SAÚDE MENTAL DE EMPREENDEDORES BRASILEIROS E O DESENVOLVIMENTO DO TRANSTORNO OBSESSIVO-COMPULSIVO: UMA REVISÃO NARRATIVA

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202506251753


André Luiz Souza Lisboa
Marcelo Vieira de Albuquerque


RESUMO

O presente estudo analisou a relação entre o empreendedorismo brasileiro e o desenvolvimento do transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), considerando os impactos do estresse crônico na saúde mental dos empreendedores. A pesquisa justifica-se pela crescente importância do empreendedorismo para a economia e pela carência de estudos que abordem os riscos psíquicos associados a essa atividade. O objetivo foi investigar, por meio de uma revisão narrativa, os fatores de risco na rotina empreendedora e a possível associação com o surgimento de sintomas obsessivo-compulsivos. A metodologia adotada consistiu em uma pesquisa qualitativa e exploratória, baseada em artigos científicos publicados nos últimos cinco anos. Os resultados evidenciaram que o ambiente de alta pressão, aliado a características como perfeccionismo e necessidade de controle, contribui para o desenvolvimento do TOC entre empreendedores. Constatou-se ainda a carência de suporte psicológico específico para essa população, reforçando a necessidade de estratégias preventivas. Conclui-se que o objetivo foi atingido, destacando-se a relevância de promover a saúde mental no contexto do empreendedorismo e de ampliar o debate sobre intervenções que possam reduzir o risco de adoecimento.

Palavras-chave: Saúde Mental. Empreendedorismo. Estresse Ocupacional. Transtorno Obsessivo-Compulsivo. Prevenção em Saúde.

1. INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, o empreendedorismo se consolidou como uma alternativa atrativa para muitas pessoas que buscam maior independência financeira e realização pessoal no Brasil. Com a instabilidade do mercado formal de trabalho, muitos indivíduos enxergam no ato de empreender uma forma de conquistar autonomia e criar suas próprias oportunidades. No entanto, essa escolha também traz consigo uma série de desafios que vão além da gestão de um negócio. Pressões constantes, a insegurança financeira e a busca incessante por resultados são aspectos que fazem parte do cotidiano de quem decide trilhar esse caminho (MONITOR et al., 2017).

Apesar do destaque que o empreendedorismo ganhou, pouco se discute sobre os impactos que esse estilo de vida pode ter sobre a saúde mental dos empreendedores. A rotina intensa e a responsabilidade sobre todas as decisões e resultados do negócio podem gerar estresse em níveis elevados e duradouros. Esse cenário de tensão contínua, somado a características como perfeccionismo e autocobrança, pode favorecer o surgimento ou agravamento de transtornos mentais, como o Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) (NASCIMENTO, 2024).

Tradicionalmente, o TOC é associado a fatores genéticos, neurobiológicos e ao funcionamento de determinadas estruturas cerebrais. Contudo, estudos mais recentes também apontam que aspectos ambientais, sociais e ocupacionais têm papel relevante no seu desenvolvimento. Isso significa que o contexto no qual a pessoa está inserida, inclusive o ambiente de trabalho, pode ser determinante para o surgimento ou intensificação dos sintomas (SERRANO; NASSIF, 2023).

A vida do empreendedor é marcada por decisões diárias, longas jornadas de trabalho e a constante necessidade de se manter competitivo no mercado. Muitos relatam dificuldades em relaxar, distanciando-se de seus negócios, e enfrentam sentimentos de culpa por qualquer falha ou pausa. A tendência ao controle excessivo, comum nesse perfil, pode evoluir para pensamentos obsessivos e comportamentos repetitivos, típicos do TOC, especialmente em contextos de exaustão e estresse prolongado (SILVA et al., 2024).

Além disso, é importante considerar que, muitas vezes, esses empreendedores enfrentam suas dificuldades emocionais sozinhos, sem uma rede de apoio ou suporte especializado. A falta de políticas públicas que promovam o cuidado com a saúde mental no ambiente empreendedor contribui para a negligência do tema. Dessa forma, sintomas que poderiam ser identificados e tratados precocemente acabam se agravando, afetando tanto a vida pessoal quanto a continuidade do negócio (DA SILVA, 2023).

