PIOMETRA ASSOCIADA A LEIOMIOSSARCOMA VAGINAL GRAU II EM CADELA, ABORDAGEM CIRÚRGICA: RELATO DE CASO

PYOMETRA ASSOCIATED WITH GRADE II VAGINAL LEIOMYOSARCOMA IN A BITCH, SURGICAL APPROACH: CASE REPORT

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202509221336


Caroline de Moura Medeiros
Orientador: MV. MSc. Lucas L. R. Rosestolato


RESUMO

A piometra é um processo inflamatório uterino, geralmente associado à infecção bacteriana, que acomete principalmente cadelas inteiras, nulíparas e com idade superior a quatro anos. Sua ocorrência pode estar relacionada ao uso de prostaglandinas ou a fatores fisiológicos, como idade, raça e fases do ciclo estral, frequentemente caracterizadas por irregularidades entre estro e proestro. Trata-se de afecção comum na rotina médica veterinária, manifestando-se em duas formas clínicas: a fechada, caracterizada pela ausência de descarga vaginal, acompanhada por sinais como inapetência súbita, distensão abdominal e febre, sendo a forma de maior gravidade; e a aberta, na qual há eliminação de secreção vaginal, geralmente purulenta. O leiomiossarcoma é uma neoplasia grave e rara de origem hormonal, derivada da musculatura lisa uterina, com maior incidência em cadelas idosas e não castradas. Trata-se de um tumor agressivo, com elevado potencial metastático para pulmões, fígado e linfonodos regionais, além de alto grau de invasividade local. Os sinais clínicos são inespecíficos, podendo associar-se a sintomatologia de um quadro de piometra, dificultando o diagnóstico inicial. 

Objetivou-se com o presente estudo, relatar o caso de uma cadela, envolvendo ambas patologias. O tratamento de escolha preconizado foi realizar a ovariosalpingohisterectomia associada a nodulectomia em canal vaginal.  

Palavras-chave: Piometra; Leiomiossarcoma; Cirurgia; Relato de caso; Neoplasia 

ABSTRACT 

Pyometra is a uterine inflammatory process, usually associated with bacterial infection, that primarily affects intact, nulliparous female dogs over four years of age. Its occurrence may be related to the use of prostaglandins or physiological factors, such as age, breed, and estrous cycle phases, often characterized by irregularities between estrus and proestrus. It is a common condition in veterinary practice, manifesting in two clinical forms: the closed form, characterized by the absence of vaginal discharge, accompanied by signs such as sudden loss of appetite, abdominal distension, and fever, and is the most severe; and the open form, in which there is vaginal discharge, usually purulent. 

Leiomyosarcoma is a serious and rare neoplasm of hormonal origin, derived from the uterine smooth muscle, with a higher incidence in older, unspayed female dogs. This is an aggressive tumor with high metastatic potential to the lungs, liver, and regional lymph nodes, in addition to a high degree of local invasiveness. Clinical signs are nonspecific and may be associated with symptoms of pyometra, making initial diagnosis difficult. 

The objective of this study is to report the case of a female dog with both pathologies. The recommended treatment of choice was ovariohysterectomy combined with vaginal nodulectomy.

Keywords: Pyometra; Leiomyosarcoma; Surgery; Case report, Neoplasia.

Introdução  

O aparelho genital da fêmea canina é constituído por múltiplas estruturas com funções complexas, sendo a fertilidade dependente do seu adequado funcionamento. Diversos aspectos relacionados a disfunções e alterações, temporárias e/ou permanentes, do sistema reprodutivo em cadelas ainda carecem de esclarecimento. 

Na rotina veterinária, a prevalência de patologias que acometem o sistema reprodutor de fêmeas é considerada alta, podendo trazer graves consequências a saúde, vida reprodutora e apresentando riscos de óbito aos animais. Existem diversas enfermidades reprodutivas em fêmeas, incluindo distocias, piometra, hiperplasia vaginal e anomalias congênitas 4. Entre essas condições, a piometra é frequentemente identificada 1. Sendo mais comum em cadelas de idade média a avançada, representando sérios perigos à saúde. Uma das principais causas para sua ocorrência, se dá devido a ciclos estrais repetidos ao longo do tempo 2. 

