REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202506121138
Cássia Oliveira Garcia
Daniele Flávia Laurentino da Silva
Flávia Freitas Vaz
Júlia Fideles Costa
Stephany Kelly Ferreira Silva
Orientador: Prof. Dr. Renato Assis Machado
Coorientadora: Profa. Dra. Kelma Campos
RESUMO
O bruxismo é uma atividade parafuncional que consiste no apertamento inconsciente e/ou no ranger dos dentes, podendo ocorrer tanto durante o dia quanto à noite. Esta condição pode produzir: desgaste dentário, comprometimento da inserção do osso marginal, afrouxamento de parafusos de prótese sobre implante, fratura de peças cerâmicas e de restaurações dentárias, além de disfunções na articulação temporomandibular (ATM). Os tratamentos tradicionais compreendem o uso de analgésicos e antidepressivos, placas oclusais, termoterapia, fisioterapia, estimulação elétrica transcutânea (TENS), reabilitação protética, intervenções comportamentais, ajuste oclusal, restauração de superfícies dentárias e tratamentos ortodônticos. Entretanto, essas terapias não são totalmente eficientes e a aplicação da toxina botulínica do tipo A (TXB-A) tem sido investigada como uma promissora opção de tratamento. Este trabalho tem como objetivo realizar uma revisão de literatura para analisar a eficácia do uso da toxina botulínica como abordagem terapêutica no tratamento do bruxismo, reunindo informações atualizadas sobre sua aplicação clínica, benefícios, limitações e possíveis efeitos adversos. Busca-se, ainda, compreender o mecanismo de ação da toxina no controle dos sintomas do bruxismo e avaliar as perspectivas futuras para o seu uso na prática odontológica.
Palavras-chave: Bruxismo. Toxina Botulínica. Terapêutica. Odontologia.
ABSTRACT
Bruxism is a parafunctional activity consisting of unconscious clenching and/or grinding of the teeth, which can occur both during the day and at night. This condition can produce: tooth wear, impairment of marginal bone insertion, loosening of implant prosthesis screws, fracture of ceramic parts and dental restorations, as well as dysfunctions in the temporomandibular joint (TMJ). Traditional treatments include the use of analgesics and antidepressants, occlusal plates, thermotherapy, physiotherapy, transcutaneous electrical stimulation (TENS), prosthetic rehabilitation, behavioral interventions, occlusal adjustment, restoration of dental surfaces and orthodontic treatments. However, these therapies are not entirely efficient and the application of botulinum toxin type A (BTX-A) has been investigated as a promising treatment option. The objective of this study is to carry out a literature review to analyze the efficacy of using botulinum toxin as a therapeutic approach in the treatment of bruxism, gathering up-to-date information on its clinical application, benefits, limitations and possible adverse effects. The aim is also to understand the toxin’s mechanism of action in controlling the symptoms of bruxism and to assess future prospects for its use in dental practice.
Keywords: Bruxism. Botulinum toxin. Therapy. Dentistry.
1. INTRODUÇÃO
O vocábulo bruxismo foi introduzido pela primeira vez em 1907, derivando do termo grego “bruchein“, que significa o ato de triturar ou ranger os dentes, sendo inicialmente mencionado no campo da odontologia. Desde essa época, a expressão passou a ser incorporada com mais frequência tanto na literatura científica quanto na prática clínica odontológica, sendo classificada como uma atividade involuntária relacionada ao sistema nervoso, caracterizada por ruídos incômodos e movimentos mandibulares anormais (Lobo; Silva, 2023).
Segundo Silveira e Ramos (2022), o bruxismo é entendido como um comportamento em que os músculos mastigatórios atuam de maneira excessiva, realizando ações como o apertamento e o ranger dos dentes, além de movimentos laterais e protrusivos da mandíbula. Esses movimentos podem levar ao desgaste significativo das estruturas dentárias e favorecer o aparecimento de disfunções temporomandibulares.
O bruxismo pode ser classificado com base no momento em que ocorre, sendo dividido entre bruxismo em vigília (diurno) e durante o sono (noturno). O bruxismo diurno é caracterizado pelo apertamento dentário, geralmente sem provocar desgaste dos dentes ou prejuízos ao periodonto, estando muitas vezes relacionado a hábitos como roer objetos, chupar os dedos ou morder as bochechas e a língua. Já o bruxismo noturno é composto por episódios isolados e contrações musculares rítmicas, acompanhados por movimentos de apertamento com direção lateral ou transversal, que podem comprometer o suporte periodontal e gerar desgastes dentários, além de outros sinais típicos da atividade parafuncional. Observa-se que os ruídos oclusais são mais frequentemente detectados em pacientes que apresentam atividade parafuncional durante o sono (Lobo; Silva, 2023).
Como consequência, o paciente pode desenvolver dores intensas, desconforto, desgaste dentário e complicações na articulação temporomandibular (ATM), além de cefaleias frequentes (Vieira, Suguihara e Muknicka, 2022).
Segundo Tharsila (2020), na prática odontológica, o tratamento tradicional dessa condição envolve uma variedade de abordagens, como uso de analgésicos, placas oclusais, termoterapia, exercícios fisioterapêuticos, estimulação elétrica transcutânea (TENS), antidepressivos, reabilitação protética, intervenções comportamentais, ajuste oclusal, restauração de superfícies dentárias e tratamentos ortodônticos. Nos últimos anos, a toxina botulínica tipo A (TXB-A) tem ganhado destaque como uma alternativa terapêutica no campo da odontologia, especialmente por sua eficácia no controle de distonias musculares. Seu uso tem demonstrado potencial para reduzir a necessidade de medicamentos contínuos e de procedimentos complexos e onerosos.
