REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202507212013
Luciane Cegati de Souza1
Annelita Almeida Oliveira Reiners2
Rosemeiry Capriata de Souza Azevedo3
Joana Darc Chaves Cardoso4
Idilaine de Fátima Lima5
Natália Araújo de Almeida6
RESUMO
Estudo descritivo com abordagem qualitativa, realizado com 41 idosos residentes na zona urbana do município de Cuiabá/MT. O objetivo foi analisar as barreiras existentes entre os idosos e o tratamento para incontinência urinária. A coleta dos dados foi por meio de entrevista, com questões sobre as repercussões da IU na vida dos idosos. A análise dos dados foi feita por meio da análise temática de conteúdo. Como resultados, emergiram dois temas centrais: Tema 1 − Barreiras internas relacionadas às concepções dos idosos sobre a IU, o tratamento, e às formas de lidar com a IU; Tema 2 − Barreiras externas relacionadas à forma como foram atendidos pelos profissionais de saúde e à não resolução do problema quando procuraram tratamento. Essas barreiras contribuem para a não aceitação e/ou procura de cuidados de saúde pelo idoso, à ausência ou demora no diagnóstico e tratamento adequado.
Descritores: Incontinência Urinária, Idosos, Aceitação pelo Paciente de Cuidados de Saúde.
ABSTRACT
Descriptive study with qualitative approach, made with 41 elderly people resident in the urban zone of the city of Cuiabá/MT. The aim was to analyse the existent barriers between elderly people and the treatment to urinary incontinence. The data collection was by means of interview, with questions about the repercussions of UI in the life of the elder. The data analysis was made by thematic content analysis. As results, two central themes emerged: Theme 1 – Internal barriers related to the conceptions of the elders about the UI, the treatment, and the ways of dealing with the UI; Theme 2 – External barriers related to the how they have been treated by health professionals and to the non resolution of the problem when they seek treatment. Theses barriers contribute to the non-acceptance and/or search of health cares by the elder, to the absence or delay in the diagnostic and appropriated treatment.
Keywords: Urinary Incontinence, Elderly people, Patient Acceptance of the Health Care.
RESUMEN
Estudio descriptivo con enfoque cualitativo, realizado con 41 ancianos residentes en el área urbana de la ciudad de Cuiabá/MT. El objetivo fue analizar las barreras existentes entre los ancianos y el tratamiento para incontinencia urinaria. La recolección de datos fue por medio de entrevista, con cuestiones sobre las repercusiones de la IU en la vida de los ancianos. La análisis de datos fue hecha por medio de análisis temática de contenido. Como resultado, surgirán dos temas centrales: Tema 1 – Barreras internas relacionadas con a las concepciones de los ancianos sobre la IU, el tratamiento, y las maneras de tratar con la IU; Tema 2 – Barreras externas relacionadas con a forma como fueron tratados por los profesionales de la salud y la no solución del problema cuando buscaron tratamiento. Estas barreras contribuyen al rechazo y/o no busca de cuidados de la salud por el anciano, a la ausencia o demora en el diagnóstico y tratamiento adecuado.
Palabras-llaves: Incontinencia Urinaria, Ancianos, Aceptación del Paciente de Cuidados de la Salud.
INTRODUÇÃO
A incontinência urinária (IU) é um problema de saúde comum em pessoas com mais de 60 anos de idade. A prevalência em geral varia de acordo com a idade, gênero, tipo e grau de IU utilizados nos estudos. Em idosos residentes na comunidade, a prevalência estimada entre as mulheres é de 28% a 41% e varia entre 17% e 27% nos homens. Em idosos institucionalizados a prevalência é de 40% a 60%(1,2).
No Brasil, a prevalência de IU na população idosa residente na comunidade varia de 16% a 66%. Nos idosos institucionalizados a prevalência de IU é maior, acometendo cerca de 57% deles(3,4).
A IU não é consequência inevitável do envelhecimento fisiológico nem coloca em risco a vida das pessoas. Porém, trata-se de uma das síndromes geriátricas mais importantes, pois afeta significativamente a vida das pessoas nas dimensões física, psicológica, emocional, social, ocupacional e financeira(2,5,6).
