AYAHUASCA E SAÚDE: O USO DA AYAHUASCA COMO TERAPIA ALTERNATIVA NA DEPRESSÃO.

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202507141908


Andressa Maria Ferreira Carneiro


RESUMO

A depressão é uma doença psicológica que tornou- se a realidade de muitas pessoas em todo o mundo, pesquisas feitas pela OMS indicam que cerca de 350 milhões de pessoas no mundo sofrem com a doença, número que vem crescendo a cada dia. O Brasil é o segundo país das Américas com maior número de pessoas depressivas, onde cerca de 5,8% da população foi diagnosticada com a patologia. A depressão é uma doença psiquiátrica, crônica e recorrente, um problema complexo cujas características principais são falta de motivação, dificuldade para realizar tarefas comuns do dia dia, tristeza, problemas com autoestima. É causada por diversos fatores, podendo estar relacionado à genética, parte biológica, ambientais e psicológicas. Ao ser diagnosticada, o tratamento indicado é com medicamentos antidepressivos, geralmente os inibidores seletivos da recaptação de serotonina, considerados os mais utilizados. Atualmente, muitos pacientes vêm buscando um tratamento não convencional, como chá de Ayahuasca. A bebida tem potencial alucinógeno, capaz de provocar diversas alterações no organismo que podem durar horas, preparada a partir da decocção do cipó Banisteriopsis caapi com as folhas de Psychotria viridis. A pesquisa tem como objetivo, por meio de uma breve revisão bibliográfica, entender melhor a aplicabilidade do Ayahuasca, sua ação farmacológica, a história do chá, efeitos adversos e contra indicações. É necessário salientar que o consumo do Ayahuasca precisa ser feito com responsabilidade e seguindo a posologia indicada.

Palavras chaves: Depressão. Chá. Ayahuasca.

ABSTRACT

Depression is a common disorder around the world, according to the WHO (World Health Organization) about 350 million people worldwide suffer from the disease, a number that is growing every day. Brazil is the second country in the Americas with the highest number of depressive people, where about 5.8% of the population has been diagnosed with the pathology. Depression is a chronic and recurrent psychiatric illness, a complex problem whose main characteristics are lack of motivation, difficulty in performing common daily tasks, sadness, and pessimism. It is caused by a combination of genetic, biological, environmental and psychological factors. When diagnosed, it is treated with antidepressant drugs, and selective serotonin reuptake inhibitors are considered the first choice. Currently, many patients are seeking an unconventional treatment, such as the use of Ayahuasca tea. Ayahuasca is a tea with hallucinogenic potential capable of causing changes in consciousness for a period of up to 10 hours, prepared from the decoction of Banisteriopsis caapi vine with Psychotria viridis leaves. The present study aims, through a brief literature review, to better understand the therapeutic use of Ayahuasca, its pharmacological action, the history of tea, adverse effects and contraindications. It should be noted that the use of Ayahuasca needs to be done with caution.

Keywords: Depression. Tea. Ayahuasca.

1 INTRODUÇÃO

A depressão é um problema global, é uma síndrome psiquiátrica altamente prevalente na população em geral. Segundo a OMS são 322 milhões de pessoas depressivas em todo o mundo, sendo assim, 4,4% da população mundial. As doenças psicológicas se caracterizam como um grupo de doenças com alto grau de sobrecarga, afetando não só quem tem a patologia, mas todos ao seu redor. A depressão é um transtorno psicológico do humor, se caracteriza pela perda de interesse e prazer, sentimento de tristeza, inutilidade, perda de propósito, desesperança e baixa da autoestima.

A doença atinge o hipocampo, a amígdala e o córtex pré-frontal, três regiões do cérebro que estão relacionadas a importantes funções, como o processamento da memória, aprendizado, concentração e cognição. Os quadros da patologia podem variar de intensidade e duração, sendo classificados em três diferentes graus: leves, moderados e graves. As causas são pouco conhecidas, mas fatores genéticos, psicológicos, ambientais e bioquímicos estão envolvidos no surgimento e evolução da doença, estando presentes em graus variáveis em cada paciente depressivo. O diagnóstico da patologia é clínico, tem como base os sintomas descritos e a história de vida do paciente.

