O USO DE PROBIÓTICOS NAS ALERGIAS ALIMENTARES: UMA REVISÃO DE LITERATURA

THE USE OF PROBIOTICS IN FOOD ALLERGIES: A LITERATURE REVIEW

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202510231620


SANTOS, Spencer Silva1
MIRANDA, Tâmara Isolina János2
OLIVEIRA, Évelin Santos3


RESUMO 

Introdução: A alergia alimentar é definida como uma reação adversa a um antígeno alimentar mediada por mecanismos fundamentalmente imunológicos. Trata-se de um problema nutricional em que o número de casos vem crescendo nas últimas décadas, provavelmente devido à maior exposição da população a um número maior de alérgenos alimentares disponíveis. A alergia alimentar vem se tornando um problema de saúde em todo o mundo gerando um impacto negativo substancial na qualidade de vida da população. Os alimentos mais citados como causadores de alergias alimentares são: leite, ovos, amendoim, castanhas, camarão, peixe e soja, e os principais alérgenos alimentares identificados são de natureza proteica. Objetivos: Verificar o potencial dos probióticos na  alergia alimentar, bem como os fatores envolvidos nesse processo, verificando se a microbiota é modificada, e se esta modificação está associada com padrão de micro-organismos que poderiam explicar uma melhora da doença. Justificativa: Os recentes investimentos em pesquisas na área têm sido motivadas para a redução de danos causados por potenciais alimentos que contém alérgenos. Estudos biotecnológicos podem se apresentar como uma alternativa eficiente e segura, com uso de micro-organismos para consumo humano e animal por meio dos probióticos os quais conferem um benefício à saúde do hospedeiro.. Metodologia: Trata-se de uma revisão integrativa da literatura sobre o uso de probióticos nas alergias alimentares. Os artigos consultados foram selecionados nas principais bases de dados eletrônicas, como LILACS, PubMed, SciELO e Google Acadêmico, utilizando descritores em português e inglês, como: “Alergia Alimentar”, “Intolerância Alimentar”, “food allergy”, “probiotic” e suas combinações utilizando o operador booleano “AND”. Foram incluídos estudos clínicos ou meta-análises, publicados nos últimos 10 anos, em qualquer idioma e que tratam sobre o uso de probióticos na alergia alimentar. Foram excluídos os artigos que não se enquadram nos critérios de inclusão. Resultados e discussão: A análise dos estudos revisados evidencia que a alergia alimentar é uma condição imunomediada de natureza multifatorial, resultante da interação entre fatores genéticos, ambientais e imunológicos. Conclusão: Assim, ressalta-se que o papel dos probióticos não se restringe à resposta imune de mucosa intestinal, mas apresenta, também, importantes efeitos sistêmicos.

Palavras-chave: Alergia Alimentar. Probióticos. Microbiota Intestinal. Tolerância Oral.

ABSTRACT 

Introduction: Food allergy is defined as an adverse reaction to a food antigen mediated primarily by immunological mechanisms. It represents a nutritional problem whose number of cases has increased in recent decades, probably due to the greater exposure of the population to a wider variety of available food allergens. Food allergy has become a global public health issue, generating a substantial negative impact on quality of life. The foods most frequently associated with allergic reactions include milk, eggs, peanuts, tree nuts, shrimp, fish, and soy, and the main identified food allergens are of protein nature. Objectives: The aim of this study is to evaluate the potential of probiotics in food allergy by analyzing national and international literature on the use of probiotics and the factors involved in this process, verifying whether the microbiota is modified and whether this modification is associated with a pattern of microorganisms that could explain an improvement in the disease. Justification: Several research efforts have been directed toward reducing the damage caused by allergenic foods. Studies involving biotechnology have emerged as an efficient and safe alternative. Currently, there is growing interest in the use of microorganisms for human and animal consumption through probiotics, which are live microorganisms that, when ingested in adequate amounts, confer health benefits to the host. The use of probiotics in the management of food allergies contributes to the induction of oral tolerance through regulatory T cells, inhibiting the development of allergic responses via the generation of IL-10 and TGF-β. These activities are associated with the suppression of helper T-cell proliferation and the reduction of pro-inflammatory cytokine secretion, resulting in IgE response control and a decrease in allergic intestinal inflammation. Methodology: This study is an integrative literature review on the use of probiotics in food allergies. The articles analyzed were selected from major electronic databases such as LILACS, PubMed, SciELO, and Google Scholar, using descriptors in Portuguese and English such as “Alergia Alimentar,” “Intolerância Alimentar,” “food allergy,” “probiotic,” and their combinations with the Boolean operator “AND.” Clinical studies and meta-analyses published in the last ten years, in any language, addressing the use of probiotics in food allergies, were included. Articles that did not meet the inclusion criteria were excluded. Results and Discussion: The analysis of the reviewed studies indicates that food allergy is an immune-mediated condition of multifactorial nature, resulting from the interaction between genetic, environmental, and immunological factors. Conclusion: Therefore, it is emphasized that the role of probiotics is not limited to the intestinal mucosal immune response but also presents important systemic effects.

