REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202506051603
Laryssa Gabriele de Lima Castro1
Isadora Arantes Martins2
Amanda Lima Giacomelli3
Mariana Delfino Rodrigues4
Resumo
O câncer do colo do útero permanece como um grave problema de saúde pública no Brasil, especialmente em regiões com menor acesso a serviços especializados e políticas de prevenção eficazes, como é o caso de Rondônia. Este estudo teve como objetivo analisar os dados epidemiológicos do câncer cervical no estado de Rondônia entre os anos de 2020 e 2024, com ênfase na avaliação da efetividade dos programas de rastreamento para a detecção precoce e redução da mortalidade. A metodologia adotada baseou-se em uma abordagem quantitativa, descritiva e retrospectiva, com levantamento de dados secundários disponibilizados pelo SISCAN, Painel Oncologia do INCA e AGEVISA, além de revisão bibliográfica em bases como SciELO, PubMed e Google Acadêmico. Os resultados indicaram que, embora mais de 200 mil exames citopatológicos tenham sido realizados no período, os índices de casos confirmados e óbitos mantiveram-se elevados, revelando fragilidades na continuidade do cuidado e nos fluxos assistenciais. Constatou-se que o aumento da cobertura de exames não resultou, por si só, em redução proporcional da mortalidade, apontando para a necessidade de aprimoramento das políticas regionais. Conclui-se que, apesar dos avanços institucionais, ainda há importantes desafios para que o rastreamento se converta em impacto concreto na saúde das mulheres rondonienses.
Palavras-chave: Câncer do Colo do Útero; Rastreamento; Saúde Pública; Mortalidade; Epidemiologia.
1. INTRODUÇÃO
O câncer do colo do útero é um dos principais tipos de neoplasias que acometem mulheres em idade reprodutiva no Brasil e no mundo. Trata-se de uma doença que, apesar de apresentar elevada taxa de mortalidade em populações vulneráveis, é amplamente evitável e tratável quando detectada precocemente. De acordo com o Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA), o câncer cervical ocupa a quarta posição entre os tipos de câncer mais comuns entre mulheres, sendo um problema de saúde pública significativo nas regiões mais periféricas do país, especialmente no Norte, onde se encontram os maiores índices de desigualdade no acesso aos serviços de saúde (INCA, 2023).
No contexto brasileiro, o rastreamento desse tipo de câncer é realizado principalmente por meio do exame citopatológico do colo do útero, conhecido como Papanicolau, cuja realização periódica permite identificar lesões precursoras e impedir a progressão da doença (BRASIL, 2016). Ainda assim, diversos estudos apontam que, mesmo com a existência de programas nacionais de rastreamento, a cobertura efetiva é desigual, e os impactos na redução da mortalidade nem sempre são observados de forma homogênea entre os estados (Cerqueira et al., 2022; Chaves et al., 2022).
Em Rondônia, essa realidade se agrava diante de obstáculos estruturais, culturais e geográficos. De 2020 a 2024, o estado registrou 947 casos de neoplasia maligna do colo do útero e 290 óbitos, apesar da realização de mais de 200 mil exames citopatológicos no mesmo período, conforme dados da Secretaria de Estado da Saúde de Rondônia. Tais dados evidenciam um possível descompasso entre o volume de exames realizados e a efetividade do rastreamento na redução dos óbitos, o que levanta questionamentos sobre a qualidade dos serviços prestados, a capilaridade dos programas de rastreamento e a adesão das mulheres às etapas subsequentes ao diagnóstico inicial.
A presente pesquisa foi motivada pela necessidade de compreender o real impacto dos programas de rastreamento do câncer do colo do útero no estado de Rondônia e avaliar a eficácia desses programas na detecção precoce da doença e na redução dos índices de mortalidade. Parte-se da premissa de que uma cobertura quantitativa expressiva não necessariamente traduz um controle eficiente da neoplasia, sendo necessário analisar aspectos como qualidade do exame, tempo entre diagnóstico e início do tratamento, e continuidade do cuidado ofertado.
O estudo é relevante tanto do ponto de vista teórico quanto prático. Teoricamente, contribui para a ampliação do debate sobre a efetividade das políticas públicas de saúde voltadas para a saúde da mulher. Do ponto de vista prático, permite identificar fragilidades e propor ações mais assertivas para o controle do câncer do colo do útero em contextos com baixa equidade no acesso aos serviços de saúde. A pesquisa também visa subsidiar gestores, profissionais e instituições na formulação de políticas mais eficazes e equitativas.
