REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202506110926
Jackson Lima Alves
Ana Oclenidia Dantas Mesquita
RESUMO
Introdução: Uma vez que, os MIPs são amplamente utilizados devido à sua fácil disponibilidade, baixo custo e potencial para curar adoecimentos leves e autolimitados. No entanto, o uso impróprio ou a sobredosagem destes medicamentos representa um risco significativo para a saúde pública e pode levar a intoxicações agudas e crônicas. Por referirem-se como medicamentos de venda livre, devem ser utilizados com cautela e sua dispensação requer a intervenção de um profissional farmacêutico para orientar o tratamento ao paciente/cliente e minimizar os riscos à saúde. Metodologia: Esta revisão bibliográfica qualitativa baseou-se em artigos científicos, livros, manuais técnicos e documentos oficiais obtidos em bases como PubMed, SciELO e BVS. Incluiu estudos dos sobre intoxicações por MIPs, priorizando artigos completos e acessíveis. A análise seguiu o protocolo PRISMA, com leitura crítica para identificar padrões e tendências sobre segurança e riscos à saúde. Discussão: Os MIPs mais frequentemente associados a intoxicações incluem analgésicos, anti-inflamatórios, descongestionantes e antiácidos. O paracetamol e o ibuprofeno podem causar danos hepáticos e renais, enquanto os descongestionantes estão relacionados a efeitos cardiovasculares e neurológicos. A automedicação sem orientação e a falsa percepção de segurança contribuem para o aumento das intoxicações, sobrecarregando os serviços de saúde e gerando altos custos. Conclusão: Esse trabalho ressalta a relevância da implementação de ações educativas voltadas para o uso racional dos medicamentos isentos de prescrição (MIPs), bem como a importância de intensificar a fiscalização sobre a publicidade desses produtos. Destaca-se ainda o papel essencial do farmacêutico na orientação correta aos pacientes, além da urgência na formulação de políticas públicas que promovam a conscientização da população quanto aos riscos do uso indiscriminado de medicamentos sem prescrição, a fim de reduzir os impactos negativos dessas práticas na saúde pública.
Palavras-chaves: Intoxicação medicamentosa; Automedicação; MIPs; Uso racional de medicamentos; Segurança do paciente.
ABSTRACT
Introduction: Since, MIPs are widely used due to their easy availability, low cost and potential to cure mild and self-limited illnesses. However, improper use or overdose of these drugs poses a significant risk to public health and can lead to acute and chronic poisoning. Because they are referred to as over-the-counter medicines, they should be used with caution and their dispensing requires the intervention of a pharmaceutical professional to guide the treatment of the patient/client and minimize health risks. Methodology: This qualitative bibliographic review was based on scientific articles, books, technical manuals and official documents obtained from databases such as PubMed, SciELO and VHL. It included studies on IMP poisonings, prioritizing complete and accessible articles. The analysis followed the PRISMA protocol, with critical reading to identify patterns and trends on safety and health risks. Discussion: MIPs most frequently associated with poisoning include analgesics, anti-inflammatory, decongestants and antacids. Paracetamol and ibuprofen can cause liver and kidney damage, while decongestants are related to cardiovascular and neurological effects. Self-medication without guidance and the false perception of safety contribute to the increase in poisoning, overloading health services and generating high costs. Conclusion: This work highlights the relevance of the implementation of educational actions aimed at the rational use of non-prescription medicines (MIPs), as well as the importance of intensifying the inspection of the advertising of these products. The essential role of the pharmacist in the correct guidance to patients is also highlighted, in addition to the urgency in the formulation of public policies that promote the population’s awareness of the risks of indiscriminate use of non-prescription medicines, in order to reduce the negative impacts of these practices on public health.
Keywords: Drug poisoning; Self-medication; MIPs; Rational use of medicines; Patient safety.
1. INTRODUÇÃO
O acesso a medicamentos sem prescrição médica é uma prática comum e regulamentada em diversos países. Os medicamentos isentos de prescrição (MIPs) são fármacos que precisam de aprovação sanitária para serem comercializados nos estabelecimentos de farmácias e drogarias, são utilizados para atuar em condições leves e de pouca gravidade, na medida que a prescrição médica não é obrigatória para sua dispensação, por conseguinte apresentarem eficácia e segurança na ocasião que são utilizados conforme as orientações descritas nas bulas e rótulos (MARINHO; MEIRELES, 2021). Os MIPs, conhecidos como medicamentos de venda livre, são internacionalmente identificados pela sigla OTC (do inglês over the counter), que significa, em tradução literal, “sobre o balcão”.
