IMPACTS OF DUMPING SYNDROME ON QUALITY OF LIFE AFTER ROUX-EN-Y GASTRIC BYPASS
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202508060834
Ana Carolina Cavalcanti Campos1
Clarissa Alencar de Macau Furtado1
Letycia de Lira Rufino1
Hellen Vitória Leandro da Luz Silva1
Nycole Farias Barros1
Sarah Thauany Rocha da Silva1
Maria Luiza Ribeiro Bastos da Silva2
Michelline Lins Silvério2
Resumo
A obesidade é uma condição de saúde pública em expansão, associada a múltiplas comorbidades e à redução significativa da qualidade de vida. Entre as opções mais eficazes para o tratamento da obesidade grave destaca-se a cirurgia bariátrica, especialmente o bypass gástrico em Y de Roux (BGYR), que promove expressiva perda ponderal e melhora metabólica. Contudo, uma das complicações mais prevalentes desse procedimento é a síndrome de dumping, caracterizada pelo esvaziamento gástrico acelerado, resultando em sintomas gastrointestinais, manifestações vasomotoras e episódios de hipoglicemia tardia. Este estudo analisou as repercussões clínicas da síndrome de dumping e seu impacto na qualidade de vida de indivíduos submetidos ao bypass gástrico em Y de Roux. Trata-se de uma revisão narrativa da literatura realizada nas bases de dados PubMed, SciELO, Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) e Scopus, utilizando descritores controlados e não controlados relacionados à síndrome de dumping, cirurgia bariátrica e qualidade de vida, com artigos publicados entre 2020 e 2025. Os achados demonstraram que a condição acomete até 40% dos pacientes no período pós-operatório, manifestando-se em fases precoce e tardia, com fisiopatologia associada ao trânsito alimentar acelerado, resposta hormonal exacerbada, aumento do GLP-1 e influência dos ácidos biliares e do FGF-19. Trata-se de uma condição frequentemente subdiagnosticada, cujo manejo requer abordagem multidisciplinar, com foco em modificações alimentares rigorosas, suporte nutricional contínuo e, em casos refratários, intervenções farmacológicas como acarbose ou análogos do GLP-1. Conclui-se que, apesar dos benefícios expressivos do BGYR na redução ponderal e no controle de comorbidades, a síndrome de dumping compromete a qualidade de vida, reforçando a necessidade de acompanhamento especializado, educação do paciente e suporte prolongado para a prevenção de complicações e o sucesso terapêutico a longo prazo.
Palavras-chave: Síndrome de dumping. Cirurgia bariátrica. Bypass gástrico em Y de Roux. Qualidade de vida. Complicações pós-operatórias.
1 INTRODUÇÃO
A obesidade é uma enfermidade crônica, de origem multifatorial, caracterizada pelo acúmulo excessivo de gordura corporal que compromete a saúde física, mental e social do indivíduo. Atualmente é considerada uma das principais causas de incapacidade global, sendo responsável por reduzir a expectativa e a qualidade de vida das populações afetadas (CHAGAS et al., 2024; OLIVEIRA et al., 2024). Estima-se que, globalmente, mais de um bilhão de pessoas convivam com obesidade, e a tendência é de crescimento contínuo, inclusive no Brasil, onde as projeções apontam um aumento expressivo do número de casos nas próximas décadas (OLIVEIRA et al., 2024).
Os impactos da obesidade são amplos e profundos. No campo social, o estigma do peso está associado à discriminação, marginalização e exclusão em contextos educacionais, laborais e até mesmo nos serviços de saúde, dificultando o acesso a cuidados adequados (TIMKOVA et al., 2025). Psicologicamente, a obesidade está correlacionada com índices elevados de depressão, ansiedade, transtornos alimentares e baixa autoestima, especialmente quando há interiorização da estigmatização sofrida (MÜLLER et al., 2024). Adicionalmente, os efeitos econômicos da doença são alarmantes, impactando os orçamentos públicos e privados por meio de custos diretos, como hospitalizações e medicamentos, e custos indiretos, como absenteísmo e aposentadorias precoces (OLIVEIRA et al., 2024).
