REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202506160808
Beatriz Hertel de Sousa
Gabriela Rodrigues dos Santos
Iane Brito Leal
RESUMO
Objetivos: investigar os principais desafios enfrentados por profissionais de enfermagem na prestação de cuidados a pacientes com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Metodologia: trata-se de uma revisão de escopo, elaborada com base nas diretrizes da extensão PRISMA. A identificação e a seleção dos estudos foram realizadas entre janeiro de 2025 e março de 2025 das bases de dados LILACS, Medline, Bdenf, Ibecs e Pubmed. Resultados: a busca resultou em 197 artigos, dos quais 14 atenderam aos critérios de inclusão. Os estudos apontam que a principal dificuldade da enfermagem na assistência a crianças com TEA é a falta de preparo e capacitação, além de desafios na compreensão do transtorno, escassez de profissionais e apoio especializado, reforçando a necessidade de investimentos na formação da equipe. Observa-se fragilidade na formação acadêmica quanto à preparação para lidar com esse público. Conclusão: o cuidado de enfermagem a crianças com TEA requer abordagem individualizada, acolhedora e adaptada às suas necessidades. Destaca-se a importância de incluir conteúdos específicos sobre TEA na formação em enfermagem, com ênfase em práticas simuladas, visando à detecção precoce e à atuação eficaz em todos os níveis de atenção.
Palavras-chave: Transtorno do Espectro autista. Assistência de enfermagem. Criança.
ABSTRACT
Objectives: To investigate the main challenges faced by nursing professionals in providing care to patients with Autism Spectrum Disorder (ASD). Methodology: This is a scoping review, prepared based on the PRISMA extension guidelines. The identification and selection of studies were carried out between January 2025 and March 2025 in the Lilacs, Medline, Bdenf, Ibecs and Pubmed databases. Results: The search included 197 articles, of which 14 met the inclusion criteria. The studies indicate that the main difficulty of nursing in providing care to children with ASD is the lack of preparation and training, in addition to challenges in understanding the disorder, shortage of professionals and specialized support, reinforcing the need for investments in team training. There is a weakness in academic training regarding preparation to deal with this population. Conclusion: Nursing care for children with ASD requires an individualized, welcoming approach adapted to their needs. The importance of including specific content on ASD in nursing training is highlighted, with an emphasis on simulated practices, aimed at early detection and effective action at all levels of care.
Keywords: Autistic Disorder; Nursing Care; Child.
INTRODUÇÃO
Transtorno do Espectro Autista (TEA) abrange diversas condições caracterizadas por alterações no desenvolvimento neurológico, todas associadas a dificuldades no relacionamento social como comunicação, linguagem, interação social e comportamento. No entanto, quando diagnosticado precocemente, é possível promover estímulos que favoreçam a autonomia e a qualidade de vida das crianças (BRASIL, 2022).
Os sintomas do TEA costumam ser evidentes entre 12 e 24 meses de vida, mas podem ser notados antes do primeiro ano caso haja atrasos significativos no desenvolvimento ou, em alguns casos, somente após os dois anos de idade, quando os sintomas são mais sutis. O TEA é caracterizado, principalmente, por dificuldades na comunicação e na interação social, desinteresse por atividades típicas da idade e a presença de comportamentos repetitivos e estereotipados (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014).
No campo da enfermagem, a assistência a pacientes com TEA demanda dos profissionais não apenas conhecimentos técnicos, mas também competências comunicativas adaptadas, além de uma abordagem individualizada e humanizada. Esses pacientes, por frequentemente apresentarem dificuldades na expressão de suas necessidades, desconfortos ou dores de maneira convencional, impõem desafios à prática assistencial, exigindo dos enfermeiros estratégias alternativas de comunicação que assegurem um cuidado seguro e eficaz (Ramos et al., 2019).
A Organização Mundial da saúde (OMS), em 2022, avaliou que aproximadamente 1 a cada 100 crianças no mundo recebem o diagnóstico de TEA. O número de diagnósticos tem aumentado em relação ao relatório de previdência global de 2012, que expôs que 62 a cada 10.000 crianças eram autistas. O crescimento nos casos de autismo em grandeza reflete, em parte, os resultados das ações de saúde pública voltadas à ampliação da conscientização global sobre o transtorno do espectro autista.
