EDIÇÃO GÊNICA COM CRISPR/CAS9 NA DOENÇA DE ALZHEIMER: AVANÇOS RECENTES E DESAFIOS FUTUROS

GENE EDITING WITH CRISPR/CAS9 IN ALZHEIMER’S DISEASE: RECENT ADVANCES AND FUTURE CHALLENGES

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/fa10202506302307


Adriano Lopes da Silva1
Cecília Emanuelle da Mata Pereira2
Eduarda Eloisi Silva Lopes Braga3


RESUMO

As doenças neurodegenerativas têm sido um dos maiores embates dentro da comunidade científica, sobretudo devido à falta de tratamentos capazes de alterar o curso dessas enfermidades. A Doença de Alzheimer (DA) é responsável pela maioria dos casos de demência no mundo, tratando-se de uma condição com grande influência genética. A DA é uma doença crônica, de evolução lenta, progressiva e irreversível, com etiologia complexa e multifatorial. Suas principais características fisiopatológicas são a formação de placas β-amiloide (Aβ) e de emaranhados neurofibrilares de proteína Tau. Com o aumento da expectativa de vida, a prevalência da doença tende a crescer, tornando-se um desafio ainda maior para a saúde pública. A edição gênica por meio da tecnologia CRISPR/Cas9 apresenta grande potencial, especialmente para a correção de defeitos genéticos ou mutações no genoma humano. Neste estudo, analisamos as bases teóricas dessa tecnologia e sua implementação recente na DA. O mecanismo CRISPR/Cas9, voltado a alvos genéticos específicos que modulam os processos patológicos da enfermidade, pode representar um avanço significativo na pesquisa por uma terapêutica capaz de interromper a progressão da degeneração causada pela DA. Por fim, apresentamos uma visão geral das limitações e das perspectivas futuras sobre o uso da tecnologia CRISPR/Cas9 no tratamento da Doença de Alzheimer.

Palavras-chave: Doença de Alzheimer; CRISPR/Cas9; Edição Gênica; Terapia genética; Neurodegeneração.

ABSTRACT

Neurodegenerative diseases have been one of the greatest challenges within the scientific community, mainly due to the lack of treatments capable of altering the course of these disorders. Alzheimer’s Disease (AD) accounts for the majority of dementia cases worldwide and is a condition with strong genetic influence. AD is a chronic, slowly progressive, and irreversible disease with a complex and multifactorial etiology. Its main pathophysiological features are the formation of β-amyloid (Aβ) plaques and neurofibrillary tangles of Tau protein. With the increase in life expectancy, the prevalence of the disease tends to grow, becoming an even greater challenge for public health. Gene editing through CRISPR/Cas9 technology shows great potential, especially for correcting genetic defects or mutations in the human genome. In this study, we analyze the theoretical foundations of this technology and its recent implementation in AD. The CRISPR/Cas9 mechanism, targeting specific genetic elements that modulate the pathological processes of the disease, may represent a significant advancement in the search for a therapy capable of halting the progression of AD-related degeneration. Finally, we present an overview of the limitations and future perspectives regarding the use of CRISPR/Cas9 technology in the treatment of Alzheimer’s Disease.

Keywords: Alzheimer’s Disease; CRISPR/Cas9; Gene Editing; Gene Therapy; Neurodegeneration.

1. INTRODUÇÃO

A Doença de Alzheimer (DA) é um distúrbio neurodegenerativo muito comum, estima-se que mais de 55 milhões de pessoas convivem com algum tipo de demência em todo o mundo, sendo a DA responsável por cerca de 60-70% desses casos. Em 2021, foi classificada, juntamente com outras formas de demência, como a sétima principal causa de morte mundial (OMS, 2021). No Brasil, estima-se que aproximadamente 1,2 milhão de pessoas sejam afetadas pela doença, com tendência a ter um aumento significativo nos próximos anos (Agência Brasil, 2023). A DA é caracterizada por alterações no sistema nervoso, levando ao declínio irreversível da função das células nervosas, afetando a memória, o comportamento e, com o tempo, até mesmo a capacidade de autocuidado. Sua origem pode ser hereditária, como em formas raras da doença, ou esporádica, sendo influenciada por uma combinação de fatores genéticos, ambientais e de estilo de vida. Embora a causa exata da ainda seja desconhecida, o acúmulo de proteínas anormais no cérebro, como os emaranhados de tau e placas de amiloide, são características marcantes da doença. Além disso, fatores como a predisposição genética e o envelhecimento desempenham papéis cruciais no seu desenvolvimento (Bhardwaj et al., 2022).

Embora a DA seja um distúrbio muito prevalente, seu tratamento ainda enfrenta grandes desafios, com intervenções predominantemente paliativas que visam apenas amenizar os sintomas e melhorar a qualidade de vida do paciente, utilizando estratégias não medicamentosas, como a reabilitação cognitiva e também tratamento farmacológico, evitando efeitos adversos (Freire; Silva da; Borin, 2022). Nesse contexto, evidencia-se a urgência e grande importância do desenvolvimento de novas abordagens terapêuticas, com o objetivo de retardar, reverter e tratar a origem da doença, especialmente considerando os avanços tecnológicos cada vez mais promissores nesse campo.