Nesse cenário, a cirurgia bariátrica destaca-se como uma intervenção eficaz para o tratamento da obesidade grave e refratária. O bypass gástrico em Y de Roux (BGYR) é a técnica mais realizada no mundo e no Brasil, sendo indicada para indivíduos com índice de massa corporal (IMC) ≥ 40 kg/m² ou ≥ 35 kg/m² associados a comorbidades severas (SCARPELLINI et al., 2020; LINHARES et al., 2024). Devido à sua eficácia em promover perda de peso sustentada, melhora dos parâmetros metabólicos e remissão de doenças associadas, o número de procedimentos tem crescido significativamente nos últimos anos em território nacional, tornando-se um importante recurso no enfrentamento da obesidade (LINHARES et al., 2024).
O BGYR atua por meio de dois mecanismos principais: a restrição do volume gástrico, pela criação de uma pequena bolsa estomacal e a desabsorção, causada pelo desvio do trânsito alimentar para o jejuno distal. Essa combinação modifica o eixo enteroendócrino, reduzindo a secreção de grelina e aumentando os níveis de hormônios anorexígenos, como o GLP-1, promovendo saciedade e controle glicêmico (CHAGAS et al., 2024; SCARPELLINI et al., 2020).
Entretanto, o período pós-operatório é marcado por intensas mudanças fisiológicas e comportamentais, que exigem do paciente rigoroso acompanhamento multiprofissional para evitar complicações e garantir adesão ao novo estilo de vida. Embora os benefícios da cirurgia sejam evidentes e respaldados por extensa literatura científica, efeitos colaterais importantes vêm sendo identificados e ainda demandam maior compreensão. Dentre eles, destaca-se a síndrome de dumping, complicação prevalente no pós-operatório do BGYR, caracterizada por sintomas gastrointestinais e sistêmicos desencadeados pela rápida passagem de alimentos ao intestino delgado (MÜLLER et al., 2024; SCARPELLINI et al., 2020). Os sintomas variam entre náuseas, diarreia, sudorese, tontura e episódios de hipoglicemia tardia, impactando significativamente o bem-estar físico e emocional do paciente (ANANDAVADIVELAN et al., 2021; KLEVEBRO et al., 2021).
Diante disso, a compreensão aprofundada dos mecanismos, prevalência e manejo terapêutico da síndrome de dumping, assim como seus impactos multidimensionais, torna-se essencial para orientar práticas clínicas e promover a melhora da qualidade de vida desses pacientes (SCARPELLINI et al., 2020; LLEWELLYN et al., 2023). Assim, este estudo teve como objetivo analisar as complicações da síndrome de dumping e seu impacto na qualidade de vida de pacientes submetidos ao BGYR.
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Síndrome de Dumping
A Síndrome de dumping (SD) é uma complicação funcional que ocorre após cirurgias gastrointestinais que modificam a anatomia e a fisiologia do estômago, como a gastrectomia parcial, o bypass gástrico em Y de Roux (BGYR), esofagectomia ou fundoplicatura. Caracteriza-se por um conjunto de sintomas gastrointestinais e sistêmicos desencadeados após as refeições, causados pelo esvaziamento gástrico acelerado e pela resposta hormonal exacerbada no intestino delgado. Segundo Scarpellini et al. (2020), a SD pode ser classificada em dumping precoce e dumping tardio, conforme o tempo de manifestação dos sintomas.