O transtorno depressivo, se não for tratada corretamente, pode causar enorme prejuízo à vida do paciente, seja no ambiente trabalho, familiar e em atividades que antes davam prazer ao paciente, comprometendo a vida destes em diversos aspectos, juntamente com um risco de suicídio. O diagnóstico de depressão é feito por um psiquiatra com auxílio de um psicólogo, requer a presença de cinco ou mais dos seguintes sintomas, incluindo anedonia, estado deprimido no mínimo por duas semanas, provocando prejuízos nos campos da atividade diária, como a área social, familiar e ocupacional.

Ao ser diagnosticada, o tratamento indicado é com medicamentos antidepressivos, geralmente os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (SSRI ou ISRS), medicamentos mais utilizados no tratamento de síndromes depressivas. Ao longo do tratamento muitos pacientes não possuem uma boa relação com o tratamento prescrito, com isso, procuram novas alternativas. Uma outra possibilidade para o tratamento consiste no consumo de plantas medicinais, um exemplo é o chá de Ayahuasca, que nos últimos anos vem aumentando o número de estudos neste contexto.

A palavra Ayahuasca é de origem indígena. Aya quer dizer “pessoa morta, alma espírito” e waska significa “corda, liana, cipó ou vinho”. Assim a tradução, para o português, seria algo como “corda dos mortos” ou “vinho dos mortos”. No Peru, encontrou-se o seguinte significado: “soga de los muertos”, (Labate e Araújo, 2002). O chá de Ayahuasca, consiste na infusão do cipó Banisteriopsis caapi e as folhas do arbusto Psycotria viridis. Também conhecida como hoasca, iagê, santo-daime e vegetal, com potencial alucinógeno, que podem provocar alterações fisiológicas por horas.

A ayahuasca é considerada, em geral, pelos diversos grupos religiosos, como uma substância capaz de permitir ao usuário o contato com o Divino ou dimensão 22 divina, daí retirando conhecimentos, força e luz, que permitam a evolução material e espiritual, atuando também como modo de orientação da conduta diária (Labate & Araújo, 2002; Lira, 2009b; Ruck, et al., 1979).

O chá é utilizado como sacramento de religiões como o Santo Daime, a Barquinha, a União do Vegetal e as suas dissidências. Do ponto de vista toxicológico, o uso do chá pode trazer efeitos nocivos ao organismo como: desidratação, por conta das náuseas, vômito e diarréia comumente relatadas, e a síndrome serotoninérgica, sendo que a última é a conseqüência mais grave desta utilização (Callaway et al., 1999; Callaway et al., 1994; Sternbach, 1991).

A ingestão da ayahuasca ainda pode ser identificada com base na identificação de seus metabólitos no sangue e na urina (Callaway, et al., 1999; McIlhenny, Riba, Barbanoj, Strassman, & Barker, 2012; Riba, 2003; Riba, et al., 2003).

O efeito do se dá por meio da interação das β-carbolinas com o DMT presentes nas plantas, estas têm como característica intensificar as propriedades alucinógenas de ambas, importante salientar que as β-cartolinas aumentam os níveis de DMT. O presente trabalho tem por objetivo, por meio da revisão bibliográfica, esclarecer e garantir um melhor entendimento sobre o uso do chá em pacientes com depressão, bem como, o mecanismo de ação, propriedades farmacológicas e efeitos adversos.

2 OBJETIVOS

2.1 Objetivo geral

O trabalho teve por objetivo uma revisão bibliográfica, abrangendo as propriedades da Ayahuasca e suas particularidades, bem como apresentar seu histórico e quando começou a ser utilizado, uso em rituais espirituais, bases neuroquímicas, destacar os possíveis efeitos tóxicos e seus efeitos colaterais.