O CRISPR-Cas9 é uma abordagem terapêutica promissora, possuindo grande potencial para o tratamento de distúrbios neurodegenerativos, como o Alzheimer, por meio da edição gênica. Esse sistema ocorre naturalmente em bactérias, reconhecendo e inativando DNA invasor e, com os avanços da ciência, foi adaptado para células humanas, possibilitando a edição precisa de sequências de DNA, adicionando, deletando ou substituindo nucleotídeos, o que pode viabilizar a cura de diversas doenças, incluindo a DA (Lu et al., 2021). Estudos indicam que o CRISPR-Cas9 é composto por uma enzima Cas9 e pelo RNA guia único (sgRNA), que atuam em conjunto modificando o genoma, em caso de mutações. A enzima realiza a clivagem da fita dupla de DNA, enquanto o sgRNA direciona até o segmento alvo. A DA é caracterizada pelo acúmulo de beta-amiloide 42 (Aβ42) e proteína Tau fosforilada, além de disfunção das células gliais e falhas na comunicação sináptica, formando placas senis e emaranhados neurofibrilares que comprometem a função cognitiva. Nesse contexto, o CRISPR-Cas9 tem o potencial de reduzir a produção da proteína precursora de amiloide (APP), consequentemente diminuindo a formação de placas. Além disso, poderia restaurar a função das células gliais e editar o gene APOE4, fator de risco associado à DA esporádica, substituindo-o pelas variantes neuroprotetoras APOE2 ou APOE3, entre outras abordagens promissoras para a prevenção e tratamento desse distúrbio (Soni et al., 2024).

Diante do crescente impacto da Doença de Alzheimer na saúde pública mundial e das limitações das terapias atuais, este estudo tem como objetivo explorar o uso da tecnologia CRISPR-Cas9 como uma possível ferramenta terapêutica para a prevenção e tratamento da. Por meio de uma revisão bibliográfica, busca-se analisar os mecanismos moleculares envolvidos na doença, as aplicações potenciais da edição gênica e os avanços científicos recentes que apontam para novas estratégias promissoras no enfrentamento desse distúrbio neurodegenerativo.

2. METODOLOGIA

Este estudo trata-se de uma revisão bibliográfica sobre o sistema CRISPR/Cas9 aplicado à Doença de Alzheimer. Para a seleção dos artigos, foram utilizadas as bases de dados científicas PubMed, ScienceDirect, Scopus, Google Acadêmico e Portal de Periódicos da CAPES, além de sites institucionais e governamentais, como os da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Agência Gov.

Foram selecionados artigos publicados entre 2018 e 2025, com prioridade para os estudos mais recentes, dos últimos 5 anos. Os critérios de escolha dos artigos foram: disponibilidade do texto completo gratuitamente, publicações em inglês ou português, artigos originais e revisões sistemáticas ou narrativas com foco na aplicação do CRISPR/Cas9 na Doença de Alzheimer. Foram excluídos artigos irrelevantes, que não abordavam o tema ou não possuíam respaldo científico.

Ao final das pesquisas, com base nos critérios de inclusão e exclusão, foram selecionados 35 artigos que compõem esta revisão, os quais foram organizados por tópicos para facilitar a compreensão e análise do tema, abordando as aplicações recentes do CRISPR/Cas9 no tratamento da DA, bem como os desafios e as perspectivas futuras dessa abordagem terapêutica.

3. FUNDAMENTOS DO SISTEMA CRISPR/Cas9 APLICADO Á EDIÇÃO GÊNICA

O sistema CRISPR foi identificado pela primeira vez em 1987 por Ishino et al., quando sequenciaram DNA de Escherichia coli e encontraram sequências repetitivas, denominadas CRISPR. A importância dessas sequências não foi compreendida imediatamente. No entanto, foi em 1995 que Francisco Mojica, da Universidade de Alicante, ao estudar o genoma de arqueias, descobriu estruturas semelhantes e sugeriu que esses loci poderiam funcionar como uma espécie de sistema imunológico em organismos procarióticos. Ele observou que esses loci continham fragmentos de DNA viral, permitindo que as bactérias reconhecessem e se defendessem de vírus específicos (Gostimskaya, 2022). Esse foi um marco importante na compreensão da função biológica do CRISPR, que, mais tarde, levou ao desenvolvimento do revolucionário sistema de edição gênica.

O sistema CRISPR/Cas9 (Repetições Palindrômicas Curtas Agrupadas e Regularmente Interespaciadas) é uma tecnologia de edição gênica com grande potencial para a prevenção e tratamento de diversas doenças. Esse sistema é composto por três elementos principais: o RNA CRISPR (crRNA), responsável por reconhecer a sequência alvo; o tracrRNA (RNA transativador do crRNA), que estabiliza a interação com a enzima; e a proteína Cas9, que realiza o corte da fita dupla do DNA. Na versão adaptada para uso laboratorial, o crRNA e o tracrRNA são fundidos em uma única molécula chamada sgRNA (single guide RNA), o que facilita seu uso em pesquisas experimentais (Manghwar et al., 2019). O funcionamento do sistema baseia-se na clivagem da fita dupla de DNA (quebra de fita dupla de DNA – DSB), realizada pela enzima Cas9 guiada pelo sgRNA. Esse corte ocorre geralmente três pares de bases antes da sequência PAM (motivo adjacente ao protospacer – PAM), essencial para o reconhecimento do DNA-alvo. Após a quebra, a célula ativa mecanismos de reparo que podem seguir duas vias principais: NHEJ (junção de extremidades não homólogas), mais propensa a erros que podem gerar inserções ou deleções (indels); e HDR (reparo homólogo dirigido), que é mais precisa, mas ocorre com menor frequência, utilizando um molde de DNA doador como referência (Poletto, Schuh & Baldo, 2023).

Esses mecanismos possibilitam diferentes estratégias de edição gênica, como a inativação de genes (knock-out), a inserção de novas sequências (knock-in), a correção de mutações pontuais (base editing), a modulação epigenética (epigenome editing) e, mais recentemente, o uso do prime editing, que permite alterações precisas no DNA sem a necessidade de induzir quebras de fita dupla — característica que o torna especialmente promissor para aplicações em células sensíveis, como neurônios. Cada uma dessas abordagens possui aplicações específicas tanto na pesquisa quanto na terapêutica.

