SAÚDE DA MULHER EM FOCO: AVANÇOS E DESAFIOS NA GARANTIA DOS DIREITOS REPRODUTIVOS

WOMEN’S HEALTH IN FOCUS: PROGRESS AND CHALLENGES IN SECURING REPRODUCTIVE RIGHTS

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202506272232


Ângela Maria Pereira Costa1
Leilda Pereira Araújo2
Maria Tereza Pereira de Souza3


Resumo

O presente estudo tem como foco a saúde da mulher, com ênfase nos direitos reprodutivos, destacando os principais avanços e desafios relacionados a essa temática. O objetivo geral é analisar, por meio da revisão integrativa, os principais avanços e desafios evidenciados na literatura científica brasileira acerca dos direitos reprodutivos das mulheres. A metodologia adotada seguiu as seis etapas propostas por Mendes, Silveira e Galvão (2008), com base em artigos publicados entre 2019 e 2025, nas bases SciELO, BVS e BDENF. Após aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, dez estudos compuseram o corpus final da análise. Os dados foram tratados qualitativamente, com apoio da técnica de análise temática. Os resultados apontaram que, embora o Brasil possua marcos legais e políticas estruturantes, como a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher, ainda há entraves significativos, como desigualdades regionais, baixa efetividade das políticas e a persistência da violência obstétrica. Conclui-se que a efetivação dos direitos reprodutivos requer ações intersetoriais, políticas públicas sensíveis à diversidade e estratégias que assegurem autonomia, equidade e dignidade às mulheres brasileiras.

Palavras-chave: Direitos Reprodutivos. Saúde da Mulher. Políticas Públicas. Violência Obstétrica. Revisão Integrativa.

1 INTRODUÇÃO

A saúde da mulher constitui um campo estratégico para a construção de uma sociedade mais justa e equitativa, pois está diretamente relacionada ao bem-estar físico, emocional e social das mulheres em todas as fases da vida. Para Paim (2020), essa atenção deve ocorrer de maneira integral e interseccional, considerando os efeitos das desigualdades de gênero, raça e classe sobre a saúde feminina.

Nesse contexto, os direitos reprodutivos emergem como elemento central, por tratarem da autonomia corporal da mulher, do direito de decidir se deseja ou não ter filhos, do acesso a métodos contraceptivos, do parto humanizado e da garantia de informações seguras e acessíveis sobre saúde sexual e reprodutiva.

Para Araujo & Simonetti (2014), o reconhecimento e a ascensão dos direitos fundamentais exigem, simultaneamente, uma análise crítica acerca dos sujeitos a quem se destinam, considerando os contextos históricos e culturais que moldaram diferentes formas de vulnerabilidade social. No que diz respeito às mulheres, a efetivação de suas garantias fundamentais demanda o aprofundamento teórico e científico dos direitos reprodutivos, sobretudo em sua articulação com a área da saúde.

Ainda segundo os autores, a concepção contemporânea de saúde ultrapassa a visão restrita da ausência de doenças físicas, abrangendo o bem-estar psíquico, emocional e social, sendo, portanto, um direito em constante construção. Nesse sentido, o direito à saúde deve ser compreendido como fundamental e sensível às especificidades de gênero. Assim, os direitos reprodutivos devem ser analisados à luz das realidades concretas vividas pelos sujeitos, reconhecendo os processos de subjetivação que atravessam suas experiências individuais e coletivas.

No Brasil, observa-se um conjunto de avanços importantes nas últimas décadas, como a criação de políticas públicas específicas para a saúde da mulher e a institucionalização de programas de planejamento familiar (BRASIL, 2013). Entretanto, ainda persistem inúmeros desafios, como a desigualdade no acesso aos serviços de saúde, a desinformação, a influência de valores religiosos nas decisões políticas, a precariedade no atendimento em regiões periféricas e rurais, além da permanência de práticas como a violência obstétrica. Tais elementos, segundo Rosa & Cabral (2024), revelam que a efetivação dos direitos reprodutivos no país ainda enfrenta entraves de ordem estrutural, cultural e social.

Nesse sentido, este estudo parte da seguinte questão norteadora: Como os avanços e desafios relacionados aos direitos reprodutivos das mulheres vêm sendo discutidos na literatura científica brasileira, e quais são as implicações desses aspectos para a efetivação da saúde reprodutiva no país?

A hipótese que orienta a investigação é a de que, apesar dos avanços observados nas políticas públicas voltadas à saúde da mulher, ainda existem barreiras significativas que comprometem a plena garantia dos direitos reprodutivos, especialmente entre mulheres em situação de vulnerabilidade social.

Para nortear a construção da pergunta de pesquisa e a seleção dos estudos, foi adotada a estratégia PICO, amplamente utilizada em revisões integrativas por permitir a delimitação precisa do foco investigativo. A aplicação do modelo possibilitou identificar o público-alvo (P – mulheres brasileiras), a intervenção analisada (I – políticas públicas e ações voltadas à saúde reprodutiva), a comparação implícita (C – ausência ou ineficácia dessas ações) e os desfechos esperados (O – efetivação ou não dos direitos reprodutivos).

Optou-se, portanto, pela realização de uma revisão integrativa da literatura, por permitir a sistematização e a análise crítica de estudos previamente publicados, favorecendo uma compreensão abrangente dos avanços e dos obstáculos enfrentados pelas mulheres brasileiras no campo da saúde reprodutiva. Para isso, foram utilizados, como fontes de busca, os repositórios SciELO, Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e Base de Dados de Enfermagem (BDENF), com recorte temporal de 2019 a 2025 e critérios de inclusão voltados a pesquisas que abordassem diretamente o contexto brasileiro.