O dumping precoce ocorre geralmente entre 10 e 30 minutos após a ingestão alimentar e manifesta-se por sintomas como náuseas, distensão abdominal, dor, diarreia, taquicardia, sudorese e tontura. Esses sintomas decorrem do efeito osmótico do quimo hiperosmolar no intestino delgado, que promove o deslocamento de líquidos do espaço intravascular para o lúmen intestinal, causando hipovolemia relativa. Por outro lado, o dumping tardio surge entre 1 e 3 horas após a refeição e está relacionado à hipoglicemia reativa, causada por um pico inicial elevado de glicose no sangue, seguido por uma hiperinsulinemia exagerada. Os sintomas típicos do dumping tardio incluem tremores, fraqueza, confusão mental, sudorese fria, palpitações e, em casos mais graves, síncope (SCARPELLINI et al., 2020). Importante ressaltar que a síndrome não ocorre em jejum e é frequentemente desencadeada por refeições ricas em carboidratos simples, que são rapidamente absorvidos, ocasionando variações bruscas da glicemia e respostas hormonais desreguladas.
Prevalência e impacto na qualidade de vida
A prevalência da SD varia amplamente, dependendo do tipo de cirurgia realizada, do tempo decorrido após o procedimento e dos critérios diagnósticos adotados, que podem incluir auto relato, escores clínicos como o de Sigstad, ou testes provocativos. Emous et al. (2018) investigaram sintomas de longo prazo após cirurgia bariátrica e encontraram que cerca de 40% dos pacientes submetidos à gastrectomia vertical ou BGYR apresentavam sintomas de dumping, sendo o dumping precoce o mais frequente. Em consonância, Alsulami et al. (2022) identificaram uma prevalência significativa da síndrome em pacientes adultos pós-cirurgia bariátrica no Hospital Geral King Fahad, destacando como fatores determinantes o tipo de técnica cirúrgica, hábitos alimentares e tempo pós-operatório.
No contexto de cirurgias oncológicas, como a esofagectomia e gastrectomia para câncer gástrico, a SD também é comum. Anandavadivelan et al. (2021) relataram que 67% dos pacientes apresentaram dumping precoce e 38% dumping tardio após cirurgias para câncer de esôfago. Embora sintomas graves sejam menos frequentes, conforme descrito por Klevebro et al. (2021), sua presença impacta negativamente a qualidade de vida relacionada à saúde (HRQoL), especialmente nos domínios físico, emocional e social em sobreviventes de longo prazo. Essa piora na qualidade de vida está associada à evitação alimentar e à ansiedade pós-prandial, fatores que podem levar a perda ponderal adicional, deficiências nutricionais e estresse psicológico.
Fisiopatologia
A fisiopatologia da SD é multifatorial e envolve mecanismos inter-relacionados que resultam das alterações anatômicas pós-cirúrgicas. Conforme descrito por Scarpellini et al. (2020), a redução da capacidade de reservatório gástrico e a ausência de regulação pilórica permitem que grandes volumes de quimo hiperosmolar alcancem rapidamente o intestino delgado. Essa rápida chegada do conteúdo alimentar provoca alterações hemodinâmicas importantes, como o deslocamento de fluidos do plasma para o lúmen intestinal, que pode causar hipotensão, taquicardia e sintomas vasomotores.
Além disso, ocorre uma resposta hormonal exacerbada com aumento da liberação de peptídeos gastrointestinais, como o peptídeo semelhante ao glucagon-1 (GLP-1) e o peptídeo insulinotrópico dependente de glicose (GIP), que levam à hiperinsulinemia pós-prandial e consequente hipoglicemia reativa típica do dumping tardio. Adicionalmente, a aceleração da motilidade intestinal causa sintomas como borborigmos, diarreia e cólicas. Esses mecanismos fisiopatológicos explicam a maior prevalência da SD em cirurgias que promovem um maior desvio do estômago e duodeno, como o BGYR, em comparação às técnicas puramente restritivas.
Abordagens terapêuticas
O manejo da SD é realizado por meio de um escalonamento terapêutico, que vai desde medidas conservadoras até intervenções farmacológicas e cirúrgicas, conforme a gravidade e a resposta ao tratamento.