A primeira referência feita aos MIPs, no Brasil, ocorreu na Lei nº 5.991, de 17 de dezembro de 1973, que trata do controle sanitário de medicamentos. Neste contexto, a ideia de medicamento sem prescrição refere-se à ausência de dependência de medicamentos prescritos, definindo diferenças em relação à rotulagem e à publicidade dos produtos prescritos.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) estabeleceu requisitos precisos para categorizar um medicamento como isento de prescrição, abrangendo 33 grupos terapêuticos, com algumas exceções. De acordo com a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 882, de 2024, os critérios para categorizar medicamentos como isentos de prescrição consideram aspectos como o tempo de comercialização, a segurança do medicamento, os sintomas facilmente reconhecíveis e o uso por um curto período de tempo (ANVISA, 2024).
Além disso, foi realizada a atualização e adição de novos medicamentos à lista, conforme a Instrução Normativa (IN) nº 285, de 7 de março de 2024, que, em seu artigo I, criou-se as Listas de Medicamentos Isentos de Prescrição (LMIP), seguindo os critérios da RDC nº 98, de 1º de agosto de 2016 (BRASIL, 2024). Para que um medicamento seja classificado como MIP, é necessário que tenha risco potencial mínimo para o paciente e não cause dependência química ou psiquiátrica (DOMINGUES et al., 2017).
Em 29 de maio de 2003, a ANVISA instituiu a Resolução RDC nº 138, que definiu a categoria dos medicamentos isentos de prescrição. Essa medida teve como objetivo garantir o uso seguro desses produtos pela população, considerando critérios como o índice terapêutico, o potencial de toxicidade, normas adotadas internacionalmente e os medicamentos listados na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME).
No Brasil, essa classificação dos MIPs é feita de forma indireta. Isso significa que os medicamentos pertencentes a grupos e indicações terapêuticas estão descritos em uma lista específica, chamada de Lista de Grupos e Indicações Terapêuticas Especificadas (GITE) e são enquadrados nessa categoria (BRASIL, 2003).
Conforme estabelece a RDC nº 586, de 29 de agosto de 2013, a legislação brasileira autoriza os farmacêuticos a prescreverem medicamentos que não necessitam de receita médica, conhecidos como medicamentos isentos de prescrição, ou simplesmente MIPs (BRASIL, 2013).
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), automedicar-se significa escolher e utilizar medicamentos por iniciativa própria, sem orientação ou supervisão de um profissional habilitado da área da saúde. Essa prática pode incluir desde o reaproveitamento de medicamentos antigos até a compra de remédios controlados sem prescrição, além do uso incorreto de produtos de venda livre. Por representar riscos à saúde, especialmente quando feita sem o devido cuidado ou orientação, a automedicação é considerada uma preocupação de escala global.
Entre os problemas associados à automedicação estão diagnósticos errados, escolhas selecionadas de tratamento, efeitos colaterais, interações medicamentosas, ingestão simultânea de múltiplos medicamentos, erros na dosagem ou administração e até o desenvolvimento de dependência química. Tais práticas apresentam consequências graves para a segurança do paciente (OMS, 2017; MAGALHÃES et al., 2021; OLIVEIRA,2021).
Embora os medicamentos isentos de prescrição possam ser adquiridos sem a retenção da receita médica, é essencial que seu uso seja acompanhado de orientações adequadas para garantir a segurança e a eficácia do tratamento. O uso inadequado, como a ingestão de doses excessivas às indicadas, na falsa expectativa de acelerar a recuperação ou até combinação de diferentes medicamentos com nomes comerciais distintos, mas que possuem o mesmo princípio ativo, pode levar à intoxicação. Diante disso, o farmacêutico exerce um papel fundamental, sendo o profissional habilitado para orientar a população sobre o uso correto desses e de outros medicamentos, promovendo o uso racional e seguro.
A intoxicação medicamentosa pode ocorrer devido ao uso ou exposição, seja de forma aguda ou crônica, a medicamentos utilizados para tratamento, prevenção, diagnóstico ou controle de sinais e sintomas de doenças e acidentes (Toscano et al. 2016; Gonçalves et al. 2017). Isso pode acontecer em doses normais ou excessivas, independentemente da via de administração. Os efeitos dessa intoxicação podem variar, desde reações clínicas leves até situações mais severas (Toscano et al., 2016; Gonçalves et al., 2017; Mendes & Pereira, 2017).