Diante disso, este trabalho tem como objetivo geral analisar os dados epidemiológicos do câncer de colo do útero em Rondônia entre os anos de 2020 a 2024, observando o impacto dos programas de rastreamento na detecção precoce e na mortalidade por esta neoplasia. Como objetivos específicos, propõe-se: avaliar a cobertura dos exames citopatológicos por município; relacionar o número de exames com os casos diagnosticados e os óbitos registrados; identificar possíveis falhas ou lacunas no processo de rastreamento e tratamento.
Dessa forma, o estudo parte da análise de dados concretos obtidos junto aos sistemas oficiais de saúde para, por meio de uma abordagem quantitativa, identificar se os investimentos em rastreamento vêm produzindo os efeitos esperados no controle do câncer cervical em Rondônia, e quais os desafios persistem para que as metas de redução da mortalidade sejam efetivamente alcançadas.
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA OU REVISÃO DA LITERATURA
2.1 O Câncer do Colo do Útero: Aspectos Epidemiológicos e Fatores de Risco
O câncer do colo do útero é uma neoplasia maligna que se desenvolve a partir de alterações celulares na região do colo uterino, geralmente de progressão lenta e precedida por lesões precursoras identificáveis. Considerada uma das principais causas de morte por câncer entre mulheres no mundo, essa doença apresenta forte associação com a infecção persistente por tipos oncogênicos do papilomavírus humano (HPV), especialmente os tipos 16 e 18. Trata-se de uma enfermidade evitável e com elevadas chances de cura quando diagnosticada precocemente, por meio de ações de rastreamento, educação em saúde e acesso ao tratamento oportuno (INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER JOSÉ ALENCAR GOMES DA SILVA – INCA, 2022).
No contexto brasileiro, o câncer do colo do útero continua sendo um desafio significativo para o sistema público de saúde, particularmente nas regiões Norte e Nordeste, onde se concentram os maiores índices de incidência e mortalidade. Em Rondônia, entre os anos de 2020 e 2024, foram registrados 947 casos e 290 óbitos por essa neoplasia, evidenciando a persistência de desigualdades regionais no enfrentamento da doença (AGÊNCIA ESTADUAL DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE DE RONDÔNIA – AGEVISA, 2025). Essas disparidades estão fortemente associadas a determinantes sociais da saúde, como nível educacional, renda, cobertura da atenção primária e infraestrutura de serviços especializados, tornando o acesso ao rastreamento e ao tratamento algo muitas vezes limitado (VIEIRA et al., 2022).
Os fatores de risco associados ao desenvolvimento do câncer do colo do útero envolvem, além da infecção por HPV, início precoce da vida sexual, múltiplos parceiros sexuais, tabagismo, imunossupressão, e ausência ou baixa frequência de exames preventivos. Segundo estudos, esses fatores estão presentes de forma acentuada em contextos de vulnerabilidade social e em localidades com baixa cobertura de programas de prevenção (BARBOSA, 2017). A literatura reforça que a associação entre fatores biológicos, comportamentais e contextuais contribui para o avanço silencioso da doença até fases sintomáticas mais graves, sendo comum que mulheres procurem os serviços de saúde já com o câncer em estágio avançado (INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER JOSÉ ALENCAR GOMES DA SILVA – INCA, 2023).
Autores como Silva et al. (2022) indicam que a pandemia da COVID-19 acentuou ainda mais as fragilidades já existentes no sistema de saúde da Região Norte, reduzindo o acesso ao rastreamento e impactando diretamente no número de diagnósticos tardios. Já Pereira et al. (2024) apontam que, mesmo antes da pandemia, a estrutura do programa de prevenção apresentava limitações importantes quanto à capilaridade dos serviços e à sensibilização da população-alvo. Há, portanto, divergências quanto ao peso relativo de cada fator – estrutural ou comportamental – na explicação para os altos índices de morbimortalidade, embora haja consenso sobre a multifatorialidade da doença e a necessidade de abordagens integradas e regionais.
As limitações das abordagens atuais incluem tanto falhas nos programas de rastreamento — que em muitos locais se dão de forma oportunística, e não organizada — quanto a baixa qualidade dos exames realizados, a escassez de recursos humanos capacitados e a ausência de políticas de acompanhamento das mulheres com resultados alterados. Esses desafios são particularmente agravados em estados como Rondônia, onde o acesso geográfico, as condições socioeconômicas e a baixa escolaridade dificultam o acompanhamento longitudinal das pacientes (SANTOS et al., 2022; SOUZA et al., 2022). Além disso, a subnotificação de dados e a inconsistência nos registros dos sistemas de informação limitam o planejamento de ações eficazes e o monitoramento dos resultados em saúde (BRASIL, 2025).
