RESIDENT DOCTOR PROFILE
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202507081214
Adriano Guimarães Ibiapina1
Rogério Gonçalves de Vasconcelos2
Lilian Barros de Sousa Moreira Reis3
Resumo
A residência médica apesar das dificuldades, ainda é o padrão ouro na formação de especialistas no Brasil, faz-se necessário conhecer o perfil do médico matriculado nos programas de residência vigentes, para aprimorar as políticas públicas de fomentar abertura de novas vagas. O objetivo foi avaliar o perfil do médico residente matriculado nos programas de residência médica do Hospital Regional da Asa Norte da Secretaria de Saúde do Distrito Federal (HRAN/SES/DF). Método: aplicação de questionário com itens validados pela AMB. Resultados e conclusão: Este estudo revelou que a maioria dos médicos residentes do HRAN são provenientes da região Centro-Oeste, cursando sua primeira residência médica, aprovados na primeira tentativa, sem dívida estudantil, e que trabalharam previamente antes de ingressarem no serviço. Destacamos a motivação pessoal na escolha do PRM e que pretendem permanecer no município após o término da especialização, além de manifestarem o desejo de trabalhar no SUS, e que mais de 90% dos entrevistados recomendam o programa cursado.
Palavras-chaves: Perfil médico, residente, políticas públicas.
1. INTRODUÇÃO
A residência médica (RM) continua sendo o padrão ouro na formação de especialistas no Brasil e no Mundo, apesar das dificuldades encontradas. Há um grave descompasso entre a desenfreada abertura de cursos de graduação em medicina e oferta de vagas para especialização por meio da residência médica.
A história remonta aos anos 1890, onde na Universidade John’s Hopkins, onde o Dr. Willian Osler implantou o sistema de residência médica para a especialização em Clínica Médica. Em 1917, a Associação Médica Americana reconheceu a importância da residência médica e dez anos mais tarde, teve início o credenciamento dos primeiros programas.
No Brasil, nos anos 1940, mais precisamente em 1945, o primeiro programa de residência médica (PRM) foi no Serviço de Ortopedia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Ainda na década de 1940, surgem no Rio de Janeiro e em outras cidades mais alguns programas de residência em cirurgia, pediatria e clínica médica. Nesse tempo, o treinamento ainda era pouco procurado pelos profissionais recém-formados, mas essa situação mudou a partir da década de 1970.
O Decreto nº 80.281 de 5 de setembro de 1977 instituiu a residência médica como procedimento formal de pós-graduação em medicina, criando ainda a Comissão Nacional de Residência Médica para fiscalizar e regulamentar estes treinamentos. Com a exigência de se fazer residência para a obtenção do grau de especialista, o procedimento de residência passou a ser realizado por milhares de profissionais.
O Hospital Regional da Asa Norte (HRAN) é um dos principais hospitais da rede pública de saúde do DF e apresenta vários programas de residência médica em andamento sendo cirurgia, clínica médica, ginecologia e obstétricos, anestesiologia, além de diversas sub-especialidades médicas. A busca pelos PRMs pode estar sofrendo alterações ao longo do tempo, e conhecer o perfil do médico residente pode embasar alterações nas políticas públicas e nas ofertas de vagas.
O objetivo foi avaliar o perfil dos alunos matriculados nos diversos programas de residência médica do HRAN/SES/DF e assim avaliar a satisfação enfrentada no programa para eventualmente tentar melhorar os programas de residência médica.
2. METODOLOGIA
Estudo transversal, observacional e quantitativo. Aplicação de questionário baseado no estudo a Demografia Médica no Brasil 2023 produto de Cooperação Técnica entre Associação Médica Brasileira (AMB) e a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). O recrutamento foi por envio de mensagem via whatshap e e-mail dos residentes matriculados na Coreme- Hran. O TCLE foi enviado no corpo do questionário com a opções de aceitar ou não participar.
Todos os residentes que estejam cursando a RM no Hran e preencherem os dados do formulário, inclusive o termo de consentimento livre aceitando participar, serão incluídos no estudo. Serão excluídos do projeto, os Residentes que forem desligados dos PRMs e que façam parte de programas de RM de outros hospitais.