Adicionalmente, objetiva-se o levantamento de evidências científicas sobre o uso do chá em pacientes com depressão, propondo campos de pesquisas mais aprofundados sobre o assunto.

2.2 Objetivos específicos

  • Entender melhor sobre a depressão, diagnóstico, tratamento
  • Apresentar os registros históricos e científicos da origem da Ayahuasca;
  • Apresentar seu mecanismo de ação e composição química;
  • Conhecer sua farmacocinética e indicação de uso;
  • Investigar os riscos e benefícios da sua utilização;
  • Identificar os possíveis efeitos colaterais mais comuns.

3 MÉTODOS

O presente trabalho apresenta-se como um trabalho retrospectivo, baseado em revisão bibliográfica, utilizando-se de pesquisas em bases científicas de publicações disponíveis na Internet, submetidos a PubMed, MedLine, Scielo e

Google Acadêmico, utilizando como descritores de busca os termos: “Ayahuasca ”, “Depressão”, “Tratamento atípicos da depressão” e “Santo Daime”.

Serão considerados artigos publicados em língua portuguesa e língua inglesa, entre os anos de 2010 e 2024, contendo os descritores acima.

3.1 Critérios de Inclusão

Serão considerados os artigos que trabalharam com os registros históricos e função do Ayahuasca, sua indicação de uso para pacientes com depressão, a motivação do uso em rituais espirituais, na tentativa de verificar a influência desse consumo em medidas específicas de sintomas diversos, característicos de problemas psicopatológicos. Livros baseados em estudos sobre depressão, antidepressivos.

3.2 Critérios de exclusão

Serão desconsiderados artigos que tratem de maneira tendenciosa sobre o assunto, por não atenderem aos propósitos da pesquisa . Ainda, serão removidos artigos que estejam fora do escopo cronológico de 10 anos a partir de 2020. Artigos publicados fora da língua portuguesa ou inglesa também serão desconsiderados para fins do presente trabalho.

4 DESENVOLVIMENTO

4.1 Transtorno depressivo

A depressão é uma doença psicológica crônica, provocando alterações no humor, caracterizada por tristeza profunda e forte sentimento de desesperança. Tem como sintomas anedonia, tristeza profunda, baixa auto estima, desesperança, podendo ter afetar o sono e apetite. A patologia atinge cerca de 350 milhões de pessoas no mundo, de acordo com a OMS uma epidemia global. Na América Latina, o país com mais casos é o Brasil.

A depressão é uma síndrome psiquiátrica altamente prevalente na população em geral; estima-se que acometa 3% a 5% desta. Já em populações clínicas, a incidência é ainda maior, uma vez que a depressão é encontrada em 5% a 10% dos pacientes ambulatoriais e 9% a 16% de internados (Katon, 2003).

A doença está relacionada à produção de hormônios, como serotonina e endorfina, onde os neurotransmissores responsáveis pela produção dos mesmos apresentam um defeito, com isso, afetam a sensação de bem estar e prazer no paciente. As vesículas neuronais são responsáveis pelo armazenamento dos neurotransmissores, quando disponibilizado as vesículas decaem na fenda sináptica, assim, reagem com os receptores do neurônio seguinte. Pacientes depressivos, têm menor quantidade de neurotransmissores liberados, entretanto, a bomba de recaptação e a enzima continuam funcionando normalmente.

Os quadros depressivos podem ocorrer em qualquer fase da vida, mudando de intensidade e duração em cada paciente, sendo classificados em três diferentes graus: leves, moderados e graves. Pode ser confundida com ansiedade, em algumas pessoas leva a pensamentos suicidas. Assim, é de extrema importância o diagnóstico precoce da doença e iniciar acompanhamento médico. Os quadros mais graves podem levar ao suicídio. O diagnóstico é clínico, onde o médico psiquiatra avalia os sintomas descritos e a história de vida do paciente.