A toxina botulínica é uma neurotoxina produzida pela bactéria Clostridium botulinium, e apresenta sete formas distintas, classificadas de A a G. Dentre essas, a toxina do tipo A (BTX-A) é a mais amplamente utilizada em contextos terapêuticos. A regulamentação de seu uso clínico ocorreu pela primeira vez em 1989, quando a Food and Drug Administration (FDA), nos Estados Unidos, aprovou sua aplicação no tratamento de estrabismo. Trata-se de uma proteína que atua inibindo a liberação de acetilcolina, neurotransmissor responsável pela contração muscular. Esse mecanismo resulta em um bloqueio temporário da atividade neuromuscular, provocando o relaxamento e enfraquecimento dos músculos tratados, sem causar efeitos colaterais sistêmicos. Com o tempo, ocorre o restabelecimento da condução neuromuscular, permitindo a recuperação gradativa da função muscular original (Cozumbá et al., 2017).
Segundo Sposito (2009), os efeitos clínicos da toxina botulínica começam a ser percebidos entre 1 a 7 dias após sua aplicação, sendo mais frequentemente observados entre o primeiro e o terceiro dia. O pico de ação ocorre entre 1 a 2 semanas após a administração, com efeitos que permanecem moderados até que haja a recuperação completa da atividade nervosa, em um período de aproximadamente 3 a 6 meses. Embora a toxina seja amplamente reconhecida por seu uso estético na suavização de rugas faciais por meio de injeções intramusculares, sua principal aplicação está na área terapêutica. No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) autorizou sua utilização estética apenas em 2000, enquanto a aprovação pelo FDA nos Estados Unidos ocorreu em 2002 (Borba et al., 2022; Cotri et al., 2022).
A harmonização orofacial (HOF) tem um papel essencial no tratamento de disfunções que afetam a região da face e da cavidade oral. Ao lidar com problemas como má oclusão, distúrbios temporomandibulares e alterações na articulação mandibular, a HOF busca restabelecer a funcionalidade dos músculos e articulações, promovendo um equilíbrio biomecânico adequado. Esse processo não apenas melhora a qualidade de vida dos pacientes, mas também oferece benefícios adicionais ao sistema mastigatório, respiratório e fonético (Vieira, Suguihara e Muknicka, 2022).
A utilização da TXB-A como terapia complementar para o bruxismo tem ganhado reconhecimento dentro da harmonização orofacial. Essa substância age promovendo um relaxamento temporário da musculatura tratada, o que se mostra especialmente benéfico para pacientes com hiperatividade muscular associada ao bruxismo. A aplicação da TXB-A em pontos específicos do masseter e de outros músculos mastigatórios reduz a tensão excessiva, contribuindo para o alívio da dor e evitando o desgaste excessivo dos dentes.
1.1 OBJETIVO
Este trabalho tem como objetivo realizar uma revisão de literatura para analisar a eficácia do uso da toxina botulínica como abordagem terapêutica no tratamento do bruxismo, reunindo informações atualizadas sobre sua aplicação clínica, benefícios, limitações e possíveis efeitos adversos. Busca-se, ainda, compreender o mecanismo de ação da toxina no controle dos sintomas do bruxismo e avaliar as perspectivas futuras para o seu uso na prática odontológica.
1.2 METODOLOGIA
Para a elaboração deste trabalho, foi realizada uma revisão de literatura com foco no uso terapêutico da toxina botulínica no tratamento do bruxismo. A pesquisa foi realizada a partir da busca nas bases de dados eletrônicas: Google Acadêmico, Scielo e PubMed. Os artigos foram selecionados seguindo o critério de inclusão: publicados entre os anos de 2014 até 2024. Os artigos selecionados foram analisados e comparados.
2. REVISÃO DE LITERATURA
2.1 BRUXISMO
A atividade repetitiva dos músculos mastigatórios é denominada de bruxismo e se caracteriza por apertamento e/ou ranger dos dentes e que pode ter duas diferentes manifestações que são elas: bruxismo acordado (AB) ou bruxismo do sono (SB). É considerado uma condição com bastante relevância clínica devido estar associado com mobilidades dentárias, hipertrofia do músculo masseter, fraturas de restaurações dentárias, artralgia característica de distúrbios temporomandibulares (DTM), dentre outros sintomas e sinais. Embora pareça ter uma origem multifatorial mediada pelos sistemas autônomo e central, o bruxismo também tem sido associado a fatores etiológicos, como estresse emocional, certas drogas, distúrbios neurológicos, interferências oclusais, com isso a fisiopatologia e a etiologia do bruxismo ainda não estão claramente definidas. O bruxismo tem uma prevalência adulta que varia entre 8 e 31%, sendo uma condição comum. E para o tratamento são abordadas várias modalidades para o manejo do bruxismo tais como; talas oclusais, terapia cognitivo- comportamental, o uso de medicamentos, esses que servem principalmente para gerenciar os sintomas e sinais dos pacientes, mas que não se mostraram totalmente eficazes (Fernández-Núñez et al., 2019.).
O bruxismo é uma atividade parafuncional, que pode ocorrer tanto durante o dia quanto à noite, caracterizando-se pelo apertamento inconsciente e/ou ranger dos dentes. O bruxismo diurno é uma ação semi-voluntária, comumente conhecida como “apertamento”, enquanto o bruxismo noturno é uma desordem de movimento que ocorre durante o sono, caracterizada pelo ranger ou apertar os dentes. Ambos os tipos de bruxismo podem estar relacionados a fatores como o estresse, especialmente o estresse laboral (Nascimento et al., 2023).