A identificação inicial costuma acontecer ainda na infância, geralmente na fase escolar, ou no âmbito da e Atenção Primária em Saúde (APS), durante as consultas de acompanhamento do desenvolvimento infantil. Como o diagnóstico do TEA é essencialmente clínico, sua suspeita se baseia na observação do comportamento da criança, em entrevistas com os responsáveis e na aplicação de instrumentos de monitoramento do desenvolvimento nas consultas de rotina. Um dos principais recursos utilizados nesse processo é a Caderneta de Saúde da Criança, que orienta sobre os marcos do desenvolvimento infantil. Desde 2023, a 3ª edição da caderneta, passou a incluir a escala Modified Checklist for Autism in Toddlers – Revised (M-CHAT-R), um instrumento de rastreio que deve ser aplicado a partir dos 16 meses de idade, com o objetivo de detectar sinais precoces do TEA, como o desinteresse por interações sociais ou comportamentos de hiperfoco (BRASIL, 2023).
Segundo informações do Ministério da Saúde, o TEA não possui cura, porém há atualmente diversos recursos e intervenções que, com o apoio de uma equipe multidisciplinar, podem contribuir para a melhora do funcionamento geral, da inclusão social e da qualidade de vida das pessoas com TEA. O tratamento deve ser ajustado conforme a gravidade e as necessidades específicas de cada indivíduo, sendo que a abordagem multidisciplinar tende a oferecer melhores resultados, especialmente quando há participação ativa da família no processo terapêutico (BRASIL, 2018).
A suspeita precoce do transtorno permite que a APS inicie imediatamente a estimulação precoce e, quando necessário, encaminhe a criança à Atenção Especializada para confirmação diagnóstica. Embora o TEA não tenha cura, o diagnóstico em fases iniciais possibilita a introdução de intervenções que favorecem o desenvolvimento da autonomia da criança, além de promover a inclusão social, a acessibilidade e a melhoria da qualidade de vida (BRASIL, 2023).
De acordo com Magalhães et al., (2019) o profissional de enfermagem deve desempenhar um papel ativo e positivo no acompanhamento da criança durante as consultas, indo além da simples análise do crescimento e desenvolvimento. Com foco em um cuidado que valoriza o acolhimento e a integralidade do cuidado, é fundamental que a equipe de enfermagem esteja preparada para atuar de forma adequada junto à criança, à sua família e à comunidade.
Nesse contexto, a APS configura-se como uma porta de entrada fundamental para o acolhimento de crianças com possíveis alterações no desenvolvimento e de suas famílias. A equipe de enfermagem desempenha um papel central nesse processo, especialmente na identificação precoce de atrasos no desenvolvimento infantil, por meio das consultas de acompanhamento de crescimento e desenvolvimento (Levandowski et al., 2023).
Este estudo teve como objetivo investigar os principais desafios enfrentados por profissionais de enfermagem na prestação de cuidados a pacientes com TEA.
2 METODOLOGIA
Esta é uma revisão de escopo elaborada com base nas diretrizes da extensão PRISMA (Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses) para revisões de escopo.
Foi utilizada a estratégia PCC, onde o P significa “população”, o C “conceito” e o C “contexto”. O foco do P foi “profissionais de enfermagem”, o C “dificuldades enfrentadas no cuidado” e o último C “pacientes com Transtorno do Espectro Autista”. Na elaboração deste estudo, formou a seguinte questão norteadora: “Quais são as principais dificuldades enfrentadas pelos profissionais de enfermagem no cuidado aos pacientes autistas?”
A identificação e a seleção dos estudos foram realizadas entre janeiro de 2025 e março de 2025, nas bases de dados em saúde: Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (Lilacs), Medline, Base de dados da Enfermagem (Bdenf), Índice Bibliográfico Espanhol em Ciências de la Salud (Ibecs) e Pubmed.
Utilizaram-se os seguintes descritores, tanto em português quanto em inglês, de acordo com o vocabulário controlado de cada base de dados: “transtorno do espectro autista”, “assistência da enfermagem”, “cuidado de enfermagem”, “criança” e “criança autista”. Para conectar os descritores foram utilizados os operadores booleanos como “OR” e “AND”.