Visto que a intoxicação por medicamentos representa um problema mundial e pode acontecer de maneira acidental, envolvendo situações como automedicação, erros de dosagem, tratamentos inadequados, substituição incorreta de medicamentos, além da ingestão não intencional ou ainda de forma intencional, quando associada ao abuso de substâncias, uso indevido ou tentativas de autolesão.
Entretanto, a intoxicação por doses excessivas de MIPs representa riscos associados ao uso impróprio desses medicamentos. Destaca-se, assim, a importância do farmacêutico na orientação e sensibilização dos pacientes quanto aos perigos da automedicação, reforçando a necessidade de atenção especial no uso dos MIPs. Além disso, é fundamental evidenciar o papel do profissional farmacêutico na promoção da segurança do paciente, prevenindo os impactos negativos decorrentes do uso inadequado desses produtos.
2. METODOLOGIA
Este trabalho trata-se de uma revisão bibliográfica de abordagem qualitativa, com a finalidade de reunir e examinar informações sobre intoxicações relacionadas ao uso excessivo de medicamentos isentos de prescrição (MIPs). A pesquisa foi baseada em artigos científicos, livros, manuais técnicos e documentos oficiais emitidos por órgãos reguladores.
As referências foram obtidas por meio de consultas a bases de dados consolidadas, como PubMed, SciELO e Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), além de fontes institucionais, como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e a Organização Mundial da Saúde (OMS). A organização dos dados seguiu as diretrizes do protocolo PRISMA (Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses), conforme demonstrado na Figura 1.
Figura 1 – Processo de triagem e seleção dos estudos incluídos.
Fonte: Autor, 2025
Na realização da pesquisa, foram empregados descritores como “intoxicação medicamentosa”, “automedicação”, “medicamentos isentos de prescrição”, “OTC” e “medicamentos de venda livre”. Para assegurar a relevância e a atualidade dos dados, a seleção de publicações foi restrita aos últimos 10 anos.
A análise dos materiais escolhidos ocorreu por meio de uma leitura crítica, com o objetivo de identificar padrões e tendências relacionados às intoxicações por MIPs, além de suas implicações para a segurança do paciente. Por se tratar de uma revisão bibliográfica, não houve envolvimento direto com seres humanos ou animais, o que dispensa a necessidade de aprovação por um Comitê de Ética em Pesquisa. Todas as fontes utilizadas serão devidamente referenciadas, garantindo a credibilidade do trabalho e o respeito às normas éticas da pesquisa científica.
3. RESULTADOS E DISCUSSÕES
As intoxicações medicamentosas vêm se consolidando como um sério desafio para a saúde pública no Brasil. De acordo com informações do Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox), esses produtos ocupam, desde 1994, a primeira posição entre os principais causadores de envenenamentos no país.
De acordo com o Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS), no ano de 2017 ocorreram 61.337 notificações de intoxicação por medicamentos, das quais 607 (0,9%) evoluíram para cura com sequelas e 352 (0,57%) resultaram em óbito. Entre 2007 e 2017, foram registradas 336.143 notificações de intoxicação por medicamentos no Brasil, sendo 28.412 apenas no estado da Bahia. Destas, 8.449 (29,7%) foram causadas pelo uso de medicamentos.
No entanto, observou-se um conflito de informações entre diferentes autores, uma vez que dados semelhantes, mas apresentados de forma distinta, foram encontrados em relatórios do Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox). De acordo com os relatórios, aproximadamente 40% dos casos de intoxicação no Brasil estão relacionados ao uso de medicamentos.
Entre os principais grupos terapêuticos envolvidos estão os analgésicos não opióides e antipiréticos (45,1%), anti-inflamatórios não esteroides (9,5%), anti-histamínicos (8,2%) e antibióticos (8,2%), com diferença estatística entre eles (p<0,01). No período de 2009 a 2018, o Sinitox registrou 254.135 casos de intoxicação em todo o Brasil, dos quais 710 evoluíram para óbito, representando 0,28% do total. Esses números corroboram as estatísticas do DATASUS, reforçando a relevância das intoxicações medicamentosas como um problema persistente de saúde pública.
Os medicamentos foram responsáveis pela maior parte dos casos de intoxicação registrados, correspondendo a aproximadamente 29% das notificações, seguidos por ocorrências envolvendo animais peçonhentos, produtos de limpeza doméstica e agrotóxicos. Conforme dados do Ministério da Saúde, em 2016, as intoxicações acidentais estavam entre os principais motivos de notificações envolvendo medicamentos, correspondendo a 32,7% dos casos reportados (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2016).