A probabilidade do surgimento do quadro de piometra cresce com o envelhecimento e em cadelas que nunca tiveram filhotes. Embora seja mais frequente em cadelas mais idosas, a administração de hormônios exógenos como estrógeno e progesterona também podem contribuir para o desenvolvimento da doença em cadelas mais jovens 3. A faixa etária média de incidência varia entre 7,0 e 8,5 anos, embora haja registros em cadelas com idades que vão de 4 meses a 18 anos 4, 5.  

É de conhecimento que a elevação dos níveis de progesterona provocada pelo corpo lúteo presente nos ovários em fase de metaestro e diestro, influencia no acúmulo de fluido nas glândulas do endométrio e no lúmen do útero. Isso também leva à diminuição da contração do miométrio e à inibição da resposta imunológica no útero 8

Essa condição pode estar ligada ao desequilíbrio hormonal de origem exógena, relacionado às chamadas vacinas anti-cio, que mantêm a função antigonadotrófica 6. A piometra, apresenta-se e é classificada em duas formas: A piometra aberta ou fechada, estas das quais dependem do grau de abertura do cérvix.  

Na piometra aberta, haverá secreção vaginal, enquanto na piometra fechada, essa secreção não estará presente. Isso pode resultar em um possível rompimento uterino, tornando-a uma condição mais grave 7.

Os sinais clínicos aparecem de 2 a 4 meses após o estro e incluem secreção mucopurulenta ou hemorrágica vaginal, anorexia, polidipsia, poliúria, taquicardia, taquipneia, pulso fraco, febre, desidratação, vômito, dor abdominal à palpação 8, 12.

Para detectar anormalidades metabólicas relacionadas à sepse e avaliar a função renal, é necessário realizar hemograma completo, perfil bioquímico sérico e urinálise. O diagnóstico da doença é realizado por meio da combinação do histórico do paciente, sinais clínicos, exame físico, exames de imagem, como ultrassonografia, e testes laboratoriais 9. A ovariohisterectomia (OVH) é o tratamento de escolha para a piometra10.

O leiomiossarcoma, por sua vez, corresponde a uma neoplasia maligna de origem mesenquimal, derivada do tecido muscular liso 13, 16. As células tumorais apresentam características de atipia, elevado índice mitótico e comportamento invasivo14.

Os tumores do sistema reprodutivo em cadelas são, na sua maioria, pouco frequentes. A incidência de neoplasias vaginais e vulvares corresponde a aproximadamente 2,8% e 3,0%, respectivamente, de todos os tumores registrados na espécie 29, 30.

A baixa prevalência das neoplasias ovarianas em cadelas pode ser atribuída, em grande parte, a realização da castração em animais jovens 31.

Entre esses tipos, o mais comum é o leiomioma, seguido pelo fibroma. Com menor frequência, encontra-se o leiomiossarcoma15.  

Nos cães, a presença de leiomiossarcoma uterino é considerada mais rara, correspondendo a cerca de 0,3% a 0,4% das neoplasias relatadas na espécie. Acomete principalmente fêmeas de meia-idade a idosas, não havendo, até o momento, predisposição racial definida14.  

Os sinais clínicos associados às neoplasias uterinas podem variar conforme o tipo histológico, a dimensão da massa e a forma de disseminação metastática 16. Em cadelas com leiomiossarcoma, é possível observar aumento do volume abdominal e presença de secreção vaginal. Entretanto, alguns animais podem não apresentar manifestações clínicas, sendo a alteração identificada de maneira incidental durante a realização da ovariohisterectomia (OH)15.

Relato de caso 

Uma cadela, inteira, SRD, pesando cerca de 8kg, estimando-se com data base da adoção, cerca de 15 anos, foi encaminhada ao Serviço Veterinário em um de agosto de 2025, sob queixa da tutora de hiporexia repentina, prostração, e surgimento de tecido vaginal prolapsado. Sem outros sinais clínicos relatados.  

Segundo histórico, a cadela havia sido atendida em outro serviço, onde foi constatado através de palpação vaginal como prolapso de mucosa, não foram realizados exames complementares com exceção do exame de toque. Segundo relato, foi prescrito dipirona 25mg/kg via oral BID, Prednisolona 0,5mg/kg SID, e orientada a realizar compressa gelada, com uso de gel lubrificante íntimo na região, e caso mucosa retornasse a prolapsar, a tutora deveria reintroduzir por conta própria, em ambiente domiciliar o tecido evertido.  