O bruxismo pode ser classificado como primário ou secundário. O bruxismo primário, de origem idiopática, não está relacionado a nenhuma condição médica ou psiquiátrica evidente. Essa forma primária tende a ser um distúrbio crônico e persistente, com início geralmente na infância ou adolescência, e pode evoluir até a idade adulta. Por outro lado, o bruxismo secundário está associado a outros transtornos clínicos, como doenças neurológicas, como a doença de Parkinson; distúrbios psiquiátricos, como a depressão; outros transtornos do sono, como a apneia; além do uso de substâncias, como as anfetaminas (Nascimento et al., 2023).
O bruxismo pode resultar em diversos danos, como o desgaste dos dentes e próteses dentárias, falhas em implantes, sensibilidade dental, e dor nos dentes, mandíbula, músculos mastigatórios e na articulação temporomandibular (ATM). Além disso, pode levar a dores no pescoço, cefaleia, doença periodontal, podendo levar à perda do suporte periodontal, dor oral ou facial, e até mesmo à perda dentária. Esses problemas estão frequentemente associados a contrações intensas dos músculos temporal e masseter durante o sono, realizadas de forma inconsciente (Nascimento et al., 2023).
As forças excessivas aplicadas sobre os dentes podem contribuir para a reabsorção do osso alveolar e o alargamento do espaço do ligamento periodontal, além de provocar um aumento na mobilidade dentária, que pode ser temporária ou permanente (Nascimento et al., 2023).
O bruxismo é uma condição que merece bastante atenção na prática odontológica, especialmente pelo seu impacto clínico no sistema estomatognático, pois pode causar uma sobrecarga significativa nos músculos da mastigação e desordens temporomandibulares (DTM). Atualmente, ele apresenta uma importância clínica significativa, especialmente por estar associado a uma série de consequências, como desgaste e até fraturas dos dentes (o que pode desencadear hipersensibilidade dentinária e dor odontogênica), dores musculares (mialgias), dores articulares (artralgias), hipertrofia dos músculos da mastigação e disfunções temporomandibulares (DTM), fadiga miofascial e cefaleias de origem muscular. Apesar de diversos fatores etiológicos já terem sido sugeridos, como o estresse emocional, alterações neurológicas, interferências oclusais e o uso de certos medicamentos, a etiologia e a fisiopatologia do bruxismo ainda não são totalmente compreendidas (Britto et al., 2023).
Observou-se um aumento nos casos de bruxismo durante a pandemia da COVID-19 que pareceu estar associado a um crescimento significativo nos níveis de estresse e ansiedade da população em geral causados pelos impactos da doença na sociedade, como o isolamento social, mudanças na rotina e o aumento do desemprego. Diversos estudos apontaram uma correlação entre o agravamento do estado psicoemocional dos indivíduos e a maior incidência de bruxismo e disfunções temporomandibulares (DTMs). Com isso, a prevalência de pacientes apresentando fraturas dentárias relacionadas ao bruxismo aumentou consideravelmente e tem sido frequentemente notada na prática clínica odontológica (Britto et al., 2023).
2.1.1 Definição e etiologia
Quando abordamos a etiologia do bruxismo, encontramos um conjunto de teorias que são debatidas há anos e que continuam a evoluir ao longo do tempo. Inicialmente, acreditava-se que o principal fator causal fosse o desequilíbrio da oclusão. Posteriormente, estudos sugeriram que a origem do bruxismo estaria relacionada a uma combinação entre fatores psicológicos e oclusais, com uma influência psicológica predominante. Estudos mais recentes reforçam a ideia de que a etiologia do bruxismo ainda não está completamente definida. No entanto, é amplamente reconhecido que suas causas são multifatoriais, envolvendo uma combinação de fatores diversos que contribuem para o seu desenvolvimento (Britto et al., 2023).
Atualmente, a toxina botulínica vem sendo utilizada no tratamento de diversos distúrbios relacionados à dor e disfunção na região de cabeça e pescoço, especialmente nos casos em que a etiologia é predominantemente muscular (Delcanho et al., 2022).
2.1.2 Sintomatologia
Entre os sinais clínicos mais comuns observados nos pacientes com bruxismo estão as facetas de desgaste nos dentes, fraturas em elementos dentários, emissão de sons durante o apertamento ou ranger, aumento da sensibilidade dentária e dores ou incômodos na região da articulação temporomandibular. As forças biomecânicas exercidas durante os episódios de bruxismo podem contribuir significativamente para a ocorrência de abrasão e abfração dentária, além de favorecerem quadros de hipersensibilidade, sobrecarga do periodonto, fadiga dos músculos mastigatórios, bem como o surgimento de trincas e fraturas em dentes ou em restaurações previamente instaladas (Lobo; Silva, 2023).
A literatura descreve diversos sinais e sintomas associados ao bruxismo, sendo os mais comuns o desgaste dentário, dor na musculatura mastigatória, dor na região da articulação temporomandibular (ATM), dor mandibular, fraturas ou falhas em próteses e implantes, além de cefaleia (dor de cabeça) (Britto et al., 2023).
Além dos sintomas, o bruxismo também pode provocar alterações estéticas, pois algumas alterações musculares podem provocar uma hipertrofia da musculatura. Com efeito, muitos pacientes relatam desconfortos na sua aparência, uma vez que se nota um rosto com características mais quadradas (Britto et al., 2023).
2.1.3 Diagnóstico
O diagnóstico do bruxismo é realizado pelo cirurgião-dentista a partir da coleta de informações durante a anamnese e da análise clínica detalhada da cavidade oral. Esse processo envolve a identificação de sinais e sintomas característicos, a realização do exame físico e a palpação de músculos como o temporal e o masseter. Dessa forma, a odontologia assume um papel central na condução do tratamento do bruxismo, atuando em conjunto com outras especialidades e abordagens terapêuticas, incluindo o uso de medicamentos, acompanhamento psicológico e intervenções fisioterápicas (Lobo; Silva, 2023).
