REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/fa10202506061839
Laís Mateus Mendes Verbicaro
Yasmin Kamilly Silva da Silva
Orientadora: Profa. Diana Guerra
Co-orientador: Msc Marcio Carvalho Cavalcante
RESUMO
O tratamento endodôntico, mais conhecido como tratamento de canal, é de suma importância para a preservação da saúde do dente, removendo a polpa infectada e limpando os canais radiculares para prevenir futuras infecções. A solução de hipoclorito de sódio atua como um agente desinfeccioso e é uma das mais utilizadas por dentistas para a irrigação desses canais durante o tratamento. Seu PH alcalino aumenta a capacidade de dissolução de tecidos orgânicos, eliminando microorganismos e fazendo com que esses canais sejam descontaminados. Apesar de ser um grande aliado, esse componente pode causar intercorrências durante o procedimento, como o extravasamento em tecidos periapicais. Esse extravasamento sucede de alguns fatores como de um forame apical amplo, pressão em excesso durante a irrigação, utilização de instrumentos inapropriados para a sua aplicabilidade, formação incompleta do ápice radicular dos dentes e violação do forame apical através do preparo mecânico.
Palavras-chave: tratamento; extravasamento; hipoclorito de sódio.
ABSTRACT
Endodontic treatment, better known as root canal treatment, is of paramount importance for preserving the health of the tooth, removing the infected pulp and cleaning the root canals to prevent future infections. The sodium hypochlorite solution acts as a disinfective agent and is one of the most used by dentists for the irrigation of these canals during treatment. It’s alkaline PH increases the dissolving capacity of organic tissues, eliminating microorganisms and causing these canals to be cleaned. Despite being a great ally, this component can cause complications during the procedure, such as extravasation in periapical tissues. This extravasation is due to some factors such as a wide apical foramen, excessive pressure during irrigation, incomplete formation of the root apex of the teeth and violation of the apical foramen through mechanical preparation.
Keywords: treatment; extravasation; sodium hypochlorite.
INTRODUÇÃO
A endodontia é o ramo da odontologia que trata as enfermidades que afetam a complexa estrutura interna dos dentes. Quando essa estrutura apresenta alguns sinais e sintomas de inflamação irreversível, dor incessante ou necrose pulpar, é necessário realizar o tratamento de canal. Durante o tratamento, essa polpa é removida, o canal é instrumentado e desinfectado para receber o material obturador.
Durante todo o tratamento, é utilizado o meio mecânico, como a instrumentação com limas endodônticas, e meio químico, como a desinfecção com o Hipoclorito de Sódio para eliminar todos os microrganimos presentes na cavidade e o EDTA para a remoção de smear layer, facilitando a instrumentação e restauração posteriormente (COHEN e HARGREAVES, 2011).
Ao longo da instrumentação, a escolha de uma substância adequada para a etapa de irrigação é essencial para que ocorra uma limpeza efetiva de todos canais e um contato íntimo com o conduto radicular (SOARES et al., 2007). O NaOCl é a principal indicação, visto que é acessível por possuir um baixo custo, possui uma excelente ação antimicrobiana e um alto poder de dissociação de matéria orgânica (ZEHNDER,2006). A profundidade de penetração do Hipoclorito apresenta um volume e uma frequência que faz aumenta a ação antimicrobiana. Dentro da odontologia, ele pode ser encontrado e usado em diversas concentrações, tais como: 0,5%; 1%; 2,5% e 5,25% e cada uma delas corresponde a uma indicação específica (SOARES et al., 2007).
Apesar de ter excelentes propriedades, o NaOCl é um agente irritante para os tecidos periapicais e possui grandes riscos que devem ser analisados minuciosamente pelo cirurgião-dentista, como por exemplo, o seu extravasamento (BONAN, 2011). Esse acidente pode ocorrer por diversos fatores, pode ser pela inadequada força e pressão em tecidos periapicais durante a irrigação, alargamento anormal do forame, trincas e fissuras em paredes da cavidade e formação incompleta dos dentes (LAZARI, I.B., 2022 apud ZHU et al., 2013). Por ser um elemento de alta toxicidade, ele é capaz de agredir permanentemente tecidos vivos, causando necrose tecidual (FERREIRA et al., 2013; BRAGANÇA et al., 2022)
O objetivo do trabalho é uma revisão de literatura sobre a utilização do hipoclorito no tratamento endodôntico e os riscos de seu extravasamento acidental por sua má utilização pode causar durante o tratamento, além das condutas caso o acidente ocorra.
