZHENG et al., 2020; ZHOU et al., 2023; WAN et al., 2025). Nesse contexto, o objetivo do presente trabalho é realizar um levantamento dos dados sobre fratura do fêmur/quadril no Brasil, nos últimos 10 anos, em pacientes idosos, relacionando tal dado com as modalidades anestésicas mais utilizadas e seu potencial impacto nos desfechos para tais pacientes.

2. METODOLOGIA

O presente trabalho consiste em um estudo retrospectivo, de delineamento observacional e analítico, fundamentado na utilização de dados secundários extraídos do Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS), disponibilizados pela plataforma DATASUS.

Paralelamente, procedeu-se à realização de uma revisão narrativa da literatura científica pertinente. O recorte temporal adotado abrange o período de 2014 a 2025, enquanto o recorte populacional se restringe a indivíduos com idade igual ou superior a 60 anos, hospitalizados em decorrência de fratura de fêmur ou quadril no território brasileiro. O propósito central da investigação é quantificar as internações e intervenções cirúrgicas registradas nesse intervalo e, sobretudo, examinar a associação entre a modalidade anestésica aplicada e os principais desfechos clínicos observados nesses pacientes, com destaque para mortalidade, complicações perioperatórias e tempo de hospitalização.

A obtenção das informações provenientes do DATASUS foi realizada por meio da seleção dos registros de internação relacionados a cirurgias para tratamento de fratura de quadril/fêmur, devidamente organizados por ano. Dado que o sistema de informações hospitalares não contempla variáveis referentes à técnica anestésica empregada, tampouco fornece detalhamento sobre indicadores clínicos específicos, tornou-se necessária a complementação metodológica com uma revisão narrativa integrativa da produção científica disponível.

A revisão de literatura foi conduzida em bases de dados internacionais e nacionais de relevância, incluindo PubMed, Scopus, Web of Science e SciELO, a partir do emprego de descritores controlados e não controlados como “hip fracture”, “femoral fracture”, “elderly”, “regional anesthesia”, “general anesthesia”, “neuraxial techniques” e “perioperative outcomes”. Foram considerados elegíveis artigos publicados entre 2005 e 2025, redigidos em inglês, português ou espanhol, que abordassem a relação entre diferentes estratégias anestésicas e os desfechos perioperatórios de pacientes idosos submetidos a procedimentos cirúrgicos de quadril. Foram excluídas publicações sem dados clínicos primários, relatos de caso, comunicações breves e investigações em populações não geriátricas. Do mesmo modo, foram incluídos artigos de outras fontes, a despeito do ano, por sua relevância clínica ou importância geral ao presente estudo.

Entre os estudos selecionados, privilegiaram-se ensaios clínicos randomizados, metanálises, revisões sistemáticas e coortes multicêntricas. As variáveis extraídas contemplaram o tipo de anestesia utilizada (regional, geral, combinada ou associada a bloqueios periféricos), o número de participantes incluídos, os desfechos avaliados (mortalidade intra-hospitalar e em 30 dias, incidência de complicações cardiovasculares e respiratórias, ocorrência de delirium, tempo de permanência hospitalar e taxa de reoperações), bem como os indicadores estatísticos apresentados (valores de p, intervalos de confiança, razões de risco e odds ratios).

3. RESULTADOS

Observa-se um aumento contínuo no número de internações ao longo dos anos, que começa com 51.148 internações em 2015 e atinge 81.045 em 2023. Este crescimento pode ser atribuído a diversos fatores, como o envelhecimento da população brasileira, que leva a um maior número de indivíduos idosos e, consequentemente, a uma maior vulnerabilidade a fraturas de quadril, frequentemente decorrentes de quedas.

No que se refere ao número de óbitos, os dados indicam uma variação ao longo dos anos, com um pico de 3.306 óbitos em 2020, seguido por uma leve diminuição em 2021 e estabilização nos valores em 2022 e 2023 (3.588 e 3.565 óbitos, respectivamente). Embora o número de óbitos tenha flutuado, ele permanece consideravelmente elevado, o que destaca a gravidade das complicações associadas às fraturas de quadril, como infecções, embolias e problemas respiratórios, além da dificuldade de reabilitação em idosos, frequentemente fragilizados por comorbidades.