Keywords: Food Allergy. Probiotics. Intestinal Microbiota. Oral Tolerance

1. INTRODUÇÃO

A alergia alimentar configura-se como uma condição imunológica de prevalência crescente, associada a manifestações clínicas potencialmente graves e a comprometimentos significativos na qualidade de vida dos indivíduos acometidos. Nas últimas décadas, observa-se um aumento dramático no número de casos em escala global, tornando-se um problema de saúde pública de relevância mundial. Esse crescimento está intimamente relacionado à ampliação do contato da população com um número cada vez maior de alérgenos alimentares disponíveis na dieta contemporânea (SANTOS; MONTES; LOBO, 2021).

De acordo com Antunes (2023), as alergias alimentares correspondem a reações adversas desencadeadas por uma resposta imune anômala após a exposição a determinados alimentos, em geral proteínas de origem animal. Essas reações são classificadas conforme seu mecanismo fisiopatológico em três tipos: mediadas por imunoglobulina E (IgE), não mediadas por IgE e mistas (CAMPOS; PEREIRA; PENA, 2022).

O aumento da prevalência das doenças alérgicas, sobretudo nos países desenvolvidos, está relacionado a múltiplos fatores, como alterações na barreira cutânea, na microbiota intestinal e na exposição reduzida a microrganismos ambientais. Diversos estudos reforçam a importância da biodiversidade microbiana na modulação da tolerância imunológica, indicando que a convivência precoce com diferentes microrganismos — comum em áreas rurais — está associada a um menor risco de doenças alérgicas, como a asma. Esse fenômeno fundamenta-se na chamada hipótese da higiene, proposta por Strachan em 1989, que sugere que a menor exposição microbiana na infância reduz o estímulo imunológico necessário para o desenvolvimento equilibrado do sistema imune (CAMPOS; PEREIRA; PENA, 2022).

Nas últimas décadas, a incidência das doenças atópicas tem apresentado aumento significativo. A base fisiopatológica dessas condições envolve a interação entre fatores genéticos e ambientais desde o período intrauterino. Diante disso, surgiu a hipótese da via de exposição ao alérgeno, que propõe que o equilíbrio das exposições alimentares no primeiro ano de vida pode preparar o sistema imunológico para desenvolver tolerância, reduzindo o risco de alergias alimentares. Evidências científicas demonstram que o atraso na introdução alimentar está associado a maior incidência dessas alergias (FRANCO et al., 2022).

O aleitamento materno exerce papel fundamental na imunoproteção e no desenvolvimento saudável do lactente. Por isso, recomenda-se a introdução da alimentação complementar após os seis meses de vida, incluindo, de forma gradual, alimentos potencialmente alergênicos ainda no primeiro ano, preferencialmente concomitante ao aleitamento materno e respeitando os hábitos alimentares da família (FRANCO et al., 2022).

A privação precoce de exposição a antígenos e agentes infecciosos pode comprometer o desenvolvimento adequado do sistema imunológico, tornando-o menos preparado para responder de forma eficiente a patógenos e, consequentemente, predispondo ao desenvolvimento de respostas inflamatórias anormais, como as observadas em doenças alérgicas e autoimunes (KERRY et al., 2018).