As ações preventivas são urgentes, estima-se que a cada 40 segundos uma pessoa comete suicidio no mundo. O treinamento dos profissionais da saúde para lidar com estes pacientes de forma humanizada é importante, uma vez que a patologia pode ser identificada e tratada na atenção básica. Em contrapartida, campanhas de conscientização são fundamentais para a população geral, incentivando a busca por ajuda.

4.2 Tratamento com antidepressivos 

Os antidepressivos têm por objetivo inibir a recaptação dos neurotransmissores e aumentar o nível dos mesmos na fenda sináptica. Independentemente da escolha do fármaco para o tratamento, é necessário que os pacientes realizem acompanhamento médico, é indicado também avaliação e acompanhamento psicológico, associado ao tratamento farmacológico.

O tratamento para pacientes depressivos precisa ser realizado considerando a vida do paciente, observando os aspectos biológicos, psicológicos e sociais de cada um. Sendo assim, a conduta deve ser individualizada. A prescrição dos fármacos depende da intensidade e frequência dos episódios depressivos.

Para o tratamento da depressão existem diversas classes farmacológicas, entre elas:

  • Inibidores seletivos de recaptação de serotonina: seu mecanismo de ação está relacionado ao bloqueio dos receptores membranares do neurónios pré-sinápticos que recolhem serotonina, assim, potencializam a duração da sua acção nos neurônios pós-sinápticos.

Medicamentos: Fluoxetina, Sertralina, Citalopram, Paroxetina, Fluvoxamina e Escitalopram.

  • Moduladores da serotonina (bloqueadores 5-HT2): responsáveis por inibir a recaptação da serotonina, sendo antagonistas e agonistas de múltiplos receptores 5 HT.

Medicamentos: Trazodona, Nefazodona e Vortioxetina.

  • Inibidores de recaptação de serotonina e noradrenalina: sua ação farmacológica está relacionada a impedir a recaptação de serotonina e noradrenalina.

Medicamentos: Venlafaxina, Desvenlafaxina, Duloxetina, Levomilnaciprana e Milnaciprana.

  • Inibidor de recaptação de dopamina e noradrenalina: agem como inibidoras da recaptação dos neurotransmissores noradrenalina e dopamina, ao impedir a recaptação aumenta os níveis dos mesmos na fenda sináptica.

Medicamento: Vortioxetina (Brintellix).

  • Antidepressivos heterocíclicos: aumentam a disponibilidade de noradrenalina, também pode ser de 5-HT pelo bloqueio da recaptação na fenda sináptica.

Medicamentos: Bupropiona, Mirtazapina, Amoxapina, Vilazodona e Maprotilina.

  • Inibidores da monoaminoxidase (IMAOs): permitem o aumento na concentração de neurotransmissores na fenda sináptica, com isso, um aumento da serotonina e noradrenalina.

Medicamentos: Fenelzina, Isocarboxazida, Tranilcipromina, Selegilina e Moclobemida.

  • Antidepressivo melatonérgico: capazes de aumentar a melatonina e a serotonina, agindo como agonista melatonérgico (MT1/MT2) e um antagonista do receptor de 5-HT.

Medicamento: Agomelatina.

  • Fármacos do tipo cetamina: aumentam o número de sinapses, uma vez que auxiliam no reparo e reconstrução de circuitos cerebrais, atuando de forma direta no glutamato.

Medicamento: Ketalar.

Todas as classes farmacológicas têm eficácia similar, logo, a escolha do medicamente deve ser baseada em inúmeras características da depressão, como os efeitos colaterais, risco de suicídio, outros distúrbios clínicos, tolerabilidade, custo. Os antidepressivos são responsáveis por melhorar a composição química na comunicação entre os neurônios.

Os efeitos colaterais são variáveis relacionadas à não adesão dos pacientes, com isso a redução dos mesmo é fundamental para o sucesso do tratamento. As reações mais comuns são: tontura, queda de pressão, mudanças gastrointestinais, alterações no sono, visão borrada, taquicardia, sudorese, sedação, ganho de peso e tremores. Devido aos problemas enfrentados durante o tratamento, os pacientes buscam outras alternativas, um exemplo é o uso do chá Ayahuasca.