De acordo com Yang (2023), o CRISPR-Cas9 apresenta vantagens significativas em relação a outras tecnologias de edição gênica, como as nucleases de dedo de zinco (nucleases de dedo de zinco) e as nucleases do tipo TALEN (nucleases do tipo efeito ativador de transcrição semelhante). Entre essas vantagens estão a maior especificidade, versatilidade, menor custo e a capacidade de realizar múltiplas edições simultâneas em diferentes regiões do genoma.

Nesse contexto, a fim de reforçar a relevância do sistema CRISPR/Cas9 em comparação a outras estratégias de edição gênica, o Quadro 1 apresenta uma visão geral das principais tecnologias atualmente empregadas. Embora o enfoque deste estudo esteja no CRISPR/Cas9, a inclusão de abordagens como ZFN, TALEN, base editing e prime editing permite uma compreensão mais abrangente dos avanços tecnológicos e das razões que posicionam o CRISPR como uma das alternativas terapêuticas mais promissoras. De forma complementar, o Quadro 2 aprofunda essa análise ao trazer dados comparativos relevantes, como especificidade, frequência de efeitos fora do alvo (off-targets) e comparação de custos por edição. Esses dados contribuem para fundamentar a escolha do CRISPR/Cas9 como eixo central deste estudo, oferecendo suporte às discussões posteriores sobre sua aplicação na prevenção e no tratamento da Doença de Alzheimer.

Apesar dos avanços expressivos associados ao sistema CRISPR/Cas9, permanecem desafios importantes a serem enfrentados, como a dificuldade na entrega eficiente do sistema aos tecidos-alvo, as possíveis respostas imunológicas e o risco de efeitos indesejados fora do local de edição. Essas limitações evidenciam a necessidade de contínuos aprimoramentos para garantir maior segurança e eficácia em aplicações clínicas.

Quadro 1 – Comparação entre técnicas de edição gênica: ZFN, TALEN, CRISPR/Cas9, Base Editing e Prime Editing.

TécnicaComposição e MecanismoDesempenhoVantagensLimitações
ZFNDedos de zinco + FokI; cliva por dimerizaçãoVariávelAlta especificidade (com bom design)Design complexo; risco de off-target; citotoxicidade
TALENProteínas de repetição TAL + FokI, que clivam o DNA após dimerização.AltaAlta precisão; design modularDesign complexo; custo elevado; risco de off-target
CRISPR/Cas9Cas9 + sgRNA; pareia com sequência alvo + PAM; corte de fita duplaAltaFácil de usar; edição multiplexada; baixo custoOff-targets; depende do PAM
Base EditingCas9 + bases editoras (deaminase); sem quebra de fita duplaMuito altaPrecisão na edição de bases; sem quebras de fitaLimitado a transições de bases; menor aplicabilidade
Prime EditingCas9 nickase + transcriptase reversa; guiado por pegRNA; sem quebra de fita duplaMuito altaAltera DNA sem DSB; edita diversos tipos de mutaçõesEficiência variável; complexo; difícil entrega in vivo
Fonte: Elaborado pelos autores com base em Wei e Li (2023), Chen e Liu (2022), Murray et al. (2024).

A análise apresentada no Quadro 1 ajuda a entender melhor as principais diferenças entre as técnicas clássicas e as mais modernas de edição gênica, mostrando o salto tecnológico que o sistema CRISPR/Cas9, e mais recentemente o Prime Editing, representam. A partir dessa primeira comparação, o Quadro 2 amplia essa visão ao trazer parâmetros práticos, que facilitam a avaliação do uso clínico dessas tecnologias.

Quadro 2 – Comparação Prática entre Tecnologias de Edição Gênica

TécnicaEspecificidadeTaxa de off-targetComparação de custos por ediçãoFacilidade de usoAplicações terapêuticas
ZFNMédia                  AltoBaixaLimitada
TALENAlta                      AltoMédiaModerada
CRISPR/CAS 9AltaModeradaBaixoAltaAmpla
BASE EDITINGMuito Alta           ModeradoAltaAlta
PRIME EDITINGMuito Alta           ModeradoMédiaAlta
Fonte: Elaborado pelos autores com base em Wei e Li (2023), Chen e Liu (2023) e Murray et al. (2024). Legenda: As classificações atribuídas aos parâmetros de especificidade, taxa de off-target, comparação de custo por edição, facilidade de uso e aplicabilidade terapêutica foram baseadas em uma média dos dados descritos na literatura recente. Referências como Wei e Li (2023), Chen e Liu (2023) e Murray et al. (2024) foram utilizadas como base para estabelecer critérios relativos, considerando variações observadas entre os estudos. Por exemplo, classificações como ―alta especificidade‖ referem-se à capacidade comprovada da técnica em realizar edições direcionadas com mínima ocorrência de alterações fora do alvo. ―Baixo custo‖ se refere à simplicidade dos reagentes e menor exigência de infraestrutura laboratorial. Já ―aplicabilidade terapêutica ampla‖ indica a validação pré-clínica ou clínica da técnica em múltiplas doenças genéticas.

Considerando os dados apresentados, é possível perceber que, mesmo com algumas limitações — como a precisão em edições específicas e a ocorrência de efeitos fora do alvo (off-targets) — o CRISPR/Cas9 ainda se destaca como uma das ferramentas mais promissoras para aplicações terapêuticas. Sua eficácia já comprovada, a facilidade de uso e o forte respaldo na literatura científica reforçam a importância de sua escolha neste estudo, principalmente no tratamento de doenças complexas como o Alzheimer. Com as melhorias contínuas nas técnicas de edição, a expectativa é que muitas das limitações atuais sejam superadas, ampliando ainda mais o potencial do CRISPR/Cas9 como uma alternativa segura e eficaz na prática clínica.