A taxa de mortalidade, calculada pela razão entre o número de óbitos e o total de internações, apresenta uma leve flutuação ao longo do período, variando entre 4,4% em 2023 e 5,3% em anos como 2017 e 2020. Embora a taxa de mortalidade tenha mostrado uma redução desde 2020, com a menor taxa registrada em 2023 (4,4%), ela ainda permanece alta, evidenciando o risco significativo de morte associado a essa condição. A diminuição da taxa de mortalidade em anos mais recentes pode ser interpretada como uma melhoria nas estratégias de tratamento, nas condições de cuidado e no acompanhamento pós-operatório, refletindo avanços na medicina e na gestão da saúde do paciente idoso. No entanto, é importante considerar que a melhoria na taxa de mortalidade também pode ser influenciada por outros fatores, como a evolução dos registros médicos e a melhor definição dos critérios de diagnóstico.

No geral, os dados destacam a importância de estratégias de prevenção e tratamento das fraturas de quadril/fêmur, dada a crescente quantidade de internações e a significativa mortalidade associada a essa condição. O aumento no número de internações, que está em linha com o aumento da população idosa, sugere a necessidade de políticas públicas voltadas não apenas para o tratamento, mas também para a prevenção, incluindo programas de promoção de saúde e educação para a redução de quedas entre os idosos. A redução da taxa de mortalidade ao longo dos anos indica que, apesar do aumento no número de casos, os tratamentos estão se tornando mais eficazes, mas a preocupação com a alta taxa de mortalidade ainda exige atenção contínua por parte das autoridades de saúde.

Tabela 1. Número de internações, óbitos e taxa de mortalidade por fratura de fêmur, no Brasil, de 2015 a 2024.

Ano do atendimentoInternaçõesÓbitosTaxa de mortalidade (%)
201551.14826745,2
201652.35927215,2
201755.65429435,3
201858.90731205,3
201962.96232215,1
202062.93133065,3
202168.49735905,2
202276.81435884,7
202381.04535654,4
202476.79035654,6
Total647.10732.2935,0

Fonte: DATASUS, 2025

Gráfico 1. Número de fraturas de quadril/fêmur em idosos, no Brasil, de 2015 a 2024

Fonte: DATASUS, 2025

Tabela 2. Número de internações, óbitos e taxa de mortalidade por fratura de fêmur, no Brasil, de 2015 a 2024, conforme o sexo

SexoInternaçõesÓbitosTaxa de mortalidade (%)
Masculino205.84411.0575,37
Feminino441.26321.2364,81
Total647.10732.2934,99

Fonte: DATASUS, 2025

Ao considerar a separação dos casos de fraturas de quadril/fêmur por sexo, observamos uma disparidade significativa entre homens e mulheres. As mulheres representam a grande maioria das internações, com 441.263 casos, o que corresponde a aproximadamente 68% do total de internações, enquanto os homens foram responsáveis por 205.844 internações, ou cerca de 32%. Esse desbalanceamento pode ser explicado pelo fato de que as mulheres idosas, especialmente aquelas com mais de 70 anos, apresentam maior risco de osteoporose, uma condição que aumenta a fragilidade óssea e a probabilidade de fraturas. Em relação aos óbitos, o número de mulheres que faleceram devido a fraturas de quadril também é significativamente maior, com 21.236 óbitos em comparação aos 11.057 óbitos registrados entre os homens. No entanto, a taxa de mortalidade por fraturas de quadril é mais alta entre os homens, com uma taxa de 5,37%, contra 4,81% entre as mulheres. Esse dado sugere que, embora o número absoluto de óbitos seja maior entre as mulheres devido ao maior número de internações, os homens têm uma taxa de mortalidade proporcionalmente mais alta, possivelmente devido a fatores como a maior fragilidade dos homens em termos de recuperação pós-cirúrgica e a presença de comorbidades associadas. Em termos gerais, a taxa de mortalidade total para fraturas de quadril/fêmur no Brasil é de 4,99%, refletindo tanto a gravidade da condição quanto a necessidade de aprimoramento nas estratégias de tratamento, principalmente em populações de risco, como os idosos, e considerando as diferenças entre os sexos.

Tabela 3. Número de internações, óbitos e taxa de mortalidade por fratura de fêmur, no Brasil, de 2015 a 2024, conforme a faixa etária.