3. RESULTADOS E DISCUSSÕES
O questionário foi enviado para todos os 100 residentes do serviço, sendo que, um total de 62 médicos responderam o inquérito, definindo o número de participantes do estudo. Todas as regiões da federação contêm representantes na pesquisa, porém apenas 1 residente se originou da região Sul. A maior predominância foi da região Centro-Oeste, sendo 51,6% dos participantes, seguidos por 17,7% da região Nordeste; 14,5% da região Sudeste e 14,5% da região Norte.
Conforme regulamentada pela Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM), os programas de residência médica (RM) podem durar de 2 a 5 anos, de acordo com a especialidade. O maior número dos participantes cursavam o primeiro ano da residência (R1), totalizando 45,2%. Residentes do segundo ano (R2) foram 30,6%; (R3) 17,7%; (R4) 1,6% e (R5) 4,8%.
Sobre as especialidades cursadas, 29,5% dos residentes estavam no programa de ginecologia e obstetrícia, 18% cursavam anestesiologia; 16,4% clínica médica, o mesmo percentual para cirurgia geral; 11,5% dermatologia; 4,9% psiquiatria e 1% para urologia e para cirurgia do aparelho digestivo.
Após a graduação, o médico pode optar por realizar apenas uma RM, ou ingressar em outro programa que tenha o primeiro como pré-requisito. Além disso, os médicos podem realizar outra RM distinta. Nesta amostragem, 91,9% dos entrevistados estavam cursando sua primeira RM. Apenas 6,5% a segunda, e somente 1% cursava sua terceira especialidade.
Referente às tentativas de acesso ao PRM, 56,5% dos entrevistados conseguiram entrar no programa de RM com apenas uma tentativa. Já 32,3% realizaram 2 tentativas de ingresso, e para 11,3% foram necessárias 3 tentativas para ingressarem no programa. A necessidade de uma organização financeira mínima é uma realidade entre os médicos recém formados. A dedicação exclusiva e o alto custo de manutenção dos alunos, por muitas vezes, longe dos familiares, gera ansiedade por estabilidade financeira, o que leva a maioria dos médicos a ingressarem no mercado de trabalho antes da especialização. Neste inquérito, 87,1 % dos entrevistados trabalharam antes do ingresso ao programa de RM.
A escolha da especialidade médica que será realizada é motivo de angustia de praticamente todo graduando. Desde o início do curso de medicina, tradicionalmente, os alunos mudam de opinião por algumas vezes. Isso porque ainda há um grau de imaturidade importante e o desconhecimento de como, verdadeiramente, será sua carreira profissional, pesam bastante na escolha. Entre os participantes deste estudo, a motivação pessoal foi o que determinou a escolha de 61,3% dos entrevistados; para 16,1% afirmaram que foi a influência da graduação; mesmo percentual afirmaram ser qualidade de vida; e para 6,5%, a oportunidade de trabalho e remuneração foram determinantes. Quanto à mudança de especialidade, apenas 6,5% dos residentes decidiram mudar de programa, ou seja, não concluíram a RM anteriormente ingressada.
Em conformidade com a literatura, a maioria dos médicos residentes deste estudo pretendem permanecer no município onde cursou a RM (75,8%). Já quanto a intenção de continuar trabalhando no sistema único de saúde-SUS, a maioria, 87,1% manifestaram esse desejo, em desacordo com a literatura, o que pode refletir uma realidade local de Brasília. Considere-se o fato de estarmos passando por uma discussão importante na sociedade, que é a formação médica, inclusive com a proposta de prova de proficiência ao término do curso para garantir minimamente a qualidade do formando. Neste cenário em que não há vagas de residência médica suficientes para formar especialistas que o País necessita, chama atenção que os futuros especialistas questionados, em sua maioria manifestaram interesse de trabalhar no SUS, gratificante pensar que mesmo em número insuficiente, têm interesse no serviço público.
Quanto à carga horária desempenhada pelos residentes, 66,1% dos entrevistados afirmaram trabalhar mais de 60 horas semanais. Sabemos que esta é a regulamentação que dispõe sobre esse tema, sendo que o máximo seria 24 horas em regime de plantão, além de respeitar 6 horas de folga após o plantão noturno de 12 horas consecutivas. A recomendação é que 80 a 90% da carga horária seja na forma de treinamento em serviço supervisionado, e o restante destinado às atividades teórico-práticas.