A alergia alimentar manifesta-se, em geral, nos primeiros dois anos de vida, podendo regredir até a adolescência ou persistir na vida adulta. Estudos apontam prevalência entre 5% e 10% entre crianças e adolescentes, com manifestações clínicas diversas — que variam desde reações cutâneas e gastrointestinais até manifestações respiratórias, oculares e cardiovasculares (FERREIRA et al., 2014). A gravidade dessas reações pode variar amplamente, desde quadros leves até anafilaxia, potencialmente fatal, que podem surgir em minutos ou até duas horas após a exposição ao alérgeno (NENEVÊ et al., 2022).

Entre os idosos, a prevalência de alergia alimentar é estimada em 10%, com tendência crescente. O fenômeno da imunossenescência, a deficiência de micronutrientes e a redução da acidez gástrica figuram entre os principais fatores predisponentes neste grupo. Além disso, o subdiagnóstico e o subtratamento permanecem desafios clínicos relevantes (BOECHAT et al., 2022).

As alergias alimentares impactam fortemente a qualidade de vida, gerando ansiedade e restrições sociais tanto para os pacientes quanto para suas famílias. Entre os alérgenos mais frequentes na faixa pediátrica, destacam-se leite, ovo, castanhas, amendoim, peixe, mariscos, trigo e soja (SOARES et al., 2022). A anamnese e o exame físico são fundamentais para o diagnóstico, mas não são suficientes isoladamente, sendo necessário recorrer a testes alérgicos e provas de provocação (FERREIRA et al., 2014).

As reações alérgicas a alimentos podem ser classificadas em imunológicas (mediadas ou não por IgE) e não imunológicas. Nas reações mediadas por IgE, há formação de anticorpos que se ligam aos mastócitos e basófilos, promovendo a liberação de mediadores vasoativos e citocinas Th2, o que desencadeia reações sistêmicas e locais. Já as reações não mediadas por IgE envolvem hipersensibilidade celular com resposta mais lenta, enquanto as mistas combinam ambos os mecanismos. As reações não imunológicas, por sua vez, estão associadas a substâncias alimentares específicas, como cafeína, histamina e aditivos alimentares (DOS ANJOS et al., 2024).

Embora o contato com antígenos alimentares seja diário, apenas uma pequena parcela da população desenvolve respostas imunológicas adversas, geralmente mediadas por IgE, o que caracteriza a maioria das alergias alimentares (SANTOS; MONTES; LOBO, 2021). A suscetibilidade genética desempenha papel determinante nesse processo: indivíduos predispostos podem desenvolver alergia quando há comprometimento das barreiras fisiológicas (KERRY et al., 2018).

Os alimentos alergênicos possuem características estruturais específicas, sendo proteínas termolábeis de peso molecular entre 18 e 36 kDa. Apesar de inúmeros alérgenos terem sido identificados, ainda não se compreende completamente por que alguns alimentos são mais alergênicos que outros (WEST et al., 2017). A ANVISA já reconheceu mais de 170 alimentos potencialmente alergênicos, sendo que 90% das reações são provocadas por apenas oito: leite, ovos, peixe, crustáceos, castanhas, amendoim, trigo e soja (SANTOS; MONTES; LOBO, 2021; SICHERER, 2010).

O diagnóstico das alergias alimentares exige uma história clínica detalhada, associada a testes laboratoriais e dietas de exclusão. A ausência de um diagnóstico preciso pode levar a dietas restritivas desnecessárias e deficiências nutricionais (SANTOS; MONTES; LOBO, 2021). O tratamento atual consiste na eliminação do alimento causador e no uso de medicamentos para controle sintomático, como anti-histamínicos e epinefrina. Entretanto, a imunoterapia específica com alérgenos desponta como abordagem promissora, visando a indução de tolerância imunológica por meio da administração controlada de antígenos (TORDESILLAS et al., 2017).

A exclusão completa de determinados alimentos é desafiadora e expõe o indivíduo a riscos de exposições acidentais. Reações leves tendem a desaparecer espontaneamente, enquanto quadros graves exigem o uso imediato de adrenalina (ASBAI, 2017). O desenvolvimento da alergia alimentar envolve fatores genéticos, disbiose intestinal e características intrínsecas dos alérgenos (ZIMMERMANN; WAGNER, 2021).

