DESFECHOS CLÍNICOS E FUNCIONAIS EM LESÕES TRAUMÁTICAS DO NERVO ULNAR DA MÃO: UMA REVISÃO SISTEMÁTICA

CLINICAL AND FUNCTIONAL OUTCOMES IN TRAUMATIC INJURIES OF THE ULNAR NERVE OF THE HAND: A SYSTEMATIC REVIEW

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ma10202507121036


Autor: Victor Santana Correia Scalabrini1
Coautor: Marco Antônio da Silva Neres2
Coautor: Camilla da Rocha Rezende3
Coautor: Caroline Lemos Luz4
Orientador: Alessandro Queiroz de Mesquita5


Resumo

As lesões traumáticas do nervo ulnar na mão comprometem intensamente as funções motoras e sensoriais, exigindo intervenções cirúrgicas de alta complexidade e programas estruturados de reabilitação. Tais lesões impactam significativamente a funcionalidade manual e a qualidade de vida dos pacientes. Este estudo teve como objetivo avaliar os desfechos clínicos e funcionais em indivíduos acometidos por lesões traumáticas do nervo ulnar da mão. Trata-se de uma revisão sistemática da literatura, desenvolvida conforme as diretrizes PRISMA, incluindo estudos publicados entre 2000 e 2025 que investigaram intervenções terapêuticas e seus resultados funcionais. Os dados revelaram que a neurorrafia primária realizada precocemente, associada à reabilitação intensiva e multimodal, resultou em melhores índices de recuperação motora e sensitiva. No entanto, a heterogeneidade metodológica entre os estudos limitou a realização de comparações diretas e de metanálises robustas. Conclui-se que abordagens integradas e precoces são fundamentais, sendo necessária a padronização metodológica em futuras pesquisas.

Palavras-chave: Nervo Ulnar. Lesão Traumática. Função da Mão. Neurorrafia. Reabilitação. Revisão Sistemática.

1 INTRODUÇÃO

As lesões traumáticas dos nervos periféricos da mão, com especial destaque para o nervo ulnar, representam condições clínicas de elevada complexidade, exigindo conhecimento aprofundado da anatomia funcional, das técnicas microcirúrgicas e dos protocolos de reabilitação. O nervo ulnar, derivado do fascículo medial do plexo braquial (raízes C8-T1), percorre um trajeto vulnerável, sendo responsável pela inervação motora de grande parte dos músculos intrínsecos da mão, além da sensibilidade da borda ulnar do antebraço, quinto dedo e metade medial do quarto dedo.

O impacto funcional de uma lesão ulnar é substancial, resultando em déficits motores (como a paralisia dos músculos interósseos e lumbricais mediais, hipotrofia tenar e hipotênar) e em perdas sensoriais, afetando a preensão, a pinça fina e a propriocepção manual. O comprometimento desses componentes reflete diretamente na capacidade de realização de atividades da vida diária e no retorno laboral (LAN et al., 2019; WOO; BAKRI; MORAN, 2015).

Epidemiologicamente, as lesões do nervo ulnar correspondem a cerca de 20–35% das lesões nervosas do membro superior, sendo mais prevalentes em acidentes com objetos cortantes, fraturas do terço distal do antebraço e traumas por esmagamento (FONSECA et al., 2006; LAD et al., 2010). A magnitude do dano nervoso pode ser classificada segundo as escalas de Seddon e Sunderland, sendo fundamentais para o planejamento terapêutico e prognóstico.

O prognóstico funcional está diretamente relacionado ao tipo de lesão (neurapraxia, axonotmese ou neurotmese), ao tempo de isquemia secundária, à extensão do gap nervoso, à idade do paciente e à precocidade da intervenção (HUNDEPOOL et al., 2015). Em lesões completas, a neurorrafia primária sob magnificação óptica é o método de escolha, desde que a tensão no reparo seja mínima. Na impossibilidade de reparo primário sem tensão, o uso de enxertos autólogos (frequentemente do nervo sural) ou de substitutos bioabsorvíveis se faz necessário (RICCI et al., 2022).

A reabilitação pós-operatória exerce papel determinante na recuperação funcional. Protocolos contemporâneos incluem mobilização ativa precoce assistida, reeducação sensorial precoce baseada em plasticidade cortical (como a terapia do espelho), técnicas de estimulação elétrica funcional e uso de terapias adjuvantes como parafina e exercícios resistidos progressivos (PAULA et al., 2016; SIBTAIN; KHAN; SHAKIL-UR-REHMAN, 2013).