Foram incluídos artigos disponíveis na íntegra, com acesso gratuito, que abordassem a prática de enfermagem voltada ao cuidado de crianças com Transtorno do Espectro Autista e que discutissem o conhecimento dos enfermeiros sobre o tema. Foram excluídos os trabalhos duplicados nas bases de dados e aqueles que não tratavam, em seus objetivos, especificamente sobre os cuidados de enfermagem a crianças autistas.
O processo de revisão consistiu em dois níveis de triagem, a revisão de título e resumo e a revisão do texto na íntegra. Para o primeiro, os títulos e resumos foram lidos e analisados para identificar artigos potencialmente elegíveis. Na segunda etapa, os artigos foram lidos na íntegra para determinar se atendem aos critérios de elegibilidade.
Para extração dos dados dos artigos selecionados foi elaborada uma ficha padrão com campos para coleta dos dados como, título, autores, ano de publicação, revista, tipo de estudo, objetivo do estudo e as dificuldades encontradas pelos profissionais de enfermagem.
3 RESULTADOS
A busca abrangeu 197 artigos, sendo 160 do MEDLINE, 20 do LILACS, 14 BDENF e 3 IBECS, após a aplicação do filtro “texto completo”, e publicados nos últimos 10 anos. Ao final, 50 artigos foram lidos na íntegra; desses, 14 foram considerados elegíveis (Figura 1). Os estudos incluídos nesta revisão foram publicados entre os anos de 2016 e 2025, destacando-se que 13 deles (92,86%) foram produzidos nos últimos cinco anos. Todos os trabalhos analisados destacam a atuação da enfermagem no cuidado prestado a crianças com TEA. Em relação ao tipo de estudo, quatro foram descritos como qualitativo descritivo, três como qualitativo do tipo exploratório, dois como revisão integrativa, um como revisão sistemática, um como revisão de literatura, um qualitativo de cunho descritivo e exploratório, um como pesquisa bibliográfica de abordagem qualitativa e um relato de experiência.
De forma geral, os estudos destacam a escassez de educação e preparação dos enfermeiros como um dos principais obstáculos no cuidado, sendo essa dificuldade apontada em seis publicações. Três estudos abordam a limitação dos profissionais em compreender o transtorno, sua definição, causas e o uso de instrumentos adequados para triagem e intervenções. Dois artigos mencionam a carência de profissionais capacitados e a escassez de pesquisas na área. Um estudo evidenciou a dificuldade na detecção precoce dos sinais de alerta do TEA, enquanto outro destacou a necessidade de uma rede de apoio especializada para favorecer o desenvolvimento das crianças com o transtorno. Por fim, um artigo apontou o desafio de desenvolver estratégias e tecnologias de cuidado que fortaleçam o vínculo e a relação terapêutica entre o profissional de enfermagem e a criança com TEA. Esses achados reforçam a importância de investimentos na formação, capacitação e suporte à equipe de enfermagem para uma assistência qualificada e humanizada.

Fonte: Próprios autores, 2025.
Quadro 1: estudos incluídos na revisão segundo autor/ano de publicação, título do artigo, revista, tipo de estudo, objetivo do artigo e dificuldades enfrentadas pelos profissionais de enfermagem.