O objetivo geral é analisar, por meio da revisão integrativa, os principais avanços e desafios evidenciados na literatura científica brasileira acerca dos direitos reprodutivos das mulheres. Como objetivos específicos: investigar a relação entre os direitos reprodutivos e a saúde integral da mulher, considerando avanços conceituais, marcos históricos e desafios sociais no contexto brasileiro; examinar as principais políticas públicas de saúde reprodutiva no Brasil, destacando seus avanços, mudanças e obstáculos à garantia dos direitos sexuais e reprodutivos; compreender a violência obstétrica como violação dos direitos humanos, identificando suas formas, impactos na saúde da mulher e os marcos legais de enfrentamento.

A relevância pessoal deste estudo está vinculada ao compromisso da autora com a promoção da justiça social, da saúde pública e da equidade de gênero. A relevância social reside na necessidade de dar visibilidade às desigualdades que afetam as mulheres, contribuindo para o fortalecimento de políticas públicas mais inclusivas e sensíveis. Já a relevância científica encontra-se na sistematização de conhecimentos que possam embasar novas pesquisas, ações interdisciplinares e processos formativos no campo da saúde da mulher.

Assim, este estudo visa contribuir para uma compreensão mais aprofundada das questões que envolvem os direitos reprodutivos, ressaltando a importância contínua de protegêlos e respeitá-los em todas as circunstâncias, sobretudo diante das desigualdades que ainda afetam as mulheres no contexto brasileiro.

2  REVISÃO DA LITERATURA

A saúde da mulher, especialmente no que tange aos direitos reprodutivos, é um campo fundamental para a promoção da autonomia, dignidade e qualidade de vida das mulheres. Os direitos reprodutivos envolvem o reconhecimento da capacidade da mulher de tomar decisões conscientes e informadas sobre seu corpo, sua sexualidade e sua reprodução, assegurando acesso a serviços e informações que possibilitem escolhas livres e seguras. A compreensão aprofundada desses direitos é essencial para entender os avanços e desafios enfrentados na saúde feminina, sobretudo em contextos sociais e culturais diversos.

No âmbito das políticas públicas, destaca-se o papel estratégico do Estado brasileiro na garantia da saúde reprodutiva por meio de programas e ações específicas. Políticas como a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PNAISM) representam marcos importantes, pois buscam ampliar o acesso aos serviços de saúde, promover a equidade e assegurar a humanização do cuidado. Entretanto, a efetividade dessas políticas enfrenta obstáculos que envolvem desigualdades regionais, limitações estruturais e desafios na articulação intersetorial, aspectos que merecem análise crítica para o aprimoramento das ações governamentais.

Outro elemento central nesta discussão é a violência obstétrica, fenômeno que representa uma séria violação dos direitos das mulheres no processo de gestação, parto e pósparto. A violência obstétrica engloba práticas abusivas, desrespeitosas e negligentes que comprometem a integridade física e emocional da mulher, causando impactos profundos e duradouros. A legislação recente vem buscando responder a esse problema, porém a ausência de definições legais claras e a persistência de práticas autoritárias evidenciam a necessidade de maior comprometimento das instituições e profissionais de saúde para a garantia dos direitos humanos no atendimento obstétrico.

Ao longo desta fundamentação teórica, esses três temas serão explorados de forma articulada, permitindo uma compreensão integrada dos direitos reprodutivos da mulher, do papel das políticas públicas e da gravidade da violência obstétrica. Tal abordagem visa fornecer subsídios teóricos para refletir sobre os avanços e desafios na garantia desses direitos no Brasil, contribuindo para a construção de um sistema de saúde mais justo, inclusivo e respeitoso.

2.1. Direitos Reprodutivos e Saúde da Mulher

Os direitos reprodutivos representam um conjunto essencial de garantias voltadas à liberdade de escolha das mulheres sobre sua vida sexual e reprodutiva. Eles asseguram o direito de tomar decisões livres, conscientes e informadas sobre se querem ou não ter filhos, quando tê-los e quantos desejar, além de garantirem o acesso a métodos contraceptivos, ao planejamento familiar, ao acompanhamento humanizado durante a gestação, parto e puerpério, e à informação adequada. Esses direitos, ao promoverem a autonomia corporal e a liberdade reprodutiva, contribuem diretamente para a saúde integral da mulher.

Nesse sentido, a saúde da mulher está intrinsecamente ligada ao exercício pleno de seus direitos reprodutivos, pois o bem-estar físico, mental e social depende do reconhecimento da mulher como sujeito de direitos e de sua liberdade para decidir sobre o próprio corpo. Organismos internacionais como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização das Nações Unidas (ONU) destacam que a concretização desses direitos é um dos pilares para a equidade de gênero e o desenvolvimento humano, impactando positivamente a qualidade de vida das mulheres e de toda a sociedade.

Entretanto, apesar dos avanços conquistados, persistem desigualdades históricas, sociais e institucionais que dificultam o acesso de muitas mulheres aos serviços de saúde reprodutiva. Fatores como a pobreza, o racismo, a violência de gênero e o conservadorismo religioso ainda limitam a concretização plena desses direitos, especialmente entre mulheres negras, indígenas, jovens, em situação de rua ou moradoras de áreas periféricas.

Segundo Mattar (2013), os direitos reprodutivos estão diretamente relacionados à forma como a sociedade regula a reprodução. Desde o século XIX, a reprodução passou a ser regulada juridicamente, com forte influência do Estado e de instituições médicas e religiosas. Isso demonstra como, historicamente, o corpo feminino foi submetido a normas e controles que limitaram sua autonomia.

