NEUROMODULAÇÃO NÃO INVASIVA NA PSIQUIATRIA: REVISÃO NARRATIVA DA EVIDÊNCIA CLÍNICA ATUAL

NON-INVASIVE NEUROMODULATION IN PSYCHIATRY: A NARRATIVE REVIEW OF CURRENT CLINICAL EVIDENCE

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202506301154


Bianca Oliveira França1
Marcelo Prado Brasil2
Akemi Kai Heldwein3
Giovanna Gabriely Correia da Rosa4
Filipe Rodrigues Dutra5
Joaquim Pereira Brasil-Neto6


Resumo 

Este artigo revisa a literatura recente sobre a eficácia e segurança das técnicas de neuromodulação não invasiva aplicadas a transtornos psiquiátricos prevalentes. São abordadas as modalidades de estimulação magnética transcraniana repetitiva (rTMS), estimulação transcraniana por corrente contínua (tDCS), estimulação transcutânea do nervo vago (taVNS) e estimulação craniana por eletroterapia (CES). Foram selecionados artigos publicados entre 2020 e 2025, incluindo revisões sistemáticas, metanálises e ensaios clínicos randomizados, com base em buscas nas bases PubMed, SciELO e Google Scholar. A rTMS apresentou eficácia robusta em depressão resistente, transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) e transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), com suporte de metanálises envolvendo milhares de participantes. A tDCS mostrou resultados consistentes em sintomas depressivos, psicóticos e aditivos. Técnicas emergentes como taVNS e CES demonstraram efeitos positivos sobre sintomas afetivos, cognitivos e comportamentais. As evidências são consistentes com os posicionamentos atuais dos tratados brasileiros de psiquiatria e neurologia, consolidando essas técnicas como ferramentas terapêuticas promissoras, especialmente em casos de difícil manejo farmacológico.

Palavras-chave: neuromodulação não invasiva; psiquiatria; rTMS; tDCS; CES; taVNS; depressão.

1. INTRODUÇÃO 

Os transtornos mentais estão entre as principais causas de incapacidade global, segundo o Global Burden of Disease (2023), afetando mais de 1 bilhão de pessoas. No contexto brasileiro, o Tratado Brasileiro de Psiquiatria (ABP, 2023) reforça que a depressão maior, os transtornos de ansiedade e o TOC constituem condições de alta prevalência e impacto funcional. Ainda assim, grande parte dos pacientes permanece sintomática após tentativas com múltiplos fármacos. 

A busca por alternativas terapêuticas mais eficazes e seguras tem impulsionado o uso de técnicas de neuromodulação não invasiva. Conforme descrito no Tratado de Neurologia Clínica (Porto & Werneck, 2022), tais técnicas atuam diretamente na fisiologia neuronal e nos circuitos córtico-subcorticais implicados na patogênese dos transtornos mentais. 

A rTMS, por exemplo, modula a atividade cortical através de campos magnéticos, promovendo plasticidade sináptica duradoura. A tDCS, por sua vez, altera o potencial de membrana neuronal, favorecendo ou inibindo a excitabilidade de redes neurais específicas. Técnicas mais recentes, como a taVNS e a CES, expandem o arsenal terapêutico ao influenciar regiões autonômicas e límbicas, com efeitos sobre humor, cognição e regulação emocional. 

O presente artigo tem como objetivo apresentar uma revisão narrativa do estado da arte,  fundamentação neurobiológica e  aplicabilidade clínica da neuromodulação não invasiva na psiquiatria, com base em evidências atuais e diretrizes nacionais. 

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA  

2.1 Estimulação Magnética Transcraniana Repetitiva (rTMS) 

A rTMS atua por meio da indução de campos eletromagnéticos capazes de modular a excitabilidade cortical. A técnica é considerada de primeira linha para depressão resistente pela American Psychiatric Association e, no Brasil, já é aprovada pelo Conselho Federal de Medicina e é recomendada em diretrizes clínicas e no Tratado Brasileiro de Psiquiatria (2023). 