A modificação dietética constitui a primeira linha de tratamento. Recomenda-se o fracionamento alimentar em cinco a seis pequenas refeições ao dia, evitar a ingestão de líquidos durante as refeições, priorizar alimentos ricos em proteínas e fibras e eliminar os carboidratos simples de rápida absorção. Bettini et al. (2020) enfatizam que a educação nutricional pré e pós-cirúrgica é fundamental para prevenir ou minimizar a SD, orientando os pacientes quanto ao índice glicêmico dos alimentos e controle das porções.
Caso as alterações dietéticas não sejam suficientes, a terapia farmacológica pode ser iniciada. Entre os medicamentos utilizados, destaca-se a acarbose, que retarda a digestão dos carboidratos, diminuindo o pico glicêmico e a hipoglicemia tardia, embora apresente efeitos colaterais gastrointestinais frequentes. Os análogos da somatostatina, como a octreotida, são eficazes no tratamento tanto do dumping precoce quanto do tardio, ao reduzir o esvaziamento gástrico e a liberação hormonal pós-prandial, mas seu uso prolongado pode acarretar esteatorreia, náuseas e cálculos biliares.
Novas terapias vêm sendo estudadas, como os agonistas do receptor de GLP-1 (GLP-1RAs). Ding et al. (2021) relataram o uso bem-sucedido da beinaglutida em um paciente com dumping tardio após gastrectomia, reduzindo episódios de hipoglicemia. Llewellyn et al. (2023), em revisão sistemática, analisaram a eficácia dos GLP-1RAs para hipoglicemia pós-prandial após cirurgia bariátrica, apontando resultados promissores, embora ainda sem consenso para o uso rotineiro.
Intervenções cirúrgicas e endoscópicas
Intervenções invasivas são indicadas somente para casos graves e refratários ao tratamento clínico. Entre as opções estão a revisão endoscópica da anastomose gastrojejunal (TORe), que visa reduzir o esvaziamento gástrico acelerado, e a reversão parcial ou total do bypass gástrico, que apresenta riscos técnicos elevados e resultados clínicos incertos. Em situações excepcionais, pode ser indicada alimentação enteral contínua por jejunostomia. O consenso internacional recomenda cautela quanto a essas abordagens invasivas, ressaltando a importância do manejo conservador e a possibilidade de adaptação gradual dos sintomas ao longo do tempo (SCARPELLINI et al., 2020).
Perspectivas
A SD é uma complicação frequente após cirurgias bariátricas e oncológicas do trato gastrointestinal, com impacto direto na qualidade de vida e no estado nutricional dos pacientes. Apesar de muitas vezes subdiagnosticada, a utilização de ferramentas diagnósticas como o Escore de Sigstad e testes provocativos facilita o reconhecimento precoce da síndrome. A abordagem multidisciplinar, envolvendo profissionais da saúde, nutrição e psicologia, é essencial para o manejo eficaz e para a melhora dos desfechos clínicos.
Novos avanços farmacológicos, como os inibidores do SGLT-1 e moduladores do GLP-1, mostram-se promissores como terapias adjuvantes, embora ainda sejam necessários estudos robustos para sua incorporação definitiva nas diretrizes clínicas. Por fim, estudos recentes evidenciam a necessidade de se considerar a qualidade de vida como um desfecho primário no acompanhamento de pacientes submetidos a cirurgias gastrointestinais, indo além da avaliação de parâmetros tradicionais como perda de peso ou controle oncológico (ANANDAVADIVELAN et al., 2021; KLEVEBRO et al., 2021; SCARPELLINI et al., 2020).
3 METODOLOGIA
Trata-se de uma revisão narrativa da literatura, cujo objetivo foi reunir, sintetizar e analisar criticamente as evidências científicas publicadas entre 2020 a 2025, visando compreender os impactos da síndrome de dumping na qualidade de vida de pacientes submetidos à cirurgia bariátrica do tipo bypass gástrico em Y de Roux (BGYR).