Faixa EtáriaInternaçõesÓbitosTaxa de mortalidade
60 a 64 anos58.6571.0751,83
65 a 69 anos72.8781.7132,35
70 a 74 anos92.5222.6562,87
75 a 79 anos114.3714.2373,7
80 anos e mais308.67922.6127,33
Total647.10732.2934,99

Fonte: DATASUS, 2025

Ao analisar os dados segmentados por faixa etária, destaca-se uma clara relação entre o aumento da idade e o aumento tanto no número de internações quanto na taxa de mortalidade. A faixa etária mais jovem, entre 60 e 64 anos, apresenta o menor número de internações (58.657), refletindo a menor vulnerabilidade à fraturas graves em comparação às faixas etárias superiores. A taxa de mortalidade nesta faixa etária também é a mais baixa, com 1,83%, o que indica que os pacientes dessa faixa têm uma recuperação mais favorável, provavelmente devido a uma maior reserva fisiológica e menor presença de comorbidades.

À medida que a idade avança, tanto o número de internações quanto a taxa de mortalidade aumentam de forma expressiva. A faixa etária de 65 a 69 anos apresenta um aumento considerável no número de internações, chegando a 72.878, e uma taxa de mortalidade de 2,35%, um valor já mais elevado. Nas faixas de 70 a 74 anos (92.522 internações e 2,87% de mortalidade) e 75 a 79 anos (114.371 internações e 3,7% de mortalidade), o número de internações e a mortalidade continuam a subir, refletindo o aumento da fragilidade e das complicações associadas à idade avançada.

A faixa etária de 80 anos ou mais é, de longe, a mais impactada, com 308.679 internações, representando mais de 47% do total de internações, e 22.612 óbitos, o que corresponde a 70% do total de mortes registradas. A taxa de mortalidade nesta faixa é a mais alta, atingindo 7,33%, o que é explicável pela maior fragilidade dos pacientes dessa faixa etária, que frequentemente apresentam múltiplas comorbidades e uma capacidade reduzida de recuperação após procedimentos cirúrgicos.

Essa análise evidencia que, com o avanço da idade, os pacientes tornam-se progressivamente mais vulneráveis às fraturas de quadril/fêmur e, consequentemente, a complicações fatais. A taxa de mortalidade global de 4,99% reflete o grande risco associado a essa condição, especialmente em pacientes com 80 anos ou mais, o que reforça a necessidade de políticas públicas voltadas para a prevenção, a atenção à saúde do idoso e a melhoria das condições de tratamento e reabilitação para essa faixa etária.

4. DISCUSSÃO

A análise dos estudos revela resultados heterogêneos quanto ao impacto dos diferentes métodos anestésicos em cirurgias de fratura de fêmur em idosos (quadro 1). No que se refere à mortalidade, o ensaio clínico multicêntrico conduzido por Neuman et al. (2021) não encontrou diferença significativa entre anestesia espinhal e geral em 60 dias (RR 1,03; IC95% 0,84–1,27; p=0,76), achado confirmado por Vail et al. (2024), que também não observaram diferenças em um ano de seguimento (p=0,58). Em contrapartida, estudos mais antigos, como o de Sorenson e Pace (1992), já sugeriam uma tendência a menor mortalidade precoce associada à anestesia regional, embora sem alcançar significância estatística.

No desfecho de delirium pós-operatório, observou-se vantagem consistente da anestesia regional. Cheung et al. (2023) identificaram redução significativa da incidência de delirium com técnicas neuraxiais quando comparadas à anestesia geral (OR 0,78; IC95% 0,65–0,92; p=0,004), achado corroborado por Fan et al. (2024), que relataram risco reduzido de delirium em pacientes submetidos à anestesia regional (RR 0,81; IC95% 0,69–0,95; p=0,01). Além disso, Wan et al. (2025), ao desenvolverem um modelo preditivo, apontaram a técnica anestésica como fator de risco moderado para delirium, sendo a anestesia geral associada a maior vulnerabilidade (p<0,01).

Quanto à função cognitiva, Bhushan et al. (2022) observaram menor declínio cognitivo precoce entre os pacientes submetidos à anestesia regional (p<0,05), embora não tenha sido identificado impacto significativo na função cognitiva a longo prazo. Em relação às complicações perioperatórias, Cao et al. (2023) demonstraram menor incidência de complicações respiratórias em pacientes que receberam anestesia regional (RR 0,72; IC95% 0,55–0,94; p=0,02), enquanto Chen et al. (2019) relataram redução significativa no tempo de internação hospitalar nesses mesmos pacientes (diferença média -1,2 dias; p=0,03).