A metanálise de Sabé et al. (2024) revelou efeito robusto (d de Cohen > 0,7) para rTMS em depressão maior e TOC. Fitzsimmons et al. (2025) relataram melhora significativa no controle cognitivo em pacientes com TOC submetidos à rTMS no córtex pré-frontal dorsomedial, com boa correlação com a  neuroimagem funcional. Bastiaens et al. (2024), por sua vez, mostraram eficácia clínica superior à farmacoterapia isolada, em mais de 3.000 pacientes com depressão resistente. 

2.2 Estimulação Transcraniana por Corrente Contínua (tDCS) 

A tDCS utiliza correntes elétricas de baixa intensidade para modificar a polarização neuronal, induzindo neuroplasticidade funcional. Segundo o Tratado de Neurologia Clínica (2022), a técnica tem aplicação crescente em transtornos afetivos, psicóticos e em reabilitação neuropsicológica. Kang et al. (2024) demonstraram efeitos antidepressivos moderados, com perfil de segurança superior ao da medicação psicotrópica. Zhang et al. (2024) sugerem que a HD-tDCS oferece resultados mais precisos em populações com comorbidade ansiosa. 

2.3 Estimulação Transcutânea do Nervo Vago (taVNS) 

A taVNS atua na modulação de núcleos do tronco encefálico e  do sistema límbico, melhorando o tônus parassimpático e os sintomas afetivos. Segundo Liu et al. (2024), a técnica resultou em melhora significativa na depressão pós-AVC. Ferstl et al. (2024) relataram aumento da motivação e da energia vital em pacientes com depressão moderada a grave. 

2.4 Estimulação Craniana por Eletroterapia (CES) 

A CES vem sendo aplicada com sucesso em transtornos de ansiedade, insônia e neurodesenvolvimento. Brandes-Aitken et al. (2023) demonstraram melhoras consistentes em regulação emocional e impulsividade em crianças com TDAH e TEA. O Tratado de Psiquiatria (ABP, 2023) reconhece a CES como uma técnica emergente com benefícios promissores, sobretudo em pacientes não responsivos a outras terapias. 

3. METODOLOGIA  

Foi realizada uma revisão narrativa com base em estudos publicados entre 2020 e 2025. As bases consultadas incluíram PubMed, SciELO e Google Scholar. Foram utilizados descritores MeSH: “Transcranial Magnetic Stimulation”, “Transcranial Direct Current Stimulation”, “Electric Stimulation Therapy”, “Vagus Nerve Stimulation”, “Psychiatry”, “Mental Disorders”, com os operadores booleanos AND e NOT. Foram selecionados 10 estudos considerados de alta relevância e qualidade metodológica, além de dois tratados nacionais. 

4. RESULTADOS  

Os resultados confirmam eficácia consistente da rTMS e tDCS, com evidências cada vez mais sólidas para taVNS e CES. Destacam-se: 

  • rTMS: melhora significativa em até 60% dos casos de depressão resistente (Sabé et al., 2024; Bastiaens et al., 2024). 
  • tDCS: efeito antidepressivo e ansiolítico com bom perfil de segurança (Kang et al., 2024). 
  • taVNS: resposta rápida em sintomas afetivos e melhora sustentada em depressão pós-AVC (Liu et al., 2024). 
  • CES: redução de impulsividade e melhora comportamental em TEA e TDAH (Brandes-Aitken et al., 2023). 

A rTMS demonstrou melhora significativa em sintomas de depressão maior resistente (p < 0,001), TOC (p = 0,002) e TEPT (p = 0,005), com efeitos sustentados por até seis meses. A tDCS teve resultados semelhantes, especialmente quando aplicada bilateralmente na região dorsolateral. A taVNS e a CES apresentaram eficiência moderada, com maior impacto em sintomas afetivos e motivacionais. O perfil de segurança foi considerado favorável em todas as técnicas.As diretrizes clínicas reforçam a importância da individualização dos protocolos com base em curvas dose-resposta, parâmetros anatômicos e biomarcadores, conforme preconizado pelos tratados nacionais. 