A mucosa intestinal exerce papel crucial na regulação imunológica, sendo a principal interface entre antígenos alimentares e o sistema imune. O comprometimento da integridade dessa barreira — por imaturidade, uso de antiácidos, álcool ou estresse — favorece a sensibilização a alérgenos (CARDOSO-SILVA et al., 2019). Esse processo envolve células apresentadoras de antígenos (APC), linfócitos T helper e a produção de citocinas pró-inflamatórias, levando à ativação de respostas mediadas por IgE (ZIMMERMANN; WAGNER, 2021; PAPARO et al., 2019).

Durante a reação alérgica, os anticorpos IgE específicos ligam-se a mastócitos e basófilos, promovendo liberação de mediadores inflamatórios como histamina, prostaglandina D2 e fator ativador de plaquetas (PAF), responsáveis pelas manifestações clínicas imediatas (CARDOSO-SILVA et al., 2019; NENEVÊ et al., 2022). Esses mediadores causam vasodilatação, aumento da permeabilidade vascular e contração da musculatura lisa intestinal, resultando nos sintomas típicos das alergias alimentares (PAPARO et al., 2019; JING; LIU; WANG, 2020).

Nesse contexto, observa-se crescente interesse no estudo da microbiota intestinal e dos probióticos como moduladores da resposta imune e potenciais aliados na prevenção e tratamento das alergias alimentares. A relação entre microbiota e imunidade intestinal é amplamente reconhecida, e alterações em sua composição estão associadas ao surgimento de doenças inflamatórias e alérgicas (KERRY et al., 2018).

O uso de probióticos remonta à Antiguidade, sendo mencionado inclusive em registros bíblicos que associavam a longevidade ao consumo de alimentos fermentados (BRASIL, 2018). A Organização Mundial da Saúde (OMS) e a FAO definem probióticos como microrganismos vivos que, quando administrados em quantidades adequadas, conferem benefícios à saúde do hospedeiro (VANDENPLAS; HUYS; DAUBE, 2015). Esses efeitos benéficos incluem modulação da microbiota intestinal, equilíbrio imunológico e fortalecimento da barreira epitelial.

Os probióticos podem reduzir a incidência e a gravidade das alergias alimentares por meio de diferentes mecanismos: regulação da permeabilidade intestinal, modulação da resposta imune Th1/Th2, redução da produção de citocinas pró-inflamatórias (IL-4 e IL-5), aumento da atividade de células T reguladoras e estímulo à secreção de IgA (CARNEIRO; MACHADO; OLIVEIRA, 2021).

As bactérias do ácido lático (Lactobacillus e Bifidobacterium) e leveduras como Saccharomyces boulardii são as espécies probióticas mais utilizadas, com comprovada eficácia na modulação do sistema imune intestinal e na proteção contra processos inflamatórios. Estudos recentes demonstraram que a levedura Saccharomyces cerevisiae UFMG A-905 reduziu a permeabilidade intestinal e o estresse oxidativo em modelo murino de mucosite, além de estimular a regeneração epitelial (BASTOS et al., 2016).

A microbiota intestinal, por sua extensa interface imunológica, é considerada o principal alvo das terapias probióticas. Além das doenças alérgicas, os probióticos têm mostrado benefícios em condições autoimunes, como diabetes mellitus, artrite reumatoide e doenças inflamatórias intestinais (KERRY et al., 2018).

Nas últimas décadas, estudos têm reforçado a relevância dos probióticos na manutenção da homeostase intestinal e na prevenção de distúrbios inflamatórios e alérgicos. Essas evidências apontam para sua capacidade de modular a microbiota, reduzir sintomas alérgicos, melhorar a digestibilidade, promover a produção de ácidos graxos de cadeia curta (AGCC) e fortalecer a barreira intestinal (DE CARVALHO VILAR et al., 2022).

A ação benéfica dos probióticos relaciona-se à estimulação da secreção de fatores citoprotetores como mucinas, defensinas e IgA, além da reparação das junções oclusivas do epitélio intestinal, contribuindo para a manutenção da integridade da mucosa e para a supressão da inflamação (GAREAU; SHERMAN; WALKER, 2010; KERRY et al., 2018).

Diante desse panorama, torna-se evidente a relevância da investigação sobre a utilização dos probióticos como ferramenta terapêutica e preventiva nas alergias alimentares. O presente trabalho tem como objetivo revisar a literatura científica acerca dos mecanismos de ação, benefícios e limitações do uso de probióticos no manejo dessas condições, contribuindo para a compreensão de seu potencial papel imunomodulador e clínico.