Nesse mesmo sentido, Siegel (1995) observa que, durante muito tempo, o controle da reprodução era compreendido como forma de garantir a manutenção da ordem social, reforçando papéis de gênero rígidos: a mulher como mãe e cuidadora no espaço doméstico, e o homem como provedor na esfera pública. Essa divisão, legitimada por padrões morais e religiosos, limitou o acesso das mulheres à informação e aos recursos necessários para exercer plenamente sua autonomia reprodutiva.

Mattar (2013) também ressalta que a luta pelos direitos reprodutivos surgiu como uma resposta à opressão histórica sobre os corpos femininos, marcando o início de um movimento por liberdade de escolha, acesso à contracepção e descriminalização do aborto. A maternidade, antes vista como obrigação social, passou a ser reivindicada como um direito a ser exercido de forma consciente, quando e se desejado pela mulher. Essa transformação representa um avanço significativo no reconhecimento da mulher como sujeito autônomo.

Correa & Ávila (2003) destacam que o termo “direitos reprodutivos” passou a ser amplamente adotado após o I Encontro Internacional de Saúde da Mulher, em 1984, na Holanda. Esse marco simbolizou a ampliação do debate, ao substituir a expressão “saúde da mulher”, que era mais limitada, por um conceito que abarca não apenas a dimensão biológica, mas também os aspectos sociais, políticos e subjetivos da reprodução.

Duarte & Romig (2022) complementam essa perspectiva ao afirmarem que o direito reprodutivo está intrinsecamente ligado à liberdade de escolha de um grupo historicamente marginalizado. As mulheres foram submetidas a diversas formas de controle, opressão e violência, e a garantia dos direitos reprodutivos se torna essencial para romper com esses ciclos estruturais de desigualdade. Dessa forma, assegurar esses direitos é reafirmar a dignidade e a cidadania plena das mulheres.

Além disso, como apontam os mesmos autores, a luta por esses direitos antecede as legislações formais, integrando há décadas as pautas feministas em todo o mundo. Desde os primeiros movimentos por sufrágio, passando pela inserção das mulheres no mercado de trabalho, até as atuais lutas por acesso ao aborto legal e seguro, a reivindicação pelo direito ao próprio corpo é uma constante histórica da resistência feminina.

A imposição de normas sobre a capacidade reprodutiva da mulher, muitas vezes motivada por interesses políticos ou econômicos, constitui uma grave violação dos direitos humanos. Como aponta Abbud (2023), houve períodos em que a esterilização feminina foi usada como forma de controle populacional, inclusive com viés eugenista e racista, revelando como a autonomia das mulheres foi sistematicamente negada em nome de projetos de Estado.

A Organização das Nações Unidas (ONU, 1994) fortalece esse entendimento ao afirmar que a saúde reprodutiva deve ser compreendida como um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas como ausência de doenças. Isso inclui a liberdade de decidir quando e quantos filhos ter, o acesso à informação e aos meios necessários para tomar essas decisões, e o direito de vivenciar a sexualidade com prazer e segurança, livres de qualquer forma de coerção, discriminação ou violência. Essa definição representa um avanço importante no reconhecimento dos direitos reprodutivos como parte dos direitos humanos universais, e orienta os Estados a desenvolverem políticas públicas que garantam sua efetivação.

Compreende-se, portanto, que os direitos reprodutivos e a saúde da mulher estão interligados e são fundamentais para a construção de uma sociedade mais justa, igualitária e respeitosa das liberdades individuais. A luta pela autonomia sobre o corpo e pela liberdade de escolha continua sendo urgente, especialmente diante dos retrocessos legais e culturais que ainda ameaçam os direitos conquistados.

A seguir, o trabalho irá abordar as políticas públicas voltadas à saúde reprodutiva no Brasil, destacando os principais avanços e desafios enfrentados pelo Estado na promoção desses direitos de forma universal, equitativa e efetiva.

2.2. Políticas Públicas para a Saúde Reprodutiva no Brasil

A formulação de políticas públicas voltadas à saúde reprodutiva no Brasil passou por transformações significativas nas últimas décadas. Um marco nesse processo foi a instituição da PNAISM, em 2004, que trouxe diretrizes voltadas à promoção, prevenção e atenção integral à saúde feminina, com ênfase nos direitos sexuais e reprodutivos (BRASIL, 2004).

Essa política rompeu com práticas anteriores, centradas exclusivamente na função biológica da mulher, ao propor uma abordagem mais ampla e comprometida com a dignidade e a autonomia feminina.

Nesse sentido, Souto & Moreira (2021) destacam que a PNAISM representou um avanço ao desafiar modelos históricos que restringiam a mulher ao papel de mãe e cuidadora, abrindo espaço para uma compreensão mais plural da saúde da mulher. Ao adotar uma abordagem integral e emancipadora, a política passou a reconhecer as mulheres como cidadãs com múltiplas identidades e necessidades, defendendo uma atenção que se estenda para além do ciclo reprodutivo.

Essa proposta exige, portanto, um sistema de saúde organizado em torno de linhas de cuidado e redes de serviços articuladas, capazes de responder às diferentes demandas que atravessam o ciclo de vida das mulheres, assegurando o acesso universal, o acolhimento das especificidades e a inclusão de grupos socialmente marginalizados (SOUTO & MOREIRA, 2021). Ainda assim, a implementação dessas diretrizes enfrenta limitações que colocam em risco a efetividade dos direitos propostos.

Ademais, análises sobre a trajetória das políticas públicas de saúde da mulher no Brasil evidenciam uma tensão histórica entre duas visões. De um lado, prevaleceu por décadas, ao longo de grande parte do século XX, a perspectiva materno-infantilista, que orientou as ações estatais nesse período. 