Fatores extrínsecos, como barreiras socioeconômicas, adesão inadequada à reabilitação e comorbidades associadas (por exemplo, diabetes mellitus), também impactam negativamente o processo regenerativo e a qualidade da recuperação funcional (HICKEY; RODGERS; WOLLSTEIN, 2016).

Ademais, ferramentas modernas como a ultrassonografia de alta resolução e a eletroneuromiografia quantitativa têm ganhado destaque na avaliação longitudinal da regeneração nervosa, permitindo monitoramento não invasivo e identificação precoce de complicações, como neuromas e compressões secundárias (PRASETYO et al., 2021; RICCI et al., 2022).

Apesar dos avanços técnico-científicos, a recuperação funcional completa é frequentemente incompleta, especialmente em lesões de alta complexidade. A literatura científica aponta para a necessidade de intervenções sistematizadas e protocolos padronizados que incorporem não apenas a reparação microcirúrgica, mas também a reabilitação intensiva e o suporte psicossocial.

Diante da relevância clínica, funcional e social das lesões traumáticas do nervo ulnar da mão, este estudo propõe uma revisão sistemática da literatura contemporânea, visando identificar, analisar e discutir criticamente os desfechos clínicos e funcionais relatados, além de apontar as lacunas existentes e propor recomendações para práticas baseadas em evidências.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA OU REVISÃO DA LITERATURA

As lesões traumáticas do nervo ulnar configuram uma condição de alta complexidade clínica, dada sua relevância anatômica e funcional. O nervo ulnar origina-se do fascículo medial do plexo braquial e percorre um trajeto vulnerável até a mão, sendo responsável pela inervação motora dos músculos intrínsecos e pela sensibilidade da borda ulnar do antebraço e dos dedos anelar e mínimo (LAN et al., 2019; WOO; BAKRI; MORAN, 2015). A sua lesão afeta significativamente funções como preensão, pinça fina e propriocepção, comprometendo a autonomia do paciente.

Epidemiologicamente, essas lesões representam até 35% dos traumas nervosos do membro superior, com maior incidência em traumas diretos com instrumentos cortantes, fraturas complexas do antebraço e acidentes por esmagamento (FONSECA et al., 2006; LAD et al., 2010; RASULIĆ et al., 2015). O diagnóstico precoce é essencial, sendo guiado por exame clínico detalhado e complementado por eletroneuromiografia e, mais recentemente, ultrassonografia de alta resolução (PRASETYO et al., 2021).

A classificação do grau de lesão baseia-se nos modelos de Seddon e Sunderland, que distinguem a extensão do dano (neurapraxia, axonotmese e neurotmese), fornecendo parâmetros prognósticos importantes (HUNDEPOOL et al., 2015). O tipo e o tempo da intervenção cirúrgica estão diretamente relacionados à taxa de recuperação funcional, com a neurorrafia primária sob magnificação óptica sendo considerada padrão-ouro para lesões agudas e sem tensão (HASSAN et al., 2021; LAN et al., 2019).

Nos casos em que há gap nervoso significativo, geralmente superior a 2,5 cm, o uso de enxertos nervosos autólogos, principalmente do nervo sural, é necessário. Contudo, os resultados funcionais são inferiores em comparação com a neurorrafia direta, apresentando menores taxas de recuperação motora e sensitiva e maior incidência de dor neuropática e neuromas (RICCI et al., 2022; WOO; BAKRI; MORAN, 2015).

A reabilitação pós-operatória exerce papel determinante no prognóstico funcional. Protocolos baseados em neuroplasticidade incluem terapia do espelho, reeducação sensorial precoce, exercícios resistidos progressivos e estimulação elétrica funcional. Essas intervenções, quando iniciadas precocemente, contribuem para a reorganização cortical e para a preservação da função neuromuscular (PAULA et al., 2016; SIBTAIN; KHAN; SHAKIL-UR-REHMAN, 2013).

Instrumentos padronizados como o QuickDASH e a dinamometria com Jamar® vêm sendo utilizados para mensurar a recuperação funcional e comparar diferentes intervenções (BEATON et al., 2005; BOHANNON et al., 2006). Entretanto, há ampla variação na aplicação desses métodos entre os estudos, o que dificulta comparações diretas e a realização de metanálises.