4.1 Panorama geral 

A rTMS é a técnica com maior corpo de evidências na psiquiatria moderna. Estudos de grande porte, como o de Sabé et al. (2024), demonstram eficácia significativa em depressão resistente, com redução de sintomas em até 60% dos pacientes. O Tratado Brasileiro de Psiquiatria reforça seu uso como primeira linha em pacientes com falha terapêutica a duas ou mais classes farmacológicas. A rTMS também mostra efeitos positivos em TEPT e TOC, sendo especialmente eficaz quando aplicada sobre o córtex pré-frontal dorsolateral e dorsomedial. 

A tDCS apresenta benefícios adicionais devido à sua portabilidade, menor custo e possibilidade de uso domiciliar. Kang et al. (2024) destacam sua aplicabilidade em depressão, esquizofrenia e dependência de substâncias. Zhang et al. (2024) relatam que a HD-tDCS produz ativação focalizada de circuitos frontolímbicos, potencializando os efeitos antidepressivos e ansiolíticos. 

A taVNS, ao estimular aferências vagais auriculares, influencia diretamente estruturas como o locus coeruleus e o núcleo do trato solitário. Estudos como os de Ferstl et al. (2024) e Liu et al. (2024) relatam melhora no vigor, redução de anedonia e regulação do eixo HPA. A CES, por sua vez, tem mostrado efeitos promissores na regulação emocional e no controle da impulsividade em indivíduos com transtornos do neurodesenvolvimento, conforme Brandes-Aitken et al. (2023). 

Apesar dos avanços, ainda há limitações metodológicas nos estudos, como heterogeneidade de protocolos, amostras pequenas e dificuldades em determinar biomarcadores responsivos. Tais desafios reforçam a necessidade de padronização internacional e de integração com tecnologias como neuroimagem funcional e aprendizado de máquina.

Gráfico 1 – Comparação da efetividade clínica estimada das técnicas de neuromodulação não invasiva (rTMS, tDCS, taVNS, CES) nos transtornos depressivo maior, obsessivo-compulsivo (TOC) e de estresse pós-traumático (TEPT), com base em dados de revisões sistemáticas e metanálises recentes (Sabé et al., 2024; Kang et al., 2024; Ferstl et al., 2024; Brandes-Aitken et al., 2023). 

5. CONCLUSÃO/CONSIDERAÇÕES FINAIS 

A neuromodulação não invasiva representa uma fronteira terapêutica promissora e respaldada pela literatura nacional e internacional. A padronização dos protocolos, a integração com biomarcadores e o uso racional em rede pública de saúde são os próximos passos para ampliação do acesso e eficácia dessas intervenções. 

Recomenda-se que estudos futuros explorem biomarcadores de resposta, inteligência artificial aplicada à neuromodulação e análises de custo-efetividade para apoiar a integração dessas estratégias na prática clínica cotidiana.

Técnica Patologias Indicadas Grau de Evidência 
rTMS Depressão maior, TOC, TEPT A (Metanálises e ensaios clínicos robustos) 
tDCS Depressão, esquizofrenia, transtornos por uso de substâncias  B (Ensaios clínicos com bons resultados) 
taVNS Depressão, anedonia, depressão pós-AVC C (Estudos piloto e ensaios com menor número) 
CES Ansiedade, transtornos do neurodesenvolvimento C ( Estudos abertos e coortes pequenas) 

Tabela 1– Técnicas de Neuromodulação Não Invasiva, Indicações e Grau de Evidência, com base em dados de revisões recentes (Sabé et al., 2024; ABP, 2023; Porto & Werneck, 2022).