Apesar da insuficiência de dados estatísticos, é possível admitir que, no Brasil, as intoxicações agudas por medicamentos constituem um importante problema de saúde pública (TERRES, 2015). Diante dessa realidade, torna-se essencial a articulação entre os profissionais farmacêuticos para enfatizar os riscos e cuidados necessários relacionados à automedicação, especialmente no que se refere aos medicamentos isentos de prescrição (MIPs). Embora sejam liberados para venda sem receita, é fundamental um controle adequado e a implementação de estratégias que ampliem o conhecimento da população sobre o uso correto desses medicamentos (CFF, 2019).
De acordo com o Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico (IPPMF), uma pesquisa realizada em 2022 revelou que 82% da população brasileira se automedicam. O Instituto de Ciência, Tecnologia e Qualidade Industrial (ICTQ) já havia apontado que, oito anos antes, 76% da população declarou se automedicar sem qualquer restrição. Em 2016, esse índice foi de 72%; em 2018, subiu para 79%; e em 2020, atingiu 81%. A pesquisa de 2022 entrevistou 2.099 pessoas em 151 municípios (IPPMF, 2022).
Mais recentemente, no Dia Nacional do Uso Racional de Medicamentos, celebrado em 5 de maio de 2024, foi divulgado que cerca de 90% dos brasileiros recorrem à automedicação. O dado, proveniente de uma pesquisa realizada pelo Instituto de Ciência, Tecnologia e Qualidade (ICTQ), em parceria com o Conselho Federal de Farmácia (CFF) e o Datafolha, evidencia que o uso indiscriminado de medicamentos por conta própria se mantém elevado no país. Essa prática configura-se como um grave problema de saúde pública, pois os riscos envolvidos extrapolam o âmbito individual e passam a comprometer a saúde coletiva (ICTQ; CFF; DATAFOLHA, 2024).
Segundo o Conselho Federal de Farmácia (2019), os MIPs representam 31% do mercado farmacêutico. Entre os principais grupos farmacológicos de MIPs estão os analgésicos, antitérmicos, antiácidos, xaropes para expectoração e mucolíticos, colírios, descongestionantes nasais, vitaminas e alguns anti-inflamatórios (SÃO PAULO, 2010).
Embora a utilização desses medicamentos seja considerada segura e sua eficácia tenha sido comprovada por diversas pesquisas, o uso inadequado e sem o devido conhecimento terapêutico pode gerar danos à saúde.
Os anti-inflamatórios não esteroidais (AINES) de venda livre relacionam-se com o maior risco de toxicidade gastrointestinal e insuficiência renal em pacientes idosos, estando associados com o surgimento de diversos eventos cardiovasculares e uma série de interações medicamentosas. Os AINES também estão imbricados a inibição da síntese renal de prostaglandinas e retenção de fluídos corporais, quando usado ao mesmo tempo com anti-hipertensivos, como, por exemplo, o uso associado de propranolol com ácido acetilsalicílico, resultando na perda do efeito anti-hipertensivo. O paracetamol usado juntamente com AINES ou analgésicos eleva o risco de efeitos renais, não devendo a dose indicada ser ultrapassada (SANTOS; ALBUQUERQUE; GUEDES, 2022; ALCÂNTARA; ANDRADE, 2022).
Um estudo realizado pela Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Autocuidado em Saúde (ACESSA), em maio de 2024, destacou o perfil dos consumidores de medicamentos isentos de prescrição (MIPs) e a crescente conscientização da população sobre o autocuidado. Os dados revelaram que 86% dos entrevistados possuem MIPs em casa para o problema de pequenos desconfortos, como dor de cabeça. Além disso, 90% concordam que um médico deve ser consultado caso os sintomas persistam após o uso desses medicamentos, e 59% compartilham que os farmacêuticos são uma fonte importante de informação (ACESSA, 2024).
Com base nos dados extraídos do estudo “Prática da automedicação entre estudantes de enfermagem de instituição de ensino superior”, 52% dos entrevistados afirmaram ter utilizado algum medicamento nos últimos 15 dias. A principal razão para a automedicação entre os estudantes foi a dor (74,6%), seguida por inflamação (15,8%) e resfriamento (14,3%). Além disso, foi observado que 89,7% dos participantes buscaram atendimento médico nos últimos 12 meses, demonstrando que, apesar da alta taxa de automedicação, ainda há reconhecimento da importância do acompanhamento profissional na saúde. (SILVA et al., 2021).