O animal passou algumas vezes por atendimento veterinário neste mesmo serviço, devido piora no quadro evoluindo agora, para anorexia, edema de vulva, e aumento do volume em região de mucosa vaginal, sendo assim, foi solicitado posteriormente um exame de ultrassonografia abdominal.  

Porém como o serviço não dispunha de exames sem agendamento prévio, a tutora encaminhou-se por recomendação médica a um hospital 24 horas, em que fosse realizado de prontidão o serviço devido piora no quadro clínico geral.  

No atendimento inicial realizado no pronto atendimento, foram realizados exames de ultrassonografia abdominal, hemograma, funções renais, hepáticas e de hemogasometria. Após, foi realizada a palpação vaginal, sendo constatada por equipe, como hiperplasia vaginal/nódulo vaginal, e não prolapso vaginal como havia sido informado anteriormente em serviços externos.  

Em seguida foi realizada analgesia com dipirona 25mg/kg de forma subcutânea, devido paciente chegar em atendimento apresentando quadro febril, e metadona 0,15mg/kg também por via subcutânea devido nível elevado de algia. Em prévia de exame de ultrassonografia a paciente apresentava um quadro de piometra fechada, descartado a hipótese de mucometra ou hemometra devido quantidade de secreção em útero, sendo indicativo a realização de procedimento cirúrgico de ovariohisterectomia de emergência, associada a remoção do nódulo vaginal. 

A paciente já possuía exames cardiológicos prévios, portanto, foi encaminhada de imediato ao centro cirúrgico para correção cirúrgica. 

A medicação pré-anestésica foi realizada com Dexmedetomidina na dose de 1 mcg/Kg via intramuscular associado à um resgate de Metadona 10mg/ml, na dose de 0,2 mg/Kg, por via intramuscular. Após realizada sedoanalgesia, a indução anestésica ocorreu com Propofol 4mg/kg por via intravenosa em ambiente de centro cirúrgico. Realizada anestesia periglótica com lidocaína 0,3ml e intubação orotraqueal com traqueotubo número 6.0 com auxílio do laringoscópio. O animal passou a receber solução de ringer com lactato na dose de manutenção 3ml/kg/h também por via intravenosa, e a manutenção anestésica com isofluorano, durante todo o trans-cirúrgico. 

Realizou-se antibioticoterapia com Cefalotina 1000mg/5ml, por via intravenosa, na dose de 30 mg/kg 30 minutos antes do início do procedimento.  

Durante o procedimento, foram monitoradas a frequência cardíaca e respiratória, a saturação de oxigênio, a temperatura e glicemia do animal, que em início de procedimento aferiu-se resultando em 83mg/dl, visando prevenir a prevenindo-se hipotermia, hipotensão e hipoglicemia.  

A conduta terapêutica adotada para correção do quadro de piometra, foi a ovariosalpingohisterectomia (OSH). Para a realização do procedimento cirúrgico, o paciente foi posicionado em decúbito dorsal sobre calha cirúrgica, de forma a proporcionar adequado acesso ao campo operatório pelo cirurgião e seu auxiliar. Após a estabilização em plano anestésico, procedeu-se à tricotomia abdominal ampla, com a remoção dos pelos e de possíveis sujidades, assegurando melhor visualização e assepsia da região destinada à incisão. 

A região destinada à intervenção foi inicialmente preparada com solução alcoólica de clorexidina a 0,5%, aplicada com gaze limpa. Na sequência, o cirurgião, devidamente paramentado, realizou a antissepsia definitiva utilizando a mesma solução, por meio de gazes estéreis fixadas em pinça Foester, seguindo movimento centro-periférico no abdômen. Concluída a etapa de antissepsia, campos estéreis foram posicionados para o adequado isolamento do sítio cirúrgico 

Iniciou-se o procedimento com uma incisão mediana na pele pré-umbilical, com auxílio de Lâmina de bisturi número 23. A hemostasia de pequenos vasos foi realizada a partir do uso de bisturi eletrônico monopolar.  

O acesso à cavidade abdominal foi realizado por meio de incisão com lâmina de bisturi nº 11, complementada pela ampliação do corte com tesoura Mayo. Após a remoção do ligamento falciforme, afastadores de Balfour foram posicionados para retração da parede abdominal, permitindo adequada exposição. Compressas cirúrgicas foram empregadas para proteção dos tecidos adjacentes e órgãos intraabdominais. 