4. Mecanismos moleculares e fisiopatológicos da Doença de Alzheimer

A Doença de Alzheimer é uma condição neurodegenerativa progressiva, tendo o envelhecimento como principal fator de risco. Essa degeneração resulta em declínio cognitivo e, em estágios avançados, pode resultar em disfunção motora, incapacidade grave ou óbito (Zhang et al, 2024). A DA é caracterizada pela presença de emaranhados neurofibrilares intracelulares (NFTs), formados por proteínas tau hiperfosforiladas, e de placas amiloides extracelulares (APs), compostas por peptídeos β-amiloides (Aβ), além de alterações nas funções inflamatórias do cérebro (Chen et al., 2020). Segundo Sen T. e Thummer R.P. (2022), esses aglomerados se acumulam no tecido cerebral, promovendo disfunção sináptica e morte neuronal, o que resulta nos principais atributos patológicos da doença, como o comprometimento de funções cognitivas básicas, incluindo a memória, aprendizado e tomada de decisões.

A DA pode ser classificada como de início tardio (LOAD) e de início precoce (EOAD). A forma mais comum, LOAD, está relacionada, sobretudo, ao envelhecimento e ao alelo E4 do gene APOE, que influencia a deposição de beta-amiloide no cérebro (Machado et al., 2020). A apolipoproteína E, no sistema nervoso central, tem como principais funções a redistribuição do colesterol, da mielina e das membranas neurais, além de estar envolvida no processo de reparo sináptico e na resposta a danos teciduais. Conforme a revisão feita por Paula (2022), as isoformas da proteína APOE influenciam o metabolismo do peptídeo Aβ, principalmente a ocorrência do alelo E4, associado ao acúmulo precoce de Aβ no cérebro e diretamente ligado a progressão da. Esse acúmulo pode ocorrer devido ao aumento da produção, redução na eliminação do peptídeo ou ambos. O estudo também sugere que a ApoE4, além de estimular expressão da APP via MAPK, está associada à menor eficiência na eliminação do Aβ, devido à baixa estabilidade do complexo ApoE4-Aβ e à atuação reduzida de receptores como LRP1 e LDLR.

Enquanto a forma de início tardio (LOAD) está vinculada principalmente ao alelo E4, a forma de início precoce (EOAD) está relacionada a alterações hereditárias em loci gênicos específicos, como PSEN1 (Presenilina-1), PSEN2 (Presenilina-2) e APP (Proteína Precursora Amiloide). As mutações nesses genes também estão diretamente relacionadas com o acúmulo anormal de beta-amiloide no cérebro (Machado et al., 2020).

O gene PSEN1 participa da produção do peptídeo Aβ e da plasticidade sináptica, sendo suas mutações significamente associadas à EOAD. A disfunção nesse gene está relacionada à DA devido ao seu papel essencial na memória e na sobrevivência neuronal (Ribeiro et al., 2021). Por sua vez, o gene PSEN2, também vinculado à DA, contribui para o acúmulo intracelular de β-amiloide, além de estar envolvido em processos de neuroinflamação e neurodegeneração.

Por fim, o gene APP está associado à EOAD devido a diversas mutações que alteram a codificação de aminoácidos e os sítios de clivagem da proteína, favorecendo o processamento amiloidogênico e resultando na liberação excessiva do peptídeo Aβ, que possui alta capacidade de agregação. Esses agregados formam placas amiloides nas paredes externas dos neurônios, desencadeando um processo de neuroinflamação e, consequentemente, contribuindo para o desenvolvimento da EOAD (Ribeiro et al., 2021).

Além dos principais genes mencionados, há outros que podem contribuir direta ou indiretamente para o desenvolvimento da Doença de Alzheimer (DA), como BACE1, TREM2 e CD33, cujas funções impactam aspectos fundamentais da, como o processamento da proteína precursora de amiloide e a resposta imunológica no cérebro.

Outros marcadores fisiopatológicos também se destacam na contribuição para a progressão da DA, por exemplo, as anomalias na barreira hematoencefálica (BHE), que normalmente atua como um filtro entre o sangue e o tecido cerebral. A BHE pode ser desregulada por agentes inflamatórios, como citocinas e substâncias citotóxicas, resultando em um acúmulo vascular intensificado de placas amiloides e, consequentemente, em lesões neuronais de natureza isquêmica (Tobbin et al. 2021).

O papel da neuroinflamação na DA é mediado principalmente pela ativação de micróglias e astrócitos diante da deposição de β-amiloide. As micróglias, células fagocitárias do sistema nervoso central (SNC), ao reconhecerem essas proteínas agregadas, assumem um estado pró-inflamatório, liberando citocinas como TNF-a, e IL-1B, além de neurotoxinas. E assim, é iniciado um processo de inflamação crônica, potencializando a deposição proteica e comprometendo a homeostase neural. Já os astrócitos, que normalmente regulam as atividades das micróglias e evitam a neurotoxicidade por glutamato, quando ativado de forma desregulada, também contribuem para o processo neuroinflamatório. A disfunção mitocondrial, o estresse oxidativo e a morte neuronal são consequências da produção constante de radicais livres e de mediadores inflamatórios. A progressão da neurodegeneração na Doença de Alzheimer ocorre, portanto, por esse conjunto de fatores que intensificam a neuroinflamação (Machado et al., 2020).