O Projeto de Lei 1774/2019 propõe a comercialização de medicamentos isentos de prescrição (MIPs) em supermercados e outros estabelecimentos comerciais. No entanto, essa medida representa uma ameaça à saúde pública, pois ignora os riscos associados ao uso indiscriminado desses medicamentos. O Conselho Federal de Farmácia (CFF) alerta que a automedicação sem orientação profissional pode levar a intoxicações, agravamento de doenças e até mortes.
A falsa percepção de segurança dos MIPs leva muitas pessoas a subestimar seus riscos. Medicamentos como xaropes para tosse à base de dextrometorfano (DXM) podem causar alucinações e confusão mental quando utilizados de maneira inadequada. Da mesma forma, antidiarreicos contendo loperamida, em doses elevadas, podem provocar efeitos semelhantes aos opioides, incluindo arritmias cardíacas e óbito. Além disso, descongestionantes à base de pseudoefedrina são frequentemente utilizados na produção ilegal de metanfetamina, evidenciando que esses fármacos não são inofensivos (Conselho Federal de Farmácia, 2024).
Dados mostram que os riscos do uso indiscriminado de MIPs já são alarmantes. No Brasil, seis pessoas se intoxicam diariamente com esses medicamentos, sendo que mais da metade das vítimas são crianças de até quatro anos. Além disso, 90% da população brasileira se automedica, o que demonstra que o acesso aos medicamentos já é amplo. A experiência anterior também reforça os riscos dessa liberação: entre 1993 e 1995, período em que os MIPs puderam ser vendidos em supermercados, os casos de intoxicação por medicamentos aumentaram em 23% (Ministério da Saúde, 2024).
4. CONCLUSÃO
A automedicação e o uso indiscriminado de medicamentos isentos de prescrição (MIPs) representam um desafio significativo para a saúde pública. A facilidade de acesso e a crença equivocada de que tais fármacos são completamente seguros contribuem para o aumento de intoxicações e complicações de saúde. Conforme demonstrado neste estudo, analgésicos, anti-inflamatórios, descongestionantes e antiácidos estão entre os principais responsáveis por esses incidentes, podendo causar danos hepáticos, renais, cardiovasculares e neurológicos quando utilizados de forma inadequada.
A análise dos dados evidencia uma crescente incidência de intoxicações medicamentosas no Brasil, reforçando a necessidade de maior fiscalização e controle sobre a comercialização e o uso dos MIPs. A atuação do farmacêutico é essencial nesse contexto, pois sua orientação pode promover o uso racional desses medicamentos e prevenir complicações decorrentes do uso inadequado.
Para minimizar os impactos negativos do uso irracional de MIPs, é fundamental a implementação de políticas públicas voltadas à educação em saúde. Campanhas de conscientização são essenciais para informar a população sobre os riscos associados à automedicação, enquanto programas educativos em escolas, universidades e centros de saúde podem capacitar as pessoas a fazerem escolhas mais informadas sobre o uso de medicamentos. A valorização da atuação dos farmacêuticos também deve ser incentivada, garantindo que esses profissionais tenham um papel ativo na orientação e monitoramento do consumo de MIPs.
Além disso, uma regulamentação mais rigorosa sobre a venda de MIPs é imprescindível. Medidas como restrição da publicidade para evitar o incentivo ao uso indiscriminado, garantia de informações claras aos consumidores e criação de sistemas de monitoramento para identificar incidentes de intoxicação podem contribuir significativamente para a segurança no uso desses medicamentos. Investimentos em pesquisas sobre intoxicação medicamentosa também são necessários para embasar futuras políticas públicas e avaliar os riscos envolvidos.
Por fim, facilitar o acesso a consultas com profissionais de saúde e desestigmatizar a busca por orientação médica são medidas cruciais para reduzir os impactos da automedicação. A criação de centros especializados no atendimento de intoxicações medicamentosas e iniciativas de responsabilidade social, como parcerias público-privadas para distribuição de materiais educativos em farmácias e centros de saúde, são estratégias eficazes para sensibilizar a população sobre os riscos do uso irresponsável de MIPs. Assim, ao integrar esforços entre governo, profissionais de saúde e sociedade, será possível minimizar os danos decorrentes da automedicação e garantir um uso mais seguro e consciente desses medicamentos.
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