Durante a avaliação da cavidade abdominal, ambos os cornos uterinos se apresentavam ingurgitados, com paredes irregulares e intensamente vascularizadas. Os ovários, direito e esquerdo, exibiam morfologia compatível com alterações císticas. (Figura 1)

Figura 1: Ovários, corpos uterinos e nódulo vaginal.

Fonte: Arquivo pessoal, agosto 2025

Identificou-se, ainda, nódulo de aproximadamente 1 cm de diâmetro localizado na região do corpo uterino. (Figura 2). E um nódulo de aproximadamente 2cm em mucosa vaginal (Figura 3)

Figura 2: Nódulo em útero

Fonte: Arquivo pessoal, agosto 2025

Figura 3: Nódulo vaginal

Fonte: Arquivo pessoal, agosto 2025

Os pedículos ovarianos foram individualmente ligados, realizada ligadura dupla com fio de polidioxanona (PDX) 3-0, utilizando duas pinças hemostáticas curvas para segurança. As artérias uterinas receberam ligadura bilateral, efetuou-se incisão estéril nos cornos uterinos, utilizando duas pinças hemostáticas curvas, sendo observada secreção piossanguinolenta em seu interior, realizou-se ligadura dupla transfixante utilizando fio de polidioxanona (PDX) 2-0. A seguir, procedeu-se à remoção dos órgãos 

Não foram evidenciados sangramentos nos pedículos após a realização das ligaduras, tampouco extravasamento de conteúdo uterino para a cavidade abdominal.  

Na região vulvar, procedeu-se à incisão da base de inserção dos pólipos utilizando lâmina de bisturi nº 11. A hemostasia foi obtida com o emprego de esponja hemostática.  

Ao término do procedimento foi realizada a omentalização, e após procedeu-se para a miorafia, com sutura realizada em padrão Sultan, utilizando fio de polidioxanona (PDX) 3-0, tecido subcutâneo aproximado com sutura confeccionada em padrão colchoeiro modificado, com fio de polidioxanona (PDX) 4-0 e dermorrafia realizada em padrão Wolf, utilizando fio de náilon 3-0.  

Foi realizado curativo estéril em ambiente cirúrgico, instituído o uso de roupa cirúrgica, e mantida paciente com curativo protetor em forma de tampão com gaze estéril em vagina. O material coletado foi encaminhado para análise laboratorial, secreção uterina: cultura bacteriana e antibiograma para bactérias aeróbias, útero, ovários e pólipos encaminhados ao exame de histopatologia.  

Após a conclusão do procedimento, o paciente foi encaminhado para a área de recuperação pós-operatória, localizada adjacente ao bloco cirúrgico, sendo mantido em gaiola aquecida e submetido a monitorização contínua até a completa recuperação do plano anestésico 

Após completa recuperação anestésica a paciente foi mantida em ambiente de internação semiintensiva por 48 horas para observação, monitoramento de sangramento vaginal, realização de A-FAST para descartar presença de líquido livre, e terapia medicamentosa injetável.  

No pós-operatório o animal recebeu prescrição para ambiente de internação de medicação analgésica (Metadona 10mg, dose de 0,2mg/kg TID), anti-inflamatória (Dexametasona dose de 0,15mg/kg SID), antibioticoterapia (cefalotina 200, dose de 30mg/kg IV TID), terapia com agente antifibrinolítico e pró coagulante (Ácido tranexâmico) 

Após as primeiras horas em ambiente de internação, foi constatado pela equipe médica, alto nível álgico, sendo necessário utilizar resgate de medicação com escetamina na dose de 0,5mg/kg, apresentando boa resposta. Cursou com quadro de hemorragia vaginal, optando-se por realizar o controle com compressas frias em local, tendo em vista a administração prévia do agente pró-coagulante.   

Após, a paciente apresentou estabilidade no quadro hemorrágico e álgico, foi submetida a exame de ultrassonografia controle para descartar presença de líquido livre, exame de proteína C Reativa para acompanhamento de quadro inflamatório e após 48 horas de internação, repetição de exames hematológicos, foi programada a alta da paciente. 