A busca foi realizada nas bases de dados PubMed, SciELO, BVS, LILACS e Scopus, utilizando descritores controlados e não controlados combinados com operadores booleanos AND e OR. A estratégia de busca contemplou os termos: “síndrome de dumping” AND “cirurgia bariátrica”, “bypass gástrico em Y de Roux” AND “qualidade de vida” e “dumping syndrome” AND “gastric bypass” AND “quality of life”.
Foram incluídos artigos originais, revisões sistemáticas, ensaios clínicos e estudos observacionais publicados em português, inglês ou espanhol, que abordassem a prevalência, os sintomas precoces e tardios da síndrome e suas repercussões na qualidade de vida.
Foram excluídos artigos duplicados, com dados anteriores a 2020, trabalhos sem acesso ao texto completo ou que não apresentassem relação direta entre a síndrome de dumping e o bem-estar físico, emocional ou social dos pacientes.
A seleção dos estudos ocorreu em três etapas: leitura de títulos, leitura de resumos e análise do texto completo. Os dados extraídos foram organizados em planilha, registrando autores, ano de publicação, tipo de estudo, prevalência da síndrome, sintomas relatados, impacto sobre a qualidade de vida e estratégias terapêuticas mencionadas.
Os achados foram analisados de forma descritiva, permitindo identificar a prevalência da síndrome variando entre 20% e 40%, os principais sintomas precoces e tardios, o impacto negativo sobre os domínios físico e emocional da qualidade de vida e a importância do acompanhamento multiprofissional para o manejo da condição.
4 RESULTADOS E DISCUSSÕES
A Síndrome de dumping (SD) configura-se como uma das complicações mais prevalentes e, ao mesmo tempo, subestimadas após o bypass gástrico em Y de Roux (BGYR). A prevalência relatada nos estudos varia entre 20% e 40%, influenciada pelo tempo de pós-operatório, métodos diagnósticos e características da amostra (MÜLLER et al., 2024; NOFAL et al., 2024). Dados de Farias et al. (2024) corroboram que cerca de 40% dos pacientes submetidos à BGYR ou gastrectomia vertical apresentam sintomas compatíveis com SD, posicionando-a como a complicação mais comum após esses procedimentos.
A fisiopatologia da SD envolve múltiplos mecanismos inter-relacionados. As alterações cirúrgicas promovem redução do volume gástrico, perda da função do piloro como barreira e denervação vagal, resultando em esvaziamento gástrico acelerado. Tal fenômeno propicia a chegada abrupta do alimento ao intestino delgado, desencadeando resposta hormonal exacerbada, destacando-se o aumento dos níveis de GLP-1 e GIP, além de alterações na liberação de ácidos biliares e do fator de crescimento fibroblástico 19 (FGF-19). Essa cascata fisiológica culmina em hiperosmolaridade intraluminal, mobilização de fluidos para o lúmen intestinal, hipotensão e, por vezes, síncope, o que explica os sintomas de náuseas, tontura e taquicardia amplamente descritos na literatura (MENEGOTTO et al., 2021; FARIAS et al., 2024).
Clinicamente, a SD apresenta-se em duas fases distintas: o dumping precoce, que ocorre entre 10 a 30 minutos após a refeição, caracterizado por sintomas como náuseas, diarreia, sudorese, tontura, taquicardia, dor abdominal e sensação de desmaio; e o dumping tardio, que surge entre 1 e 3 horas após a alimentação, associado à hipoglicemia reativa, manifestando-se por tremores, fraqueza, visão turva, confusão mental e, em casos mais graves, síncope. Essas diferenças clínicas, bem como seus impactos funcionais, são detalhadas no Quadro 1, que sintetiza o início dos sintomas, principais manifestações e as consequências para a rotina do paciente (LINHARES et al., 2024).
No dumping tardio, o estímulo hormonal exagerado promove hipersecreção insulínica pós-prandial, resultando em hipoglicemia reativa, principal fator etiológico desse quadro clínico. Estudos que utilizam monitorização contínua da glicose revelam que até 50% dos pacientes submetidos a BGYR apresentam episódios de hipoglicemia pós-prandial, geralmente entre 1 e 3 horas após a alimentação (D’HOEDT & VANUYTSEL, 2023). É comum que a terminologia “dumping tardio” e “hipoglicemia pós-prandial” seja empregada de forma intercambiável em virtude da fisiopatologia compartilhada.