2. MATERIAL E MÉTODOS

O trabalho realizado trata-se de uma revisão integrativa da literatura sobre o uso de probióticos nas alergias, cuja finalidade é reunir, avaliar e condensar os resultados dos estudos encontrados. Os artigos consultados para integrarem a revisão, foram selecionados nas principais bases de dados eletrônicas, como LILACS, PubMed, SciELO e Google Acadêmico, utilizando descritores em português e inglês, como: “Alergia Alimentar”, “Intolerância Alimentar”, “food allergy”, “probiotic” e suas combinações utilizando o operador booleano “AND”.

Critérios de inclusão: Estudos de coorte, estudos de caso-controle e revisões sistemáticas; estudos que incluam indivíduos diagnosticados com alergias alimentares; pesquisas que avaliem a administração de probióticos, incluindo diferentes cepas e formas de  apresentação; estudos que reportem sobre a eficácia dos probióticos na redução dos sintomas alérgicos, modulação da resposta imunológica ou alteração na microbiota intestinal; publicações nos últimos 10 anos, para garantir que as informações sejam relevantes e atualizadas e estudos publicados em português, inglês ou espanhol.

Critérios de exclusão: Estudos que incluam indivíduos sem diagnóstico de alergias alimentares ou com outras condições relacionadas, mas que não abordam especificamente alergias alimentares; pesquisas que não investiguem diretamente a utilização de probióticos; artigos cuja totalidade do texto não esteja disponível ou que tenham acesso restrito e não possam ser consultados.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

A literatura científica recente evidencia um aumento expressivo na prevalência das alergias alimentares em diversas faixas etárias, especialmente entre crianças e idosos. Essa elevação tem sido atribuída à interação de múltiplos fatores, como predisposição genética, alterações ambientais, mudanças nos hábitos alimentares e redução do contato com microrganismos durante o desenvolvimento imunológico (CAMPOS; PEREIRA; PENA, 2022; FRANCO et al., 2022). Tal cenário reforça a relevância de estudos voltados para a compreensão dos mecanismos fisiopatológicos envolvidos e das possíveis intervenções terapêuticas, entre elas o uso de probióticos como moduladores da resposta imune.

De modo geral, as alergias alimentares são definidas como reações adversas resultantes de uma resposta imune anômala do organismo a determinadas proteínas alimentares, mediadas ou não pela imunoglobulina E (IgE). Essas reações podem desencadear manifestações clínicas que variam desde sintomas leves até quadros de anafilaxia potencialmente fatais (FERREIRA et al., 2014; DOS ANJOS et al., 2024). A fisiopatologia das alergias alimentares é complexa e envolve mecanismos de hipersensibilidade imediata e tardia, nos quais participam mastócitos, basófilos, citocinas pró-inflamatórias e diversos mediadores lipídicos (CARDOSO-SILVA et al., 2019; JING; LIU; WANG, 2020).

A hipótese da higiene, proposta por Strachan em 1989, permanece um dos principais referenciais explicativos do aumento das doenças alérgicas. Segundo essa teoria, a menor exposição a microrganismos durante a infância reduz a estimulação imunológica precoce, prejudicando o desenvolvimento da tolerância imunológica e favorecendo respostas de hipersensibilidade (CAMPOS; PEREIRA; PENA, 2022). Nesse contexto, o papel da microbiota intestinal ganha destaque, uma vez que sua composição e diversidade estão diretamente associadas à modulação da imunidade e à prevenção de doenças alérgicas (KERRY et al., 2018).

Estudos recentes demonstram que indivíduos com microbiota intestinal menos diversa tendem a apresentar maior predisposição a reações alérgicas, enquanto uma flora intestinal equilibrada estimula a maturação das células T reguladoras (Treg), responsáveis pela modulação da resposta imune e pela indução da tolerância oral a antígenos alimentares (ZIMMERMANN; WAGNER, 2021). Essa relação sugere que estratégias que promovam o equilíbrio da microbiota, como a suplementação com probióticos, podem exercer efeitos benéficos na prevenção e no tratamento das alergias alimentares.