Para alta domiciliar, foi orientada a manter paciente em repouso, com uso de roupa cirúrgica, e mantida medicações orais já administradas em ambiente de internação, contando com medicações analgésicas, antibiótica, anti-inflamatória, e realizar compressa fria na região vaginal. A tutora foi orientada a retornar em pronto atendimento após 48 horas de alta para acompanhamento e reavaliação geral, apresentando após esse período recuperação plena.  

O laudo do exame histopatólogico da análise ovários, resultou em endometrite exulcerativa ativa com infiltrado piogranulomatoso severo e trechos de proliferação miometrial displásica, inúmeras figuras de mitose e células atípicas, sugerindo sarcoma fusocelular, compatível com o leiomiossarcoma grau II e endometrite exulcerativa ativa. 

Já o nódulo vaginal resultou em Sarcoma fusocelular, sugestivo para o leiomiossarcoma grau I. O laudo da cultura e antibiograma da secreção uterina apresentou presença de Escherichia coli, resistente apenas a Amoxicilina-Clavulanato, a paciente foi liberada para casa com uso de Cefalexina 500mg na dose de 30mg/kg BID, durante 5 dias, Cloridrato de tramadol 100mg/ml na dose de 4mg/kg TID, Dipirona 500mg na dose de 25mg/kg TID, e uso de roupa cirúrgica até retirada de pontos. Para a ferida cirúrgica, foi indicado limpeza duas vezes ao dia, somente com uso de gaze e solução fisiológica Nacl 0,9% 

A paciente foi encaminhada para acompanhamento com especialista em oncologia para continuidade no tratamento, bem como decisão de terapias coadjuvantes, como quimioterapias ou radioterapias.  Foram repetidos exames hematológicos cerca de 15 dias após o quadro em retorno, para total acompanhamento, e não foram observadas novas alterações. Neste, foram retirados os pontos de linha média.  

Discussão 

Neste caso, a ocorrência de piometra justifica-se pela ascensão bacteriana, favorecida pela abertura cervical durante o proestro e estro, associada à exposição vaginal repetida. Além disso, a paciente não fazia uso de contraceptivos injetáveis, os quais são reconhecidos como fator predisponente para o desenvolvimento dessa enfermidade 18.  

Dessa forma, a cada novo ciclo estral apresentado pela paciente, ocorre um aumento do grau de alterações uterinas, podendo predispor ao desenvolvimento de piometra ou resultar em infertilidade 12

Corroborando com os achados da literatura pois a paciente apresentava irregularidade em seu ciclo estral, segundo relato da tutora, hora recorrente, hora espaçados, não havia apresentado nenhum episódio reprodutivo anteriormente. Confirmando conforme descrito em literatura, em que a ocorrência de piometra em fêmeas idosas está associada à estimulação prolongada e repetida pela progesterona durante a fase lútea, sendo mais frequente em animais nulíparos 20

Neste caso, a paciente apresentava um quadro de piometra fechada, sem sintomatologia clínica, com exceção da presença de nódulo em mucosa vaginal, confundido anteriormente com quadro de prolapso vaginal.  

No presente relato, a avaliação ultrassonográfica evidenciou útero preenchido por fluido de aspecto altamente celular, compatível com presença de pus 19, corroborando as informações previamente descritas. Na maioria dos casos, é relatado que a infecção envolve microrganismos de origem urinária ou fecal, sendo a Escherichia coli o agente mais frequentemente identificado.  

Confirmando, mais uma vez, os achados descritos na literatura, a paciente apresentou crescimento de Escherichia coli no exame de cultura e antibiograma. E. coli é apontada como agente etiológico predominante em casos de piometra canina, sendo isolada em altas proporções nas amostras uterinas. 

Estudos mostram taxas entre 57 % e quase 100 % dos casos 32.  

Em estudo com 100 cadelas com piometra, E. coli foi isolada em 76,6 % dos casos 33. Outros patógenos que podem estar envolvidos incluem Staphylococcus sp., Citrobacter koseri, Enterobacter cloacae, Enterococcus faecalis, Edwardsiella sp. e Klebsiella pneumoniae 27 

Devido aos sinais clínicos apresentados pelo animal, e os exames estarem de acordo com a viabilidade do procedimento, a cirurgia foi realizada no dia seguinte sem intercorrências com prognóstico favorável.  