Referente à remuneração dos residentes, 93,5% dos participantes deste estudo, consideram o valor da bolsa insuficiente. Apenas 6,5% afirmaram que o valor é adequado. Consequentemente, 80,6% referem que complementam seus rendimentos com trabalho extra residência. Fato preocupante a necessidade de complementação de renda em serviços extras, pois compromete a disponibilidade do médico ao programa de residência, seu descanso e desempenho. Quanto ao financiamento da graduação pelos programas de incentivo do governo, 21% dos participantes responderam que possuem dívida estudantil.
Em relação à avaliação da residência médica cursada foram oferecidas 5 categorias subjetivas: 4,8% classificaram seu PRM como Ruim; 9,7% consideraram Regular; 46,8% Bom; 21% Ótimo e 17,7% consideram excelente. Desta forma, a maioria dos residentes do HRAN, classificaram seus PRMs como satisfatório, considerando as classificações Boa, Ótima e excelente, o que reflete na quantidade de 90,3% dos entrevistados, que afirmaram que recomendariam o PRM cursado, e 82,3 % trabalhariam no serviço do sua RM, após a conclusão da sua especialização. Neste contexto, faz-se necessário a avaliação contínua de qualidade dos programas ofertados, sempre visando melhorar; e nos faz pensar que apesar das dificuldades, a missão de formar especialista está sendo executada a contento.
A avaliação positiva dos programas de residência, indica que, apesar das dificuldades, os residentes percebem valor na formação recebida. No entanto, a insatisfação com a remuneração e a necessidade de complementação de renda evidenciam a importância de políticas públicas que valorizem esses profissionais, garantindo condições adequadas de trabalho e formação.
Este estudo revelou um perfil diversificado dos residentes do HRAN, refletindo a pluralidade de origens regionais e especialidades presentes na instituição. A predominância de residentes provenientes da região Centro-Oeste pode estar relacionada à localização do hospital e às oportunidades de formação oferecidas na região. A maioria dos participantes está no primeiro ano de residência indica uma atitude mais colaborativa com a pesquisa dos residentes iniciantes, visto que, houve um número expressivo de abstenção, 38%.
A forte motivação pessoal na escolha da especialidade demonstra que fatores internos, como interesse e vocação, são determinantes nesse processo, alinhando-se com a literatura que aponta a importância da motivação na permanência e satisfação profissional. A intenção de permanecer na mesma cidade e trabalhar no SUS reforça o compromisso dos residentes com o sistema público de saúde, embora a carga horária elevada e a remuneração insuficiente sejam desafios que podem impactar a qualidade de vida e a motivação desses profissionais.
4. CONCLUSÃO/CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo revelou que a maioria dos médicos residentes do HRAN são provenientes da região Centro-Oeste, cursando sua primeira residência médica, aprovados na primeira tentativa, sem dívida estudantil, e que trabalharam previamente antes de ingressarem no serviço. Destacamos a motivação pessoal na escolha do PRM e que pretendem permanecer no município após o término da especialização, além de manifestarem o desejo de trabalhar no SUS, e que mais de 90% dos entrevistados recomendam o programa cursado.
A principal contribuição desse trabalho foi proporcionar o conhecimento sobre o perfil dos médicos residentes no HRAN, destacando aspectos regionais, motivacionais e de condições de trabalho. Os resultados apontam para uma forte motivação pessoal na escolha da especialidade e um compromisso com o sistema público de saúde, embora desafios como carga horária excessiva e remuneração insuficiente persistam. Essas informações são essenciais para orientar políticas de saúde que promovam melhorias na formação, valorização e retenção dos residentes, garantindo uma assistência de qualidade à população. Investir em condições de trabalho mais justas e em políticas de incentivo pode fortalecer ainda mais a formação desses futuros especialistas, beneficiando toda a sociedade.
5. REFERÊNCIAS
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1Discente do Curso de Pós-graduação em Preceptoria em Residência Médica da Fundação de Ensino e Pesquisa em Ciências da Saúde da Secretaria de Saúde do Distrito Federal ((FEPECS/SES-DF).
2Discente do Curso de Pós-graduação em Preceptoria em Residência Médica do Fundação de Ensino e Pesquisa em Ciências da Saúde da Secretaria de Saúde do Distrito Federal ((FEPECS/SES-DF).
3Discente do Curso de Pós-graduação em Preceptoria em Residências Multiprofissionais do Fundação de Ensino e Pesquisa em Ciências da Saúde da Secretaria de Saúde do Distrito Federal ((FEPECS/SES-DF) ) e-mail: lilian-reis@fepecs.edu.br