Outro ponto que merece destaque é que esse problema não atinge apenas grandes empresários. Microempreendedores e trabalhadores autônomos também estão expostos a esses mesmos riscos. Um estudo realizado por LIMA (2020) com pequenos empreendedores mostrou que muitos deles apresentavam sintomas de estresse intenso, o que prejudicava não apenas sua produtividade, mas também sua qualidade de vida. Isso indica que a questão vai além do sucesso financeiro, sendo uma preocupação de saúde pública.

Ainda que o tema do empreendedorismo venha sendo amplamente discutido sob o ponto de vista econômico, há uma lacuna importante quando se trata da saúde mental daqueles que vivem essa realidade. Refletir sobre as consequências emocionais do ato de empreender é essencial para garantir não só a sobrevivência dos negócios, mas também o bem-estar de quem está à frente deles (SOUZA; LUSSI, 2019).

Nesse sentido, este trabalho busca contribuir com o debate ao trazer uma abordagem que considera o empreendedor como sujeito de direitos, que também precisa de cuidado e atenção à sua saúde emocional. Valorizar o bem-estar desses profissionais é reconhecer que o desenvolvimento econômico não pode ser construído às custas do sofrimento psíquico. O adoecimento mental de empreendedores afeta diretamente a sustentabilidade de seus empreendimentos, e, por isso, pensar em estratégias de prevenção se torna fundamental (ALBUQUERQUE et al., 2024).

A escolha deste tema se justifica pela escassez de estudos que abordem a relação entre o empreendedorismo e o Transtorno Obsessivo-Compulsivo, especialmente no contexto brasileiro. Apesar de já existirem pesquisas sobre estresse ocupacional em trabalhadores autônomos, são poucos os trabalhos que focam especificamente nas manifestações obsessivo-compulsivas dentro dessa realidade. Entender melhor esse fenômeno pode ajudar na criação de estratégias de acolhimento e intervenção, tanto no campo da Psicologia quanto da Saúde Pública.

Diante disso, o objetivo geral deste trabalho é analisar, por meio de uma revisão narrativa, a relação entre o empreendedorismo brasileiro e o desenvolvimento do Transtorno Obsessivo-Compulsivo. Como objetivos específicos, pretende-se investigar os fatores de risco presentes na rotina empreendedora; identificar possíveis sinais de desenvolvimento do TOC nesse contexto; e propor reflexões sobre estratégias de promoção da saúde mental voltadas a essa população.

2. METODOLOGIA 

A metodologia adotada nesta investigação é de natureza qualitativa, fundamentada em revisão bibliográfica narrativa. Conforme Gil (2017), a pesquisa bibliográfica é aquela que se baseia no exame de material já publicado, como livros, artigos científicos e documentos oficiais, com o objetivo de reunir conhecimento acumulado sobre determinado tema. 

A busca pelos materiais que fundamentaram a revisão foi realizada entre abril e maio de 2025, em bases de dados bastante utilizadas em trabalhos acadêmicos, como SciELO, Google Acadêmico e LILACS. Foram utilizados descritores relacionados diretamente ao tema, como “empreendedorismo”, “saúde mental”, “transtorno obsessivo-compulsivo” e “estresse ocupacional”. Também foram aplicados filtros que limitaram os resultados a textos publicados nos últimos cinco anos, escritos em português, inglês ou espanhol, com acesso gratuito e disponíveis na íntegra.

Na etapa inicial de levantamento, foram identificados 66 artigos: 38 na SciELO, 12 no Google Acadêmico e 16 na LILACS. Após a leitura dos títulos e uma triagem rápida, 65 foram mantidos — um deles foi excluído por não atender aos critérios mínimos ou estar duplicado. Com base na relevância dos resumos, 49 artigos seguiram para leitura completa. Após essa leitura mais atenta, 30 foram descartados por não se encaixarem nos critérios de inclusão definidos. Ao longo do processo, mais um artigo foi adicionado manualmente a partir das referências de outros textos, totalizando 20 estudos incluídos na revisão.

Os critérios adotados para inclusão consideraram publicações científicas com avaliação por pares, que abordassem, de forma direta ou indireta, as relações entre a prática empreendedora e a saúde mental, com atenção especial para manifestações obsessivo-compulsivas. Foram deixadas de fora as produções de caráter opinativo, resumos de eventos, trabalhos acadêmicos como monografias e dissertações, e outros materiais que não apresentassem rigor científico (CAMPOS, 2024).