5. Abordagens Terapêuticas com CRISPR-Cas9 na Doença de Alzheimer

Nos últimos anos, o sistema CRISPR-Cas9 tem se consolidado como uma tecnologia promissora para o tratamento de diversas doenças até então incuráveis. Com o avanço dos estudos e testes experimentais, essa ferramenta tem demonstrado grande potencial na terapia gênica. A Doença de Alzheimer (DA), uma enfermidade neurodegenerativa sem cura definitiva, tem sido amplamente investigada como um possível alvo do CRISPR-Cas9, com o objetivo de permitir, no futuro, uma abordagem terapêutica mais eficaz e direcionada. Atualmente, o Alzheimer conta com tratamentos apenas paliativos, voltados para o alívio dos sintomas. Trata-se de uma doença com múltiplas causas, incluindo fatores genéticos, ambientais e relacionados ao estilo de vida. Por ser uma condição que afeta diretamente o cérebro, exige estudos minuciosos antes de qualquer tentativa de aplicação em modelos in vivo (Klinkovskij et al., 2023).

Entre as alterações mais significativas relacionadas à DA, destacam-se o acúmulo de beta-amiloide, a hiperfosforilação da proteína tau e o aumento da neuroinflamação, devido à ativação exacerbada de astrócitos e micróglias, comprometendo diretamente a comunicação entre os neurônios (Chen et al., 2020). Assim, a edição gênica com CRISPR-Cas9 tem como principal foco os genes envolvidos nessas alterações, com o objetivo de reduzir a toxicidade e, consequentemente, minimizar a neurodegeneração.

Diferentes métodos têm sido explorados para atingir com precisão os genes associados à Doença de Alzheimer, como APP (Proteína Precursora da Amiloide), PSEN1 (Presenilina 1), PSEN2 (Presenilina 2), BACE1 (Enzima Beta-site de Clivagem da APP 1) e TREM2 (Receptor de Gatilho Expresso em Células Mieloides 2). Esses genes têm sido alvo de diferentes abordagens terapêuticas, visando à redução da neuroinflamação e da produção de proteínas tóxicas, como a beta-amiloide e a proteína tau, que desempenham um papel central na patogênese da doença. O CRISPR-Cas9, em particular, tem mostrado grande potencial para modificar de forma precisa e eficaz esses genes, oferecendo novas perspectivas para o tratamento, e quem sabe, a cura da Doença de Alzheimer.

6. Genes-Alvo Promissores para Terapias com CRISPR-Cas9 na Doença de Alzheimer

Diversos estudos têm investigado o uso do CRISPR-Cas9 na prevenção e no tratamento da Doença de Alzheimer (DA), devido ao grande impacto causado por essa enfermidade na saúde pública mundial. Nesse contexto, pesquisas em modelos celulares e animais são fundamentais para alcançar o objetivo de reduzir a neurotoxicidade associada ao acúmulo de beta-amiloide e proteína tau, restaurar a função neuronal e, consequentemente, oferecer novas estratégias terapêuticas. A seguir, serão apresentados os principais achados de pesquisas que utilizaram o CRISPR-Cas9 em genes como APP, PSEN1, PSEN2, BACE1, TREM2, APOE4, e CD33, destacando os métodos empregados, os modelos experimentais e os efeitos observados.

O gene APP (proteína precursora de amiloide) é um dos principais alvos de edição genética da, pois mutações nesse gene resultam em uma produção exagerada da beta-amiloide, favorecendo a formação das placas senis. Diante disso, Xia et al. (2023) desenvolveram estratégias para modificar a ação desse gene, em específico. Para isso, utilizaram um sgRNA que visa atingir especificamente o APP, e induzir de forma precisa a mutação A673T. Além disso, aplicaram o inibidor SCR7, que bloqueia a via de reparo NHEJ, promovendo o reparo por HDR, aumentando a eficiência de edição nas células HEK293T e iPS (Células- tronco Pluripotentes Induzidas). Os resultados foram observados por meio de análises como PCR e Sequenciamento de Sanger, onde foi concluído um melhor desempenho com a utilização do template MSYM9. Por outro lado, Adji et al. (2022) destacam a mutação KM670/671NL (conhecida como mutação sueca ou APPsw), que resulta no acúmulo de Aβ. Estratégias como a deleção de 700 pares de bases na região 3′-UTR do gene APP, a introdução da mutação A673T (que converte o códon de alanina para treonina) e alterações na região C-terminal — realizadas pela equipe de Sun — favoreceram a clivagem α, considerada neuroprotetora. Todas essas modificações reduziram os efeitos da mutação e levaram a uma diminuição significativa na produção de Aβ (Sun et al., 2019, apud Adji et al., 2022).

Além do APP, o gene PSEN1, também é de grande interesse para o estudo da, ele codifica a presenilina 1 (PS1), uma das subunidades da γ-secretase, a qual desempenha um papel central no processo de clivagem da APP e, consequentemente, na produção de Aβ. Mutações nesse gene aumentam o risco da, um exemplo é a mutação M146L, onde a metionina (M) é substituída por leucina (L) na posição 146 da proteína PS1, resultando em maior produção de Aβ42. Segundo Evangelou (2022), em uma matéria publicada no CRISPR Medicine News, pesquisadores desenvolveram técnicas utilizando o CRISPR-Cas9 para interromper a ação do alelo mutante PSEN1M146L em células de fibroblastos humanos de indivíduos portadores da mutação. Para isso, projetaram um RNA guia capaz de reconhecer o local exato da mutação, criando também um novo sítio PAM (Protospacer Adjacent Motif), o que possibilitou que o sistema CRISPR atuasse de forma específica apenas sobre o gene mutado, evitando efeitos off-target. Os resultados foram promissores, com uma ação eficiente e seletiva. Além do PSEN1, o gene PSEN2, que também codifica uma subunidade da γ-secretase, apresenta mutações associadas à DA familiar e pode ser igualmente um alvo potencial para as técnicas de CRISPR-Cas9.