Além disso, fatores extrínsecos como baixa adesão a programas de fisioterapia, dificuldades socioeconômicas, distância de centros especializados e ausência de suporte psicossocial reduzem a efetividade da reabilitação, sobretudo em populações vulneráveis (HICKEY; RODGERS; WOLLSTEIN, 2016). Tais aspectos devem ser considerados como determinantes sociais de saúde, interferindo diretamente nos desfechos clínicos.

Outro ponto crítico identificado na literatura diz respeito à alta incidência de complicações tardias. Entre elas destacam-se a dor neuropática persistente, a formação de neuromas dolorosos e a compressão nervosa secundária. Esses eventos são mais comuns em casos de enxertia nervosa e em intervenções tardias, o que evidencia a importância do monitoramento pós-operatório contínuo (HEWSON; KURIEN; HARDMAN, 2023).

A despeito dos avanços técnicos em microcirurgia e reabilitação, a literatura revela que a recuperação completa ainda é rara em lesões traumáticas extensas do nervo ulnar. Muitos pacientes permanecem com déficits motores residuais, alterações sensoriais e limitação funcional prolongada, o que reforça a necessidade de desenvolver estratégias terapêuticas mais eficazes e abrangentes (LUNDBORG; ROSÉN, 2007).

Diante disso, há consenso na literatura quanto à urgência de estudos mais robustos, com delineamento metodológico rigoroso e instrumentos de avaliação padronizados. A realização de ensaios clínicos randomizados e multicêntricos é essencial para consolidar práticas baseadas em evidências e melhorar os desfechos clínicos e funcionais dos pacientes acometidos por essa condição incapacitante.

3 METODOLOGIA 

Este estudo trata-se de uma revisão sistemática da literatura, desenvolvida em conformidade com as recomendações do protocolo PRISMA (Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses). A estratégia metodológica foi delineada previamente, buscando assegurar a transparência, a reprodutibilidade e a robustez da síntese de dados.

Estratégia de Busca

As buscas foram conduzidas nas bases de dados PubMed, Scopus, Web of Science, Embase e SciELO, entre março e abril de 2025. Utilizou-se uma combinação estruturada de descritores controlados (Medical Subject Headings – MeSH e Descritores em Ciências da Saúde – DeCS) e termos livres, associada por operadores booleanos AND e OR, abrangendo os seguintes termos:

  • “ulnar nerve” OR “ulnar nerve injuries” OR “ulnar neuropathy”
  • “hand trauma” OR “traumatic injuries”
  • “nerve repair” OR “neurorrhaphy” OR “nerve grafting”
  • “nerve regeneration”
  • “clinical outcomes” OR “functional outcomes”
  • “rehabilitation”
  • “systematic review”

A estratégia foi adaptada a cada base de dados, respeitando suas especificidades sintáticas. Foram realizados filtros para incluir apenas publicações entre janeiro de 2000 e março de 2025, em idiomas inglês, espanhol e português, com acesso ao texto completo.

Critérios de Inclusão e Exclusão

Inclusão:

  • Estudos observacionais prospectivos e retrospectivos;
  • Ensaios clínicos randomizados ou não randomizados;
  • Séries de casos com n ≥ 10 pacientes;
  • Revisões sistemáticas e meta-análises;
  • Estudos que abordassem intervenções terapêuticas (cirúrgicas e/ou reabilitacionais) e desfechos funcionais em lesões traumáticas do nervo ulnar da mão.

Exclusão:

  • Estudos experimentais em modelos animais;
  • Artigos focados exclusivamente em lesões iatrogênicas ou congênitas;
  • Protocolos de estudo, editoriais, cartas ao editor, dissertações acadêmicas não publicadas;
  • Estudos sem avaliação clínica ou funcional mensurável.

Processo de Seleção dos Estudos

O processo de triagem foi realizado em três etapas:

  1. Leitura dos títulos;
  2. Análise crítica dos resumos;
  3. Avaliação integral dos textos completos.

Cada etapa foi conduzida de forma independente por dois revisores treinados. Em casos de divergência, as discordâncias foram resolvidas por consenso ou por arbitragem de um terceiro revisor.

A seleção foi documentada por meio de fluxograma adaptado do modelo PRISMA, indicando o número de estudos identificados, selecionados, avaliados para elegibilidade e incluídos na síntese qualitativa.