Essa abordagem, como apontam Diniz (2023) e Ventura (2011), reforçava uma concepção essencialista, que associava a mulher exclusivamente à maternidade e direcionava os cuidados principalmente ao ciclo gravídico-puerperal e à atenção ao recém-nascido, reduzindo a mulher à condição de reprodutora.

Contudo, a partir da década de 1970, ainda dentro desse mesmo século, essa lógica passou a ser amplamente questionada com o fortalecimento dos movimentos feministas e das mobilizações sociais por justiça e equidade de gênero. Segundo Araújo & Simonetti (2014), as críticas dirigidas ao modelo vigente denunciavam não apenas sua limitação ao aspecto biológico da reprodução, mas também seu papel na perpetuação de desigualdades estruturais que confinavam a mulher ao espaço privado.

Defendia-se, então, uma nova concepção de saúde da mulher, centrada em sua autonomia, em sua pluralidade de experiências e no reconhecimento de sua condição como sujeito pleno de direitos, o que contribuiu para a construção de políticas públicas mais abrangentes e comprometidas com a perspectiva de gênero (VENTURA, 2011).

Nesse novo cenário de reivindicações sociais e políticas, surgiram esforços para incorporar à agenda pública temas como o planejamento familiar, a liberdade reprodutiva e a ampliação do acesso à contracepção. Essas demandas refletiam a necessidade de garantir às mulheres o direito de decidir sobre seus próprios corpos e trajetórias, superando o reducionismo que as restringia à função materna (GADELHA et al., 2025).

De fato, a ampliação dos programas de planejamento familiar e o acesso a métodos contraceptivos contribuíram para a redução de indicadores preocupantes, como a gravidez não planejada e a mortalidade materna (IBGE, 2019). Esses avanços representaram marcos importantes na consolidação de políticas públicas voltadas à saúde integral da mulher, reafirmando a centralidade da autonomia feminina nas decisões sobre sua saúde sexual e reprodutiva.

No entanto, apesar desses avanços, ainda existem fragilidades no processo de formulação e gestão das políticas de saúde reprodutiva. A ausência de uma articulação efetiva entre diferentes órgãos governamentais e a sociedade civil pode indicar um modelo de gestão centralizado e pouco participativo. 

Além disso, conforme preconizam Souto & Moreira (2021), persistem obstáculos práticos que comprometem a implementação plena dessas políticas, tais como a escassez de recursos, a desigualdade no acesso entre regiões e grupos sociais, bem como a formação insuficiente dos profissionais da saúde. Esses fatores configuram entraves reais à concretização de um atendimento humanizado, equitativo e de qualidade para todas as mulheres.

Diante do exposto, observa-se que as políticas públicas para a saúde reprodutiva no Brasil vêm avançando na direção de uma abordagem mais integral, inclusiva e emancipadora. A superação da lógica materno-infantilista, predominante durante grande parte do século XX, e a incorporação dos direitos sexuais e reprodutivos à agenda pública refletem conquistas históricas impulsionadas por movimentos sociais e feministas.

Iniciativas como a PNAISM e os programas de planejamento familiar evidenciam uma tentativa de romper com os modelos reducionistas e garantir às mulheres o direito à autonomia sobre seus corpos, seus desejos e seus projetos de vida.

Entretanto, apesar dos avanços normativos e das diretrizes que orientam uma atenção humanizada e integral, persistem desafios importantes, especialmente no que diz respeito à efetivação dos direitos reprodutivos nos diferentes contextos do território nacional. Dentre esses desafios, destaca-se a persistência de práticas que violam esses direitos, como a violência obstétrica, tema que será abordado no próximo tópico, com ênfase em sua definição, nos impactos para a saúde da mulher e na legislação que busca coibir tais práticas.

2.3. Violência Obstétrica: definição, impactos e legislação

Nos últimos anos, a violência obstétrica (VO) tem ganhado crescente atenção nos meios médicos, acadêmicos e sociais, especialmente em razão do aumento de intervenções realizadas nos corpos das gestantes que, muitas vezes, desconsideram suas vontades, necessidades e autonomia. Essa forma de violência pode se manifestar em diferentes etapas do ciclo reprodutivo, abrangendo o pré-natal, o parto e o puerpério (MARTINS et al., 2019).

Apesar de se tratar de um problema antigo, com relatos de práticas abusivas contra mulheres desde tempos remotos, a formalização do termo “violência obstétrica” é relativamente recente. A crescente conscientização acerca dos direitos das mulheres e da importância do respeito à dignidade e autonomia feminina durante o parto tem impulsionado o debate em fóruns internacionais voltados à saúde e aos direitos humanos (MARTINS et al., 2019). Foi somente em 2007 que a violência obstétrica passou a ser oficialmente reconhecida como uma modalidade específica de violência contra a mulher, assumindo o status de um grave problema social, político e de saúde pública (D’GREGORIO, 2010).

No contexto latino-americano, destaca-se a Lei Argentina nº 26.486, de 2009, que se consolidou como uma das primeiras legislações a incorporar o conceito de violência obstétrica de maneira clara e objetiva. Para Abbud (2023), essa lei define a prática como qualquer ação cometida por profissionais de saúde que envolva tratamento desumanizado, excesso de medicalização ou patologização dos processos naturais do corpo e da reprodução feminina. Ela também se apoia na “Ley de Parto Humanizado” (Lei nº 25.929), estabelecendo um marco legal importante na defesa dos direitos reprodutivos das mulheres na região.

No Brasil, o Projeto de Lei nº 2.082/2022, de autoria da Senadora Leila Barros, reflete a crescente mobilização internacional sobre o tema, incorporando em sua justificativa discussão recentes do cenário europeu e propondo avanços na legislação brasileira para tipificar a violência obstétrica (BRASIL, 2022).