REFERENCIAL HISTÓRICO
O tratamento endodôntico é um procedimento dedicado ao tratamento de doenças que cercam a polpa dentária. O principal objetivo da terapia endodôntica é a limpeza e desinfecção do sistema de canais radiculares, eliminando microrganismos, tecido necrótico, material orgânico ou tecido pulpar vital/inflamado. Em seguida, é realizado o preenchimento dessa cavidade pulpar através da obturação e reabilitação. Devido a isso, o preparo biomecânico é muito importante para a desinfecção, já que todo o tratamento é composto pela atuação mecânica (instrumentos endodônticos), substancias químicas auxiliares (ação química) e o processo de irrigar e aspirar (ação física). (COHEN e HARGREAVES, 2011)
As substâncias irrigadoras mais usadas para a desinfeção dos canais são hipoclorito de sódio (NaOCl), Clorexidina (CHX) e o Ácido Etilenodiaminico TetraAcético (EDTA), por apresentarem propriedades interessantes e positivas para o tratamento endodôntico. Porém, há controversas entre profissionais sobre o irrigante ideal para ser utilizado durante o preparo químico cirúrgico, sendo o hipoclorito de sódio, em suas diversas concentrações, o mais utilizado no mundo (PRETEL et al., 2011)
Quando a concentração de 5,25% é comparado a outras concentrações, o NaOCl tem uma compatibilidade biológica e estabilidade química melhor em menores concentrações (0,5% e 1%), mesmo sendo a concentração de 5,25% apresentando melhores resultados antimicrobianos. Entretanto, sabe-se que quanto maior a concentração, maior a citotoxicidade, o que pode ocasionar, em caso de extravasamento ao periodonto, graves consequências (BRAGANÇA. et al., 2022).
A história do hipoclorito de sódio apresenta seus primeiros relatos a partir de 1792, produzido por Berthollet – químico francês – que acabou recebendo o nome de Água de Javale, contendo na sua composição o hipoclorito de sódio e potássio. Posteriormente, em 1820, o químico Labarraque começou a usar o hipoclorito concentração a 2,5% para desinfectar feridas e alguns anos depois, em 1825, apresentou o seu uso para fins de limpeza em geral utilizada até os dias atuais. Em 1843, um médico americano chamado Oliver Holmes, recomendou a médicos de higienizassem suas mãos para visitar seus pacientes com hipoclorito de cálcio, para prevenir contaminações (NERIS et al., 2015).
Em 1915, Henry Dakin, durante a Primeira Guerra Mundial, observou que a solução de NaOCl a 2,5% mesmo desinfectando de maneira adequada as feridas, devido a sua alta concentração de hidróxido de sódio, o processo de cicatrização demorava, e por esse motivo criou outra formulação de 0,5%, sendo conhecida como solução de Dakin. Em 1917, Barret começou a usar a Solução de Dakin como solução irrigadora para canais radiculares, mostrando eficiência na ação antisséptica. Após dois anos, Coolidge também deu a função de limpeza e desinfecção para canais radiculares. Posteriormente, em um estudo divulgado em 1936, Walker mostrou que o uso de hipoclorito de sódio a 5% para irrigar durante o preparo de canais radiculares em dentes com a polpa necrosada, também servia para eliminar os microrganismos presentes. (NERIS et al., 2015)
COMPOSIÇÃO E CARACTERÍSTICAS DO HIPOCLORITO DE SÓDIO
O hipoclorito de sódio, também denominado como NaOCl, é um composto químico do grupo halogenados, conhecido por ser bactericida e solvente de tecido. (SOARES et al., 2007). Seu princípio ativo é o cloro e é usado popularmente como ação desinfetante. Ele é composto por um átomo de sódio, um átomo de oxigênio e um átomo de cloro, tornando-se a reação entre cloro e hidróxido de sódio. Além disso, detém propriedades oxidantes.
