REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202506301236
Caio Henrique Veloso da Costa1
Fernando César de Cerqueira Júdice Tavares2
Maristone Gomes da Silva Júnior3
Resumo
Introdução: A precisão na administração de oxigênio é fundamental para a segurança de pacientes em ambientes hospitalares. Fluxômetros analógicos tradicionais podem apresentar variações significativas em sua precisão, especialmente em diferentes níveis de fluxo. Objetivo: Comparar a precisão entre fluxômetros analógicos e digitais na faixa operacional de 1 a 15 L/min sob pressão padronizada de rede de gases medicinais. Métodos: Estudo experimental com dez unidades de cada tipo de fluxômetro (analógico e digital) testadas em 15 níveis de fluxo (1-15 L/min) sob pressão de rede padronizada (3,5 kgf/cm²). O fluxo real foi medido e comparado ao valor exibido no display. Aplicou-se ANOVA de dois fatores com nível de significância de 0,05. Resultados: A ANOVA demonstrou efeitos significativos do tipo de fluxômetro (p < 0,001), do nível de fluxo (p < 0,001) e de sua interação (p < 0,001). O desvio percentual mediano do fluxômetro analógico aumentou progressivamente de 2% (1 L/min) a 30% (15 L/min), enquanto o digital manteve-se estável entre 0,5% e 1% em toda a faixa. Conclusão: Fluxômetros digitais apresentam precisão superior e consistente em toda a faixa operacional, enquanto fluxômetros analógicos mostram deterioração progressiva da precisão com o aumento do fluxo, comprometendo a segurança na administração de oxigenoterapia.
Palavras-chave: Oxigênio, Fluxômetros
Abstract
Background: Accuracy in oxygen administration is fundamental for patient safety in hospital settings. Traditional analog flowmeters may present significant variations in their accuracy, especially at different flow levels. Objective: To compare accuracy between analog and digital flowmeters in the operational range of 1 to 15 L/min under standardized medical gas network pressure. Methods: Experimental study with ten units of each flowmeter type (analog and digital) tested at 15 flow levels (1-15 L/min) under standardized network pressure (3.5 kgf/cm²). Actual flow was measured and compared to the displayed value. Two-way ANOVA was applied with significance level of 0.05. Results: ANOVA demonstrated significant effects of flowmeter type (p < 0.001), flow level (p < 0.001), and their interaction (p < 0.001). Median percentage deviation of analog flowmeters increased progressively from 2% (1 L/min) to 30% (15 L/min), while digital remained stable between 0.5% and 1% throughout the range. Conclusion: Digital flowmeters present superior and consistent accuracy throughout the operational range, while analog flowmeters show progressive deterioration of accuracy with increasing flow, compromising safety in oxygen therapy administration.
Keywords: Oxygen, Flowmeters
Introdução
A administração precisa de oxigênio é um componente essencial do cuidado médico moderno, particularmente em unidades de terapia intensiva, salas de emergência e ambientes perioperatórios. Fluxômetros de oxigênio são dispositivos fundamentais que regulam e controlam a entrega de oxigênio aos pacientes, sendo sua precisão diretamente relacionada à segurança e eficácia terapêutica1.
Tradicionalmente, fluxômetros analógicos baseados no princípio de Thorpe têm sido amplamente utilizados devido à sua simplicidade e baixo custo. Estes dispositivos funcionam através de uma esfera flutuante ou indicador que se move em um tubo cônico graduado, fornecendo uma leitura visual do fluxo. Contudo, estudos prévios demonstraram que estes dispositivos podem apresentar imprecisões significativas, especialmente em taxas de fluxo baixas e quando submetidos a variações nas condições de operação2,3.
Com o avanço tecnológico, fluxômetros digitais emergiram como uma alternativa promissora. Estes dispositivos utilizam sensores eletrônicos para medir o fluxo e apresentam displays digitais para leitura precisa, teoricamente oferecendo maior acurácia e reprodutibilidade4. Além disso, muitos modelos digitais incorporam algoritmos de compensação que podem ajustar automaticamente as leituras com base nas condições detectadas.
A precisão dos fluxômetros é particularmente crítica em certas populações de pacientes. Em neonatos e pacientes pediátricos, pequenas variações absolutas no fluxo podem representar grandes alterações relativas na oxigenação5. Em pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), a administração precisa de oxigênio é essencial para evitar a supressão do drive respiratório6. Ademais, a imprecisão na administração de oxigênio pode resultar em desperdício significativo de recursos hospitalares e custos desnecessários.
Apesar da importância clínica, existe uma lacuna na literatura quanto à comparação sistemática da precisão entre fluxômetros analógicos e digitais em toda a faixa operacional típica (1-15 L/min) sob condições padronizadas. A maioria dos estudos existentes focou em pontos específicos de fluxo ou em condições não padronizadas, limitando a generalização dos resultados para a prática clínica7,8.