Ademais, é importante destacar o gene BACE1, que também está envolvido na Doença de Alzheimer devido ao aumento da atividade da enzima β-secretase 1. Esse aumento resulta na produção e agregação dos peptídeos Aβ40 e Aβ42, além de intensificar a clivagem da proteína precursora amiloide (APP). Por essa razão, o gene BACE1 tem sido considerado um alvo promissor para a edição genética com a técnica CRISPR-Cas9 (Bhardwaj et al., 2021).

O TREM2, associado à função da micróglia, tem sido apontado como um fator de risco para a DA, especialmente por conta da variante R47H, níveis reduzidos desse gene comprometem a função microglial, favorecendo o acúmulo de placas e a progressão da doença. McQuade et al. (2020) utilizaram o CRISPR- Cas9 para deletar o TREM2 em iPSCs, observando prejuízos na sobrevivência da micróglia, na depuração de APOE e na resposta às placas de beta-amiloide. Já Cheng-Hathaway et al. (2018) mostraram, em modelo de camundongo com a mutação R47H introduzida por CRISPR, que a expressão do gene foi reduzida, comprometendo a resposta imunológica às placas amiloides. Esses dados reforçam o TREM2 como um alvo relevante para estratégias terapêuticas.

Outro gene conhecido pela sua suscetibilidade para a DA esporádica é o APOE, mais especificamente o gene APOE4, que está presente em pacientes com a doença. Estudos demonstraram a eficácia do uso do CRISPR-Cas9 para transformar o alelo E4 em E3/E3 em iPSCS de dois pacientes com DA. Essa modificação resultou em maior resistência à citotoxicidade, característica associada ao alelo E3, reforçando o papel do APOE4 como fator de risco significativo para a DA e evidenciando o potencial terapêutico da correção gênica nessa via (Lu et al., 2021). Além disso, a conversão do APOE4 para o APOE2 — embora seja uma isoforma mais rara — tem sido explorada como uma alternativa promissora, uma vez que o APOE2 exerce um efeito neuroprotetor significativo, podendo reduzir o risco de desenvolvimento da doença em até 40% (Barman et al., 2020).

O CD33, um receptor imunomodulador, é outro gene de grande relevância para a DA, já que desempenha um papel importante na neuroinflamação e na resposta imune associada à doença. O CD33 regula o processo de fagocitose, ajudando na eliminação das placas de beta-amiloide. Estudos de Bhattacherjee et al. (2019) demonstraram que, ao utilizar o CRISPR-Cas9 para realizar a deleção do CD33 murino (mCD33), houve um aumento na capacidade da micróglia de fagocitar e remover o Aβ. Além disso, introduziram variantes do CD33 humano (hCD33), resultando na redução da neurodegeneração e no acúmulo de placas.

Dessa forma, os estudos apresentados demonstram o grande potencial do CRISPR-Cas9 como ferramenta de edição genética, contribuindo não apenas para o desenvolvimento de estratégias terapêuticas, mas também para o aprofundamento da compreensão dos mecanismos moleculares envolvidos na Doença de Alzheimer. Apesar dos desafios, essa abordagem apresenta perspectivas promissoras de consolidação como uma alternativa terapêutica eficaz, revolucionando o cenário atual. Os resultados obtidos em modelos celulares e animais representam um avanço significativo rumo ao desenvolvimento de intervenções personalizadas, com maior segurança e menor risco de efeitos adversos.

7. Estratégias de Edição Gênica com CRISPR/Cas9

O sistema CRISPR/Cas9 é direcionado ao gene alvo por meio de um RNA guia, e logo em seguida, a enzima Cas9 realiza a clivagem do DNA. Após esse processo, o DNA entra em um processo de reparo, que pode ocorrer de duas maneiras: knock-out ou knock-in, dependendo da finalidade da edição. Além disso, o sistema dCas9 surge como uma alternativa, permitindo a modulação da expressão gênica sem causar quebras no DNA. A escolha do método, portanto, depende do gene específico que se deseja editar e do seu papel na patogênese da Doença de Alzheimer.

O knock-out tem como objetivo desativar a função de um gene específico, romovendo inserções ou deleções de sequências no DNA. Esse processo é comumente realizado através do reparo NHEJ, que conecta de forma espontânea as extremidades do DNA após a clivagem, fazendo ajustes mínimos. Isso resulta na inserção ou deleção de bases, fazendo com que o gene alvo perca a sua função. Embora o NHEJ seja amplamente utilizado devido à sua simplicidade, ele não oferece grande precisão. Para aumentar a precisão do knock-out, podem ser realizadas mutações artificiais nos domínios NHN ou RuvC da enzima Cas9, além de se utilizar dois sgRNAs diferentes para direcionar as duas fitas de DNA, melhorando a especificidade do processo (Jiang et al., 2023). Essa abordagem tem sido amplamente utilizada em modelos de camundongos para estudar a influência de genes como MAPT, que codifica a proteína tau, um dos principais componentes dos emaranhados neurofibrilares presentes na DA. A manipulação desse gene permite investigar como alterações na tau influenciam a patogênese da doença (De Plano et al., 2022).

Por outro lado, o knock-in é uma técnica que visa a inserção de um gene ou sequência genética em um local específico do DNA. Esse processo é realizado por meio do reparo HDR, que utiliza moldes para inserir a sequência desejada, tornando a técnica mais precisa. No entanto, o knock-in é menos utilizado devido às suas exigências, como a necessidade de ocorrer nas fases S/G2 do ciclo celular, limitando a sua aplicabilidade. Para potencializar essa técnica, podem ser usados inibidores de NHEJ, que ajudam a favorecer o reparo por HDR (Jiang et al., 2023).