4 Extração e Análise dos Dados

Os dados foram extraídos em planilhas padronizadas no Microsoft Excel®, contemplando:

  • Autores e ano de publicação;
  • País de origem;
  • Delineamento metodológico;
  • Tamanho da amostra;
  • Tempo médio de seguimento;
  • Tipo de intervenção realizada (reparo primário, enxerto nervoso, reabilitação específica);
  • Instrumentos utilizados para avaliação funcional (QuickDASH, dinamometria, eletroneuromiografia, escalas de sensibilidade);
  • Principais desfechos clínicos e funcionais reportados.

Devido à heterogeneidade dos estudos, optou-se pela síntese narrativa dos resultados, com análise crítica qualitativa, sem metanálise formal.

5 RESULTADOS E DISCUSSÕES

Características Gerais dos Estudos

Após a aplicação dos critérios de elegibilidade e a análise crítica dos textos completos, foram incluídos 30 estudos na presente revisão sistemática, totalizando uma população aproximada de 1.500 pacientes acometidos por lesões traumáticas do nervo ulnar na mão. Os estudos selecionados apresentaram majoritariamente delineamento observacional prospectivo ou retrospectivo, sendo conduzidos em diversos contextos geográficos, incluindo Europa, América do Norte, América Latina e Ásia.

O tempo de seguimento dos pacientes variou entre 6 e 36 meses, com média ponderada de 18 meses. Em relação às intervenções avaliadas, os estudos contemplaram:

  • Neurorrafia primária com ou sem magnificação óptica (23 estudos);
  • Uso de enxertos nervosos autólogos (10 estudos);
  • Terapias adjuvantes de reabilitação sensorial e motora (16 estudos);
  • Abordagens fisioterapêuticas com protocolos de mobilização precoce (18 estudos).

Modalidades de Avaliação Funcional

Os instrumentos de avaliação funcional mais empregados foram:

  • Dinamometria de preensão palmar com o uso do dinamômetro de Jamar® (utilizado em 80% dos estudos);
  • QuickDASH (Questionário de Avaliação Funcional de Membros Superiores Reduzido), aplicado em 70% dos estudos;
  • Escalas de sensibilidade (monofilamentos de Semmes-Weinstein ou testes de discriminação de dois pontos) em 65% dos estudos;
  • Eletroneuromiografia (EMG) para avaliação da regeneração axonal em 50% dos estudos;
  • Escala Visual Analógica (VAS) para avaliação da dor residual em 40% dos estudos.

Achados Clínicos e Funcionais

Reparo Primário

Em 23 estudos, a neurorrafia primária realizada em até três semanas após o trauma foi associada a melhores desfechos funcionais. A taxa de recuperação motora significativa (definida como ≥ M4 na escala do British Medical Research Council) variou de 68% a 80%, enquanto a recuperação sensorial funcional (≥ S3+) foi atingida em 65% a 75% dos casos (HASSAN et al., 2021; LAN et al., 2019).

Estudos evidenciaram que o reparo sob magnificação óptica (microscópio cirúrgico ou lupas de alta resolução) promove alinhamento fascicular mais preciso, potencializando a regeneração axonal dirigida.

Enxertos Nervosos

Dez estudos abordaram lesões com gaps superiores a 2,5 cm, necessitando de interposição de enxertos nervosos autólogos (preferencialmente do nervo sural). Nesses casos, a recuperação funcional foi inferior ao reparo primário direto, com taxas de força de preensão de apenas 50–65% do lado contralateral saudável, e sensibilidade residual frequentemente classificada como S2–S3 (RICCI et al., 2022; WOO; BAKRI; MORAN, 2015).

A extensão do gap, a presença de lesão concomitante vascular e o tempo de atraso cirúrgico foram fatores preditivos negativos para a recuperação funcional.

Reabilitação Funcional

A reabilitação intensiva precoce foi relatada em 18 estudos como elemento crucial na recuperação sensorial e motora. Protocolos que combinaram mobilização ativa assistida, terapia do espelho e estímulo proprioceptivo precoce demonstraram recuperação mais acelerada e melhor qualidade funcional final (PAULA et al., 2016; SIBTAIN; KHAN; SHAKIL-UR-REHMAN, 2013).

O uso de recursos adjuvantes, como parafinoterapia e estimulação elétrica funcional, foi associado a ganho funcional adicional, embora com variabilidade interindividual importante.

Avaliação da Dor e Complicações

Em 12 estudos, foi observada dor neuropática persistente em 25–40% dos pacientes, especialmente em lesões submetidas a enxertia ou com atraso cirúrgico superior a três meses. A presença de neuromas dolorosos e a regeneração axonal aberrante foram identificadas como causas frequentes.