O leiomiossarcoma é uma neoplasia maligna originada de células da musculatura lisa uterina, enquanto a piometra caracteriza-se por um processo infeccioso e inflamatório com acúmulo de secreção purulenta no lúmen uterino. A ocorrência simultânea dessas duas patologias na mesma paciente representa um achado de grande relevância clínica.  

Essa concomitância pode dificultar o diagnóstico diferencial, considerando que os sinais clínicos do tumor são, em sua maioria, inespecíficos e frequentemente sobrepostos aos observados na piometra. A paciente não apresentou alterações em exames laboratoriais, conforme rotineiramente descrito em literatura, porém não é raro encontrar hemogramas sem alterações. O exame bioquímico sérico (Uréia, creatinina, fosfatase alcalina, ALT, proteínas totais, albumina e globulina), não apresentou alterações, indicando que o animal não havia comprometimento renal.  

Estudos relatam que a infecção associada à piometra desempenha papel fundamental no desenvolvimento de lesões renais, sendo a resposta a essa agressão variável entre os pacientes 28. Embora também, apresentam achados como anemia normocítica normocrômica regenerativa sejam comuns em casos semelhantes, assim como não houve evidência de leucocitose. A maioria dessas neoplasias é identificada de forma incidental 23.  

Os neoplasmas ovarianos são raros em cadelas, representando 0,5% a 1,2% dos tumores caninos 21. Os sinais clínicos em pacientes acometidos por leiomiossarcoma geralmente estão relacionados ao deslocamento de estruturas adjacentes ou à invasão tumoral, e frequentemente associados à presença de patologias concomitantes 15, 21, 22.  

No presente caso, foram observadas alterações uterinas associadas somente durante procedimento cirúrgico para correção da piometra, corroborando a literatura que sugere um possível papel hormonal no desenvolvimento do leiomiossarcoma. Em virtude do quadro clínico e da confirmação inicial de piometra, não foi realizado exame radiográfico do tórax para investigação de metástases. Clinicamente, os sinais relacionados ao leiomiossarcoma uterino podendo incluir ou não, secreção vaginal, que neste caso, a paciente não apresentava. O aumento abdominal ou manifestações sistêmicas decorrentes da extensão tumoral também podem aparecer como sintomatologia. Na maioria das situações, o diagnóstico definitivo somente é obtido por meio de exame histopatológico, conforme confirmado neste relato, reafirmando a importância da realização do exame de histopatologia.  

É de conhecimento que a radioterapia e a quimioterapia apresentem aplicação limitada em tumores do trato reprodutivo, podendo ocorrer recidiva local ou disseminação metastática, principalmente para pulmões e linfonodos regionais 23, 24. A avaliação imunohistoquímica diante do quadro, é altamente indicada, podendo fornecer suporte diagnóstico importante na diferenciação do leiomiossarcoma de outras neoplasias mesenquimais 26. Contudo, no presente relato, não foi realizada a análise imunohistoquímica, mesmo sendo fortemente indicada pela equipe cirúrgica, porém a caracterização histopatológica foi suficiente para a confirmação do diagnóstico. 

O tumor observado apresentou grau histológico de intermediário para avançado, sem evidência de metástases na avaliação clínica, porém ainda sugerindo um prognóstico reservado, em concordância com descrições previamente relatadas na literatura. A realização de excisão cirúrgica ampla, aliada ao acompanhamento rigoroso da paciente, incluindo monitoramento clínico e exames complementares, é indispensável para minimizar o risco de recidiva e possibilitar a detecção precoce de possíveis metástases25

Considerações finais 

As afecções reprodutivas são comuns na rotina veterinária, podendo o animal apresentar apenas uma afecção ou duas afecções concomitantemente, como foi observado no caso deste relato. Pode-se concluir também que a idade, irregularidade em ciclo estral, podem colaborar com o surgimento de ambas patologias. A presença de alterações reprodutivas concomitantes, como cistos ovarianos e piometra, reforça também sobre a hipótese de influência hormonal no desenvolvimento dessas patologias que acometem cadelas.  

Diante do aumento na incidência de afecções do trato reprodutivo em animais, a castração representa uma alternativa profilática, especialmente quando não há intenção de reprodução por parte do tutor, respeitando sempre as indicações de Consenso. A aplicação de protocolo cirúrgico e terapêutico adequado, aliada ao diagnóstico rápido e preciso do quadro clínico, contribuiu para a melhora do estado clínico do paciente e para a resolução da condição subjacente. 

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