A origem do bruxismo, enquanto atividade parafuncional, é multifatorial e pode estar relacionada a causas de natureza psicológica, sistêmica ou hereditária. Por se tratar de uma condição que pode desencadear complicações significativas, é essencial que seja identificada precocemente, de modo a prevenir alterações na articulação temporomandibular, lesões musculares faciais, desgastes dentários e comprometimentos periodontais (Lobo; Silva, 2023).
Durante muito tempo, o diagnóstico do bruxismo apresentou grandes desafios devido à ausência de critérios padronizados. No entanto, em 2013 foi introduzida uma classificação que facilitou significativamente a categorização dos casos. O diagnóstico passou a ser dividido em possível, provável e definitivo (Britto et al., 2023).
O diagnóstico correto do bruxismo depende, em grande parte, do relato do paciente, especialmente no que diz respeito aos hábitos noturnos. De acordo com a International Classification of Sleep Disorders – Third Edition (ICSD-3), os critérios incluem:
A. O paciente relata ou está ciente de ruídos de ranger de dentes ou de apertar os dentes durante o sono.
B. Um ou mais dos seguintes estão presentes:
- Desgaste anormal dos dentes
- Desconforto muscular da mandíbula, fadiga ou dor e travamento da mandíbula ao acordar.
- Hipertrofia do músculo masseter após apertamento forçado voluntário.
C. A atividade muscular da mandíbula não é melhor explicada por outro distúrbio do sono atual, médico ou distúrbio neurológico, uso de medicamentos ou distúrbio por uso de substâncias (Britto et al., 2023).
2.1.4 Tratamento
Por se tratar de uma condição com múltiplas causas, o bruxismo conta com diversas abordagens terapêuticas paliativas que visam o controle da disfunção, como as terapias comportamentais, técnicas de biofeedback, dispositivos intraorais e tratamentos farmacológicos. As intervenções comportamentais têm como proposta o desenvolvimento da autoconsciência em relação ao ato de ranger os dentes, utilizando recursos como hipnose, relaxamento progressivo, meditação, automonitoramento, psicanálise e práticas voltadas à higiene do sono. No entanto, a eficácia clínica dessas técnicas ainda não está suficientemente comprovada cientificamente, o que limita seu uso como forma principal de tratamento para o bruxismo. Por outro lado, os dispositivos orais têm sido amplamente utilizados com o objetivo de proteger os dentes contra o desgaste e promover o relaxamento dos músculos mastigatórios. Esses dispositivos, que podem ser confeccionados em materiais rígidos ou flexíveis, geralmente são posicionados na maxila e atuam na prevenção de movimentos involuntários associados ao bruxismo. Ao absorver e distribuir adequadamente as forças resultantes do apertamento e ranger dos dentes, a placa oclusal ajuda a reduzir sintomas como dor facial e sensação de cansaço muscular (Lobo; Silva, 2023).
As abordagens farmacológicas no tratamento do bruxismo têm como objetivo o controle dos sintomas por meio do uso de medicamentos de ação central, como ansiolíticos e antidepressivos, além de agentes de ação local, como relaxantes musculares, antiinflamatórios e analgésicos, incluindo também substâncias biologicamente ativas, como a toxina botulínica. Esses fármacos contribuem para a redução do estresse, promovem melhora na qualidade do sono, exercem efeito miorrelaxante e ajudam no controle da dor. No entanto, não há evidência científica conclusiva de que tais medicamentos reduzam de forma efetiva a atividade muscular mandibular, e seus efeitos adversos podem, em alguns casos, superar os benefícios esperados, especialmente quando se trata de drogas com ação no sistema nervoso central, hepático ou renal. Medicamentos como Clonazepam, Gabapentina e Clonidina apresentam elevado potencial de dependência, pois atuam diretamente no sistema nervoso central, podendo causar efeitos colaterais como fadiga, tontura, sonolência, ataxia, queda da pressão arterial e sedação. Esses efeitos tornam o uso desses medicamentos inadequado para pacientes que apresentam apenas bruxismo, sem outras condições clínicas associadas. Além disso, a ação desses fármacos está limitada ao seu tempo de meia-vida, ou seja, à duração do processo de metabolização, com exceção da toxina botulínica, que apresenta efeitos prolongados por alguns meses (Lobo; Silva, 2023).
No tratamento farmacológico do bruxismo, os medicamentos mais frequentemente utilizados incluem analgésicos, relaxantes musculares, ansiolíticos, corticosteroides, antidepressivos tricíclicos, L-dopa e propanolol. A revisão da literatura revela que a relação entre os fármacos e a etiologia, bem como o tratamento do bruxismo, permanece controversa. Para que os medicamentos sejam eficazes, é necessário combiná-los com outras abordagens terapêuticas e integrar as diferentes especialidades da área da saúde, englobando o uso de terapias medicamentosas, suporte psicológico, estratégias para controle de fatores predisponentes e a confecção de placas oclusais, proporcionando um tratamento completo e seguro, uma vez que, isoladamente, não resultam na cura ou melhoria significativa dessa para função. A recente introdução de agentes que modulam a atividade neuromuscular dos músculos elevadores da mandíbula oferece ao Cirurgião-dentista uma nova opção no manejo do bruxismo, com destaque para a toxina botulínica, embora seus efeitos ainda não apresentem resultados definitivos (Lobo; Silva, 2023).