Hoje em dia, existem várias opções de tratamento da IU para as pessoas acometidas por essa condição que podem trazer benefícios para sua qualidade de saúde e de vida. A literatura produzida sobre IU e suas formas de tratamento é extensa e alguns estudos têm evidenciado que nem sempre essas pessoas procuram ajuda para a resolução do problema(2,6). Dentre as diversas razões encontradas estão as concepções das pessoas sobre a IU e o tratamento(8), falta de conhecimento sobre as causas e opções de tratamento(12), bem como sentimentos de vergonha e medo(9,10).
No Brasil, para verificar as razões da não procura pelo tratamento da IU, um único estudo, com abordagem quantitativa, foi realizado com mulheres com idade entre 21 e 76 anos, usuárias de uma unidade básica de saúde(7). Pesquisas realizadas com abordagem qualitativa, embora crescentes, ainda são poucas e as que tiveram como foco o tratamento feito pelos incontinentes são em menor número(11).
Além disso, relativamente pouco se sabe sobre as barreiras existentes entre as pessoas mais velhas e o tratamento da IU. A investigação dessas barreiras, a partir da sua realidade e perspectiva, pode trazer mais conhecimento para os profissionais de saúde sobre a vida dos idosos com IU, bem como sobre a forma de lidar com essas barreiras.
O objetivo deste estudo foi analisar as barreiras existentes entre os idosos e o tratamento para incontinência urinária.
METODOLOGIA
Trata-se de estudo descritivo com abordagem qualitativa realizado em Cuiabá, capital do Mato Grosso. Fizeram parte do estudo, idosos residentes na zona urbana do município. Eles foram selecionados a partir de uma população de 121 idosos que participaram de pesquisa anterior sobre as condições de saúde das pessoas com 60 anos e mais residentes na zona urbana do município de Cuiabá – Mato Grosso e que autorreferiram ter IU.
Foram elegíveis para o estudo os idosos que, no momento da coleta de dados, apresentaram capacidade mental que permitisse responder às questões formuladas, avaliada por meio do Mini Exame do Estado Mental (MEEM). Além disso, os que apresentaram IU comprovada por meio do International Consultation on Incontinence Questionnaire – Short Form (ICIQ-SF).
Dos 121 idosos do estudo anterior, 52 foram excluídos pelo MEEM e pelo ICIQ-SF. Houve 28 perdas por óbito, mudança de endereço e recusa. Ao final, 41 idosos entrevistados.
A coleta de dados ocorreu no período de março a maio de 2014, por meio de entrevistas conduzidas e gravadas no domicílio de cada idoso, com duração média de 40 minutos. Utilizou-se um roteiro contendo questões fechadas sobre dados sociodemográficos e de saúde, e questões abertas sobre as repercussões da IU na vida dos idosos e as formas utilizadas por eles para lidar com a condição.
A organização e análise dos dados ocorreram por meio da técnica de Análise de Conteúdo, especificamente a análise temática. Foi realizada a pré-análise por meio de leitura flutuante das entrevistas objetivando entrar em contato e conhecer o material a ser analisado, deixando invadir-se por impressões e orientações; exploração do material, fase constituída essencialmente de operações de codificação, decomposição e categorização, e a interpretação, etapa em que realizamos o tratamento dos resultados, inferências e definição dos temas centrais. A interpretação dos resultados foi discutida com base no referencial teórico produzido sobre a IU em adultos e idosos.
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Hospital Universitário Júlio Muller (HUJM), sob o Parecer nº 568.927/2014, de 26 de março de 2014. Todos os sujeitos foram informados acerca dos objetivos do estudo, conforme Resolução nº466/2012, do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
RESULTADOS
Dos 41 idosos participantes do estudo, 35 são do sexo feminino e seis do sexo masculino, com idade entre 62 e 93 anos. A maioria é casada, reside com seus cônjuges e/ou outros parentes, e tem escolaridade até quatro anos de estudo. Atualmente, alguns ainda exercem trabalhos informais para complementar a renda mensal que é de um salário mínimo proveniente principalmente da aposentadoria. Todos referem ter algum problema de saúde, dos quais o mais comum é a hipertensão e fazem uso regular de anti-hipertensivos e diuréticos. O tipo mais frequente de IU relatado pelos idosos é a mista e o período de convivência deles com essa condição variou de 6 meses a 50 anos.