A OMS tem tido papel decisivo na consolidação do tema como prioridade internacional. Em 2014, publicou a declaração Prevenção e eliminação de abusos, desrespeito e maus-tratos durante o parto em instituições de saúde, reconhecendo a violência obstétrica como uma questão de saúde pública que afeta diretamente a vida de mulheres e seus filhos (OMS, 2014).

Ainda em 2014, durante o seminário Faces da Violência Contra a Mulher, a OMS ampliou a definição da VO, destacando a diversidade de formas em que essa violência pode ocorrer. Abbud (2023, p. 7) enfatiza que tais “práticas não devem ser tratadas como episódios isolados, mas como parte de um conjunto de condutas que precisam ser combatidas sistematicamente por meio de políticas públicas eficazes”.

Caracterizada por condutas abusivas, negligência ou tratamento desrespeitoso durante o atendimento, a violência obstétrica representa uma grave afronta aos direitos humanos das mulheres. De acordo com Zanardo et al. (2017), ela compromete não apenas a saúde física, mas também a saúde emocional da gestante, configurando uma violação direta da autonomia reprodutiva e da dignidade feminina. 

Sousa (2023) complementa essa definição ao destacar que a violência obstétrica se manifesta por meio de diversas formas, incluindo ações físicas, psicológicas, verbais, sexuais e negligentes. Muitas mulheres são submetidas a procedimentos desnecessários e rotinas rígidas que desconsideram suas escolhas e o respeito ao seu corpo. Além disso, essas práticas abusivas podem impactar negativamente os bebês que ainda estão no ventre materno, ampliando o alcance das consequências dessa violência.

Os impactos da violência obstétrica são profundos e multifacetados. Do ponto de vista físico, as mulheres podem sofrer complicações como infecções, traumas, hemorragias e sequelas decorrentes de procedimentos inadequados ou desnecessários. Psicologicamente, essa violência está associada a transtornos como ansiedade, depressão pós-parto e transtorno de estresse pós-traumático, que afetam o bem-estar da mulher a longo prazo e prejudicam a relação mãe-bebê (OLIVEIRA & SANTOS, 2020). Esses efeitos reforçam a urgência de medidas que garantam um atendimento humanizado e respeitoso.

No contexto brasileiro, apesar da existência de políticas públicas que visam à humanização do parto, como a Rede Cegonha (BRASIL, 2011), a efetiva implementação dessas ações ainda encontra desafios significativos, principalmente em regiões com maior vulnerabilidade social. A violência obstétrica permanece uma realidade para muitas mulheres, o que evidencia a necessidade de fortalecer a capacitação dos profissionais de saúde e ampliar a participação social no monitoramento das práticas obstétricas.

Quanto à legislação, o Brasil tem avançado na proteção contra a violência obstétrica. A Lei nº 11.108/2005, conhecida como Lei do Acompanhante, assegura o direito das mulheres a um atendimento que respeite sua integridade física e emocional durante o parto. Mais recentemente, a Lei nº 14.443/2022 qualificou a violência obstétrica como crime, permitindo a responsabilização de profissionais e instituições que adotem ou permitam tais condutas (BRASIL, 2022). Tais marcos legais são fundamentais para a garantia dos direitos das mulheres, mas sua efetividade depende da fiscalização rigorosa e da conscientização dos envolvidos no cuidado obstétrico.

Diante desse panorama, este estudo compreende como violência obstétrica toda ação ou omissão praticada por profissionais ou instituições de saúde, públicas ou privadas, durante a gestação, o parto, o pós-parto, o puerpério ou o abortamento, que resulte em sofrimento físico ou psicológico à mulher. Essas condutas podem incluir agressões verbais, físicas ou sexuais, negação de acesso à informação, bem como a realização de procedimentos desnecessários ou sem respaldo científico.

Assim, torna-se evidente que a violência obstétrica constitui uma grave violação dos direitos humanos, com impactos profundos na saúde física, mental e emocional das mulheres, comprometendo inclusive sua autonomia reprodutiva. Embora os avanços legislativos e institucionais sejam significativos, ainda persistem desafios importantes para assegurar a proteção plena das mulheres no contexto da assistência obstétrica.

3 METODOLOGIA 

Este estudo foi desenvolvido por meio de uma revisão integrativa da literatura, metodologia que se destaca por permitir a sistematização do conhecimento produzido em pesquisas anteriores, promovendo uma síntese crítica e aprofundada sobre determinado tema. A abordagem escolhida oferece subsídios relevantes tanto para o aprimoramento das práticas profissionais quanto para a formulação de políticas públicas voltadas à saúde da mulher, especialmente no que se refere à efetivação de seus direitos reprodutivos.

De acordo com Mendes, Silveira & Galvão (2008), a revisão integrativa apresenta grande potencial para a construção do conhecimento em enfermagem, ao reunir de forma sistemática e crítica as evidências disponíveis sobre determinada temática. Essa abordagem contribui para uma prática clínica mais qualificada, pois oferece aos profissionais subsídios fundamentados em pesquisas científicas. 

Além disso, conforme apontam as autoras, favorece a superação de barreiras no uso do conhecimento científico, tornando os resultados mais acessíveis. Por meio de um único estudo, o leitor pode consultar diversas investigações previamente realizadas, o que promove agilidade na disseminação do saber e na incorporação das evidências à prática profissional.

Adotou-se ainda as seis etapas propostas por Mendes, Silveira & Galvão (2008), que incluem: a elaboração da pergunta de pesquisa; a definição dos critérios de inclusão e exclusão; a seleção das bases de dados; a categorização dos estudos encontrados; a análise crítica do material incluído; e, por fim, a apresentação e discussão dos resultados.