Quadro 1. Características clínicas do dumping precoce e tardio.
Fase | Início dos sintomas | Principais sintomas | Impacto funcional |
Precoce | 10–30 min pós-refeição | Náuseas, diarreia, sudorese, tontura, taquicardia, dor abdominal, sensação de desmaio | Dificulta ingestão alimentar e socialização imediata |
Tardio | 1–3h pós-refeição | Hipoglicemia reativa, tremores, fraqueza, visão turva, confusão mental, síncope | Gera ansiedade alimentar, compulsão e medo de comer |
Fonte: Elaborado pelos autores (2025).
Essas manifestações clínicas comprometem a rotina do paciente, impactando negativamente sua socialização, comportamento alimentar e estado emocional, instaurando um ciclo de restrição alimentar, ansiedade e perda ponderal (LINHARES et al., 2024). Além dos sintomas físicos, a SD afeta significativamente a qualidade de vida, sobretudo nos domínios físico e emocional. Müller et al. (2024) identificaram redução dos escores do Short-Form Health Survey (SF-12), acompanhada de aumento da ansiedade, depressão e distúrbios alimentares em pacientes pós-BGYR com SD. Essa interação entre fatores fisiológicos e psicológicos gera um ciclo de sofrimento contínuo, compulsão alimentar e medo de se alimentar adequadamente (FARIAS et al., 2024).
Outro aspecto relevante é o estigma do peso e a frustração decorrente dos resultados cirúrgicos. Timkova et al. (2025) demonstraram que a autodepreciação e a estigmatização social amplificam quadros de depressão e ansiedade pós-operatória, prejudicando a autoimagem e a motivação para o autocuidado.
Quanto à prevalência da SD em relação à técnica cirúrgica, observa-se maior incidência associada ao BGYR, que promove alterações anatômicas e hormonais mais expressivas, quando comparado a técnicas restritivas puras (Quadro 2). Estima-se que cerca de 31% dos pacientes submetidos a gastrectomia vertical e BGYR combinados apresentam sintomas de dumping, sendo o dumping tardio menos frequente (11% após BGYR e 6,7% após gastrectomia vertical ou sleeve). Cirurgias revisonais demonstram taxas ainda maiores, possivelmente pelo maior risco de lesão do nervo vago (MÜLLER et al., 2024; FARIAS et al., 2024).
Quadro 2. Prevalência da síndrome de dumping conforme a técnica cirúrgica.
Técnica bariátrica | Prevalência estimada |
Bypass gástrico em Y de Roux | ~50% |
Gastrectomia vertical | ~25% |
Banda gástrica ajustável | <10% |
Fonte: Elaborado pelos autores (2025).
Esses dados são corroborados por estudos que apontam outras complicações tardias após o BGYR, como reganho de peso, estenoses e úlceras marginais (RODRIGUES et al., 2020). Apesar da elevada incidência, a Síndrome de Dumping permanece subdiagnosticada, muitas vezes confundida com intolerância alimentar ou hipoglicemia isolada. Ferramentas como o Escore de Sigstad são recomendadas para triagem e diagnóstico, podendo ser associadas a testes provocativos, como o teste oral de tolerância à glicose, que avalia parâmetros clínicos e laboratoriais, incluindo glicemia, hematócrito e frequência cardíaca (LINHARES et al., 2024).
No âmbito terapêutico, intervenções dietéticas representam a base do manejo clínico da Síndrome de Dumping. A exclusão de líquidos durante as refeições, a preferência por carboidratos complexos, o fracionamento alimentar e a redução do consumo de açúcares simples são medidas fundamentais, sempre orientadas por acompanhamento nutricional especializado (CHAGAS et al., 2024). Em casos refratários, medicamentos como acarbose e análogos do GLP-1 têm se mostrado eficazes no controle da hipoglicemia reativa associada ao dumping (MÜLLER et al., 2024). O Quadro 3 sintetiza as principais intervenções terapêuticas para o manejo da SD.