Da análise dos dados, emergiram dois temas centrais que traduzem a compreensão que se teve das barreiras existentes entre os idosos e o tratamento para a IU: Tema 1 − Barreiras internas relacionadas às concepções dos idosos sobre a IU, o tratamento, e às formas de lidar com a IU; Tema 2 − Barreiras externas relacionadas à forma como foram atendidos pelos profissionais de saúde e à não resolução do problema quando procurou tratamento.
Barreiras internas
Concepções sobre a IU e o tratamento.
A maior parte dos idosos referiu que nunca procurou ou solicitou qualquer tipo de atendimento e/ou ajuda de profissionais da área de saúde, para tratar e/ou para lidar com a perda urinária. Nunca procurei [ajuda profissional]. (…) Nunca tive interesse de ir atrás. (…) Não me importo, não ligo (I23 – mulher, 93 anos, 30 anos com IU); Nunca procurei [ajuda profissional], nunca falei nada sobre isso, porque era só quando estava com gripe, então nunca procurei (I38 – mulher, 70 anos, 24 anos com IU). Outros idosos referiram que chegaram a iniciar um tratamento, mas desistiram.
Percebeu-se nos relatos dos idosos que algumas barreiras entre eles e o tratamento da IU são provenientes das concepções de que a perda urinária involuntária é inerente ao processo de envelhecer. Eu penso que é normal [ter IU] porque todos os velhos são assim mesmo (I29, mulher, 79 anos, 2 anos com IU); (…) porque já é uma coisa da idade que vem [a IU] (I4, homem, 76 anos, 3 anos com IU); Não fui [procurar médico], eu pensava que era normal urinar sonhando, essas coisas (…) (I41 – mulher, 79 anos, 29 anos com IU).
Aliada a essa concepção, os idosos deste estudo, sobretudo as mulheres, consideram que a IU também é uma consequência normal das gestações e partos, uma consequência já esperada. Para elas, os episódios repetitivos das gestações e dos partos, provocam a queda da bexiga e ocasionam a IU, podendo ocorrer a perda de urina por qualquer esforço e/ou movimentos bruscos que façam. (…) Eu acho que é porque a gente tem muito filho normal (…) vem aquela força bem forte, tudo isso causa problema na gente (I14, mulher, 63 anos, 9 anos com IU); (…) Com todos os partos a bexiga foi baixando, ai no último parto, minha filha nasceu grande, fiz muita força ai a bexiga acabou de baixar. Depois disso começou todos os problemas que tenho (…) faz força e a urina solta (I22, mulher, 63 anos, 26 anos com IU); (…) 5 partos normal, eu acredito que desde do 4º parto já começou essa perda de urina (…) acho que é tudo consequência de parto (…) Dizem que é o parto normal que geralmente deixa a pessoa incontinente, eu tive os filhos tudo grandes (…) levei muitos pontos, todos eles levei muitos pontos, me costuravam toda (I39, mulher, 82 anos, 50 anos com IU).
Também porque consideravam que não havia forma de resolver o problema. Achavam que não tinha mais o que fazer, e seria necessário aceitar a IU como era na sua vida, pois não podiam mudar isso. (…) não continuei o tratamento. (…) não tem o que fazer (…) (I4, homem, 76 anos, 3 anos com IU); Não tem como fazer alguma coisa, é uma necessidade da gente lidar com ela [IU] da maneira que ela é (…) (I5, mulher, 73 anos, 20 anos com IU).
Alguns idosos julgam que a IU não é um problema tão importante, é um problema menor em relação a outros que ele prioriza em sua vida. Eles relatam que não podiam priorizar o cuidado de si e/ou o tratamento da IU, pois precisam cumprir seus compromissos no trabalho ou em casa e não tem quem os ajude. Outros consideram que não precisam tratar a IU porque tem problemas piores que esse. Ressaltaram que procurariam o médico somente a partir do momento que sentissem vergonha e/ou percebessem que a IU atrapalhava sair e/ou de cumprir com seus compromissos. (…) É difícil pra mim. Pra eu ficar aqui para tratar, não tem ninguém pra ficar pra mim no assentamento, ai tenho que ficar lá. (I22, mulher, 63 anos, 26 anos com IU); Está com uns 4, 5 anos que era pra eu ter feito a cirurgia, mas não deu porque nasceu as crianças [netos], ai não fui, acomodei (I18, mulher, 70 anos, 10 anos com IU); (…) eu não ligo não, por que a gente vê tanta coisa por ai (…) tem tanta coisa pior, isso ai é coisa simples, é só administrar direitinho que não tem problema. (I12, homem, 79 anos, 4 anos com IU).