Os probióticos, definidos pela OMS e pela FAO como microrganismos vivos que, quando administrados em quantidades adequadas, conferem benefícios à saúde do hospedeiro, têm sido amplamente estudados por sua capacidade de modular o sistema imunológico e restaurar o equilíbrio intestinal (VANDENPLAS; HUYS; DAUBE, 2015). Entre os microrganismos mais utilizados estão as bactérias do gênero Lactobacillus e Bifidobacterium, além da levedura Saccharomyces boulardii (BASTOS et al., 2016).

A atuação dos probióticos nas alergias alimentares ocorre por diferentes mecanismos: modulação da microbiota intestinal, fortalecimento da barreira epitelial, redução da permeabilidade intestinal, aumento da secreção de IgA e regulação das respostas imunológicas do tipo Th1/Th2 (CARNEIRO; MACHADO; OLIVEIRA, 2021). Ao promover um equilíbrio entre as respostas Th1 e Th2, os probióticos reduzem a produção de citocinas pró-alérgicas, como a IL-4 e a IL-5, e aumentam a liberação de citocinas anti-inflamatórias, como a IL-10, favorecendo um estado de tolerância imunológica (PAPARO et al., 2019).

Além disso, diversos estudos experimentais reforçam o potencial terapêutico dos probióticos na alergia alimentar. Pesquisas com modelos murinos demonstraram que a administração de linhagens específicas de Lactobacillus e Bifidobacterium foi capaz de reduzir os níveis séricos de IgE e a inflamação intestinal induzida por alérgenos alimentares, como a ovalbumina (SALDANHA et al., 2004). Outros estudos observaram que o uso de Saccharomyces cerevisiae e Saccharomyces boulardii contribuiu para a restauração da integridade das vilosidades intestinais e para a redução do estresse oxidativo, além de modular positivamente a resposta imune (BASTOS et al., 2016).

A literatura também destaca que o efeito benéfico dos probióticos depende fortemente da cepa utilizada, da dose administrada e do tempo de tratamento. De acordo com Kerry et al. (2018), as cepas de Lactobacillus rhamnosus GG e Bifidobacterium lactis apresentam resultados mais consistentes em estudos clínicos com lactentes e crianças alérgicas, enquanto os efeitos em adultos e idosos ainda necessitam de maior padronização metodológica. Esses resultados reforçam a importância de um delineamento rigoroso dos estudos para a definição de protocolos terapêuticos eficazes.

Em termos clínicos, revisões sistemáticas têm mostrado que o uso de probióticos pode reduzir a incidência e a gravidade de doenças alérgicas, como dermatite atópica e alergia à proteína do leite de vaca, especialmente quando administrados precocemente na infância (FRANCO et al., 2022). Entretanto, os efeitos parecem ser mais pronunciados na prevenção do que no tratamento de alergias já estabelecidas, o que sugere que o principal benefício dos probióticos reside na modulação precoce do sistema imune (KERRY et al., 2018).

O impacto positivo dos probióticos sobre a microbiota intestinal e o sistema imunológico também está relacionado à sua capacidade de estimular a secreção de fatores citoprotetores, como mucinas, defensinas e imunoglobulina A, além de favorecer a reparação das junções oclusivas do epitélio intestinal, responsáveis pela integridade da barreira intestinal (GAREAU; SHERMAN; WALKER, 2010). A manutenção dessa barreira é essencial para impedir a passagem de antígenos alimentares intactos, que podem desencadear respostas imunológicas exacerbadas e processos inflamatórios (CARDOSO-SILVA et al., 2019).

Do ponto de vista nutricional e clínico, a suplementação probiótica também se mostra promissora por minimizar deficiências alimentares resultantes de dietas restritivas impostas por suspeita ou confirmação de alergia alimentar. Soares et al. (2022) destacam que tais restrições podem comprometer a ingestão adequada de micronutrientes essenciais, impactando negativamente o crescimento e o desenvolvimento infantil. Assim, o uso de probióticos como adjuvantes no tratamento pode auxiliar na manutenção da saúde intestinal e na melhora da absorção de nutrientes.

Entretanto, é importante ressaltar que, apesar dos avanços, ainda existem divergências entre os estudos quanto à eficácia dos probióticos em diferentes tipos de alergias alimentares. Essa variabilidade pode ser explicada por fatores como diferenças genéticas dos hospedeiros, diversidade de cepas microbianas utilizadas e variabilidade nas condições ambientais e dietéticas (ZIMMERMANN; WAGNER, 2021). Dessa forma, ainda é necessário aprofundar as investigações para determinar quais espécies e combinações probióticas apresentam melhores resultados em contextos específicos.