4.3 Ayahuasca

A palavra Ayahuasca é de origem indígena. Aya quer dizer “pessoa morta, alma espírito” e waska significa “corda, liana, cipó ou vinho”. Assim a tradução, para o português, seria algo como “corda dos mortos” ou “vinho dos mortos”. No Peru, encontrou-se o seguinte significado: “soga de los muertos”, (Labate e Araújo, 2002).

A ação do chá está relacionada à presença de alcalóides nas plantas, o cipó Banisteriopsis caapi (Figura 1) e as folhas do arbusto Psycotria viridis (Figura 2), que são usadas na preparação. A Ayahuasca (Banisteriopsis caapi e Psycotria viridis), especificamente, é utilizada por cerca de 72 tribos distintas da Amazônia, dentre elas destacam-se os Kaxinawá, Yaminawa, Sharanawa, Ashaninka, Airo-pai, Baranara, dentre muitas outras de cultura xamã (Labate e Araújo, 2002; Macrea, 1992).

Figura 1: Banisteriopsis caapi

Fonte: Can Stock Photo.

Figura 2: Psycotria viridis

Fonte: Wikipédia, a enciclopédia livre.

Esses vegetais passam por decocção, são fervidos juntos por algumas horas, gerando líquido de cor marrom escura. Nesse processo, ocorre a extração DMT e alguns alcalóides derivados β-carbolinas.

O chá precisa ser consumido com estômago vazio, além disso, ingerir somente alimentos leves nas semanas anteriores à utilização. A molécula tiramina é um derivado do aminoácido tirosina, metabolizada pela MAO, esta pode atingir níveis tóxicos devido à inativação da enzima causada pelo chá. Portanto, alimentos com a presença deste aminoácido devem ser evitados antes do consumo da bebida.

Os efeitos subjetivos são visão de imagens com os olhos fechados, delírios parecidos com sonhos e sensação de vigilância e estimulação. É comum ocorrer hipertensão, palpitação, taquicardia, tremores, midríase, euforia e excitação agressiva(Cazenave, 2000).

Do ponto de vista toxicológico, o uso do chá pode trazer efeitos nocivos ao organismo como: desidratação, por conta das náuseas, vômito e diarréia comumente relatadas, e a síndrome serotoninérgica, sendo que a última é a conseqüência mais grave desta utilização (Callaway et al., 1999; Callaway et al., 1994; Sternbach, 1991).

Vários relatos indicam que o estudo científico da ayahuasca começou com o botânico inglês Richard Spruce, que de 1849 a 1864 viajou extensivamente pela Amazônia brasileira, venezuelana e equatoriana para compilar um inventário das variedades de plantas encontradas nessas regiões. Em geral, a ayahuasca é usada por curandeiros para tratar distúrbios psicológicos e fisiológicos nos pacientes, e após sua ingestão eles sofrem primeiro náuseas, vômitos ou diarreia (GROB et al., 1996).

4.4 Uso da Ayahuasca na terapia antidepressiva

O uso da ayahuasca já era utilizado culturalmente por alguns povos, a partir disso com a observação do uso e dos efeitos psicodélicos, foi se pensado para o uso em doenças psiquiátricas e hoje há muito interesse nas pesquisas para entender o perfil e a aplicabilidade nessas doenças (DOS SANTOS et al., 2016).

Devido aos efeitos colaterais, diversos pacientes buscam outros tratamentos, como o uso do chá de Ayahuasca. Seu mecanismo de ação é parecido com o dos inibidores de monoaminoxidase, a Ayahuasca inibe temporariamente a atividade da monoaminoxidase, através dos alcalóides presentes na planta, como por exemplo: Harmina, THH, ultrapassando a barreira hematoencefálica do cérebro. Ao encontrar espaço para agir, o DMT presente no chá se liga aos receptores livres, resultando em uma cascata de efeitos neuroquímicos.