Além disso, uma abordagem alternativa ao knock-in e knock-out é o uso do sistema CRISPR/dCas9 para regular a expressão gênica sem induzir danos ao DNA. Embora o dCas9 não realize cortes no DNA, ele pode ser combinado com outras ferramentas para modificar a expressão gênica, seja inativando ou alterando a atividade de um gene. Por exemplo, estudos recentes demonstraram que o sistema dCas9-Dnmt3a foi capaz de induzir hipermetilação no gene APP, resultando na redução da expressão desse gene e, consequentemente, na diminuição da formação dos peptídeos Aβ, que estão associados à DA (Park et al., 2022).

8. Métodos de Entrega do CRISPR/Cas9 na Doença de Alzheimer

Apesar de ser promissora no âmbito da edição gênica, a aplicação do CRISPR/Cas9 no contexto clínico ainda está em estágios iniciais, especialmente na DA. É extremamente importante que as estratégias para a entrega do CRISPR/Cas9 no cérebro sejam eficientes, pois o processo de edição requer a entrega simultânea da proteína Cas9 funcional e do sgRNA no núcleo celular. Para isso, foram utilizadas tanto técnicas virais quanto não virais (Wang; Yijin Elsa, 2024; Zhang; Li; Jin, 2024).

Entrega viral

O método de entrega do CRISPR/Cas9 por vetores virais é tradicional em modelos experimentais, como linhas celulares e animais, sendo também um dos sistemas mais abrangente para entrega direcionada baseada em plasmídeos (Bhardwaj et al, 2022).

A entrega por meio de vírus adenoassociados (AAVs) é a mais utilizada nas estratégias virais de transporte do CRISPR/Cas9, principalmente por ser eficiente e por ter uma ampla capacidade de atingir diversos tipos celulares — inclusive atravessando a barreira hematoencefálica, devido à sua alta infectividade, baixa imunogenicidade e limitada inserção ao genoma humano (Bhardwaj et al, 2022). Assim, os AAVs se estabelecem a principal escolha para editar genes como APP, PSEN1 e PSEN2 no cérebro. Conforme o estudo de György et al. (citado no artigo de Wang; Yijin Elsa, 2024), o uso de AAVs para entregar CRISPR-Cas9 no gene APP reduziu a formação de placas amiloides e melhorou a função cognitiva em camundongos com Alzheimer.

O genoma do AAV, que contém mais de 200 variantes, é composto de DNA de fita simples. Bhardwaj et al (2022) citam um estudo que descreve o uso de dois vetores AAV distintos, os quais envolvem gRNA específico para APPsw e Cas9, com a finalidade de corrigir a mutação KM670/671NL da APP, associada à DA. Os vírus foram submetidos a testes in vitro em células neuronais primárias de embriões de roedores Tg2576 e in vivo através de injeção intrahipocampal em roedores Tg2576. Essa intervenção resultou em uma redução de 60% na produção de Aβ em fibroblastos humanos. Ainda assim, devido à limitação na capacidade de empacotamento de 4,7 kb do AAV, pode ser necessária a co-injeção de dois vetores virais. Contudo, isso tornaria o procedimento mais complicado, visto que ambos não conseguem infectar a mesma célula em simultaneamente.

Os lentivírus, por outro lado, podem incorporar inserções longas de DNA, entre 8 e 10 kb, mas apresentam menor eficiência de disseminação no cérebro. Além disso, a produção em grande escala de lentivírus é mais complicada, e eles podem se integrar ao genoma humano, aumentando o risco de reações imunológicas. Ainda assim, há a possibilidade de utilizar lentivírus para atingir três genes — APOE4, APP e caspase-6, em casos de DA familiar e esporádica

Entrega não viral

As estratégias não virais para a entrega do CRISPR/Cas9 têm se mostrado promissoras devido à sua melhor relação custo-benefício, facilidade de implementação, viabilidade e flexibilidade. São altamente adequadas para a aplicação na DA. O processo de formação de nanocomplexos combinando peptídeos CRISPR/Cas9 carregados positivamente com ácidos nucleicos carregados negativamente é relativamente simples. Quando comparados às vias virais, esses nanocomplexos são menos imunogênicos e podem também ser aplicados em diversas situações, por serem compatíveis com ligantes. No entanto, a aplicação de nanocomplexos no cérebro é um desafio, pois eles não atravessam corretamente a BHE por via sistêmica, sendo também removidos ativamente pela corrente sanguínea pelo sistema reticuloendotelial (RES). Assim, injeções intracerebroventriculares e intratecais foram adotas como padrão. Porém, nos métodos de injeção direta, é necessário realizar várias aplicações para certificar uma eficaz distribuição no cérebro, o que limita sua aplicabilidade. Park et al (citado em Bhardwaj et al, 2022) utilizaram uma ribonucleoproteína Cas9- sgRNA direcionado à BACE1, complexada com nanocomplexos de peptídeo R7L10, e relataram sucesso no direcionamento, reduzindo a expressão de BACE1 sem causar mutações fora do alvo in vivo.

Os nanoclews de DNA tem grande potencial para aplicações na DA, pois poderiam fornecer o complexo Cas9-sgRNA. No entanto, a montagem tradicional de nanoestruturas de DNA é complexa e demorada. Sun et al (citado em Bhardwaj et al, 2022) mostraram que os nanoclews, pequenas porções de DNA com polietilenimina, melhoram a absorção celular e a infiltração endossômica. Testes em roedores com o complexo sgRNA-Cas9 direcionado à proteína fluorescente verde aprimorada (EGFP) demonstraram eficácia ao reduzir a expressão dessa proteína. Após dez dias de tratamento, houve redução de 25% na expressão da EGFP. Contudo, os nanoclews podem induzir resposta imunogênica, que deve ser investigado mais a fundo. Além disso, as nanopartículas poliméricas e as nanopartículas lipídicas também apresentam potencial para entrega de CRISPR/Cas9, sendo amplamente utilizadas em tratamentos de hepatite, câncer e diversas infecções virais. Porém, seu uso na DA ainda requer mais estudos.