A taxa de complicações gerais reportada foi de 15%, incluindo:

  • Formação de neuromas dolorosos;
  • Neuropatia compressiva tardia no túnel cubital;
  • Rigidez articular secundária por imobilização inadequada.

Heterogeneidade Metodológica

A análise dos estudos evidenciou ampla heterogeneidade metodológica:

  • Ausência de protocolos padronizados de avaliação em 70% dos estudos;
  • Variabilidade na definição de desfechos clínicos (por exemplo, variações na interpretação de escalas motoras e sensoriais);
  • Diferenças significativas nos tempos de seguimento e nos protocolos de reabilitação aplicados.

Esses fatores limitam a comparabilidade direta dos resultados e dificultam a meta-análise quantitativa.

Os achados da presente revisão sistemática reforçam a complexidade e os múltiplos determinantes envolvidos no manejo das lesões traumáticas do nervo ulnar da mão. A análise crítica da literatura revela que o sucesso terapêutico depende da conjugação de fatores anatômicos, fisiopatológicos, técnicos e reabilitacionais, sendo rara a recuperação funcional plena, mesmo com intervenções precoces e tecnicamente adequadas.

Importância do Reparo Precoce

A evidência analisada confirma que a neurorrafia primária realizada no intervalo ideal de até três semanas pós-trauma promove os melhores desfechos clínicos (HASSAN et al., 2021; LAN et al., 2019). A precocidade do reparo favorece a preservação da arquitetura endoneural, reduz o risco de fibrose perineural e potencializa a regeneração axonal dirigida.

Além disso, o uso sistemático de magnificação óptica durante a neurorrafia mostrou impacto positivo na precisão do alinhamento fascicular, resultando em melhora das taxas de recuperação motora e sensitiva.

Limitações Associadas ao Uso de Enxertos Nervosos

Em situações nas quais o reparo primário sem tensão não é possível, a utilização de enxertos nervosos autólogos é mandatória. No entanto, os resultados funcionais observados em tais cenários são sistematicamente inferiores. As taxas de recuperação motora e sensitiva diminuem progressivamente à medida que aumenta a extensão do gap nervoso, corroborando a literatura prévia sobre degeneração walleriana prolongada e dificuldade de reinervação distal (RICCI et al., 2022; WOO; BAKRI; MORAN, 2015).

Adicionalmente, o tempo de atraso cirúrgico e as condições locais do leito nervoso (presença de fibrose ou necrose tissular) configuram importantes preditores negativos para o sucesso do enxerto.

Papel da Reabilitação Multimodal

A reabilitação funcional emerge como componente imprescindível para a maximização dos resultados pós-cirúrgicos. Protocolos que incluem mobilização precoce ativa assistida, exercícios resistidos progressivos, terapia do espelho e reeducação sensorial demonstraram ganhos superiores na velocidade e na qualidade da recuperação (PAULA et al., 2016; SIBTAIN; KHAN; SHAKIL-UR-REHMAN, 2013).

O estímulo sensorial precoce, baseado na plasticidade cortical adaptativa, tem mostrado especial eficácia na prevenção de fenômenos de “não uso” e na otimização da reaquisição da função motora fina.

Entretanto, a heterogeneidade dos protocolos de reabilitação entre os estudos revisados dificulta a formulação de diretrizes consensuais. Essa lacuna evidencia a necessidade urgente de ensaios clínicos randomizados focados em estratégias específicas de reabilitação para lesões do nervo ulnar.

Dor Neuropática e Complicações Pós-operatórias

A incidência de dor neuropática persistente observada em até 40% dos pacientes destaca a relevância de estratégias de monitoramento longitudinal e de intervenção precoce para controle da dor crônica. Neuromas traumáticos, regeneração aberrante e compressões secundárias são complicações que frequentemente passam subdiagnosticadas (HEWSON; KURIEN; HARDMAN, 2023).

O uso de ultrassonografia de alta resolução e eletroneuromiografia quantitativa no seguimento pós-operatório poderia auxiliar na detecção precoce dessas alterações, possibilitando intervenções terapêuticas oportunas.

Barreiras Extrínsecas e Adesão à Reabilitação

Fatores socioeconômicos e culturais também impactam significativamente os resultados. Baixa adesão aos protocolos de reabilitação, dificuldade de acesso a centros especializados e ausência de programas de suporte psicossocial foram descritos como fatores críticos para a recuperação funcional insatisfatória, especialmente em populações de baixa renda (HICKEY; RODGERS; WOLLSTEIN, 2016).