Por ser extremamente corrosivo, o NaOCl precisa ser manuseado cuidadosamente, pois sem o cuidado adequado, ele tem o potencial de causar queimaduras e lesões à pele e aos olhos (SOARES, R,. 2007 apud FREITAS et al., 2001). Acidentes relacionados ao hipoclorito podem ocasionar alguns danos irreversíveis. Se for absorvido pela boca ou ingerido, provoca hematêmese, enjôos, disenteria e infecção gastrointestinal. Se for inalado, pode causar falta de ar e outras complicações, principalmente se o paciente já foi diagnosticado com rinite, sinusite ou outra doença relacionada ao aparelho respiratório. Se entrar em contato com os olhos e a pele, causa vermelhidão e irritação aos tecidos, durando de 24 a 48 horas (LAZARI, I.B., 2022 apud MARTINS et al., 2018)
Sua principal função é o poder de dissociação da matéria orgânica e o poder antimicrobiano (NINLA, 2019). Seu potencial sempre será proporcional à sua concentração, ou seja, quanto maior a concentração do hipoclorito, maior dissolução ele tem e maior é seu poder antimicrobiano. A rapidez de ação do NaOCl para realizar tratamentos também é proporcional à concentração, pois quanto maior sua concentração, mais rápido é o processo de descontaminação e dissolução. Em contrapartida, ele possui um alto poder agressivo quando entra em contato com tecidos periapicais, quanto maior a concentração, mais tóxico será à esses tecidos. (SOARES et al., 2007)
As principais concentrações que podem ser encontradas são as de 0,5%, 1,0%, 2,5% e 5,25%. A concentração de 1,0%, é indicada para casos com menor carga microbiana, casos em que o contato do hipoclorito com a região periapical seja maior, casos em dentes decíduos por ser uma concentração menor e ser menos agressiva aos tecidos (FERREIRA, J., 2022 apud Rodrigues et al., 2016). A concentração de 2,5% é para tratamentos endodônticos no geral, em que ocorre necropulpectomia (ESCOBAR et al., 2010). A concentração de 5,25% é indicada para atendimentos rápidos, de urgência e que necessitem de efeito imediato. Geralmente em casos de ação desinfetante em um comprimento de trabalho provisório, visto que é um bom solvente de tecido necrótico (HAND et al., 1978).
Além disso, o protocolo de agitação é essencial para potencializar o efeito da substância química e penetrá-la nas regiões em que o instrumento não é capaz de atingir. Uma das principais técnicas é o uso do Easy Clean, uma ponta de plástico de 0,25mm que com o auxílio do micro-motor em baixa rotação, limpa as paredes dos canais radiculares através de agitação mecânica (KATO et. al., 2016). Essa técnica ocorre após o preparo químico mecânico e é feita com NaOCl a 2,5% e também com o EDTA a 17% (DUQUE et. al., 2017).
COMO OCORRE O EXTRAVASAMENTO E MEDIDAS A SEREM TOMADAS
O hipoclorito é uma substância utilizada há mais de cem anos na odontologia e é um excelente bactericida, além de ser acessível, ter baixo custo e fácil de ser encontrado. Entretanto, é altamente agressivo aos tecidos vivos. Sua característica principal é a capacidade de dissolução tecidual e por ser altamente solúvel, possui propriedades tóxicas e perigosas quando extravasado via forame apical. (NINLA, 2019)
Antes de tudo, deve-se tentar evitar ao máximo o extravasamento através de uma aspiração adequada e irrigação cuidadosa, sem pressão excessiva ou proximidade ao forame apical (LAZARI, I.B., 2022 apud ZHU et al., 2013). Além disso, é imprescindível conhecer a anatomia, realizar uma cuidadosa odontometria para respeitar o comprimento de trabalho e evitar posteriormente esse dano tecidual.(referência)
Medidas como realizar uma boa radiografia periapical, executar um bom isolamento absoluto e um bom acesso coronário são primordiais para evitar que o extravasamento ocorra. (LAZARI, I.B., 2022 apud PSIMMA et al., 2019)
Quando extravasado, pode provocar diferentes respostas dependendo de sua concentração, volume de solução, área que foi extravasada e da sensibilidade do paciente à essa substância. As reações mais frequentes que podem ser manifestadas são de dor intensa, mesmo o paciente estando anestesiado, sangramento abundante e vivo, rubor, parestesia e edema no local (LAZARI, I.B., 2022 apud MARTINS et al., 2018). Reações mais severas apresentam a obstrução de vias aéreas, colocando a vida do paciente em risco. O profissional deve identificar sinais precoces de extravasamento o mais rápido possível, para assim, administrar a melhor conduta e minimizar futuras sequelas do acidente (BITHER e BITHER, 2013).