Autor / ano de publicação | Título | Revista | Tipo de estudo | Objetivo do artigo | Dificuldades enfrentadas |
Oliveira ARP et al., 2025. | Participação do enfermeiro na detecção de sinais de autismo na Atenção Primária à saúde | Revista Brasileira de enfermagem REBEn | Qualitativo exploratório | Compreender a participação do enfermeiro no processo de detecção precoce de sinais de alerta de TEA em consultas de puericultura. | Entre OS desafios, destaca-se a dificuldade na detecção precoce dos sinais de alerta, essencial para garantir intervenções mais eficazes e redução dos impactos negativos na dinâmica familiar. Além disso, observa-se uma lacuna na formação e capacitação para o uso de instrumentos específicos, o que compromete a atuação proativa do enfermeiro na identificação precoce dos TEAS. |
Cashin A, et al., 2025 | Australian Registered Nurse’s’ Awareness of Key Issues, Ambivalence and Education Related to the Health of People With Intellectual Disability and/or Autism | Journal of Applied Research in Intellectual Disabilities | Revisão sistemática | Pesquisar as experiências educacionais de graduação e pós-graduação de enfermeiros registrados australianos relevantes para cuidar de pessoas com TEA e/ou deficiência intelectual em ambientes de saúde tradicionais e especializados. | Escassez de educação e preparação de enfermeiros para cuidar de pessoas com TEA. |
Ferreira LR de P, et al., 2023 | Assistência de enfermagem frente à família do portador de Transtorno do Espectro Autista (TEA). | Arquivo de Ciências da Saúde da UNIPAR | Qualitativa de cunho descritivo e exploratório | Identificar e analisar a assistência de enfermagem realizada pelo enfermeiro às famílias de portadores de TEA e verificar as dificuldades encontradas por este profissional para implementação de cuidados aos mesmos. | A falta de capacitação e atualização influenciou a compreensão geral sobre as práticas dos enfermeiros diante das vulnerabilidades emocionais dos familiares de autistas. |
Oliveira ARP et al., 2025. | Detecção precoce dos sinais de alerta de autismo em crianças na Atenção Primária à Saúde sob a perspectiva das relações interpessoais | Escola de Enfermagem Anna Nery, na Universidade Federal do Rio de Janeiro | Qualitativa descritiva | Descrever a atuação dos enfermeiros na detecção precoce dos sinais de TEA em crianças de até três anos e analisar sua relação com os familiares nesse processo, na Atenção Primária à Saúde | Os currículos das áreas da saúde, no meio universitário, geralmente não abordam de forma adequada 0 desenvolvimento de habilidades específicas para lidar com o TEA. |
Silva MVB et al., 2023. | Desafios e potencialidades do cuidado de enfermagem ao binômio mãe-filho no transtorno do espectro autista | Enfermagem atual in derme | Revisão integrativa | Analisar as potencialidades e os desafios dos cuidados de enfermagem no TEA, abrangendo o binômio mãe-filho. | Há dificuldades em compreender o transtorno, incluindo sua definição, causas e o uso de instrumentos de triagem e intervenção. |
Sousa VF et al., 2024. | Cuidado de Enfermagem a Crianças com Transtorno de Espectro Autista | Faculdade de Ciências e Educação Sena Aires. Valparaíso de Goiás | Revisão de literatura | Descrever o Cuidado de Enfermagem à criança com TEA e sua família. | As dúvidas quanto a sinais e sintomas da doença geram incertezas e medos que acabam prejudicando a atuação dos profissionais para com as crianças autistas. |
Jerônimo TGZ et al., 2023. | Assistência do enfermeiro(a) a crianças e adolescentes com transtorno do espectro autista | Qualitativo, descritivo. | Apreender a representação de Enfermeiros(as) sobre a assistência a crianças/adolescentes com TEA nos Centros de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil. | A escassez de serviços, profissionais capacitados e pesquisas, somada às dificuldades diagnósticas, agrava-se em países em desenvolvimento, como o Brasil. | |
Souza KO, et al., 2023. | O papel da enfermagem no cuidado com crianças do espectro autista | Arquivo de Ciências da Saúde da UNIPAR | Pesquisa bibliográfica de abordagem qualitativa | Verificar quais as principais funções do enfermeiro no cuidado com pacientes com espectro autista. | Falta de estudos que abordem as intervenções da enfermagem a pacientes autistas. |
Mota MVS, et al., 2022. | Contribuições da enfermagem na assistência à criança com transtorno do espectro autista: uma revisão da literatura | Revista Baiana de saúde Pública | Revisão integrativa | Descrever as principais contribuições da enfermagem para a prestação de cuidados à criança com TEA. | Déficit de estudos que abordem especificamente as principais atribuições do enfermeiro no cuidado a crianças portadoras de autismo. |