Os resultados de investigações recentes apontam para a necessidade de uma abordagem multidimensional, na qual o uso de probióticos seja integrado a estratégias de educação alimentar, aleitamento materno prolongado, introdução alimentar adequada e promoção de hábitos de vida saudáveis (FRANCO et al., 2022; SANTOS; MONTES; LOBO, 2021). A conjugação dessas medidas pode oferecer benefícios tanto na prevenção quanto na redução da gravidade das reações alérgicas.

Diante disso, os probióticos se apresentam como uma alternativa segura e promissora, com forte potencial terapêutico e preventivo nas alergias alimentares. A crescente produção de evidências científicas reforça que a manutenção de uma microbiota intestinal equilibrada é um componente essencial na regulação da resposta imunológica e no desenvolvimento da tolerância alimentar. Contudo, a consolidação de protocolos clínicos padronizados e a ampliação de ensaios clínicos randomizados são fundamentais para que o uso de probióticos seja plenamente incorporado às práticas médicas e nutricionais baseadas em evidências (CARNEIRO; MACHADO; OLIVEIRA, 2021; DE CARVALHO VILAR et al., 2022).

Assim, a discussão da literatura indica que o uso de probióticos nas alergias alimentares representa um campo em expansão na interface entre a imunologia, a nutrição e a microbiologia, com perspectivas promissoras para o manejo clínico dessas condições. À medida que novas pesquisas avançam na compreensão dos mecanismos moleculares envolvidos e na seleção de cepas específicas, a terapia probiótica tende a consolidar-se como uma ferramenta complementar eficaz para o controle e a prevenção das doenças alérgicas alimentares.

4. CONCLUSÃO

A presente revisão de literatura permitiu compreender que a alergia alimentar é uma condição imunomediada complexa, resultante da interação entre fatores genéticos, ambientais e imunológicos. Observou-se que sua prevalência tem aumentado significativamente nas últimas décadas, representando um importante problema de saúde pública, com impacto direto na qualidade de vida e nas condições nutricionais dos indivíduos afetados.

Os estudos analisados evidenciam que o equilíbrio da microbiota intestinal desempenha papel central na regulação da resposta imune e na manutenção da tolerância oral a antígenos alimentares. A disbiose intestinal, caracterizada pela alteração da composição microbiana, surge como um fator de risco relevante para o desenvolvimento de doenças alérgicas, reforçando a importância de hábitos alimentares saudáveis e da promoção do aleitamento materno como medidas preventivas.

Nesse contexto, o uso de probióticos destaca-se como uma estratégia terapêutica complementar promissora. Esses micro-organismos vivos, ao modularem a microbiota intestinal e fortalecerem a barreira epitelial, demonstram potencial para reduzir processos inflamatórios e estimular respostas imunológicas regulatórias. Assim, contribuem para a restauração da tolerância imunológica e para a diminuição da intensidade das reações alérgicas.

Apesar dos resultados positivos observados em diversos estudos, ainda existem lacunas científicas a serem superadas, especialmente no que se refere à padronização das cepas probióticas, à definição de dosagens ideais e ao tempo de tratamento necessário para garantir eficácia clínica. Desse modo, são necessários novos ensaios clínicos controlados e de longo prazo que consolidem o papel dos probióticos no manejo das alergias alimentares.

Conclui-se, portanto, que a abordagem terapêutica das alergias alimentares deve ser multidimensional, englobando educação nutricional, promoção de hábitos saudáveis, incentivo ao aleitamento materno e uso racional de probióticos. A integração dessas estratégias, associada à ampliação das pesquisas científicas na área, pode contribuir para o desenvolvimento de intervenções mais seguras, eficazes e acessíveis, promovendo melhorias significativas na qualidade de vida dos indivíduos com alergia alimentar.

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1Graduando em Medicina pela Afya Faculdade de Ciências Médicas de Itabuna
2Graduando em Medicina pela Afya Faculdade de Ciências Médicas de Itabuna
3Doutorado em Imunologia. Professora orientadora. Docente do Curso de Medicina da Afya Faculdade de Ciências Médicas de Itabuna.