De forma geral, as evidências apontam que a anestesia regional apresenta benefícios em desfechos de curto prazo, como redução do delirium, de complicações respiratórias e do tempo de internação, além de menor declínio cognitivo precoce. No entanto, quando avaliados mortalidade e incapacidade funcional, os resultados sugerem que não há diferenças significativas entre a anestesia regional e a anestesia geral (Neuman et al., 2021; Vail et al., 2024; Zheng et al., 2020; Lin et al., 2023).

QUADRO 1. Resumo dos achados principais dos estudos utilizados neste trabalho.

Autor (ano)MetodologiaMétodos anestésicos comparadosResultados estatísticos relevantesConclusão
BHUSHAN et al.
(2022)
Revisão sistemática e metanáliseRegional
(espinhal/peridural) vs. geral
Menor declínio cognitivo precoce na regional (p<0,05)Regional reduz disfunção cognitiva imediata, sem impacto a longo prazo
CAO et al. (2023)Revisão sistemática e metanálise de RCTsRegional
(espinhal/peridural) vs. geral
Menor risco de
complicações
respiratórias (RR
0,72; IC95%
0,55–0,94; p=0,02)
Regional é mais segura para
complicações pulmonares.
CHEN et al.
(2019)
Revisão sistemática e metanáliseRegional
(espinhal/peridural) vs. geral
Tempo de internação menor com regional
(-1,2 dias; p=0,03)
Regional pode reduzir tempo hospitalar
CHEUNG et al.
(2023)
Revisão sistemática e meta-análise estratificadaNeuraxial
(espinhal/peridural) vs. geral
Delirium menor com regional (OR
0,78; IC95%
0,65–0,92; p=0,004)
Regional diminui risco de delirium
EXSTEEN et al.
(2022)
Revisão sistemáticaBloqueios periféricos guiados por ultrassom vs. analgesia convencionaRedução significativa da dor pré-operatória
(p<0,001); menor uso de opioides
Bloqueios periféricos ultrassonográficos
melhoram o controle da dor e reduzem necessidade de opioides.
FAN et al. (2024)MetanáliseBloqueio de fáscia ilíaca vs. controleRedução
significativa da dor (p<0,00 menor necessidade opioides
Bloqueio de fáscia ilíaca eficaz no controle da dor perioperatória.
GUAY (2020)Revisão sistemática
Cochrane
Bloqueios nervosos
periféricos vs. analgesia sistêmica
Menor dor em repouso e durante mobilização nas primeiras 24h
(p<0,01)
Bloqueios periféricos eficazes e seguros para analgesia em fraturas de quadril.
HONG et al. (2019)MetanáliseBloqueio de fáscia ilíaca vs. controleRedução
significativa da dor (p<0,001); menor necessidade de opioides
Bloqueio de fáscia ilíaca eficaz no controle da dor perioperatória.
HOUSERMAN et
al. (2022)
Revisão de RCTBloqueio de fáscia ilíaca vs. analgesia padrãoMelhora
mobilidade menor tempo internação (p<0,05)
Bloqueio de fáscia ilíaca oferece benefícios além da analgesia imediata.
LIN et al. (2023)Metanálise de RCTsEspinhal vs. geralSem diferença significativa em mortalidade (p>0,05)Técnicas
equivalentes em mortalidade.
LUGER et (2014)RevisãoRegional vs. geralAssociação entre anestesia e
mortalidade
perioperatória
(sem valores
significativos robustos)
Evidências inconclusivas, necessidade de mais estudos.


MUSE et al. (2024)
Revisão sistemática e metanáliseBloqueios nervosos periféricos vs.
analgesia convenciona
Redução de dor, delirium e
complicações respiratórias (p<0,05)
Bloqueios periféricos são seguros e melhoram desfechos pós operatórios.
NEUMAN et (2021)RCT multicêntrico (NEJM)Espinhal vs. geral
Mortalidade em
60 dias semelhante (RR 1,03; IC95%
0,84–1,27; p=0,76)
Regional e geral equivalentes em
mortalidade/incapa cidade.
SORENSON; PACE (1992)MetanáliseRegional vs. geralTendência a menor
mortalidade precoce com regional (sem p
significativo)
Regional sugerida, mas evidências fracas.
VAIL et al. (2024)RCTEspinhal vs. geralMortalidade em 1 ano semelhante
(p=0,58)
Sem diferença em desfechos de longo prazo.
WAN et al. (2025)Metanálise com modelo preditivoDiferentes modalidades
(neuraxial vs. geral)
Técnica anestésica fator de risco moderado para
delirium (p<0,01)
Geral aumenta risco de delirium em pacientes vulneráveis.
ZHENG et al.(2020)Metanálise de RCTsNeuraxial
(espinhal/peridural) vs. geral
Sem diferença significativa em mortalidade (p>0,05)Técnicas
equivalentes em sobrevida
ZHOU et ai.
(2023)
Metanálise de RCTsRegional
(espinhal/peridural) vs. geral
Redução de delirium e complicações pulmonares (p<0,05)Regional mostra benefícios em curto prazo.