A melhor conduta é intervir o atendimento imediatamente e irrigar a área com soro fisiológico ou água destilada. Realizar a lavagem é essencial para tentar diminuir ou eliminar qualquer resquício de NaOCl na região periapical. Após isso, realizar uma compressa de gelo em intervalos de 15 minutos durante 24 horas e uma compressa quente após 24 horas do acidente em intervalos de 15 minutos. (BITHER e BITHER, 2013)
Mesmo após essas condutas, o paciente provavelmente continuará sentindo certas manifestações durante alguns dias, como dor, crescimento de edema e vermelhidão no local, até o organismo reabsorver todo o processo. O cirurgião-dentista deve sempre se atentar ao limite apical de introdução da agulha, evitando o extravasamento indesejado. Além disso, é imprescindível a associação de prescrição medicamentosa para controlar a dor do paciente e prevenir futuras complicações (TRAVASSOS et al., 2020).
CONCLUSÃO
De acordo com o que foi apresentado, é imprescindível a importância do tratamento endodôntico para manutenção da saúde e funcionalidade do sistema mastigatório. O uso de irrigantes são essenciais para o êxito do tratamento, entre eles o hipoclorito de sódio, o mais utilizado no mundo, com eficácia comprovada através dos anos como solução química e irrigadora durante o tratamento endodôntico. Além do NaOCl, existem outras substâncias que tem a sua importante contribuição na odontologia e tem propriedades específicas, porém como todas essas substâncias, atualmente utilizadas, contém vantagens e desvantagens, não existindo a substância única ideal e a principal desvantagem do NaOCL é não ser biocompativel.
Acidentes com o extravasamento do hipoclorito de sódio devem ser evitados, devendo ser respeitado e corretamente executadas todas as fases do tratamento endodôntico. O isolamento absoluto bem adaptado, a correta aferição da odontometria e a utilização de agulhas para irrigação com saída lateral (força de irrigação) são de suma importância para evitar que soluções químicas irrigantes acessem tanto a cavidade bucal quanto aos tecidos periapicais, os quais estão fora da área de trabalho. Caso aconteça, o profissional deve tomar todas as medidas necessárias para o tratamento correto do paciente com tratamento local e sistêmico com uso de corticosteroide, analgésico e antibiótico, além do monitoramento e orientação para o paciente, especialmente nas primeiras 24 horas.
Concluímos com esse trabalho que considerando os benefícios do hipoclorito de sódio, é fundamental que os cirurgiões dentistas – especialmente os que realizam tratamento endodôntico – estejam cientes das suas propriedades e como usá-lo com todos os cuidados, visando o tratamento de excelência e o bem-estar do paciente.
REFERÊNCIAS
COHEN, S et al. Caminhos da polpa. 10ª edição. Elsevier Brasil, 27 de dezembro de 2011
BRAGANÇA, Ana Clara. Lima, Michel. Nunes, Eduardo. Acidentes em endodontia com Hipoclorito de Sódio: Revisão de Literatura. Arquivo Brasileiro de Odontologia, v.18, n.2, p. 44. 2022.
LAZARI, I. B. Complicações do extravasamento de hipoclorito de sódio na Endodontia: artigo de revisão. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 07, Ed. 10, Vol. 04, pp. 50-56. Outubro de 2022.
SOARES, Renata Grazziottin.; DAGNESE, Cristiane.; IRALA, Luís Eduardo Duarte.; SALLES, Alexandre Azevedo; LIMONGI, Orlando. Injeção acidental de hipoclorito de sódio na região periapical durante o tratamento endodôntico: Relato de caso. Revista Sul-brasileira de odontologia. vo. 4, n. 1, 2007.
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NINLA, Elmawati Falabiba. Auxiliary chemical substances: sodium hypochlorite x chlorexidine. FACS/UNIVALE. n. 33, 2019.