A cirurgia foi referida pelos idosos como motivo de desistência do tratamento, sobretudo pelas mulheres. Elas sentiam medo do procedimento, principalmente por causa da idade, achavam que não compensava mais correr riscos. (…) Não quero mais não [fazer períneo] (…) na minha idade acho que não compensa mais não (I5 mulher, 73 anos, 20 anos com IU); (…) se precisar operar não sei se vou ter coragem de operar (I21, mulher, 67 anos, 3 anos com IU).
Acomodação
Outra barreira encontrada foi as formas que os idosos têm para lidar com a IU, ou seja, das adaptações que tiveram que fazer para conviverem com a IU. O longo período de convivência com a condição fez com que boa parte deles se acomodasse à situação. Acomodada, hoje estou acomodada, não ligo mais pra isso, nem lembro às vezes (…) eu me acomodei. (I36, mulher, 80 anos, 40 com IU); Eu sou tão descansada que nunca procurei médico pra isso. Sou relaxada. (…) Relaxamento, falta de coragem de procurar médico e até hoje não procuro. (…) Interfere, mas mesmo assim eu não procurei. Me incomoda, mas não procurei. (…) Eu relaxei demais, não procurei (…) (I2, mulher, 69 anos, 9 anos com IU)
Nos relatos também percebeu-se que essa acomodação era explicada pelos idosos pelo fato de conceberem a IU como uma condição que na maioria das vezes não os incomodava ou prejudicava. Eles relatavam que perdiam pouca quantidade de urina ou que era somente quando ficavam com gripe, por causa da tosse e espirro. Não tem muita coisa para fazer e não é coisa demais, só naquelas horas que estou tossindo ou espirrando (I24, mulher, 64 anos, 5 anos com IU); (…) me sinto normal, não reclamo de nada não. Me sinto bem mesmo, nunca reclamei pra ninguém, ela [IU] nunca me prejudicou em nada (I14, mulher, 63 anos, 9 anos com IU).
Barreiras externas
Desvalorização da queixa pelos profissionais de saúde
Uma barreira externa existente entre os idosos e o tratamento para a IU identificada nos seus relatos diz respeito à forma como os profissionais de saúde consideram a queixa de perda urinária dos idosos. Quando procuram ajuda de um profissional, geralmente o médico, essa queixa não é valorizada. (…) se vai ao médico ele não passa nada e fala que está tudo bem (I26, mulher, 62 anos, 2 anos com IU); (…) sempre eu falo pro médico que tenho esse problema, toda vez eles falam que é a pedra na bexiga… (…) Sempre que vou ao médico falo pra ele [que tem IU] (…) Ele só examina (…) acha que tudo é o problema da pedra na bexiga… (I6, mulher, 74 anos, 20 anos com IU); (…) ele falou: “não é nada, isso é coisa simples, não tem problema sério, está tudo bem” (I25, mulher, 69 anos, 5 anos com IU).
Em vista disso, os idosos relataram que ficam desestimulados a procurar algum atendimento e acham mais fácil conviver com esta condição, procurando se adaptar de alguma forma. Esses profissionais, às vezes até indicavam algum tratamento, porém do ponto de vista dos idosos, sem solução. Todo médico eu falo com eles, todos eles tratam, tratam… mais não vale nada (I34, mulher, 66 anos, 38 anos com IU).
Resolução frustrada
Outra barreira identificada nos relatos dos idosos foi a frustração encontrada na resolução da IU. Algumas idosas que realizaram procedimentos cirúrgicos na intenção de melhorar ou resolver o problema referiram que ficaram pior após a cirurgia, pois a perda urinária acabou se tornando mais frequente. Alguns disseram que se submeteram ao procedimento mais de uma vez e não tiveram solução. (…) Achei que ficou pior [depois que fez perineoplastia], porque antes eu perdia só quando espirrava ou tossia, e agora não (…) se a bexiga ficar bem cheia, e eu não for logo ao banheiro é que eu perco urina (…) (I20, mulher, 62 anos, 7 anos com IU); (…) Já fiz inúmeras cirurgias da bexiga, perdi a conta de quantas já fiz… Suspendi a bexiga porque o médico disse que estava caída. Quando me davam alta que eu sentava na cama pra sair, já saia urina e ficava molhada. Eu nem falava nada porque iriam voltar comigo pra sala de cirurgia e não iria adiantar nada. Fiz umas três cirurgias e parei ai depois fiz uma que colocaram uma redinha, também não resolveu nada. Eu procuro sempre médicos bons, mas pra isso é difícil (I39, mulher, 82 anos, 50 anos com IU).