Cada artigo selecionado foi analisado com cuidado, levando em conta os objetivos propostos, os métodos empregados, os resultados encontrados e as conclusões apresentadas pelos autores. Para organizar essa etapa, utilizou-se a análise temática como referência, conforme proposto por SOUZA (2019), o que possibilitou a identificação de padrões, divergências e também lacunas na produção científica existente sobre o tema.

Com o intuito de tornar o processo mais transparente e facilitar a compreensão do leitor sobre como se deu a seleção dos estudos, foi elaborado um fluxograma seguindo o modelo PRISMA. A Figura 1 mostra, de maneira esquemática, todas as fases dessa seleção — desde a identificação dos artigos nas bases de dados até a definição dos 20 que, de fato, compuseram a análise final.

Figura 1- Fluxograma da metodologia da etapa de seleção e inclusão dos estudos

Fonte (Autor, 2025)

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO 

3.1 O impacto do estresse na saúde mental de empreendedores

Empreender no Brasil é um desafio diário que exige muito mais do que coragem e criatividade. Para além do sonho de ter o próprio negócio, muitos empreendedores enfrentam uma rotina pesada, marcada por cobranças, incertezas e uma busca constante por estabilidade em um cenário de alta competitividade. Esse ambiente, muitas vezes instável, acaba criando condições que favorecem o surgimento de altos níveis de estresse (SERRANO; NASSIF, 2023). Com isso, torna-se claro que empreender, apesar dos aspectos positivos, também significa lidar com fortes pressões emocionais que, com o tempo, podem afetar seriamente a saúde mental.

Esse estresse constante não impacta apenas a produtividade, mas também o bem-estar psicológico daqueles que estão à frente dos negócios (Lima, 2022). O acúmulo de funções, a sensação de que tudo depende exclusivamente do empreendedor e o medo de falhar tornam esse profissional mais vulnerável ao esgotamento e a problemas emocionais mais sérios (NASCIMENTO, 2024). Em vez de ser um efeito colateral isolado, o estresse tem se mostrado um risco concreto e frequente para quem decide empreender.

Outro fator que contribui para esse quadro é o tipo de dedicação exigida nessa jornada. O trabalho empreendedor demanda uma entrega quase total, além de muita flexibilidade e capacidade de adaptação rápida a situações que mudam o tempo todo (PEREIRA, 2017). Quando somado às dificuldades econômicas que o país enfrenta, esse cenário se torna ainda mais desgastante, especialmente para quem não conta com apoio psicológico ou políticas públicas que ofereçam suporte real (SOUZA; LUSSI, 2019).

Esse impacto do estresse é percebido, na prática, em sintomas como ansiedade, distúrbios do sono, dificuldade de concentração e até isolamento social. Muitos empreendedores relatam sentir-se sozinhos em meio aos desafios, o que intensifica sentimentos de insegurança e dúvidas sobre suas próprias decisões. Essa solidão, por sua vez, pode dificultar a identificação precoce de sinais de exaustão emocional e tornar o problema ainda mais difícil de lidar (ALBUQUERQUE et al., 2024).

Um estudo feito por LIMA (2020, p. 63) chama atenção para a gravidade desse cenário:

No que diz respeito à saúde mental, observou-se que a rotina do trabalho vem ocasionando muito estresse nos empreendedores do município, afetando diretamente sua qualidade de vida e seu desempenho profissional, o que pode levar a quadros mais graves de adoecimento psicológico se não houver intervenções adequadas (LIMA, 2020, p. 63).

Esse dado mostra que o problema não está presente apenas em grandes cidades ou entre grandes empresários. Microempreendedores de cidades menores e regiões com menos recursos também sentem os impactos desse desgaste, o que reforça a necessidade de olhar para o problema com mais atenção e cuidado.

Entre os fatores que mais contribuem para o aumento do estresse estão a necessidade constante de inovar, a responsabilidade solitária sobre o negócio e o medo frequente de perder tudo o que foi construído (SILVEIRA; DORNELLES, 2021). Quando essas situações se tornam rotina, criam um clima de tensão crônica que compromete não só a saúde mental, mas também as relações pessoais e familiares do empreendedor.