A questão norteadora do estudo foi formulada nos seguintes termos: Quais são os principais avanços e desafios apontados na literatura científica brasileira sobre os direitos reprodutivos das mulheres? A fim de garantir clareza na delimitação da temática e maior precisão na seleção dos estudos, foi utilizada a estratégia PICO, com os seguintes componentes: P (População/Problema) – mulheres brasileiras; I (Intervenção) – políticas públicas e ações voltadas à saúde reprodutiva; C (Comparação) – ausência ou ineficácia dessas políticas (implícita); e O (Desfecho) – efetivação dos direitos reprodutivos.

Segundo Santos, Pimenta & Nobre (2007), a estratégia PICO auxilia na formulação estruturada da pergunta de pesquisa e na definição dos descritores, permitindo que a busca por evidências científicas seja conduzida com maior precisão e rapidez.

A busca foi realizada utilizando três bases de dados reconhecidas pela relevância na área da saúde pública e da saúde da mulher: SciELO (Scientific Electronic Library Online), Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e Base de Dados de Enfermagem (BDENF).

Os descritores empregados foram selecionados com base no DeCS (Descritores em Ciências da Saúde), garantindo padronização terminológica e maior rigor na recuperação dos estudos. Foram utilizados os seguintes termos: “Direitos Reprodutivos”, “Saúde da Mulher”, “Políticas Públicas em Saúde” e “Violência Obstétrica”.

Adotou-se um recorte temporal de 2019 a 2025, e os critérios de inclusão contemplaram estudos publicados em português, com acesso gratuito ao texto completo, que abordassem diretamente os direitos reprodutivos das mulheres no contexto brasileiro. Foram excluídos da amostra editoriais, cartas ao leitor, teses, dissertações, resumos de eventos científicos, artigos duplicados e aqueles que não tratassem o tema de forma central.

A definição criteriosa da estratégia de busca, aliada à utilização de ferramentas metodológicas consolidadas, como a revisão integrativa e a estratégia PICO, proporcionou uma abordagem robusta para alcançar os objetivos do estudo. Assim, os procedimentos adotados garantem rigor científico, confiabilidade na seleção das evidências e relevância na análise dos dados, elementos essenciais para a compreensão da temática em questão.

4 ANÁLISE DOS DADOS

A presente análise de dados está fundamentada nos princípios metodológicos da revisão integrativa da literatura, cuja finalidade é sintetizar criticamente o conhecimento científico acumulado sobre os direitos reprodutivos das mulheres no contexto brasileiro, especialmente no âmbito das políticas públicas de saúde. O percurso metodológico seguiu etapas rigorosas, garantindo a confiabilidade dos achados e a relevância dos estudos selecionados (Tabela 01).

Tabela 01 – Etapas da Pesquisa

ETAPADESCRIÇÃO
1. Definição do temaSaúde da mulher com foco nos direitos reprodutivos
2. Formulação dos objetivosGeral e específicos definidos com base nas lacunas teóricas e sociais
3. Escolha do métodoRevisão integrativa com análise qualitativa
4. Estratégia de buscaBases: SciELO, BVS e BDENF; filtros: últimos 6 anos (2019-2025)
5. Aplicação dos critériosInclusão: artigos em português, com texto completo e alinhados ao tema
6. Seleção dos estudosInicialmente 600 artigos encontrados; 09 selecionados após aplicação de filtros
7. Análise e discussão dos dadosAnálise dos 09 artigos à luz dos objetivos e hipóteses do estudo
8. Elaboração dos resultadosTabela de síntese dos autores; aprofundamento das contribuições teóricas e práticas
9. Considerações finaisAvaliação do alcance dos objetivos, confirmação de hipóteses e sugestões

Fonte: própria da autora (2025).

A busca inicial resultou em 600 artigos. Após a aplicação dos critérios de inclusão, artigos em língua portuguesa, com acesso gratuito, disponíveis na íntegra e com abordagem direta sobre os direitos reprodutivos das mulheres no Brasil e exclusão estudos repetidos, editoriais, cartas ao leitor, resumos de eventos, dissertações e teses, procedeu-se à triagem por título, resumo e leitura integral. Ao final desse processo, 09 estudos foram selecionados para compor o corpus da análise.

Os artigos foram organizados em uma tabela síntese, contendo os seguintes campos: autor (ano), objetivo do estudo, tipo de estudo, principais resultados e conclusões relevantes (Tabela 02). 