Este estudo teve como objetivo comparar quantitativamente a precisão de fluxômetros analógicos e digitais em toda a faixa operacional de 1 a 15 L/min sob pressão padronizada de rede de gases medicinais (3,5 kgf/cm²), utilizando metodologia estatística robusta para determinar diferenças significativas entre os dispositivos e identificar padrões de erro ao longo da faixa de fluxo.
Métodos
Foi conduzido um estudo experimental controlado em laboratório para comparar a precisão de fluxômetros analógicos e digitais sob condições padronizadas de pressão de rede de gases medicinais.
Foram utilizados fluxômetros representativos de cada tecnologia:
– Analógico: Fluxômetro 0-15 L/min bilha curta DISS para oxigênio (JG Morya®, Brasil)
– Digital: ATAS O2 (Salvus®, Recife, Brasil)
Ambos os equipamentos foram calibrados previamente aos testes conforme especificações do fabricante. Para medição de referência do fluxo real, utilizou-se o Mass Flow Meter 4140 (TSI®, EUA), que realiza medição através da massa do gás, independente da vazão, com precisão de ±1% da leitura.
Dez unidades independentes de cada tipo de fluxômetro foram testadas em 15 níveis de fluxo ajustado (1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14 e 15 L/min), totalizando 300 medições (15 fluxos × 2 tecnologias × 10 unidades).
A pressão de rede foi mantida constante em 3,5 kgf/cm² (pressão padrão de calibração dos fluxômetros) durante todos os testes. Os experimentos foram realizados em temperatura ambiente controlada (27°C ± 1°C) ao nível do mar para minimizar variáveis confundidoras.
Para cada medição, o fluxômetro foi ajustado para o valor desejado e aguardou-se estabilização por 30 segundos antes da leitura. O fluxo de saída foi então medido pelo mass flow meter durante 60 segundos, registrando-se a média do período.
A variável principal foi a diferença percentual entre o valor exibido no display do fluxômetro e o fluxo real medido, calculada como:
Diferença percentual (%) = [(Fluxo exibido – Fluxo medido) / Fluxo medido] × 100
Valores positivos indicam superestimação (fluxo real menor que o exibido) e valores negativos indicam subestimação (fluxo real maior que o exibido).
Os dados foram analisados utilizando o software R versão 4.3.09. Aplicou-se análise de variância (ANOVA) de dois fatores com interação, considerando “Tipo de Fluxômetro” como fator de dois níveis (Analógico, Digital) e “Fluxo” como fator categórico de 15 níveis (1-15 L/min).
Os pressupostos da ANOVA foram verificados através do teste de Shapiro-Wilk para normalidade dos resíduos e teste de Levene para homogeneidade de variâncias. O nível de significância adotado foi de 0,05.
Análises post-hoc foram realizadas quando apropriado para identificar diferenças específicas entre grupos. Os resultados são apresentados como médias ± desvio padrão, com intervalos de confiança de 95% quando relevante.
Resultados
A análise de variância (ANOVA) de dois fatores revelou efeitos significativos para todos os fatores analisados no estudo. O tipo de fluxômetro demonstrou influência estatisticamente significativa sobre o desvio percentual (p < 0,001), indicando diferenças substanciais entre os dispositivos analógicos e digitais. O nível de fluxo também apresentou efeito significativo (p < 0,001), confirmando que diferentes taxas de fluxo afetam distintamente a precisão das medições. Além disso, a interação entre tipo de fluxômetro e nível de fluxo foi estatisticamente significativa (p < 0,001), demonstrando que o comportamento dos dispositivos varia de forma diferente ao longo da faixa de fluxo testada.
A verificação dos pressupostos estatísticos confirmou a adequação da análise de variância empregada. O teste de Shapiro-Wilk para avaliação da normalidade dos resíduos indicou que os dados seguem distribuição normal e atendem aos requisitos para aplicação da ANOVA (p = 0,182). Complementarmente, o teste de Levene para homogeneidade de variâncias, confirmou que as variâncias são homogêneas entre os grupos analisados, validando a robustez dos resultados estatísticos obtidos (p = 0,285).
A análise dos padrões de erro revelou comportamentos fundamentalmente distintos entre os tipos de fluxômetros. O fluxômetro analógico apresentou um padrão sistemático de deterioração da precisão com o incremento do fluxo, em contraste marcante, o fluxômetro digital demonstrou performance consistente e estável em toda a faixa de fluxo analisada. (Tabela 1):

A interação significativa entre tipo de fluxômetro e nível de fluxo (p < 0,001) confirma que o padrão de erro difere fundamentalmente entre os dispositivos. Enquanto o fluxômetro analógico apresenta deterioração progressiva da precisão com o aumento do fluxo, seguindo uma tendência aproximadamente linear de degradação, o fluxômetro digital mantém precisão consistente em toda a faixa operacional, evidenciando capacidade superior de compensação automática das variações de fluxo.