Estudos recentes têm demonstrado que o uso da toxina botulínica como alternativa terapêutica para pacientes sintomáticos tem se mostrado bastante promissor. A toxina botulínica atua nas terminações impedindo os canais de cálcio e reduzindo a liberação de acetilcolina, um neurotransmissor responsável por conduzir mensagens do cérebro aos músculos. Sem comandos para se movimentar, o músculo permanece em estado de relaxamento temporário, produzindo um efeito paralisante controlado. Esse efeito é reversível, e a função neuromuscular é gradualmente restaurada conforme o organismo metaboliza a toxina botulínica (Britto, et al., 2023).
O efeito da toxina botulínica ocorre por meio da inibição da liberação de acetilcolina na junção neuromuscular, reduzindo a contração excessiva dos músculos mastigatórios, como o masseter e o temporal (Hernández et al., 2020).
Esse mecanismo contribui para a diminuição da dor, da tensão muscular e da pressão sobre os dentes, prevenindo danos estruturais e oferecendo alívio para pacientes com bruxismo (Lee et al., 2019).
Estudos clínicos indicam que a toxina botulínica é especialmente benéfica para pacientes que não respondem satisfatoriamente a tratamentos convencionais, como placas oclusais, relaxantes musculares e fisioterapia. A melhora dos sintomas pode ser percebida em poucas semanas após a aplicação, com efeitos que podem durar até seis meses, sendo uma alternativa viável para pacientes com recorrências frequentes.
Embora apresente benefícios evidentes, é fundamental considerar os possíveis efeitos adversos da toxina botulínica. Entre as reações mais comuns estão fraqueza muscular temporária, alterações na expressão facial e dificuldades na mastigação. No entanto, esses efeitos adversos tendem a ser transitórios e podem ser minimizados com uma administração cuidadosa e um planejamento preciso da dose.
Dessa forma, a aplicação da toxina botulínica deve ser realizada por profissionais qualificados, como cirurgiões-dentistas e médicos especializados em dor orofacial. O monitoramento clínico regular é essencial para avaliar a resposta do paciente ao tratamento e realizar eventuais ajustes, garantindo maior segurança e eficácia (Schwarz et al., 2021).
2.2 TOXINA BOTULÍNICA
2.2.1 História
O primeiro registro da bactéria Clostridium botulinium, responsável pela produção da toxina botulínica (TXB-A), remonta a 1817, quando foi descrita pelo médico alemão Justinus Kerner. Inicialmente, seu estudo estava voltado para os efeitos do botulismo, uma condição caracterizada principalmente pela paralisia muscular. No entanto, essa descoberta gerou interesse quanto ao possível uso terapêutico da toxina, levando a investigações ao longo do tempo. Em 1978, Alan B. Scott conduziu os primeiros testes com a toxina botulínica do tipo A (TXB-A) para tratar o estrabismo em humanos. Já em 1987, a oftalmologista Jean Carruthers observou a melhora das rugas de expressão em pacientes tratados com toxina botulínica tipo A (TXB-A) para blefaroespasmo. Esse achado incentivou novos estudos conduzidos por ela e seu marido, o dermatologista Alastair Carruthers, sobre o uso cosmético da toxina. Atualmente, na harmonização orofacial (HOF), a TXB-A desempenha um papel relevante tanto em procedimentos estéticos quanto em abordagens funcionais (Vieira, Suguihara e Muknicka, 2022).
A toxina botulínica foi a primeira proteína de origem microbiana a ser aplicada por meio de injeção para o tratamento de enfermidades em humanos (Lobo; Silva, 2023).
Dentre os sete subtipos produzidos pela bactéria anaeróbica Clostridium botulinium — classificados como A, B, C1, D, E, F e G — o tipo A (BTX-A) é o mais amplamente utilizado na prática clínica. Seu uso já foi aprovado por importantes órgãos de regulação sanitária, como a Food and Drug Administration (FDA), desde 2002, e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), no Brasil, desde 2000 (Lobo; Silva, 2023).
Trata-se de uma neurotoxina com ação dose-dependente, capaz de provocar fraqueza ou paralisia da musculatura esquelética. Seu mecanismo de ação consiste no bloqueio da liberação de acetilcolina nas terminações nervosas motoras, processo mediado pelo cálcio. O principal alvo da toxina é o neurônio motor alfa (αMN), responsável pela ativação das fibras musculares esqueléticas, embora o gamamotoneurônio (γMN), envolvido na regulação do tônus muscular através dos fusos neuromusculares, também possa ser afetado. Os efeitos clínicos costumam se manifestar entre 7 a 10 dias após a aplicação, atingindo seu pico em cerca de 15 dias, com duração média de 3 a 6 meses. A reversão dos efeitos ocorre predominantemente por meio do brotamento axonal e reinervação das fibras musculares, permitindo a recuperação da função entre dois a quatro meses após a aplicação (Lobo; Silva, 2023).
Recentemente foi mostrada a eficácia da toxina botulínica para uma grande variedade de condições médicas, e que pode ser aplicada como cosméticos para fins terapêuticos (Fernández-Núñez et al., 2019).
A toxina botulínica, mais conhecida como Botox ou BoNT, teve sua descoberta no final do século 19, em 1895, pelo bacteriologista belga van Ermengem. Essa bactéria é capaz de produzir uma proteína extremamente potente, considerada a substância neurotóxica mais poderosa conhecida até hoje. Já na década de 1920, Sommer conseguiu isolar a toxina botulínica do tipo A (BoNT-A) em sua forma purificada. Mais adiante, em 1946, Schantz foi responsável por isolar a toxina em forma cristalina, o que contribuiu para o avanço das pesquisas. Em 1950, Brooks demonstrou que a toxina atua bloqueando a liberação de acetilcolina nas terminações nervosas motoras, o que promove o relaxamento muscular (Serrera-Figallo et al., 2020).