2.2 O Papel do Rastreamento na Prevenção e Detecção Precoce
O rastreamento do câncer do colo do útero é reconhecido como a principal estratégia de prevenção secundária dessa neoplasia, com o objetivo de identificar lesões precursoras antes que se transformem em câncer invasivo. A detecção precoce, realizada por meio do exame citopatológico do colo uterino, conhecido como exame de Papanicolau, permite intervenções oportunas e aumenta significativamente as chances de cura, além de reduzir os custos com tratamentos oncológicos em estágios avançados (BRASIL, 2016). Essa abordagem baseia-se na coleta de células do colo uterino para análise morfológica, sendo indicada, segundo as diretrizes brasileiras, para mulheres entre 25 e 64 anos, com periodicidade trienal após dois exames consecutivos anuais negativos (INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER JOSÉ ALENCAR GOMES DA SILVA – INCA, 2016).
No escopo da presente pesquisa, que trata da realidade epidemiológica do câncer cervical em Rondônia entre 2020 e 2024, o rastreamento é um eixo central de análise, dado o volume expressivo de exames realizados no estado — mais de 202 mil no período — e, ao mesmo tempo, a persistência de altos índices de mortalidade (BRASIL, 2025). Esses dados apontam para uma possível desconexão entre a quantidade de exames e sua efetividade, exigindo um olhar mais crítico sobre a qualidade do rastreamento, sua organização e abrangência. Em contextos de elevada desigualdade, como nas regiões Norte do país, é comum que os exames sejam realizados de forma oportunista, sem um planejamento sistemático ou garantia de continuidade assistencial (CERQUEIRA et al., 2022).
Do ponto de vista teórico, autores como Costa et al. (2018) e Pereira et al. (2024) destacam a importância de se diferenciar programas de rastreamento organizados — baseados em convites regulares, controle de qualidade e seguimento — dos modelos oportunísticos, que ocorrem sem planejamento, dependendo da iniciativa individual da usuária ou do profissional de saúde. A literatura indica que os programas organizados são mais eficazes na redução da incidência e mortalidade, pois conseguem atingir populações vulneráveis e garantir a resolução completa dos casos detectados. Contudo, no Brasil, predomina o modelo oportunístico, o que pode comprometer os resultados esperados mesmo em regiões com altos volumes de exames (PEREIRA et al., 2024).
Há divergências entre os autores sobre as causas da baixa efetividade do rastreamento. Enquanto alguns destacam a fragilidade da estrutura dos serviços públicos e a ausência de sistemas de informação integrados como principal entrave (SANTOS et al., 2022), outros ressaltam a falta de adesão das mulheres ao exame e ao seguimento, muitas vezes influenciada por fatores culturais, desinformação ou medo do diagnóstico (SILVA et al., 2017). Essa discordância revela a complexidade do problema e aponta para a necessidade de abordagens intersetoriais que combinem estrutura organizacional eficiente com ações de educação e sensibilização em saúde.
Além dessas divergências, críticas recorrentes à abordagem atual de rastreamento incluem a baixa qualidade técnica dos exames, a formação inadequada dos profissionais que realizam a coleta, e a ausência de mecanismos eficazes de chamada e retorno para as mulheres com resultados alterados. Em estados como Rondônia, essas falhas estruturais se somam à dificuldade de acesso geográfico, sobretudo em comunidades rurais e indígenas, ampliando o risco de que os exames, mesmo quando realizados, não resultem em diagnóstico precoce ou tratamento eficaz (CHAVES et al., 2022; VIEIRA et al., 2022). Ademais, o subaproveitamento de dados dos sistemas SISCAN e SIM prejudica o planejamento e a gestão dos programas, que muitas vezes carecem de informações confiáveis para tomada de decisão (BRASIL, 2025).
2.3 Barreiras no Acesso e Continuidade do Cuidado: Entre Diagnóstico e Tratamento
A etapa que sucede o rastreamento e diagnóstico do câncer do colo do útero é tão essencial quanto sua prevenção. A continuidade do cuidado, entendida como a trajetória entre a detecção de uma lesão precursora ou câncer invasivo e o efetivo início do tratamento, é um elo crítico no enfrentamento da doença. Quando essa transição é falha ou interrompida, ocorre o agravamento da condição clínica, o que compromete as chances de cura e contribui para o aumento da mortalidade. Essa problemática é especialmente relevante em contextos de vulnerabilidade social, como no estado de Rondônia, onde as distâncias geográficas, a precariedade da rede assistencial e a desorganização do sistema de saúde impõem barreiras significativas à integralidade do cuidado (CARVALHO, O’DWER & RODRIGUES, 2018).