Sandri JVA, et al., 2022. | Cuidado à pessoa com transtorno do espectro do autismo e sua família em pronto atendimento | Semina: Ciências Biológicas e da Saúde | Qualitativo exploratório | Analisar a atuação dos enfermeiros a pessoas com autismo, bem como à sua família, nas Unidades de Pronto Atendimento. | Destaca-se a necessidade de incluir mais sobre o TEA na formação dos enfermeiros, investir em capacitações e adaptar as unidades de saúde para melhorar a assistência, diante do aumento de diagnósticos. |
Magalhães JM, et al., 2022. | Diagnósticos e intervenções de enfermagem em crianças com transtorno do espectro autista: perspectiva para o auto cuidado | Revista baiana de enfermagem | Qualitativo exploratório | Descrever os diagnósticos e as intervenções de enfermagem em crianças com TEA fundamentados em taxonomias de enfermagem e na teoria do autocuidado. | Necessidade de uma rede de apoio especializada na perspectiva da intersetorialidade e interdisciplinaridade, para promover e proporcionar a evolução das crianças com TEA. |
Corrêa IS, et al., 2021. | Indicadores para triagem do transtorno do espectro autista e sua aplicabilidade na consulta de puericultura: conhecimento das enfermeiras | Revista APS | Descritivo, qualitativo. | Descrever o conhecimento da enfermeira da Estratégia da Saúde da Família (ESF) sobre indicadores para a triagem do TEA e sua experiência na aplicabilidade na consulta de puericultura. | Dificuldades para conceituar autismo e desconhecem OS instrumentos de triagem precoce para TEA. |
Soeltl SB, et al., 2020 | O conhecimento da equipe de enfermagem acerca dos transtornos autísticos em crianças à luz da teoria do cuidado humano | Texto & Contexto Enfermagem | Descritivo, qualitativo | Analisar, com base nos princípios abordados na Teoria do Cuidado Humano, o conhecimento da equipe de enfermagem acerca dos TEA e dos transtornos autísticos e a abordagem do tema durante a formação profissional. | A ausência de abordagem durante a formação sobre o TEA compromete a participação dos enfermeiros na detecção precoce, por falta de conhecimento e segurança na assistência. |
Franzoli, MAH, et al., 2016 | Intervenção musical como estratégia de cuidado de enfermagem a crianças com Transtorno do Espectro do Autismo em um centro de Atenção Psicossocial | ABCS health scienses | Relato de experiência. | Relatar a experiência da aplicação da música como tecnologia de cuidado a estas crianças em um Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil. | O principal desafio da prática de enfermagem consiste na necessidade de desenvolver estratégias e tecnologias de cuidado que favoreçam o vínculo e a relação terapêutica com crianças e adolescentes. |
Fonte: próprios autores, 2025.
4 DISCUSSÃO
Na APS, o enfermeiro, é muitas vezes o primeiro profissional a manter contato frequente com a criança durante as consultas de crescimento e desenvolvimento, seu papel é essencial para o encaminhamento oportuno e para a construção de um cuidado mais sensível e direcionado às necessidades do paciente com TEA.
A identificação precoce dos sinais do TEA é essencial para o encaminhamento adequado e o início oportuno das intervenções. No entanto, para que isso ocorra, é necessário que os profissionais de saúde, sobretudo os enfermeiros, estejam atentos aos sinais clínicos mais precoces durante suas avaliações. Segundo Pitz, Gallina e Schultz (2021), entre os sinais mais observados em crianças pequenas estão o contato visual reduzido, a ausência de resposta ao ser chamado pelo nome, a dificuldade de compartilhar interesses, o atraso ou ausência na fala, comportamentos repetitivos e resistência a mudanças na rotina. Esses sinais podem surgir ainda nos primeiros 18 a 24 meses de vida, mas muitas vezes passam despercebidos quando os profissionais não estão devidamente capacitados para reconhecê-los. A observação cuidadosa durante o atendimento e a escuta ativa aos relatos dos cuidadores são fundamentais para a detecção precoce do transtorno.
Apesar das Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de Enfermagem enfatizarem a formação voltada à atenção integral à saúde de pessoas com deficiências, muitos currículos não abordam de forma aprofundada o TEA, o que compromete a preparação dos profissionais para lidar com as particularidades desse público (BRASIL, 2001). Essa lacuna na formação acadêmica dificulta a identificação de sinais precoces, a comunicação efetiva e a aplicação de estratégias adequadas de cuidado, impactando diretamente na qualidade da assistência prestada (Guimarães et al., 2023). Nesse sentido, torna-se essencial a inclusão de conteúdos voltados ao espectro autista na grade curricular e o incentivo à educação continuada o que promove uma prática mais humanizada e eficiente.