A primeira aplicação clínica descrita na literatura foi realizada por Scott e colaboradores, em 1977, ao investigar o uso da toxina como uma alternativa não cirúrgica para o tratamento do estrabismo em primatas. Já em 1980, foi publicada a primeira utilização da toxina botulínica com finalidade terapêutica em humanos (Serrera-Figallo et al., 2020).
No ano de 2000, a Food and Drug Administration (FDA) aprovou o uso da toxina botulínica para o tratamento da distonia cervical em adultos, com o objetivo de amenizar a postura anormal da cabeça e a dor cervical associada à condição. Já em 2002, o Botox recebeu aprovação para fins estéticos, sendo indicado para o tratamento de rugas glabelares moderadas a severas – aquelas linhas de expressão localizadas entre as sobrancelhas – tanto em homens quanto em mulheres adultas. Em 2004, uma nova indicação foi aprovada, o tratamento da hiperidrose axilar primária severa, especialmente nos casos em que os antitranspirantes tópicos não apresentam resposta satisfatória (Serrera-Figallo et al., 2020).
2.2.2 Mecanismo de ação e características
O Clostridium botulinum é uma bactéria anaeróbica Gram-positiva, reconhecida por produzir uma das toxinas mais potentes conhecidas na natureza. Encontrada em solos e sedimentos, essa bactéria tem a capacidade de sobreviver em condições adversas, especialmente em ambientes com baixa concentração de oxigênio. A TXB-A é a principal substância associada ao botulismo, uma intoxicação severa que compromete o sistema nervoso ao inibir a liberação de acetilcolina, neurotransmissor essencial para a contração muscular. Esse bloqueio resulta em uma paralisia muscular progressiva, podendo ser fatal se não tratada adequadamente. Apesar dos riscos, a toxina botulínica tem sido amplamente utilizada na medicina, especialmente na estética e na harmonização orofacial, onde sua aplicação purificada e controlada proporciona benefícios no tratamento de rugas, espasmos musculares e outras condições clínicas (Vieira, Suguihara e Muknicka, 2022).
A acetilcolina (ACh) é um neurotransmissor essencial para a comunicação entre os nervos e os músculos no sistema nervoso periférico. Durante a transmissão dos impulsos nervosos, a ACh é liberada nas sinapses neuromusculares, permitindo a contração muscular. Esse processo ocorre quando a acetilcolina se liga aos receptores na membrana da célula muscular, desencadeando uma sequência de reações bioquímicas que resultam na contração do músculo. Esse mecanismo é fundamental para o movimento corporal, pois regula a atividade motora. Após a realização da contração, a enzima acetilcolinesterase degrada rapidamente a ACh, interrompendo o estímulo e permitindo o relaxamento muscular. O equilíbrio entre a liberação e a degradação da acetilcolina é essencial para garantir movimentos coordenados e controlados (Vieira, Suguihara e Muknicka, 2022).
A toxina botulínica (TXB-A) atua interferindo nesse processo. Ao ser injetada no tecido muscular, sua cadeia pesada se liga às proteínas de membrana da vesícula sináptica, promovendo sua endocitose para o terminal nervoso motor. O ambiente ácido da vesícula facilita a translocação da cadeia leve da toxina para o citosol, onde esta clivam proteínas do complexo SNARE. Como essas proteínas são essenciais para a fusão das vesículas sinápticas com a membrana pré-sináptica, a liberação de ACh é bloqueada, impedindo a neurotransmissão e a consequente contração muscular. Assim, a TXB-A provoca um relaxamento muscular temporário ao impedir a liberação de acetilcolina na junção neuromuscular (Vieira, Suguihara e Muknicka, 2022).
A toxina botulínica tipo A (TXB-A) deve ser injetada no músculo de maneira a atingir os terminais nervosos colinérgicos, por meio de dispersão e difusão, acionando seu mecanismo de ação. A TXB-A atua essencialmente quebrando as proteínas de fusão, como a SNAP-25 (proteína associada ao sinaptossoma de 25 kDa), que são essenciais para a mediação da exocitose do neurotransmissor, no caso, a acetilcolina (ACTH). Esse processo inibe a contração muscular nas fibras que receberam a injeção de toxina botulínica. A Figura 1 demonstra o mecanismo de ação da TXB-A (Nascimento et al., 2023).
Após ser injetada no músculo, a toxina botulínica tipo A (TXB-A) se dissocia das proteínas acessórias, se presentes, por ação de proteases. Em seguida, a toxina se liga irreversivelmente a receptores específicos de alta afinidade na membrana pré-sináptica da junção neuromuscular (JNM). Uma vez ligada fortemente e de forma irreversível ao receptor na superfície da célula nervosa, a cadeia pesada da toxina permite sua entrada no interior da célula por meio de uma invaginação da membrana, formando uma vesícula que envolve ambas as cadeias da toxina botulínica. A entrada no terminal nervoso ocorre aproximadamente 20 minutos após a ligação, sendo esse processo denominado endocitose mediada por receptor (Nascimento et al., 2023).
