O GUIA PRÁTICO PARA CONTRATAR SONDAGEM SPT: PROTEGENDO SUA OBRA E SUA REPUTAÇÃO

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202509081218


Felipe Estrella Soster


Resumo

Este artigo aborda a relevância crítica da sondagem Standard Penetration Test (SPT) na engenharia e arquitetura, com foco na proteção da obra e da reputação profissional. A partir da experiência prática do engenheiro Felipe Soster, o texto desmistifica a execução do ensaio e expõe as fragilidades do mercado de sondagem. O estudo detalha a importância do planejamento, da escolha da empresa, do acompanhamento em campo e da verificação do relatório final. São apresentadas as normas técnicas brasileiras, como a ABNT NBR 8036 para planejamento e a ABNT NBR 6484 para execução, servindo como base para a identificação de serviços de baixa qualidade. O guia demonstra que o custo de uma sondagem bem executada é um investimento que protege o projeto de prejuízos financeiros e estruturais, e resguarda o profissional de riscos legais e de danos à sua reputação.

Palavras-chave: sondagem SPT, construção civil, cálculo de fundação, engenharia, arquitetura.

1. Introdução

A engenharia civil e a arquitetura dependem da compreensão precisa das condições do solo para garantir a segurança e a viabilidade econômica de qualquer projeto estrutural. A Sondagem Standard Penetration Test (SPT) é a ferramenta geotécnica mais utilizada no Brasil para esta finalidade, funcionando como a “radiografia inicial do subsolo”. No entanto, ignorar ou subestimar a qualidade dessa investigação é, em essência, construir sobre areia movediça, podendo levar a falhas catastróficas, prejuízos financeiros e danos irreparáveis à reputação profissional.

Apesar de sua importância, o mercado de sondagem geotécnica enfrenta desafios, incluindo a prática de preços predatórios e a entrega de relatórios fraudulentos. Para combater essas fragilidades, este artigo fornece um guia prático para profissionais do setor, abordando desde o planejamento da investigação até a verificação da execução em campo. O objetivo principal é capacitar o engenheiro ou arquiteto a tomar decisões informadas para proteger seu projeto e sua integridade profissional.

Para tal, o presente trabalho se apoia nas normas técnicas brasileiras, especialmente a ABNT NBR 8036, que determina a quantidade mínima de furos, e a ABNT NBR 6484, que rege a execução do ensaio. Além da fundamentação técnica, são compartilhadas experiências reais do mercado. Este guia se aprofunda nos seguintes pontos:

  • A essencialidade do ensaio SPT para a segurança e viabilidade do projeto.
  • O planejamento correto da investigação de acordo com as normas.
  • Critérios essenciais para a contratação de uma empresa de sondagem confiável.
  • A desmistificação do processo de execução, com foco nas dimensões do equipamento e na logística de acesso.
  • Estratégias para verificar a transparência e a autenticidade do relatório final.

2. Planejando a Investigação: A Matemática da Segurança

Antes da execução em campo, o planejamento da campanha de sondagem é o que dita a qualidade e a suficiência das informações geotécnicas para o projeto. A resposta para quantos furos de sondagem são necessários e a que profundidade eles devem ir não é arbitrária, mas está claramente definida em normas técnicas.

2.1. Quantidade de Furos SPT: O que a Norma pede?

ABNT NBR 8036 estabelece critérios mínimos que devem ser seguidos para a caracterização do subsolo, considerando a área de projeção da edificação. A norma recomenda a seguinte quantidade mínima de furos de sondagem SPT:

  • Para áreas de projeção de edifício de até 200m²: Mínimo de 2 furos.
  • Para áreas de projeção de edifício entre 200m² e 400m²: Mínimo de 3 furos.
  • Para áreas de projeção de edifício acima de 400m²: Um furo a cada 200m² de área de projeção, com um mínimo de 3 furos.

É crucial entender que esses são os requisitos mínimos. Em projetos complexos ou terrenos com grande variabilidade, uma quantidade maior de furos pode ser necessária para uma melhor caracterização do subsolo.

2.2. A Profundidade Ideal: Além dos Requisitos Mínimos

Além da quantidade, a profundidade dos furos é igualmente crítica. A norma não estabelece uma profundidade fixa, mas sim um critério geotécnico: os furos devem atingir uma profundidade tal que a camada investigada seja capaz de resistir às tensões transmitidas pela fundação sem recalques excessivos ou ruptura. Geralmente, a profundidade dos furos deve ultrapassar a zona de influência das tensões da fundação. Uma regra prática comum é que a sondagem atinja uma profundidade onde o valor de N do SPT se mantenha constante ou crescente para as últimas três leituras consecutivas.

3. Contratando a Empresa de Sondagem: Além do Preço Baixo

Contratar uma empresa de sondagem SPT não é uma tarefa trivial, e a decisão não deve se basear unicamente no tempo que a empresa possui no mercado. A chave está em adotar uma abordagem mais holística e crítica, avaliando outros pilares que são verdadeiros indicadores de competência e confiabilidade.