Recentemente, o uso de microvesículas para o fornecimento de CRISPR/Cas9 tem ganhado atenção, transportadoras naturais e de alta biocompatibilidade. Essas vesículas contêm lipídios e são liberadas pelas células, são capazes de serem aplicadas na entrega de genes, graças à sua capacidade de carga (Akyuz et al, 2024). Nesse método, uma linha de células ―produtoras‖ é transfectada com proteínas que estimulam a formação de microvesículas (proteína RAB), sgRNA e proteínas Cas9, que são liberadas em um meio subsequentemente esterilizado para entregar ferramentas de edição de genes às células-alvo (Bhardwaj et al, 2022).

9. Desafios e limitações da terapia com CRISPR/Cas9

A tecnologia de edição gênica CRISPR/Cas9 representa um grande avanço no campo biomédico, especialmente no tratamento de doenças neurodegenerativas como o Alzheimer. No entanto, sua aplicação ainda enfrenta diversas barreiras, tanto no aspecto técnico quanto no ético. Um dos principais desafios envolve a entrega eficiente dos vetores através da barreira hematoencefálica, além dos riscos de efeitos indesejados fora do alvo e de possíveis reações imunológicas (Akyuz et al., 2024). Também é importante considerar que alterações genéticas não intencionais, resultantes da ativação ou inativação incorreta de genes, podem gerar consequências imprevisíveis.

Além das dificuldades técnicas, há uma intensa discussão ética envolvendo o uso do CRISPR/Cas9. Questões relacionadas à segurança, à equidade no acesso à tecnologia e à criação de normas regulatórias adequadas estão no centro desse debate (Almeida, 2024). Como destaca Hupffer e Berwig (2021), é essencial refletir não apenas sobre os impactos imediatos da edição genética, mas também sobre seus efeitos a longo prazo, tanto para os pacientes que passaram pelo tratamento quanto para as gerações seguintes, especialmente diante do risco de aplicações que extrapolem o uso terapêutico, como intervenções de caráter eugênico.

10. Perspectivas futuras da terapia genética com CRISPR/Cas9

A expectativa é que o sistema de edição genética CRISPR/Cas9 se torne um tratamento acessível, eficaz e seguro. Com o avanço das pesquisas e das tecnologias, os limites podem ser superados, como a entrega específica ao gene alvo, redução dos riscos de intercorrências e a definição dos limites éticos e regulatórios para seu uso.

Ademais, juntamente com a evolução dos quesitos técnicos, são essenciais a regulamentação adequada e a comunicação clara com o público. Informações sobre o tratamento devem ser transmitidas de maneira transparente por profissionais da área, garantindo que os pacientes e demais interessados estejam cientes dos benéficios e também dos riscos envolvidos (Mendes et al., 2024).

O CRISPR/Cas9 tem potencial não somente para o tratamento da, mas também para diversas outras doenças que, até então, não possuem cura, como o câncer, HIV e doenças hereditárias, como a fibrose cística e anemia falciforme. Entre outros benefícios, é válido ressaltar a utilidade dessa tecnologia na criação de modelos animais mais precisos, contribuindo para o estudo das doenças e dos genes envolvidos, o que facilita o desenvolvimento de tratamentos mais específicos e seguros (Dutra; Andrade, 2024).

Contudo, é essencial que a comunidade científica continue avançando nesse campo, investimentos contínuos em pesquisas e a promoção de debates éticos sobre o uso da edição gênica, contribuindo e aumentando as chances do CRISPR/Cas9 se consolidar como uma ferramenta revolucionária na medicina atual.

11. Considerações Finais

As tecnologias de edição gênica, especialmente o CRISPR/Cas9, surgem como métodos inovadores para prevenir e tratar doenças até então sem cura, como a Doença de Alzheimer (DA). O sistema CRISPR/Cas9 é promissor, mas ainda enfrenta diversos obstáculos para se tornar um tratamento amplamente acessível. As principais dificuldades incluem a entrega eficiente dos vetores ao cérebro, as possíveis respostas imunológicas adversas e os efeitos off-target, que podem causar alterações indesejadas, comprometendo a segurança do tratamento.

Além disso, existem diversas questões éticas e preocupações sobre a manipulação do material genético, especialmente em relação aos impactos a longo prazo nas futuras gerações. Portanto, é imprescindível que os métodos de edição genética sejam desenvolvidos com a máxima segurança e eficácia, a fim de garantir sua viabilidade clínica.

Embora diversos estudos com modelos animais, como camundongos, tenham sido conduzidos ao longo do tempo, um dos principais desafios é a dificuldade de reproduzir a Doença de Alzheimer de forma fiel nesses modelos experimentais, uma vez que as manifestações da doença em humanos são complexas e variam significativamente em relação aos modelos animais. Consequentemente, essa discrepância torna-se uma limitação importante no desenvolvimento e previsão de como o sistema CRISPR/Cas9 poderia funcionar em humanos.

Apesar dos obstáculos, este estudo reforça a importância do aprimoramento contínuo da técnica, destacando a necessidade da união entre cientistas, médicos, biomédicos, especialistas em ética, para que possam atuar em conjunto, assegurando o máximo de segurança e responsabilidade no desenvolvimento dessa importante inovação.

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2Centro Universitário UNA Bom Despacho, Brasil E-mail: cecíliaemanuelle555@gmail.com

3Centro Universitário UNA Bom Despacho, Brasil E-mail: eloisieduarda@gmail.com