Fonte: própria autora.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados desta revisão apontam que a escolha do método anestésico em cirurgias de fratura de fêmur em idosos têm impacto diferenciado conforme o desfecho analisado. Observou-se que a anestesia regional está associada a melhores resultados em termos de complicações de curto prazo, como delirium, declínio cognitivo precoce, complicações respiratórias e tempo de internação (BHUSHAN et al., 2022; CHEN et al., 2019; CHEUNG et al., 2023; CAO et al., 2023; FAN et al., 2024). A incorporação de bloqueios periféricos guiados por ultrassom, integrados a um manejo multimodal da dor e à escolha de técnica anestésica individualizada, também aparece como alternativa para reduzir o impacto dos opioides, otimizar o controle da dor e possivelmente melhorar desfechos clínicos em idosos com fratura de quadril (GUAY, 2020; MUSE et al., 2024). Esses achados reforçam a hipótese de que a anestesia regional pode oferecer proteção adicional a um grupo populacional particularmente vulnerável às complicações perioperatórias.

Entretanto, quando avaliados desfechos mais robustos, como mortalidade e incapacidade funcional, os resultados foram consistentes em demonstrar ausência de diferença significativa entre anestesia regional e geral (NEUMAN et al., 2021; VAIL et al., 2024; LIN et al., 2023; ZHENG et al., 2020).

Apesar de associada a um risco maior de complicações respiratórias em alguns estudos, a anestesia geral não apresenta diferenças estatisticamente significativas em relação à espinhal quanto à mortalidade perioperatória ou à incapacidade funcional em curto e longo prazo (NEUMAN et al., 2021; VAIL et al., 2024; ZHOU et al., 2023). Isso sugere que, embora a escolha anestésica influencie parâmetros clínicos imediatos, a sobrevida e a funcionalidade em longo prazo são determinadas por múltiplos fatores, incluindo fragilidade pré-operatória, comorbidades, tipo de fratura, tempo até a cirurgia e qualidade da reabilitação (LUGER et al., 2014; WAN et al., 2025).

É importante destacar que a heterogeneidade metodológica entre os estudos avaliados pode explicar parte das discrepâncias encontradas. As revisões sistemáticas incluíram tanto ensaios clínicos randomizados quanto estudos observacionais, além de englobarem diferentes técnicas de anestesia regional (espinhal, peridural ou combinada), o que pode introduzir viés de seleção e de comparação (ZHOU et al., 2023). Ainda, a definição de desfechos como delirium e disfunção cognitiva variou entre os estudos, dificultando a padronização dos resultados.

Apesar dessas limitações, os achados possuem implicações clínicas relevantes. Considerando a alta prevalência de fraturas de quadril em idosos e sua associação com morbimortalidade significativa, a anestesia regional pode ser priorizada quando não houver contraindicações, especialmente em pacientes com risco aumentado de complicações pulmonares ou cognitivas. Por outro lado, em indivíduos nos quais o bloqueio neuraxial não é viável, a anestesia geral permanece uma alternativa segura, sem impacto adverso comprovado sobre mortalidade e incapacidade funcional.

Em síntese, os resultados sugerem que a escolha da técnica anestésica deve ser individualizada, levando em consideração o perfil clínico do paciente, as contraindicações específicas e a experiência da equipe anestésica. Estudos futuros, com maior padronização metodológica e seguimento prolongado, são necessários para esclarecer definitivamente os efeitos da anestesia sobre desfechos funcionais e cognitivos de longo prazo.

6. REFERÊNCIAS

BHUSHAN, S. et al. The impact of regional versus general anesthesia on postoperative neurocognitive outcomes in elderly patients undergoing hip fracture surgery: A systematic review and meta-analysis. International Journal of Surgery, v. 105, p. 106854, 2022.

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1Médica Residente em Anestesiologia – Universidade Evangélica de Goiás.
2Médica Anestesiologista (Tea – Sba) – Universidade Evangélica de Goiás.