Figura 1: Mecanismo de ação da TXB-A (Nascimento et al., 2023)
2.2.3 Contraindicações
A toxina botulínica possui contraindicações importantes que devem ser cuidadosamente avaliadas antes de sua aplicação. Seu uso é contraindicado em pacientes com doenças neuromusculares, como os distúrbios de transmissão neuromuscular e doenças autoimunes adquiridas, como a miastenia gravis. Também não deve ser utilizada em gestantes, lactantes, pacientes em uso de aminoglicosídeos ou naqueles que apresentam hipersensibilidade à substância. Apesar dessas restrições, conclui-se que a toxina botulínica é eficaz na redução da hiperatividade muscular, sendo amplamente utilizada em diversas condições clínicas que envolvem padrões musculares alterados. No entanto, seus efeitos são temporários, o que exige reaplicações periódicas. Por esse motivo, é essencial que o cirurgião dentista tenha pleno domínio da técnica e um conhecimento anatômico detalhado para garantir a segurança e a eficácia do tratamento. O uso inadequado pode gerar complicações clínicas e implicações ético-legais. Entre os erros mais comuns estão: aplicação em dosagem inadequada, punção incorreta no músculo alvo, uso recorrente e excessivo na mesma região, falhas na reconstituição ou armazenamento do produto, além de expectativas irreais por parte do profissional ou do paciente (Britto et al., 2023).
2.2.4 Complicações e efeitos colaterais
Apesar dos benefícios, a redução da atividade muscular promovida pela BTX-A pode levar a alterações. Por isso, é fundamental considerar os possíveis impactos musculoesqueléticos decorrentes da diminuição da atividade muscular induzida pela BTX-A, especialmente diante do crescente número de pacientes submetidos a essa abordagem terapêutica para o controle da dor orofacial e do bruxismo (Barba et al., 2021).
No entanto, são poucos os estudos disponíveis que avaliam o uso da BTX-A e seus possíveis efeitos adversos em humanos. A revisão realizada identificou apenas dois estudos, todos conduzidos exclusivamente com mulheres. Diante disso, sugere-se que mais pesquisas sejam realizadas para uma melhor compreensão dos efeitos adversos associados à administração da toxina botulínica (Barba et al., 2021).
De modo geral, a administração da toxina botulínica é bem tolerada, embora alguns efeitos adversos possam ocorrer. Entre as complicações relatadas, destacam-se fraqueza muscular temporária, sensação de peso na região tratada e a formação de hematomas. A realização de um exame clínico minucioso e a escolha de um profissional qualificado são medidas fundamentais para minimizar a ocorrência desses efeitos indesejados (Biscaro et al., 2024).
Embora raros, efeitos adversos mais graves, como reações alérgicas e dificuldades de deglutição, também foram documentados. Por isso, a triagem criteriosa dos pacientes, visando identificar possíveis contraindicações, é indispensável. A comunicação clara com o paciente, aliada a um acompanhamento clínico adequado, contribui para a resolução precoce de quaisquer intercorrências. Além disso, há uma necessidade crescente de estudos longitudinais que investiguem os efeitos a longo prazo e colaborem para a otimização dos protocolos terapêuticos. Assim, o monitoramento contínuo é essencial para assegurar tanto a eficácia quanto a segurança do tratamento com toxina botulínica no manejo do bruxismo (Biscaro et al., 2024).
Se caso ocorra uma falha da ação da toxina, pode ser devido a utilização de doses inadequadas, erro técnico na ingestão, resistência à toxina, e também armazenamento inadequado (da Silva, 2020).
2.3 TOXINA BOTULÍNICA NO TRATAMENTO DO BRUXISMO
2.3.1 Aplicação e dosagem terapêutica
Antes da aplicação da toxina botulínica nos músculos masseteres, é fundamental estabelecer um perímetro de segurança anatômico com o intuito de evitar a injeção acidental na glândula parótida. Esse perímetro é delimitado por linhas de referência anatômicas: uma linha horizontal que vai da comissura labial até a base do lóbulo da orelha, outra linha horizontal que percorre o rebordo inferior da mandíbula até o ângulo mandibular, e duas linhas verticais que demarcam os bordos anterior e posterior do músculo masseter. O padrão de aplicação deve respeitar essas delimitações, formando um triângulo dentro do perímetro de segurança, garantindo precisão e eficácia no procedimento (Britto et al., 2023).
No que se refere ao músculo masseter, propõem uma divisão da sua área em seis regiões, sendo três localizadas na metade superior e três na metade inferior, separadas por uma linha imaginária horizontal. A recomendação dos autores é que as aplicações da toxina botulínica sejam realizadas preferencialmente na porção inferior do músculo, onde se distribuem três pontos de injeção dispostos em formato triangular, com distância média de 2 cm entre eles. Essa disposição permite uma difusão adequada do fármaco, uma vez que a toxina botulínica, quando administrada localmente, possui um raio de ação de aproximadamente 1,5 a 3 cm ao redor do ponto de aplicação. Ressalta-se que a aplicação na parte superior do músculo deve ser evitada, visto que pode comprometer a integridade da glândula parótida e seus ductos, conforme alertam os autores (Britto et al., 2023).
No protocolo de aplicação da toxina botulínica tipo A (BTX-A) para o tratamento do bruxismo, utiliza-se uma dose de 30 (U) em cada lado do músculo masseter, distribuídas em 3 pontos de aplicação (10 U por ponto). Para o músculo temporal, aplicam-se 20 U por lado, divididas em 2 pontos. Dessa forma, a dose total administrada por paciente é de 100 U de BTX-A, considerando a aplicação bilateral nos músculos envolvidos na elevação mandibular e no apertamento dental (Britto et al., 2023).
Este procedimento é realizado no consultório, utilizando uma solução salina 0,9% sem conservantes para diluir o produto, feito minutos antes da aplicação. A dosagem varia conforme o grau de bruxismo e o tipo de toxina utilizado. O efeito começa a ser notado após 72 horas da aplicação, atingindo o seu pico de eficácia em até 15 dias. A aplicação dessa substância requer cuidados específicos, pois a toxina pode se deslocar, afetando negativamente músculos não desejados e causando uma difusão indesejada. Por isso, nas primeiras 4 horas após o procedimento, é importante evitar massagear a área de injeção, usar gelo nos locais tratados ou realizar atividades físicas, para garantir melhores resultados (Silva et al., 2023).