As pesquisas incluídas apontam que os profissionais de enfermagem, em sua formação inicial, não recebem preparo adequado para lidar com crianças com TEA, o que dificulta o reconhecimento precoce e a implementação de estratégias de cuidado eficazes. Diversos estudos apontam uma lacuna na formação dos profissionais de enfermagem no que se refere ao cuidado de pacientes com TEA. Essa carência é atribuída à insuficiência de abordagem do tema durante a graduação, o que resulta em insegurança por parte dos profissionais no momento de prestar assistência, especialmente no que diz respeito à escolha da abordagem mais adequada.
Silva et al. (2023), observaram como um dos principais desafios enfrentados no cuidado a crianças com TEA as dificuldades relacionadas à comunicação e a ausência de manuais que orientem a prática do cuidado. Os autores ressaltam a necessidade de instrumentos práticos e de fácil aplicabilidade para serem utilizados durante a triagem, considerando que os sinais indicativos do TEA podem ser observados nas consultas de puericultura, por meio do relato dos pais, da observação direta e da análise da caderneta da criança, onde são registrados os marcos do desenvolvimento conforme a idade. Dessa forma, destacam a importância da adoção de protocolos nos serviços de saúde que sejam objetivos e de simples aplicação.
O Conselho Federal de Enfermagem (COFEN), por meio do Parecer nº 5/2024, reconhece a competência dos enfermeiros para aplicar a Escala M-CHAT-R™ (Modified Checklist for Autism in Toddlers, Revised) durante as consultas de puericultura na Atenção Primária e Especializada. Essa escala, composta por 20 perguntas de resposta “sim” ou “não”, é destinada à triagem precoce de sinais de risco para o TEA em crianças entre 16 e 30 meses de idade. A aplicação do M-CHAT-R™ deve ser acompanhada de uma entrevista de seguimento quando necessário, conforme orientações da Caderneta da Criança do Ministério da Saúde. O parecer enfatiza que não há impedimentos legais para que enfermeiros qualificados utilizem esse instrumento, desde que sigam os protocolos estabelecidos e as diretrizes legais da profissão, contribuindo assim para a detecção precoce do TEA e o encaminhamento adequado para avaliação diagnóstica e intervenções necessárias.
Os estudos analisados evidenciam que a qualificação dos profissionais e a construção de vínculos com os familiares são fundamentais para a promoção de um cuidado humanizado e eficaz. A Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015, conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência, reconhece o TEA como uma deficiência para todos os efeitos legais, garantindo às pessoas com autismo os mesmos direitos assegurados às demais pessoas com deficiência. Isso assegura o direito de serem acompanhadas por um responsável ou acompanhante durante o atendimento nos serviços de saúde, promovendo um cuidado mais humanizado e compatível com suas necessidades específicas (BRASIL, 2015).
De acordo com Sandri et al. (2022), o acompanhante, cujo direito é garantido por lei, geralmente é quem informa o diagnóstico de TEA, tanto de maneira espontânea quanto quando perguntado pelos profissionais de saúde. Os autores apontam que, na maioria das vezes, os enfermeiros relatam dificuldades para identificar, de forma autônoma, pacientes com TEA, especialmente nos casos em que os sinais são mais sutis. Essa limitação está relacionada à insuficiência de conhecimento dos profissionais sobre as características que compõem o transtorno.
Observa-se que é somente na prática cotidiana que esses profissionais passam a desenvolver maior segurança para identificar sinais do transtorno, propor intervenções e colaborar ativamente com a equipe multidisciplinar no processo diagnóstico.
5 CONCLUSÃO
Diante da análise realizada, conclui-se que o cuidado de enfermagem a pacientes com TEA demanda uma abordagem individualizada, pautada no acolhimento, na escuta ativa e na adaptação das práticas assistenciais às necessidades específicas de cada paciente.
Dessa forma, torna-se evidente a necessidade de inserir, nas grades curriculares dos cursos de enfermagem, disciplinas que abordem de maneira aprofundada o cuidado a crianças com TEA. Além da teoria, é fundamental que essas formações incluam práticas alternativas e simuladas. A capacitação adequada contribuirá para que o enfermeiro desenvolva a percepção clínica necessária para reconhecer precocemente os sinais do TEA. Assim, consolidar práticas de enfermagem baseadas em evidências, é essencial para promover a inclusão e o bemestar de pessoas com autismo nos diversos espaços de cuidado em saúde.