O chá é preparado através decocção das plantas, sua ação da bebida está relacionada à interação das β-carbolinas com o DMT, presentes nas plantas, que juntas potencializam as propriedades alucinógenas uma da outra, as β- cartolinas são responsáveis por aumentar a concentração de DMT. Estas possuem ação serotonérgica.

O dimetiltriptamina (DMT) é um potente alucinógeno quando usado por via parenteral na dosagem de 25 mg (McKenna et al., 1998). Sua ação é agonista dos receptores 5-HT1a, 1b, 1d e do 5-HT2a e 2c. Porém, por via oral, ele é inativado através da desaminação sofrida pela ação da enzima MAO intestinal e hepática. Os efeitos aparecem de 30 a 45 minutos, aproximadamente, e podem durar até quatro horas (Mckenna et al., 1998).

As β-carbolinas têm propriedades alucinógenas (Cazenave, 1996) e, portanto, contribuem para a atividade da bebida Ayahuasca. Como são inibidoras da MAO, as β-carbolinas inibem a desaminação intestinal do DMT possibilitando a chegada deste ao cérebro, mesmo por via oral (Callaway et al. 1999).  

Além disso, elas ainda aumentam os níveis de serotonina, dopamina, norepinefrina e epinefrina no cérebro. Os efeitos sedativos primários de altas doses de β-carbolinas são resultantes do bloqueio da desaminação da serotonina (Cazenave, 1996). A tetra- hidro-harmina (THH) é a segunda β-carbolina mais abundante no chá e atua como um fraco inibidor da recaptação do receptor 5-HT e inibidor da MAO, portanto, o THH pode prolongar a meia vida do DMT por bloquear a sua recaptação intraneuronal (McKenna et al., 1998). Por outro lado, a THH pode bloquear a recaptação neuronal da serotonina, resultando em altos níveis de 5-HT na fenda sináptica e pode atenuar os efeitos da ingestão oral do DMT por competir com os sítios receptores póssinápticos (McKenna et al., 1998).

A serotonina 5-hidroxitriptamina (5-HT) se distribui amplamente nos tecidos animais (Katzung, 1998). Na glândula pineal, atua como precursora da melatonina, um hormônio estimulador dos melanócitos (Katzung, 1998). Mais de 90% da serotonina do organismo são encontradas nas células enterocromafins do trato gastrintestinal (TGI) (Katzung, 1998). No sangue, a serotonina é encontrada nas plaquetas, que são capazes de concentrar a amina por meio de um mecanismo transportador ativo (Katzung, 1998). É encontrada também, nos núcleos da rafe do tronco cerebral, que contém corpos celulares de neurônios triptaminérgicos (serotoninérgicos) que sintetizam, armazenam e liberam a serotonina como seu transmissor (Katzung, 1998). Os neurônios serotoninérgicos cerebrais estão envolvidos em diversas funções como sono, humor, regulação da temperatura, percepção da dor e regulação da pressão arterial (Katzung, 1998). Pode estar envolvida ainda, com condições patológicas, tais como depressão, ansiedade e enxaqueca. Neurônios serotoninérgicos são encontrados, também, no sistema nervoso entérico do TGI e em torno dos vasos sanguíneos (Katzung, 1998). A serotonina é metabolizada pela MAO em 5-hidroxindolacetaldeído (Katzung, 1998).

A serotonina exerce muitas ações mediadas por receptores na membrana celular. O receptor 5-HT1a tem distribuição pelos núcleos da rafe e hipocampo, diminuindo o AMP cíclico e levando à hiperpolarização da membrana causada pelo aumento da condutância de K+ . O receptor 5-HT1b aparece no globo pálido e gânglios da base e sua estimulação leva à diminuição do AMPc . O receptor 5-HT1c ocorre no coróide e hipocampo gerando também, aumento do IP3 nesses locais (Katzung, 1998). 