Além disso, há um discurso social muito forte que reforça a ideia de que o sucesso depende apenas de esforço individual. Essa narrativa de “empreender a qualquer custo” acaba ignorando as barreiras reais que muitos enfrentam no caminho e coloca ainda mais peso sobre os ombros de quem já está esgotado (NASCIMENTO, 2024). Ao responsabilizar apenas o indivíduo, esse discurso invisibiliza as estruturas que causam sofrimento e enfraquece o acesso a redes de apoio e cuidado.

Outro ponto que preocupa é a falta de apoio psicológico acessível e direcionado para quem empreende. Muitos empreendedores acabam enfrentando tudo sozinhos, contando apenas com estratégias próprias de enfrentamento que, na maioria das vezes, não dão conta da complexidade do problema. A ausência de informação e suporte institucional agrava o quadro e pode fazer com que o sofrimento se torne parte da rotina (SERRANO; NASSIF, 2023).

A pressão para continuar produzindo e gerando lucro, mesmo em tempos de crise ou instabilidade política e econômica, é mais um fator que contribui para o adoecimento. Nesse contexto, não é raro que os empreendedores ultrapassem seus próprios limites físicos e emocionais, o que pode abrir espaço para o desenvolvimento de quadros mais graves, como ansiedade generalizada, depressão e até transtorno obsessivo-compulsivo (MARQUES et al., 2018).

Diante de tudo isso, é urgente que a saúde mental dos empreendedores entre na pauta de discussões sobre desenvolvimento econômico. Não basta incentivar a abertura de novos negócios sem garantir condições mínimas de cuidado com quem está por trás deles. Valorizar o bem-estar no ambiente de trabalho, investir em políticas públicas de apoio psicológico e estimular práticas de autocuidado são ações essenciais para promover um empreendedorismo mais saudável e sustentável (SOUZA; LUSSI, 2019). No fim das contas, cuidar da saúde emocional dos empreendedores é também uma forma de cuidar do futuro do próprio mercado.

3.2 Empreendedorismo e fatores associados ao desenvolvimento do TOC

O jeito de ser de muitos empreendedores brasileiros traz consigo características que, em situações de estresse prolongado, acabam se tornando gatilhos para o desenvolvimento de transtornos mentais — e entre eles está o Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) (PINTO, 2016). Traços como perfeccionismo, necessidade de manter tudo sob controle, rigidez em rotinas e um medo exagerado de errar são bastante comuns, principalmente entre aqueles que atuam em contextos econômicos mais instáveis e incertos (SILVA et al., 2024). Quando esses comportamentos se intensificam por causa da pressão do dia a dia, o risco de surgirem sintomas obsessivos se torna ainda maior.

A vida empreendedora, por exigir tanta resiliência e capacidade de se adaptar o tempo todo, muitas vezes acaba reforçando certos padrões de pensamento e comportamento. Se esses padrões não forem bem equilibrados, podem virar armadilhas emocionais (ARAÚJO; PALMA; ARAÚJO, 2017). A busca constante por ser o melhor, somada a uma autocobrança que não dá trégua, leva muitos empreendedores a criarem hábitos repetitivos e até compulsivos como forma de aliviar a ansiedade causada pela incerteza dos negócios (SANTOS; SILVA; BRAGA, 2024). Quando não existe um suporte emocional por perto, essas práticas deixam de ser estratégias de enfrentamento e podem evoluir para quadros mais sérios de TOC.

Além disso, o ambiente em que esses profissionais estão inseridos também tem grande influência nesse processo. A responsabilidade é grande, as demandas são muitas e nem sempre é possível (ou fácil) delegar tarefas. Isso acaba gerando uma preocupação constante com detalhes e reforçando comportamentos rígidos e inflexíveis (FERNANDES; FERNANDES; SILVA, 2021). Ao mesmo tempo em que o empreendedorismo valoriza a autonomia, ele pode isolar emocionalmente quem empreende, e esse isolamento acaba agravando ainda mais os sintomas compulsivos.