Em média de 2 a 4 dias após a aplicação da toxina, pode-se observar efeitos e seus benefícios podem permanecer cerca de quatro meses, quando o efeito da toxina enfraquece, conservando os efeitos terapêuticos, é necessário realizar a repetição da administração, pois sua ação é limitada (da Silva, 2020).
Localizações da aplicação de toxina botulínica relacionados com a terapêutica do bruxismo (Britto et al., 2023)
2.3.2 Segurança e eficácia
A aplicação de TXB-A pode ser um manejo eficaz para o bruxismo do sono (SB), porque reduz a intensidade do músculo mastigatório e protege as estruturas mastigatórias da força excessiva, porém não pode reduzir a gênese do bruxismo do sono (Shim et al., 2020).
Considerando que o bruxismo é uma condição multifatorial, com diferentes etiologias envolvidas, o uso da toxina botulínica deve ser entendido como uma abordagem paliativa. É fundamental destacar que a toxina não promove a cura do bruxismo, mas sim atua na redução dos atos deletérios que ele pode causar nas estruturas orais e adjacentes. Portanto, seu uso deve ser integrado a um plano de tratamento multidisciplinar, voltado para o controle dos fatores contribuintes (Britto et al., 2023).
3. DISCUSSÃO
A aplicação da toxina botulínica tipo A (TXB-A) no tratamento do bruxismo tem se consolidado como uma abordagem promissora, especialmente para pacientes que não apresentam melhora significativa com as terapias convencionais, como o uso de placas oclusais, fisioterapia e medicamentos ansiolíticos ou relaxantes musculares. Os estudos analisados demonstram que a TXB-A atua de maneira eficaz na redução da hiperatividade dos músculos mastigatórios, como o masseter e o temporal, promovendo um alívio temporário, porém significativo, dos sintomas associados ao bruxismo (Britto et al., 2023).
Embora o bruxismo seja uma condição de etiologia multifatorial envolvendo aspectos neurológicos, emocionais, comportamentais e oclusais, a intervenção com toxina botulínica tem mostrado resultados positivos sobretudo nos casos em que a origem da disfunção está relacionada à hiperatividade muscular (Fernández-Núñez et al., 2019).
Isso reforça a ideia de que a toxina deve ser considerada uma ferramenta terapêutica complementar, inserida dentro de um plano de tratamento multidisciplinar (Britto et al., 2023).
Os efeitos clínicos da toxina botulínica começam a ser observados entre 48 a 72 horas após a aplicação, com pico de ação por volta de 15 dias e duração de 3 a 6 meses (Serrera Figallo et al., 2020).
Isso proporciona aos pacientes um período de alívio das dores musculares e articulares, redução do desgaste dentário e melhora da qualidade do sono, principalmente nos casos de bruxismo noturno (Shim et al., 2020).
Apesar dos benefícios relatados, alguns estudos apontam limitações. A principal delas é que a TXB-A não age sobre a causa do bruxismo, mas sim sobre os sintomas, atuando como método paliativo. Portanto, seu uso isolado não é suficiente para promover a cura do distúrbio, sendo essencial integrá-la a outras abordagens clínicas (Biscaro et al., 2024).
Além disso, ainda existem lacunas na literatura científica, principalmente no que diz respeito aos efeitos adversos a longo prazo, à eficácia em populações específicas (como crianças ou idosos) e à padronização das doses e locais de aplicação (Barba et al., 2021). Algumas reações adversas temporárias foram relatadas, como fraqueza muscular local, sensação de peso e, em casos mais raros, dificuldades na mastigação e alterações estéticas (Biscaro et al., 2024).
No entanto, essas complicações tendem a ser leves e reversíveis, especialmente quando a aplicação é realizada por profissionais capacitados.
É importante ressaltar que a TXB-A possui contraindicações específicas, como em gestantes, lactantes e pacientes com doenças neuromusculares ou hipersensibilidade à toxina, o que exige uma triagem rigorosa antes da intervenção (Britto et al., 2023).
Por isso, a capacitação profissional, o domínio anatômico e a escolha correta do protocolo de aplicação são determinantes para a segurança e eficácia do tratamento (Lobo; Silva, 2023).
Dessa forma, a literatura atual respalda o uso da toxina botulínica como um recurso terapêutico seguro e eficaz, especialmente para pacientes sintomáticos que não obtêm resposta satisfatória com os tratamentos convencionais. No entanto, o acompanhamento clínico contínuo e o desenvolvimento de novos estudos — especialmente ensaios clínicos randomizados de longo prazo — são fundamentais para validar e aprimorar os protocolos existentes (Vieira, Suguihara e Muknicka, 2022).
4. CONCLUSÃO
Apesar das limitações das pesquisas relacionadas ao tema, podemos concluir que a toxina botulínica, usada como tratamento para o bruxismo, é segura e eficaz, sendo, portanto, uma alternativa terapêutica complementar para pacientes com esta disfunção.
Pesquisas de longo prazo são fundamentais para avaliar a eficácia sustentada e a segurança do uso da toxina botulínica. Por fim, destaca-se a importância da formação continuada dos profissionais de saúde, a fim de assegurar uma prática clínica segura e eficiente. O investimento em capacitação e pesquisa é essencial para aprimorar o manejo do bruxismo, visando oferecer abordagens cada vez mais eficientes e individualizadas.
REFERÊNCIAS
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