O 5-HT2 distribui-se pelas plaquetas, músculo liso, córtex cerebral e fundo do estômago, causando aumento do IP3 (Katzung, 1998). Esse aumento de IP3 significa, ao final do mecanismo, aumento da secreção e da motilidade desses órgãos e tecidos. Os principais efeitos da serotonina no sistema cardiovascular são: contração do músculo liso e vasoconstrição potente (exceto em músculos esqueléticos e no coração); no coração causa vasodilatação e agregação plaquetária ocasionada pela ativação do 5-HT2 de superfície (Katzung, 1998). No TGI, causa contração da musculatura lisa, aumentando tônus e facilitando o peristaltismo. A produção excessiva de serotonina em tumores associa-se à diarréia intensa (Katzung, 1998). Sobre a respiração, a serotonina tem pequena ação estimulante do músculo liso bronquiolar (Katzung, 1998). No sistema nervoso, essa substância é estimuladora potente das terminações nervosas sensoriais para dor e prurido, além disso, é ativadora potente das terminações quimiossensíveis localizadas no leito vascular coronário, associada à bradicardia e hipotensão (Katzung, 1998).

4.5 Ação farmacológica da Ayahuasca comparado aos antidepressivos

Em alguns estudos foi observado que o efeito terapêutico da ayahuasca inicia-se após algumas horas do consumo, enquanto isso, os antidepressivos levam mais tempo. O chá e a medicação agem em três áreas cerebrais responsáveis pelo controle do humor e das emoções. Segundo essas pesquisas, o ayahuasca pode agir como um antidepressivo duplo, reduzindo a degradação de serotonina e estimulando seus receptores.

As duas plantas presentes na preparação do chá têm importantes alcalóides, β-carbolinas com o DMT. O dimetiltriptamina tem a estrutura semelhante a serotonina (Figura 3), sendo metabolizado pelas isoenzimas MAO hepáticas e intestinais. Ambos são sintetizados pelo triptofano. As β-carbolinas inibem a MAO, aumentando a disponibilidade de DMT no SNC, agindo como agonista parcial de receptores serotonérgicos.

Figura 3: Estruturas da serotonina e dimetiltriptamina, respectivamente.

Fonte: Brazilian Journal of Natural Sciences

Entretanto, os estudos nessa área precisam de aperfeiçoamento em diversos campos, como por exemplo, psicológicos, antropológicos, neuropsicológicos e psicofarmacológicos, visando tornar o uso do mesmo mais seguro.

4.6 Interação da Ayahuasca com antidepressivos 

O uso concomitante da ayahuasca e antidepressivos não parecem estar associados com maior ocorrência de efeitos adversos, embora possa influenciar a persistência de efeitos psicológicos adversos . Essa ideia é sustentada de que o IMAOs na ayahuasca têm um efeito leve e de curta duração e são improváveis de causar interações graves quando usados com responsabilidade. Considerando que as interações medicamentosas e reações que muitas vezes dependem de características individuais, a tarefa de estabelecer segurança ao combinar ayahuasca com medicamentos específicos continua sendo um desafio (DURANTE et al., 2020).

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS/CONCLUSÕES

Em virtude dos fatos mencionados, o Ayahuasca apresenta resultados significativos no tratamento de pacientes com depressão, apresentando efeitos promissores. Por meio da revisão da literatura elucidar o mecanismo de ação do chá, entendo como pode ajudar os usuários. É importante salientar que assim como diversos outros tratamentos farmacológicos, o chá pode causar efeitos adversos, mas com uso de dosagens adequadas é comprovadamente seguro.

Certamente se mostram necessárias mais pesquisas científicas sobre o tema, com o objetivo de tornar o uso mais seguro, garantindo assim, que seja feita de forma adequada. Além disso, conscientizar os adeptos dos danos que podem causar no organismo. O trabalho foi de extrema importância, possibilitando ampliar o conhecimento sobre a busca de tratamentos alternativos no tratamento da depressão, como o uso do chá Ayahuasca. O estudo baseou- se no conhecimento científico e social, sem preconceitos e respeitando todas as opiniões, como foco na utilização segura e responsável dos usuários.

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