Um estudo recente traz uma reflexão interessante ao comparar a realidade do TOC com uma representação cultural. SILVA et al. (2024, p. 60) observam que:

O TOC é um dos transtornos mentais mais comuns; a série k-drama Fadas da Limpeza, apesar de alguns enfoques ficcionais exagerados, retrata com certa realidade o transtorno obsessivo-compulsivo e as dificuldades que o indivíduo sofre quando não se trata de forma adequada (SILVA et al., 2024, p. 60).

Essa comparação reforça algo essencial: reconhecer os sinais do TOC logo no início pode fazer toda a diferença, principalmente entre empreendedores que mostram comportamentos muito ligados à rigidez, ao controle e a rituais que nem sempre são percebidos como prejudiciais à primeira vista.

É importante lembrar que nem sempre os sintomas obsessivos aparecem de forma intensa ou facilmente identificável. Em muitos casos, eles surgem mascarados em comportamentos considerados normais ou até desejáveis socialmente, como o perfeccionismo e o apego excessivo a rotinas. No ambiente empreendedor, esses comportamentos são muitas vezes vistos como sinal de disciplina ou comprometimento, o que dificulta a percepção de que podem estar ligados a um transtorno psíquico (SANTOS; SILVA; BRAGA, 2024). A linha entre produtividade e adoecimento é, portanto, bastante tênue.

O cenário se agrava ainda mais quando se observa que muitos empreendedores não se permitem demonstrar vulnerabilidades. Existe uma cultura que reforça a ideia de que quem lidera precisa ser forte o tempo todo, resistente ao cansaço e ao medo, o que contribui para a negação ou minimização de sinais de sofrimento mental. Esse comportamento de autoproteção acaba funcionando como uma barreira para buscar ajuda especializada e, com isso, sintomas obsessivos podem se intensificar silenciosamente (NASCIMENTO, 2024).

Outro fator que precisa ser levado em consideração é a constante exposição a julgamentos e expectativas externas. Muitos empreendedores convivem com a pressão de mostrar resultados não apenas para si, mas para clientes, familiares, investidores e redes sociais. Essa cobrança coletiva por sucesso e alta performance intensifica a tendência ao controle absoluto e à repetição de comportamentos, já que qualquer falha é vista como um risco ao negócio ou à imagem pessoal (FERNANDES; FERNANDES; SILVA, 2021). Esses contextos de alta exigência reforçam a rigidez de pensamento e alimentam o ciclo da ansiedade.

A própria natureza cíclica do TOC – marcada pela presença de obsessões (pensamentos intrusivos, repetitivos) e compulsões (ações ritualizadas para alívio da ansiedade) – encontra terreno fértil no cotidiano de quem empreende. As decisões são constantes, os imprevistos são frequentes e, muitas vezes, não há tempo para descanso. Isso faz com que alguns empreendedores criem rituais ou manias de conferência, controle de planilhas, repetição de ações ou mesmo procrastinação mascarada por “preparos excessivos” (PEREIRA, 2017). Esses comportamentos, ainda que inicialmente funcionais, podem se tornar disfuncionais e comprometer tanto a saúde emocional quanto a eficiência nos negócios.

Diante desse panorama, é essencial que o tema da saúde mental ganhe espaço nas políticas de apoio ao empreendedorismo. Iniciativas públicas e privadas que contemplem o bem-estar psicológico como parte da formação e do suporte ao empreendedor seriam um passo importante. Como afirmam Silva et al. (2024), o reconhecimento precoce dos sintomas e a criação de uma rede de apoio são fatores fundamentais para evitar o agravamento dos quadros obsessivo-compulsivos. Além disso, promover uma cultura de cuidado, onde vulnerabilidades possam ser acolhidas e não escondidas, pode contribuir para uma prática empreendedora mais saudável e sustentável.

A ausência de ações concretas voltadas à saúde mental de empreendedores pode manter esse ciclo de sofrimento invisível (DEMARCHI, 2021). É necessário que o discurso sobre inovação e autonomia caminhe ao lado da valorização do equilíbrio emocional, da escuta empática e do respeito aos limites humanos. Incentivar que empreendedores cuidem da saúde mental com a mesma prioridade com que cuidam de seus negócios deve ser uma meta coletiva (ALBUQUERQUE et al., 2024).