As diferenças entre os tipos de fluxômetro tornaram-se particularmente substanciais em fluxos mais elevados, com implicações clínicas significativas. Em 15 L/min, a diferença média entre os dispositivos foi de aproximadamente 29,2 pontos percentuais (30,3% versus 1,1%), representando uma diferença clinicamente significativa de aproximadamente 4,4 L/min no fluxo real entregue ao paciente (Figura 1). Esta magnitude de diferença pode comprometer tanto a eficácia terapêutica quanto a segurança na administração de oxigenoterapia, especialmente em situações críticas onde a precisão do fluxo é fundamental para o sucesso do tratamento.

Discussão
Os resultados deste estudo demonstram a superioridade dos fluxômetros digitais em termos de precisão e consistência em toda a faixa operacional de 1 a 15 L/min. A análise estatística confirma que as diferenças observadas são significativas e clinicamente relevantes. O padrão de erro progressivo observado nos fluxômetros analógicos é particularmente preocupante. O aumento do desvio percentual de 2% em 1 L/min para 30% em 15 L/min sugere uma limitação fundamental no design destes dispositivos. Este padrão pode ser atribuído a características inerentes dos tubos de Thorpe, onde a precisão diminui com o aumento da taxa de fluxo devido a fatores como turbulência e limitações na escala de leitura10.
Em contraste, a estabilidade dos fluxômetros digitais (desvio consistente < 1,5%) em toda a faixa operacional reflete a capacidade dos sensores eletrônicos de manter precisão independentemente do nível de fluxo. Esta característica é especialmente valiosa em situações clínicas onde são necessários fluxos elevados, como na ventilação não invasiva ou em pacientes com insuficiência respiratória aguda.
A variação de até 30% observada nos fluxômetros analógicos em fluxos elevados tem implicações diretas na segurança do paciente. Em um cenário onde um paciente necessita de 15 L/min de oxigênio, um erro de 30% pode resultar na entrega de aproximadamente 19,5 L/min ou 10,5 L/min, dependendo da direção do erro. Tal variação pode comprometer tanto a eficácia terapêutica quanto a segurança, especialmente em pacientes críticos onde a precisão é fundamental11.
Além das questões de segurança, os erros de fluxo têm implicações econômicas significativas. Baseando-se nos desvios observados, um hospital com 50 pacientes recebendo oxigênio a 15 L/min poderia desperdiçar até 220 L/min de oxigênio (50 pacientes × 4,4 L/min de erro médio) apenas devido à imprecisão dos fluxômetros analógicos. Isso equivale a aproximadamente 317 m³ de oxigênio desperdiçado por dia, representando custos substanciais e impacto ambiental desnecessário.
Algumas limitações devem ser consideradas na interpretação dos resultados. Primeiro, os testes foram realizados em condições controladas de laboratório, que podem não refletir totalmente as variações encontradas no ambiente clínico real. Segundo, utilizamos apenas uma marca de cada tipo de fluxômetro, e variações entre fabricantes podem existir. Terceiro, não avaliamos o desempenho dos dispositivos ao longo do tempo ou após uso prolongado, fatores que podem afetar a precisão.
Nossos resultados são consistentes com estudos prévios que demonstraram limitações na precisão de fluxômetros analógicos. Duprez et al.3 relataram desvios significativos em fluxômetros do tipo Thorpe, embora com metodologia diferente. Nosso estudo expande estes achados ao demonstrar sistematicamente como o erro varia ao longo de toda a faixa operacional e ao comparar diretamente com tecnologia digital.
A literatura também sugere que fatores como limpeza e manutenção podem afetar a precisão dos fluxômetros2. Nosso protocolo utilizou equipamentos calibrados, mas futuros estudos deveriam investigar como fatores de manutenção afetam diferentemente os dois tipos de tecnologia.
Estes achados suportam a recomendação de adoção de fluxômetros digitais em ambientes clínicos, especialmente onde são requeridos fluxos elevados de oxigênio. A modernização tecnológica pode resultar em benefícios simultâneos em segurança do paciente, eficiência operacional e sustentabilidade ambiental.
Conclusão
Fluxômetros digitais apresentam precisão superior e consistente em toda a faixa operacional, enquanto fluxômetros analógicos mostram deterioração progressiva da precisão com o aumento do fluxo (1,5% vs 30%).
Estudos futuros devem investigar o impacto clínico dessas diferenças de precisão em desfechos de pacientes e avaliar a relação custo-efetividade da implementação de tecnologia digital em diferentes contextos hospitalares.
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1ORCID https://orcid.org/0000-0002-5768-9975
2ORCID https://orcid.org/0000-0003-1889-2492
3ORCID https://orcid.org/0009-0004-4592-4175
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