REFERÊNCIAS
AUTISM SPEAKS. Novo estudo mostra aumento na prevalência global do autismo. 29 abr. 2022. Disponível em: https://www.autismspeaks.org/science-news/new-studyshows-increase-global-prevalence-autism. Acesso em: 18 abr. 2025.
BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução CNE/CES nº 3, de 7 de novembro de 2001. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Enfermagem. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 9 nov. 2001. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CES03.pdf. Acesso em: 20 abr. 2025.
BRASIL. Ministério da Saúde. TEA: saiba o que é o Transtorno do Espectro Autista e como o SUS tem dado assistência a pacientes e familiares. 29 abr. 2022. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2022/abril/tea-saiba-o-que-e-otranstorno-do-espectro-autista-e-como-o-sus-tem-dado-assistencia-a-pacientes-efamiliares. Acesso em: 18 abr. 2025.
CASHIN, A. et al. Conscientização de enfermeiros registrados australianos sobre questões-chave, ambivalência e educação relacionadas à saúde de pessoas com deficiência intelectual e/ou autismo. Journal of Applied Research in Intellectual Disabilities, [S. l.], v. 38, e70016, 2025. Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf/10.1111/jar.70016. Acesso em: 3 abr. 2025.
CONSELHO FEDERAL DE ENFERMAGEM (COFEN). Parecer nº 5/2024/COFEN/CAMTEC/CTESNC: Aplicabilidade da Escala M-CHAT-R™ pelo enfermeiro na Atenção Primária e Especializada. Brasília, 28 out. 2024. Disponível em: https://www.cofen.gov.br/parecer-no-5-2024-cofen-camtec-ctesnc/. Acesso em: 5 abr. 2025.
FERREIRA, L. R. de P. et al. Assistência de enfermagem frente à família do portador de Transtorno do Espectro Autista (TEA). Arquivos de Ciências da Saúde da UNIPAR, Umuarama, v. 2, 2024.
FRANZOI, M. A. H. et al. Intervenção musical como estratégia de cuidado de enfermagem a crianças com Transtorno do Espectro do Autismo em um Centro de Atenção Psicossocial. Texto & Contexto – Enfermagem, Florianópolis, v. 25, n. 1, p. e1020015, 2016.
GUIMARÃES, A. C. et al. Acolhimento e inclusão: atendimento da enfermagem humanizado de pacientes com autismo. ResearchGate, 2023. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/385774286_ACOLHIMENTO_E_INCLUSAO_ATENDIMENTO_DA_ENFERMAGEM_HUMANIZADO_DE_PACIENTES_COM_AUTISMO. Acesso em: 20 abr. 2025.
JERÔNIMO, T. G. Z. et al. Assistência do enfermeiro(a) a crianças e adolescentes com transtorno do espectro autista. Acta Paulista de Enfermagem, São Paulo, v. 36, p. eAPE030832, 2023. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ape/a/3KwWvQnjR76F3Ddwm53BVRm/. Acesso em: 20 abr. 2025.
LEVANDOWSKI, A. P. R. et al. Práticas profissionais de saúde diante da linha cuidado integral à saúde da criança na atenção primária: revisão integrativa de literatura. Revista de Casos e Consultoria, v.13, n.1, e13130760, 2023. Disponível em: https://periodicos.ufrn.br/casoseconsultoria/article/view/30760. Acesso em: 27 abr. 2025.
MAGALHÃES, J. M. et al. Assistência de enfermagem à criança autista: revisão integrativa. Enfermería Global, Murcia, v. 19, n. 2, 2020. Disponível em: https://scielo.isciii.es/pdf/eg/v19n58/pt_1695-6141-eg-19-58-531.pdf. Acesso em: 2 abr. 2025.
MAGALHÃES, J. M. et al. Diagnósticos e intervenções de enfermagem em crianças com transtorno do espectro autista: perspectiva para o autocuidado. Revista Baiana de Enfermagem, Salvador, v. 36, e44858, 2022.