3.1. Indo Além da Idade: Critérios Essenciais para Contratação Para evitar armadilhas e garantir que a sua investigação geotécnica seja precisa e confiável, preste atenção aos seguintes pontos:

  • Corpo Técnico Qualificado e Experiente: A empresa deve ter um engenheiro ou geólogo legalmente habilitado como responsável técnico. Peça o currículo e o registro no CREA.
  • Qualidade dos Equipamentos: Martelos, hastes, amostradores e o tripé devem estar em boas condições de uso, sem deformações que possam alterar os resultados.
  • Procedimentos e Controle de Qualidade Interno: A empresa deve seguir estritamente a ABNT NBR 6484 e fornecer um boletim de campo detalhado.
  • A Essencial Supervisão Técnica em Campo: A presença de um engenheiro ou técnico geotécnico qualificado acompanhando de perto a execução dos furos é um diferencial crítico.
  • Apresentação e Detalhamento do Relatório Final: O relatório deve ser claro e completo, contendo todas as informações exigidas pelas normas, como os perfis individuais de cada furo e a descrição geotécnica dos solos.
  • Referências e Portfólio de Projetos Similares: Peça referências de projetos similares que a empresa já executou e converse com outros clientes para obter feedback sobre pontualidade, qualidade e profissionalismo.

4. A Execução em Campo: Desmistificando o Processo

Muitos aspectos práticos em campo, aparentemente menores, podem comprometer a precisão dos resultados ou inviabilizar o serviço. É um equívoco comum acreditar que a execução de uma sondagem SPT é um processo automatizado e rápido, realizado por máquinas potentes.

4.1. A Verdade por Trás da Perfuração: Força Humana e Técnica

A perfuração de um furo de sondagem SPT é, em sua essência, um trabalho de força humana e habilidade. O motor que se vê ao lado do tripé não perfura o solo ; sua única e vital função é bombear e circular água para remover o material escavado e estabilizar as paredes do furo. O processo é cansativo e repetitivo, envolvendo uma sequência de ações fisicamente desgastantes, como a remoção e instalação das hastes e a cravação do amostrador com um martelo de 65 kg.

4.2. O Tempo Real da Sondagem: O Alerta Vermelho

Compreender essa dinâmica permite que você avalie o tempo que uma sondagem de qualidade realmente leva. A produtividade média de uma equipe experiente varia muito com as características do solo: em solos moles, pode ser de 20 metros por dia, mas em solos rígidos, pode cair drasticamente para 8 a 12 metros por dia. Diante dessa realidade, você deve ser extremamente cético ao receber relatórios que indicam furos de 40 metros ou a execução de dois ou mais furos completos em um único dia. Esses números são fisicamente impraticáveis e indicam que a sondagem provavelmente não foi realizada conforme as normas. Uma sondagem “rápida demais” é quase sempre uma sondagem “mal feita”.

5. Verificando o Relatório: Proteja-se de Fraudes

A etapa final do processo é a entrega do relatório técnico, mas um relatório bem elaborado deve ser um espelho fidedigno do que ocorreu em campo e não apenas tabelas de valores.

5.1. Provas Visuais: Acompanhamento e Exigência de Fotos

É inadmissível simplesmente receber um relatório e assumir que o serviço foi executado conforme o prometido. A melhor forma de assegurar a execução é acompanhar pessoalmente a sondagem. Se isso não for viável, exija o envio de fotos e vídeos durante a execução. Qualquer empresa séria e comprometida com a qualidade não terá problema em fornecer essa documentação, que reforça sua credibilidade.

5.2. A Checagem Final: Busque os Furos no Terreno

Após receber o relatório, tome uma última medida de verificação: vá ao terreno e procure os orifícios (furos de sondagem). Se não houver nenhum vestígio, se o solo parecer intacto, você tem fortes motivos para duvidar da execução. A sua diligência na fase de contratação e no acompanhamento é a sua principal ferramenta para assegurar a integridade dos dados geotécnicos e, consequentemente, a segurança do seu projeto.

6. O Custo do Seu Sono: O Verdadeiro Valor da Integridade Profissional

A sondagem SPT não é um custo a ser minimizado a todo custo, mas sim um investimento fundamental na segurança, na economia e, sobretudo, na sua credibilidade profissional. O autor relata o caso de um cliente que, desconfiado de um relatório inicial, contratou uma contraprova, que demonstrou que o laudo original estava incorreto. Embora o cliente tenha pago por duas sondagens, ele pagou para dormir tranquilo, sabendo que a base de seu gigantesco investimento era sólida e verdadeira.

Suspeite sempre de preços muito abaixo da média, desculpas para a não execução no dia e qualquer resistência em fornecer provas. O custo de refazer uma sondagem é ínfimo comparado ao potencial prejuízo financeiro e ao abalo à sua reputação. Cada projeto que você assina carrega seu nome, sua ética e sua responsabilidade. Um erro na sondagem é um erro na base, e as consequências podem ser catastróficas. Proteja o seu sono, ele é o seu ativo mais valioso.

Referências

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT). NBR 8036: Programação de sondagens de simples reconhecimento dos solos para fundações de edifícios. Rio de Janeiro, 1983.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT). NBR 6484: Solo – Sondagens de simples reconhecimento com SPT – Método de ensaio. Rio de Janeiro, 2020.