O escopo deste trabalho, voltado à análise da epidemiologia do câncer do colo uterino entre 2020 e 2024 em Rondônia, permite evidenciar que, apesar de mais de 200 mil exames realizados no período, houve 947 casos diagnosticados e 290 óbitos registrados. Esse dado sugere que a simples realização do exame citopatológico não é garantia de desfechos favoráveis. A ausência de políticas eficazes de seguimento e a fragmentação entre os serviços de atenção básica e média/alta complexidade revelam a incapacidade do sistema em assegurar a linha do cuidado completa às mulheres diagnosticadas com alterações celulares ou câncer (BRASIL, 2025).
Do ponto de vista teórico, Cerqueira et al. (2022) ressaltam que o controle do câncer do colo do útero só é efetivo quando o rastreamento está inserido em um programa estruturado que inclui a notificação, o encaminhamento ágil, o acesso a biópsias e exames complementares, e o início do tratamento em tempo oportuno. Já Souza et al. (2022) evidenciam que o despreparo das equipes da atenção primária, aliado à fragilidade dos fluxos de referência e contrarreferência, constitui um obstáculo frequente. Em regiões como a Amazônia Legal, a situação é agravada por fatores logísticos, como escassez de transporte público, infraestrutura limitada e baixa densidade de unidades especializadas em oncologia.
As divergências entre autores concentram-se na identificação do principal fator de ineficiência. Enquanto alguns estudiosos apontam falhas organizacionais no sistema de saúde como o maior problema — como ausência de protocolos e demora na regulação (PEREIRA et al., 2024) — outros destacam os fatores socioculturais como entraves determinantes, como o medo do diagnóstico, o estigma da doença e a desistência ao longo do percurso assistencial (SILVA et al., 2017). Essas interpretações não são mutuamente excludentes, mas sim complementares, pois evidenciam que o problema é multifatorial e requer uma abordagem sistêmica, que una o fortalecimento institucional à educação em saúde da população.
3. METODOLOGIA
Este estudo adotou uma abordagem quantitativa, descritiva e retrospectiva, com o objetivo de analisar o perfil epidemiológico do câncer do colo do útero no estado de Rondônia, no período de 2020 a 2024. Associado ao perfil, o presente estudo teve como objetivo discutir sobre o impacto dos programas de rastreamento na detecção precoce da doença e na redução da mortalidade associada.
A investigação foi desenvolvida em duas etapas metodológicas complementares:
Na primeira etapa, realizou-se uma revisão de literatura integrativa, visando embasar teoricamente a pesquisa por meio da identificação de conceitos-chave, métodos epidemiológicos aplicados e resultados prévios relacionados ao câncer cervical, rastreamento populacional, políticas públicas de saúde da mulher e aspectos epidemiológicos da Região Norte do Brasil. A busca bibliográfica foi conduzida em bases indexadas como PubMed, SciELO, Google Acadêmico e bibliotecas virtuais de instituições de ensino superior. Foram utilizados descritores controlados e não controlados, entre eles: “câncer do colo do útero”, “rastreio”, “prevenção secundária”, “mortalidade por câncer cervical”, “políticas públicas em saúde da mulher” e “Região Norte do Brasil”. Foram incluídas publicações dos últimos cinco anos (2018–2023), com critérios de seleção baseados na relevância temática, qualidade metodológica e pertinência ao recorte geográfico e temporal da pesquisa. As fontes incluíram artigos científicos, teses, dissertações, documentos oficiais e literatura técnica.
Na segunda etapa, procedeu-se à coleta e análise de dados epidemiológicos secundários, referentes ao estado de Rondônia, com recorte temporal de 2020 a 2024. Os dados foram extraídos de fontes oficiais, como o Sistema de Informação do Câncer (SISCAN), o Painel de Oncologia do Instituto Nacional de Câncer (INCA) e os relatórios da Agência Estadual de Vigilância em Saúde de Rondônia (AGEVISA). Foram coletadas variáveis como: número anual de exames citopatológicos realizados, casos confirmados de neoplasia maligna do colo do útero e óbitos relacionados à doença.
Os dados foram organizados em planilhas, categorizados por ano e tipo de indicador (exames, diagnósticos e óbitos). A análise estatística seguiu abordagem descritiva, com construção de tabelas e gráficos para facilitar a visualização dos dados, identificação de tendências temporais, variações nos indicadores epidemiológicos e potenciais associações entre rastreamento, diagnóstico precoce e desfechos clínicos.