Tabela 02 – Síntese dos estudos incluídos na revisão integrativa

AUTOR (ANO)OBJETIVO DO ESTUDOTIPO DE ESTUDOPRINCIPAIS RESULTADOSCONCLUSÕES RELEVANTES
Mattar (2013)Analisar a efetividade dos direitos reprodutivos na práticaRevisão bibliográficaLacunas entre legislação formal e a realidade vivida pelas mulheresDireitos reprodutivos vão além da biologia, exigem políticas intersetoriais de apoio
Gadelha et al. (2025)Avaliar políticas públicas de planejamento familiarRevisão integrativa com análise qualitativaPolíticas existem, mas acesso ainda é limitado por barreiras socioeconômicasFormação de profissionais e acesso à informação são essenciais para autonomia reprodutiva
Duarte & Romig (2022)Investigar aspectos legais da esterilização voluntáriaPesquisa bibliográfica e documentalLei apresenta inconstitucionalidades e pode facilitar coerçãoO corpo da mulher é tratado como patrimônio público, limitando a autodeterminação
Martins et al. (2019)Identificar violência obstétrica e seus impactosEstudo qualitativoViolência frequente no parto, gerando trauma e medo de nova gestaçãoHumanização do parto é fundamental para garantir direitos e dignidade
Sousa (2023)Avaliar medicalização do parto e violência obstétricaRevisão teórica e análise jurídicaMedicalização excessiva e invisibilização da violência obstétricaDificuldades na responsabilização e impacto na autonomia da gestante
Zanardo et al. (2017)Discutir definição legal da violência obstétricaRevisão e análise documentalFalta de consenso e definição clara dificulta enfrentamentoUrgência na criação de norma legal para proteger as mulheres
Abbud (2023)Analisar lacunas legislativas e propor tipificação penalPesquisa documental e legislativaAusência de tipificação penal específica para violência obstétricaNecessidade de legislação clara para proteção e responsabilização
Souto & Moreira (2021)Avaliar implementação da PNAISMEstudo qualitativo e documentalDesarticulação dos serviços e falta de acolhimento das diversidadesFragilidades na política comprometem o atendimento integral
Ventura (2011)Relacionar educação sexual e autonomia reprodutivaRevisão bibliográficaEducação e informação aumentam o empoderamento femininoAutonomia depende do suporte integral e acesso à informação qualificada

Fonte: Própria da autora (2025).

A análise dos dados se deu por meio de abordagem qualitativa, com uso da análise temática de conteúdo, centrada nos seguintes eixos: direitos reprodutivos e saúde da mulher, políticas públicas voltadas para a saúde reprodutiva no Brasil, barreiras no acesso aos serviços, violência obstétrica: definição, impactos e legislação

A articulação entre os estudos analisados permitiu identificar convergências significativas, sobretudo em relação à persistência das desigualdades de gênero e raça no acesso à saúde, às fragilidades normativas sobre a violência obstétrica, à necessidade de ações intersetoriais que envolvam educação, assistência social e trabalho, bem como à urgência da humanização da atenção ao parto e do fortalecimento do planejamento familiar como estratégia de emancipação feminina.

Dessa forma, a análise crítica dos dados não apenas contemplou os objetivos propostos neste estudo, como também evidenciou lacunas relevantes na produção científica, que podem subsidiar futuras investigações e impulsionar mudanças nas práticas profissionais e políticas públicas voltadas à garantia dos direitos reprodutivos das mulheres.

5 DISCUSSÃO

Os direitos reprodutivos constituem a base para a promoção da saúde integral da mulher, ao reconhecer sua autonomia sobre o corpo, suas escolhas sexuais e reprodutivas. Apesar dos avanços institucionais e normativos, como a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher, os textos analisados revelam que esses direitos ainda não se concretizam plenamente na vida de muitas brasileiras, sobretudo daquelas em situação de vulnerabilidade social, econômica e territorial (Mattar, 2013).

Autores como Mattar (2013) e Gadelha et al. (2025) destacam que o exercício pleno dos direitos reprodutivos vai além do acesso a métodos contraceptivos. Envolve também o direito1 à informação de qualidade, ao atendimento humanizado, à educação sexual e ao suporte social antes, durante e após a gestação. A autora enfatiza que, sem políticas intersetoriais de apoio à maternidade, o Estado contribui para a perpetuação da desigualdade de gênero e limita a autodeterminação feminina.

No entanto, os textos analisados apontam para obstáculos concretos à realização desses direitos, principalmente no contexto de implementação das políticas públicas para a saúde reprodutiva. Embora a PNAISM represente um marco importante na abordagem ampliada da saúde da mulher, os desafios de articulação entre os serviços, a escassez de recursos e as desigualdades regionais fragilizam sua efetividade. Gadelha et al. (2025) e Souto & Moreira (2021) reforçam que, para além da oferta de insumos, é necessário investir na formação dos profissionais de saúde e no acolhimento das especificidades de gênero, raça e território.

O TCC discutido contribui com uma análise crítica da realidade institucional, apontando que o patriarcado ainda estrutura as práticas de cuidado, centralizando o planejamento familiar na figura feminina. Essa constatação dialoga com Duarte & Romig (2022), que denunciam a naturalização de práticas de controle sobre o corpo da mulher, inclusive por meio da legislação da esterilização voluntária, a qual, apesar de legal, pode representar formas veladas de coerção.

Dentro dessa estrutura, a violência obstétrica surge como uma violação direta dos direitos reprodutivos. Martins et al. (2019) e Sousa (2023) mostram que essa violência, praticada por meio de intervenções desnecessárias, humilhações e negligência, transforma o parto em um evento traumático. Embora haja normas como a Lei do Acompanhante e a Rede Cegonha, ainda são recorrentes práticas que desrespeitam a autonomia da gestante e comprometam sua saúde física e emocional.

Zanardo et al. (2017) e Abbud (2023) concordam que a falta de uma definição legal clara para o conceito de violência obstétrica dificulta seu enfrentamento. A ausência de tipificação penal específica gera insegurança jurídica e permite que práticas abusivas se mantenham impunes, revelando uma lacuna tanto normativa quanto institucional.

Essas análises reforçam que a humanização do parto é mais que um princípio técnico, é uma demanda ética. Martins et al. (2019) defendem que o acolhimento e o respeito à autonomia da mulher são fundamentais para garantir o cuidado digno e efetivo. Essa perspectiva encontra eco nas propostas de Gadelha et al. (2025), que sugerem estratégias ampliadas de educação em saúde, qualificação das equipes e construção de um sistema que reconheça a mulher como protagonista no processo de parto e de decisão reprodutiva.