DISCUSSÃO
Este é um dos poucos estudos realizados em um país em desenvolvimento sobre as barreiras para o tratamento da IU. Sua relevância está na investigação do problema com uma abordagem qualitativa, ou seja, parte da perspectiva dos idosos que vivenciam a condição de serem acometidos pela IU. Outro ponto forte do estudo, é que ele foi realizado com idosos de ambos os sexos e que residem na comunidade. A maior parte dos estudos sobre IU foi desenvolvida com mulheres, com idade variada e, geralmente, frequentadoras de serviços ambulatoriais.
A literatura revela que o sexo mais acometido pela IU é o feminino(1,2,3,4). Por serem mais dispostas que os homens a cuidar de sua saúde, as mulheres buscam mais ajuda e/ou o tratamento(12). Entretanto, a prevalência dessa procura ainda é baixa(13,14,15). Um fenômeno denominado por alguns autores de ‘iceberg’, no qual apenas uma parte do problema é revelado, enquanto que a outra parte, a ausência do tratamento, está oculta(8).
Assim como os idosos deste estudo, outros estudos sugerem que as pessoas mais velhas tendem a aceitar com maior frequência que a IU é um evento que faz parte do processo do envelhecimento e que é próprio da condição de mulher que teve filhos por parto vaginal(5,7,8).
De igual modo, na literatura há pesquisas que revelam que muitos incontinentes acreditam que nada ou muito pouco pode ser feito para melhorar a IU, que o tratamento não é efetivo e isso resulta na resistência em procurar por ajuda(16,8,11). Estudos evidenciam também, que a falta de procura por tratamento pode ocorrer pela IU não ser considerada um problema importante ou grave o suficiente para ser cuidado (7,8,13,14,11,15).
Sabe-se que o envelhecimento por si só não é causa de IU, mas pode induzir algumas mudanças funcionais e estruturais no sistema urinário e predispor à perda de urina em ambos os sexos. Além disso, sabe-se que as diferenças no comprimento da uretra feminina, a anatomia do músculo pélvico, as alterações hormonais que influenciam no mecanismo de continência, e que mulheres com pelo menos um ou mais partos, apresentam prevalência de IU aumentada(9,3,8,5,11). Entretanto, é um equívoco pensar que, por causa disso, não há tratamento para sanar a IU.
Essas concepções equivocadas provavelmente são oriundas da falta de conhecimento sobre a IU e seu tratamento. Estudos revelam que mulheres incontinentes não procuram cuidados, devido ao conhecimento limitado em relação às opções de tratamento(7,8,14,15). Ter conhecimento sobre saúde, os problemas, tratamentos e cuidados existentes é fundamental para lidar com eles adequadamente. Concepções equivocadas e falta de conhecimento fazem com que os idosos deixem de procurar ajuda, e não tenham a IU diagnosticada e tratada adequadamente. Isso traz como consequência as complicações físicas e psicológicas, bem como as sociais(7,14).
A consideração de que o cuidado de si é menos importante que o cuidado com a casa e com os familiares é uma situação parecida à encontrada em um estudo realizado na Suécia com mulheres incontinentes(9). Elas expressaram que assumiam a maioria das responsabilidades associadas com a vida diária dos seus familiares, e isso fazia com que tivessem pouco tempo para se preocupar com elas mesmas e que a IU não era uma prioridade.
As concepções equivocadas e a ideia de que a IU é um problema menor e que pode ser contornado levam também à existência da outra barreira que encontramos neste estudo, a acomodação. Pesquisas realizadas com mulheres incontinentes evidenciaram que elas consideravam a IU um problema administrável e que haviam aprendido a conviver com ele (16,14). Em outros estudos, as mulheres referiram que haviam se adaptado à situação de IU(9,8).