MOTA, M. V. da S. et al. Contribuições da enfermagem na assistência à criança com transtorno do espectro autista: uma revisão da literatura. Revista Baiana de Saúde Pública, Salvador, v. 46, n. 3, 2022.
OLIVEIRA, A. R. P. de et al. Participação do enfermeiro na detecção de sinais de autismo na Atenção Primária à Saúde. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília, v. 78, n. 1, p. e20230530, 2025.
OLIVEIRA, Angelica Ribeiro Pinto de. Detecção precoce dos sinais de alerta do autismo em crianças na atenção primária à saúde sob a perspectiva das relações interpessoais. 2024. 80 f. Dissertação (Mestrado em Enfermagem) – Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2024. Disponível em: https://docs.bvsalud.org/biblioref/2024/10/1572935/951018.pdf. Acesso em: 13 abr. 2025.
PITZ, C. T.; GALLINA, F. T. M. R.; SCHULTZ, L. F. Detecção precoce dos sinais de alerta do autismo nas consultas de puericultura pelos enfermeiros. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Porto, n. 30, p. 20–27, 2023. Disponível em: https://www.scielo.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S218477702023000300020&lng=pt. Acesso em: 20 abr. 2025.
PITZ, I. S. C.; GALLINA, F.; SCHULTZ, L. F. Indicadores para triagem do transtorno do espectro autista e sua aplicabilidade na consulta de puericultura: conhecimento das enfermeiras. Revista de APS, Juiz de Fora, v. 24, n. 2, 2021.
RAMOS, A. F.; LIMA, R. A. G. O papel do enfermeiro no acolhimento de pacientes autistas: uma abordagem humanizada. Revista da Escola de Enfermagem da USP, v. 53, n. 1, e03491, 2019.
RODRIGUES, C. S. do N.; MENESES, N. L. L. M.; GUSMÃO, K. C. N. A assistência da enfermagem a pacientes com espectro autista. [S. l.: s. n.], 2021. Disponível em: https://iesfma.com.br/wp-content/uploads/2023/05/A-ASSISTENCIA-DAENFERMAGEM-A-PACIENTES-COM-ESPECTRO-AUTISTA.-RODRIGUESCarmem-Silva-do-Nascimento_-MENESES-Nathalia-Laryssa-Lopes-Monteles.2021.pdf. Acesso em: 5 abr. 2025.
SANTOS, M. A. et al. Participação de enfermeiros na detecção de sinais de autismo em consultas de puericultura. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília, v. 78, n. 1, p. e20230530, 2025. Disponível em: https://www.scielo.br/j/reben/a/5zpcCQNRtfCCrHJSJmrvyjp/?lang=pt. Acesso em: 20 abr. 2025.
SECRETARIA DE SAÚDE DO DISTRITO FEDERAL. Autismo não tem cura, mas tem tratamento. Disponível em: https://www.saude.df.gov.br/autismo-nao-tem-cura-mastem-tratamento/. Acesso em: 3 abr. 2025.
SILVA, J. P.; OLIVEIRA, M. F. Cuidado à pessoa com transtorno do espectro do autismo e sua família em pronto atendimento. Semina: Ciências Biológicas e da Saúde, Londrina, v. 43, n. 1, 2022. Disponível em: https://ojs.uel.br/revistas/uel/index.php/seminabio/article/view/46202/48355. Acesso em: 10 abr. 2025.
SILVA, M. V. B. da et al. Desafios e potencialidades do cuidado de enfermagem ao binômio mãe-filho no Transtorno do Espectro Autista. Revista Enfermagem Atual In Derme, v. 1, 2024.
SOELTL, A. et al. O conhecimento da equipe de enfermagem acerca dos transtornos autísticos em crianças à luz da teoria do cuidado humano. ABCS Health Sciences, São Paulo, v. 46, e021206, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.7322/abcshs.2019101.1360. Acesso em: 20 abr. 2025.
SOUSA, V. F. de; ABREU, M. F. de; BUBADUÉ, R. de M. Enfermagem no cuidado de crianças com Transtorno de Espectro Autista. REVISA, [S. l.], v. 13, n. 2, p. 387–396, 2024. Disponível em: https://rdcsa.emnuvens.com.br/revista/article/view/148. Acesso em: 13 abr. 2025.