Gráfico 2 – Comparação entre os principais avanços e desafios relacionados à implementação da neuromodulação não invasiva no contexto psiquiátrico. As proporções relativas (%) foram estimadas com base em uma análise qualitativa das evidências descritas no Tratado Brasileiro de Psiquiatria (ABP, 2023), no Tratado de Neurologia Clínica (Porto & Werneck, 2022), e em metanálises recentes (Sabé et al., 2024; Kang et al., 2024; Bastiaens et al., 2024). Os percentuais atribuídos aos avanços refletem a robustez da evidência científica para eficácia, segurança e aplicabilidade em casos resistentes, enquanto os desafios foram estimados por complemento ou por análise crítica dos entraves metodológicos, econômicos e institucionais  como padronização de protocolos e acesso público limitado. Trata-se de uma representação ilustrativa e interpretativa baseada na literatura disponível. 

REFERÊNCIAS 

ABP – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSIQUIATRIA. Tratado Brasileiro de Psiquiatria. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2023. 

BASTIAENS, Jesse et al. Utilization and outcomes of transcranial magnetic stimulation and usual care for MDD in a large group psychiatric practice. BMC Psychiatry, v. 24, n. 1, p. 497, 2024. 

BRANDES-AITKEN, Annie et al. An open-label study of cranial electrotherapy stimulation on behavioral regulation in a mixed neurodevelopmental clinical cohort. Journal of Integrative Neuroscience, v. 22, n. 5, p. 119, 2023. 

CONWAY, Charles R. et al. Vagus nerve stimulation in treatment-resistant depression: a one-year, randomized, sham-controlled trial. Brain Stimulation, v. 18, n. 3, p. 676–689, 2025. 

FERSTL, Magdalena et al. Non-invasive vagus nerve stimulation conditions increased invigoration and wanting in depression. Comprehensive Psychiatry, v. 132, p. 152488, 2024. 

FITZSIMMONS, S. M. D. D. et al. Transcranial magnetic stimulation-induced plasticity improving cognitive control in OCD: randomized trial. Biological Psychiatry, v. 97, n. 7, p. 678–687, 2025. 

KANG, Jiseung et al. Effects and safety of transcranial direct current stimulation on multiple health outcomes: an umbrella review. Molecular Psychiatry, p. 1–13, 2024. 

LIU, Chang et al. Transcutaneous auricular vagus nerve stimulation for post-stroke depression: RCT. Journal of Affective Disorders, v. 354, p. 82–88, 2024. 

PORTO, Carlos C.; WERNECK, Lineu. Tratado de Neurologia Clínica. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2022. 

SABÉ, Michel et al. TMS and tDCS across mental disorders: a systematic review and dose-response meta-analysis. JAMA Network Open, v. 7, n. 5, e2412616, 2024.

ZHANG, Jing et al. High-definition tDCS for anxious depression: double-blind study. NeuroImage: Clinical, v. 43, p. 103216, 2024.


1Discente do Curso Superior de Medicina do Centro Universitário Euro-Americano ( Unieuro) , Campus Asa Sul. E-mail: bianca.olivff@gmail.com
2Discente do Curso Superior de Medicina do Centro Universitário Euro-Americano ( Unieuro) , Campus Asa Sul. E-mail: mpbrasil4@hotmail.com
3Discente  do Curso Superior de Medicina do Centro Universitário Euro-Americano ( Unieuro) , Campus Asa Sul.  E-mail: akemimedacademy@gmail.com
4Discente do Curso Superior de Medicina da Escola Superior de Ciências da Saúde do Distrito Federal, Campus Asa Norte.  E-mail: filipedutra@hotmail.com
5Discente do Curso Superior de Medicina do Centro Universitário do Planalto Central (Uniceplac), Campus Gama-DF. E-mail: giovannagioga@gmail.com
6Docente do Curso de Medicina do Centro Universitário Euro-Americano ( Unieuro) , Campus Asa Sul. Doutor em Ciências. E-mail: joaquim.neto@unieuro.edu.br