Esse panorama evidencia a necessidade de políticas públicas que garantam acesso equitativo à reabilitação de alta complexidade e suporte multidisciplinar contínuo.

Limitações dos Estudos Disponíveis

A análise revelou limitações metodológicas importantes nos estudos revisados, incluindo:

  • Pequenas amostras e potenciais vieses de seleção;
  • Deficiência na padronização dos instrumentos de avaliação funcional;
  • Falta de ensaios clínicos randomizados comparando técnicas cirúrgicas e estratégias reabilitacionais.

Essas limitações comprometem a extrapolação dos achados e reforçam a necessidade de protocolos de pesquisa mais robustos e uniformes.

6 CONCLUSÃO/CONSIDERAÇÕES FINAIS

As lesões traumáticas do nervo ulnar da mão representam um desafio terapêutico de elevada complexidade, exigindo abordagens cirúrgicas refinadas, protocolos de reabilitação intensiva e estratégias de suporte multidisciplinar para otimização dos resultados funcionais.

A presente revisão sistemática evidenciou que:

  • A neurorrafia primária realizada no intervalo ideal de até três semanas pós-trauma, utilizando técnicas microcirúrgicas com magnificação óptica, constitui o padrão-ouro para o reparo de lesões agudas, associando-se às maiores taxas de recuperação funcional.
  • Em lesões com gaps extensos, a necessidade de enxertos nervosos, embora necessária, acarreta pior prognóstico funcional, com maior incidência de déficits motores e sensoriais residuais, além de dor neuropática persistente.
  • A implementação precoce de programas de reabilitação multimodal — englobando mobilização ativa assistida, reeducação sensorial baseada em plasticidade cortical e terapias adjuvantes — é determinante para a recuperação funcional e deve ser considerada parte integrante da estratégia terapêutica.
  • Fatores extrínsecos, como adesão insuficiente à reabilitação e barreiras socioeconômicas, impactam negativamente os desfechos e devem ser abordados sistematicamente no planejamento terapêutico.
  • A ausência de padronização metodológica nos estudos disponíveis limita a comparabilidade dos resultados e destaca a necessidade de ensaios clínicos randomizados controlados, com amostras representativas e instrumentos de avaliação validados.

Dessa forma, propõe-se que o manejo ideal das lesões traumáticas do nervo ulnar da mão envolva:

  1. Diagnóstico precoce e preciso com suporte de exames complementares de alta resolução;
  2. Intervenção cirúrgica realizada em tempo hábil, seguindo princípios microcirúrgicos rigorosos;
  3. Início precoce de reabilitação supervisionada, com protocolos personalizados;
  4. Monitoramento longitudinal sistemático, visando a identificação precoce de complicações;
  5. Implementação de políticas públicas e estratégias educativas para favorecer a adesão e o acesso ao cuidado especializado.

A consolidação de práticas baseadas em evidências e o investimento em pesquisas de alta qualidade são essenciais para a melhoria contínua dos resultados clínicos e funcionais dos pacientes acometidos por essas lesões incapacitantes.

REFERÊNCIAS

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 1Residente de Ortopedia e Traumatologia do Hospital Regional do Gama – DF
Graduado no Curso Superior de Medicina do Centro Universitário Atenas – Campus Paracatu-MG
E-mail: vct.scalabrini@gmail.com
2Residente de Ortopedia e Traumatologia do Hospital Regional do Gama – DF
Graduado no Curso Superior de Medicina da Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT
E-mail: marcoantoniodasilvaneres@gmail.com
3Residente de Ortopedia e Traumatologia do Hospital Regional do Gama – DF
Graduanda do Curso Superior de Medicina do Instituto Tocantinense Presidente Antônio Carlos – Campus Porto Nacional-TO
E-mail: camillar.rezende@outlook.com
4Residente de Ortopedia e Traumatologia do Hospital Regional do Gama – DF
Graduada no Curso Superior de Medicina do Centro Universitário do Planalto Central Apparecido dos Santos – UNICEPLAC – DF
E-mail: lluzcaroline@gmail.com
5Mestre em Ortopedia
Preceptor da Residência de Ortopedia e Traumatologia do Hospital Regional do Gama – DF
E-mail: dr.alessandromesquita@gmail.com