Dessa forma, é possível compreender que os direitos reprodutivos, as políticas públicas e o enfrentamento à violência obstétrica estão profundamente interligados. Um direito depende do outro para ser efetivado. A persistência de práticas desumanizadoras nos serviços de saúde evidencia não apenas falhas na aplicação das políticas, mas também a permanência de uma cultura institucional que ainda não reconhece plenamente as mulheres como sujeitos de direitos.

Conforme Mattar (2013) aponta, garantir os direitos reprodutivos não é apenas reconhecer o direito de ter ou não filhos, mas assegurar todas as condições sociais, econômicas e políticas que permitam à mulher exercer essa escolha com liberdade, segurança e apoio. Sem isso, o discurso da autonomia reprodutiva permanece distante da realidade vivida por grande parte da população feminina brasileira

Portanto, a análise conjunta dos textos evidencia que, apesar dos avanços normativos e das políticas públicas estabelecidas, a garantia plena dos direitos reprodutivos das mulheres brasileiras ainda enfrenta inúmeros desafios concretos. Barreiras sociais, econômicas, culturais e institucionais limitam o acesso universal e o exercício efetivo desses direitos, principalmente para grupos em situação de vulnerabilidade. 

Para avançar, é imprescindível fortalecer as políticas públicas, promover a humanização da assistência obstétrica, e superar as desigualdades estruturais que permeiam o sistema de saúde. Somente assim será possível garantir uma saúde integral, respeitosa e autônoma, reconhecendo as mulheres como protagonistas de suas vidas e assegurando a dignidade, a equidade e a justiça social em todas as fases do ciclo reprodutivo.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo teve como objetivo geral analisar, por meio de revisão integrativa, os principais avanços e desafios evidenciados na literatura científica brasileira acerca dos direitos reprodutivos das mulheres.

A análise realizada permitiu confirmar que, embora haja importantes avanços normativos e políticas públicas estruturantes, como a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher e a Rede Cegonha, ainda persistem lacunas significativas que dificultam a efetivação plena desses direitos.

Tais desafios incluem a insuficiente articulação entre serviços, desigualdades regionais, falta de capacitação dos profissionais de saúde e a persistência da violência obstétrica como grave violação da dignidade feminina. Assim, os objetivos propostos foram plenamente atingidos ao identificar e discutir essas questões centrais, bem como ao destacar a necessidade de ações mais integradas e humanizadas no cuidado à saúde reprodutiva.

Os resultados da revisão confirmam a hipótese que orientou esta investigação: embora haja avanços nas políticas públicas voltadas à saúde da mulher, persistem barreiras significativas que comprometem sua efetivação plena. Essas barreiras se revelam ainda mais marcantes entre mulheres em situação de vulnerabilidade social, refletindo desigualdades estruturais que dificultam o acesso equitativo aos serviços e o exercício pleno da autonomia reprodutiva.

Dessa forma, reafirma-se a necessidade de ações intersetoriais, formação profissional contínua e políticas públicas sensíveis às desigualdades de gênero, classe e raça, para que os direitos reprodutivos deixem de ser apenas garantias legais e se concretizem como práticas acessíveis e efetivas para todas as mulheres.

Entre as principais contribuições teóricas, destaca-se a articulação crítica entre o conceito ampliado de direitos reprodutivos e a interseccionalidade de gênero, raça, classe e território, ampliando a compreensão sobre os múltiplos fatores que influenciam a saúde da mulher. Ressaltou-se também a importância de reconhecer a violência obstétrica não apenas como um problema médico, mas como uma violação de direitos humanos que exige respostas jurídicas, sociais e culturais.

Na perspectiva prática, o trabalho reforça a urgência de aprimorar a capacitação dos profissionais de saúde, implementar políticas públicas integradas que incluam suporte social à maternidade, e garantir mecanismos efetivos de denúncia e reparação para vítimas de violência obstétrica. Ademais, enfatiza-se a importância de políticas que promovam a corresponsabilidade masculina e a desconstrução de paradigmas patriarcais no planejamento familiar.

No entanto, o estudo apresenta limitações, especialmente por se basear exclusivamente em revisão bibliográfica, o que restringe a análise a dados e interpretações já publicados, sem a inclusão de dados primários ou entrevistas que poderiam enriquecer a compreensão do tema. Além disso, a heterogeneidade das fontes e a diversidade metodológica dos estudos revisados podem limitar a generalização dos resultados.

Para futuras pesquisas, sugere-se a realização de estudos qualitativos e quantitativos que envolvam diretamente as mulheres em diferentes contextos socioeconômicos, ampliando a compreensão das barreiras reais enfrentadas no acesso à saúde reprodutiva. Recomenda-se ainda a investigação da eficácia das políticas públicas implementadas em distintas regiões brasileiras e a análise de intervenções específicas para o combate à violência obstétrica. A adoção de métodos mistos pode, assim, contribuir para uma análise mais aprofundada e abrangente dos fenômenos estudados.

Em suma, este artigo reafirma que a garantia dos direitos reprodutivos é um desafio contínuo, que demanda esforço conjunto do Estado, dos profissionais de saúde e da sociedade civil. Somente por meio desse engajamento coletivo será possível assegurar que todas as mulheres possam exercer sua autonomia e direito à saúde com dignidade, respeito e equidade.

REFERÊNCIAS

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1Discente do Curso Superior de Enfermagem da Faculdade Supremo Redentor Campus Pinheiro-MA. e-mail:
angelacsta2507@gmail.com
2Discente do Curso Superior de Enfermagem da Faculdade Supremo Redentor Campus Pinheiro-MA. e-mail: leildap341@gmail.com
1Docente do Curso Superior de Enfermagem da Faculdade Supremo Redentor Campus Pinheiro-MA. Especialista em Docência do Ensino Superior.