Falar sobre saúde mental no universo do empreendedorismo vai muito além de discutir o estresse do dia a dia. É preciso também colocar em pauta os riscos que certos padrões obsessivo-compulsivos representam, principalmente quando não há equilíbrio entre vida pessoal, autocuidado e trabalho (FUTINO; DELDUQUE, 2020). Programas que ofereçam apoio psicológico, espaços de escuta e ações que incentivem o cuidado com a saúde emocional são passos importantes e urgentes. Ao olhar para o lado humano de quem empreende, estamos não só prevenindo o adoecimento psíquico, mas também garantindo mais sustentabilidade e equilíbrio para os próprios negócios.

Por fim, o desenvolvimento de estratégias de prevenção deve ser integrado a ações mais amplas de acolhimento e educação emocional. Quando um empreendedor é ensinado a cuidar da própria saúde psíquica desde a fase inicial de sua trajetória, ganha não só mais recursos para enfrentar as dificuldades, mas também mais consciência de que o sucesso não precisa vir acompanhado de sofrimento. A construção de ambientes mais saudáveis começa com a legitimação do cuidado como parte do processo de empreender.

Quadro 1 – Artigos selecionados para compor a Revisão

TÍTULOAUTOROBJETIVORESULTADO
Caracterização dos empreendimentos e da saúde dos empreendedores no município de Tabuleiro do Norte – CELima (2020)Identificar os efeitos da rotina de trabalho sobre a saúde mental de pequenos empreendedores.Constatou-se elevado nível de estresse, afetando a qualidade de vida e desempenho profissional. 
Impactos do ambiente de trabalho nocivo à saúde mental do trabalhador contemporâneoNascimento (2024)Discutir os efeitos do ambiente laboral estressante sobre a saúde mental.O ambiente tóxico favorece o adoecimento emocional, especialmente em trabalhadores autônomos.
Juventude, trabalho informal e saúde mentalSouza; Lussi (2019)Analisar as condições de trabalho informal e seus impactos sobre a saúde psíquica.Conclui que a ausência de suporte institucional agrava os quadros de ansiedade e exaustão.
Empreendedorismo e saúde mental: uma revisão sistemáticaSerrano; Nassif (2023)Investigar os principais riscos psicológicos associados ao ato de empreender.Aponta sobrecarga e insegurança como fatores recorrentes no adoecimento mental de empreendedores.
Avaliação da eficácia de programa de saúde mental no trabalhoAlbuquerque et al. (2024)Medir os efeitos de programas de cuidado psicológico na produtividade e bem-estar.Não foi possível esclarecer qual tipo de ação muscular é mais eficiente em desencadear a potencialização.
Qualidade de vida no transtorno obsessivo-compulsivo: aspectos psicossociais a partir de um estudo de caso da série Fadas da LimpezaSilva et al. (2024)Abordar os impactos psicossociais do TOC a partir de uma perspectiva cultural e clínica.O TOC traz prejuízos significativos à qualidade de vida; o reconhecimento precoce dos sintomas é fundamental.
Os fatores críticos de sucesso na gestão de um equipamento público de suporte à inovação e ao empreendedorismoFernandes; Fernandes; Silva (2021)Analisar aspectos da gestão emocional no contexto do empreendedorismo e da inovação.A liderança participativa e a gestão de pessoas são fatores essenciais para o equilíbrio emocional dos empreendedores.

Fonte: Autor (2025)

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo buscou compreender como o contexto do empreendedorismo brasileiro pode se relacionar com o desenvolvimento do transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), a partir de uma revisão de literatura. Os resultados apontaram que, apesar de oferecer oportunidades de crescimento e autonomia, a vida empreendedora também impõe uma rotina marcada por estresse intenso e constante. Traços como perfeccionismo, autocobrança elevada e excesso de responsabilidades se mostraram frequentes entre empreendedores, funcionando como gatilhos para o adoecimento psíquico.

A reflexão sobre os estudos analisados reforça a necessidade de olhar com mais cuidado para a saúde mental no universo do trabalho autônomo. Considera-se que o objetivo foi alcançado, contribuindo para ampliar o debate sobre os impactos emocionais da atividade empreendedora. Sugere-se, ainda, que novas pesquisas se dediquem ao desenvolvimento de estratégias que promovam o bem-estar psicológico desses profissionais.

REFERÊNCIAS 

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