Quadro 3. Medidas terapêuticas e efeito sobre os sintomas da síndrome de dumping.
Intervenção | Objetivo principal | Eficácia esperada |
Exclusão de líquidos nas refeições | Reduz esvaziamento gástrico acelerado | Melhora sintomas precoces |
Fracionamento alimentar | Evita sobrecarga intestinal | Reduz sintomas precoces e tardios |
Preferência por carboidratos complexos | Minimiza hipoglicemia reativa | Melhora dumping tardio |
Acompanhamento nutricional | Orientação dietética contínua | Melhora global do quadro |
Acarbose | Retarda absorção de carboidratos simples | Controle da hipoglicemia tardia |
Análogos do GLP-1 | Modulam resposta hormonal pós-prandial | Casos refratários |
Fonte: Elaborado pelos autores (2025).
Embora o BGYR seja altamente eficaz na redução do peso corporal e na melhora das comorbidades metabólicas (QUINTERO et al., 2022; MEDRADO & TANAKA, 2024), complicações como a SD e o reganho ponderal podem comprometer os resultados a médio e longo prazo. Fatores comportamentais, como compulsão alimentar e sedentarismo, além de alterações anatômicas, influenciam esses desfechos (MENEGOTTO et al., 2021).
Portanto, a qualidade de vida deve ser considerada um desfecho primário na avaliação do sucesso da cirurgia bariátrica, não se limitando à perda de peso. O acompanhamento multidisciplinar prolongado, integrando suporte nutricional, psicológico e clínico, é indispensável para prevenção e manejo dessas complicações.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O bypass gástrico em Y de Roux (BGYR) permanece como um dos principais avanços no tratamento da obesidade grave, proporcionando expressiva redução de peso, melhora metabólica e controle de comorbidades. Entretanto, a síndrome de dumping, com prevalência entre 20% e 40% dos pacientes, constitui uma complicação frequente e impactante, manifestando-se em fases precoces e tardias com sintomas que comprometem o bem-estar físico, emocional e social.
Os achados evidenciam que a SD decorre de alterações anatômicas e fisiológicas induzidas pela cirurgia, como o esvaziamento gástrico acelerado, a perda da regulação do piloro e a resposta hormonal exacerbada, especialmente o aumento de GLP-1 e GIP. Esses mecanismos levam a sintomas como náuseas, tontura, taquicardia e hipoglicemia tardia, que reduzem significativamente a qualidade de vida, limitam a autonomia alimentar, geram insegurança em situações sociais e agravam quadros de ansiedade e depressão.
As medidas dietéticas – como fracionamento alimentar, exclusão de líquidos nas refeições e preferência por carboidratos complexos – apresentam eficácia parcial, sendo necessárias, em casos refratários, intervenções farmacológicas como acarbose ou análogos do GLP-1. Ainda assim, os resultados sugerem que o manejo da SD deve ser individualizado e integrado, reforçando a importância do acompanhamento multiprofissional contínuo, com suporte nutricional, psicológico e clínico.
Futuras investigações devem priorizar ensaios clínicos controlados e de longo prazo, além do desenvolvimento de ferramentas específicas para avaliar a qualidade de vida de pacientes bariátricos, a fim de subsidiar protocolos terapêuticos mais eficazes e promover uma recuperação sustentável e centrada no bem-estar global do paciente.
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1 Discentes do Curso Superior de Medicina da Afya Faculdade de Ciências Medicas – Jaboatão dos Guararapes – PE. E-mail: carooll26@hotmail.com
2 Docentes do Curso Superior de Medicina da Afya Faculdade de Ciências Medicas – Jaboatão dos Guararapes -PE. Doutora em Biologia de Fungos (UFPE), e-mail: michelline.silverio@afya.com.br