A acomodação pode ser consequência da naturalização e adaptação ao problema. Em pesquisa realizada em Florianópolis(17), os autores constataram que a ocorrência das perdas urinárias não era relatada pelos sujeitos na descrição do seu quotidiano, levando-os a acreditar que a IU era incorporada e internalizada ao dia a dia, assim como outras atividades rotineiras, os cuidados com a higiene, alimentação ou vestir-se.
Tanto as concepções equivocadas dos idosos com IU quanto o processo de acomodação necessitam ser trabalhados com eles por meio da educação em saúde. Nessa prática, os profissionais de saúde podem criar espaços de diálogo e participação, com a oportunidade de construir junto aos idosos uma nova forma de pensar e lidar com a IU(7).
Entretanto, é preciso que a barreira que os idosos deste estudo mencionaram seja retirada da relação deles com o profissional de saúde que sentem-se frustrados, ou por não terem os devidos esclarecimentos, por lhes serem apresentada apenas a cirurgia como opção de tratamento ou por não terem obtido sucesso neste procedimento. Barreira que também foi encontrada em outros estudos, nos quais os autores descobriram que as mulheres que não tinham uma relação estabelecida com um profissional, eram menos prováveis de procurar por cuidados para IU (18,15).
Os profissionais de saúde são os principais responsáveis pelo esclarecimento da população idosa sobre a IU. No entanto, infelizmente na nossa realidade de atenção à saúde dos idosos, muitos deles, tanto quanto os idosos, desconhecem essa problemática silenciosa(7,8,19). Quando conhecem, para muitas idosas, a perineoplastia é a única opção de tratamento que a maioria deles sugere, apesar de existirem também métodos não invasivos com bons resultados(7,20,12).
O acompanhamento adequado, com uma avaliação ampliada e completa, ajudaria a modificar as concepções errôneas que os idosos têm em relação à IU, que aos poucos podem deixar de existir. Uma conversa esclarecedora na qual são apresentadas as várias alternativas de resolução da IU, suas vantagens e desvantagens, assim como os riscos e benefícios, poderia melhorar a adesão dos pacientes ao tratamento adequado.
Nos relatos dos entrevistados desse estudo, percebeu-se a ausência do enfermeiro como profissional de referência para o cuidado com a IU. Foram citados somente os profissionais médicos e fisioterapeutas. Esse dado é diferente do encontrado nos estudos internacionais, nos quais a maioria dos participantes refere a atuação do enfermeiro no tratamento dessa condição(13,16,15).
Este é, portanto, um campo carente da atuação dos enfermeiros. Além da consulta de enfermagem direcionada ao problema, há a oportunidade de realizar ações de educação em saúde nas quais os espaços de diálogo propiciem a construção de um novo saber sobre a IU. E a partir daí, novas formas de lidar com essa condição e seus problemas sejam adquiridas.
CONCLUSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste estudo, conclui-se que entre os idosos e o tratamento para IU há barreiras internas relacionadas às suas concepções sobre a condição, o tratamento, e as formas de lidar com a IU, e ao comportamento de acomodação. Além disso, há barreiras externas relacionadas à forma como os idosos foram atendidos pelos profissionais de saúde e como tiveram o problema resolvido quando procuraram tratamento. Essas barreiras fazem com que os idosos deixem de procurar ajuda, e não tenham a IU diagnosticada e tratada adequadamente o que traz como consequência as complicações físicas, psicológicas e sociais.
Para que este quadro seja modificado, é necessário que haja nova estruturação dos serviços voltados ao atendimento dos idosos com IU, que os profissionais de saúde, especialmente os enfermeiros, se conscientizem quanto à importância e necessidade do seu aperfeiçoamento no que se refere ao atendimento do idoso incontinente.
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1Enfermeira, Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Mato Grosso, lucianecegati@hotmail.com
2Enfermeira, Doutora em Enfermagem, Docente do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Mato Grosso, annereiners.ar@gmail.com
3Enfermeira, Doutora em Enfermagem, Docente do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Mato Grosso, capriata@terra.com.br
4Enfermeira, Mestre em Enfermagem, Docente da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Mato Grosso, joana-qtal@hotmail.com
5Enfermeira, Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Mato Grosso, idilaine.enf@gmail.com
6Enfermeira, Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Mato Grosso, nataliaaraujo50@hotmail.com
*Artigo produzido a partir dos resultados da dissertação de mestrado: Repercussões da incontinência urinária na vida dos idosos e estratégias utilizadas apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem – Mestrado em Enfermagem da Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá/MT, 2015.