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Entre os anos de 2020 a 2024, foram realizados 202.478 exames citopatológicos no estado de Rondônia. Esse volume expressivo de exames representa uma cobertura aparentemente ampla da população-alvo, que compreende mulheres entre 25 e 64 anos, conforme orientações do Ministério da Saúde (BRASIL, 2016). Na tabela 1 está a distribuição do quantitativo de exames por ano de estudo.
Os dados levantados indicaram que, entre os anos de 2020 a 2024, foram realizados aproximadamente 202.478 exames citopatológicos no estado de Rondônia. Esse volume expressivo de exames representa uma cobertura aparentemente ampla da população-alvo, que compreende mulheres entre 25 e 64 anos, conforme orientações do Ministério da Saúde (BRASIL, 2016). Entretanto, no mesmo intervalo, foram registrados 673 casos de neoplasia maligna do colo do útero (CID C53), conforme apresentado na Tabela 1, além de 290 óbitos, segundo dados da AGEVISA (2025).
Tabela 1 – Exames Citopatológicos por Ano (2020–2024)

Pode-se perceber que houve um aumento gradual no número de exames entre 2020 (37.890) e 2022 (42.010), sugerindo uma recuperação ou ampliação da cobertura dos exames nesse período. Importante ressaltar que apesar do volume relativamente alto de exames realizados, essa quantidade por si só não garante a efetividade do rastreamento, já que é necessário avaliar também a qualidade das amostras, a faixa etária das mulheres atendidas e o seguimento dos casos com alterações.
Durante o período avaliado, foram registrados 673 casos de neoplasias malignas do colo do útero, correspondendo a uma taxa de positividade de 0,33%. Esse índice é significativamente inferior às taxas recomendadas pelas Diretrizes para Detecção Precoce do Câncer do Colo do Útero do Ministério da Saúde (2016) e pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA), que indicam valores entre 3% e 10% em populações-alvo adequadamente rastreadas, ou seja, mulheres de 25 a 64 anos com vida sexual ativa. Diversos fatores podem contribuir para essa discrepância, incluindo a subnotificação, a inclusão de mulheres fora da faixa etária preconizada para rastreamento e a elevada repetição de exames realizados em intervalos inferiores ao recomendado pelo Ministério da Saúde. A tabela 3 está a relação de casos confirmados de Câncer de Colo de Útero por ano.
Tabela 3 – Casos Confirmados de Câncer do Colo do Útero por Ano (2020–2024)

O número de casos varia pouco ao longo dos anos, mantendo-se entre 128 e 137 casos/ano, o que demonstra uma estabilidade preocupante, já que não há redução significativa nos casos diagnosticados, mesmo com a realização contínua de exames citopatológicos.
Além disso, a análise da mortalidade, que registrou 290 óbitos entre os 673 casos positivos, revela uma taxa aproximada de 43,1%, sugerindo um cenário preocupante. A alta mortalidade, em contraste com a baixa positividade, indica possivelmente um diagnóstico tardio, dificuldades no acompanhamento das pacientes após a confirmação do diagnóstico e barreiras no acesso ao tratamento adequado. Representado na tabela 4 abaixo o número de óbitos por ano.
Tabela 4 – Óbitos por Câncer do Colo do Útero por Ano (2020–2024)

Essa realidade evidencia fragilidades no processo de rastreamento do câncer do colo uterino na região estudada, mesmo diante da realização de milhares de exames. A baixa detecção dos casos reflete falhas na qualidade do rastreamento, que podem estar associadas a problemas estruturais, como a organização inadequada dos serviços, coleta deficiente das amostras e a ausência de protocolos padronizados para o seguimento das mulheres com resultados anormais. Tais pontos foram destacados em estudos recentes, que reforçam que programas de rastreamento oportunístico, ainda predominantes na maioria dos municípios brasileiros, apresentam menor efetividade na redução da incidência e mortalidade quando comparados a programas organizados e sistemáticos.
Adicionalmente, o impacto da pandemia de COVID-19 sobre a realização dos exames preventivos e o acompanhamento das pacientes não pode ser negligenciado, já que contribuiu para a estagnação dos indicadores durante esse período. Outro desafio crítico é a lacuna entre o diagnóstico e o tratamento oportuno. Mesmo com a identificação precoce de lesões por meio do exame citopatológico, a fragmentação da rede assistencial e a falta de fluxos de referência ágeis dificultam a continuidade do cuidado, agravando os desfechos clínicos.
A discrepância entre o número expressivo de exames realizados e os indicadores clínicos desfavoráveis evidencia que a cobertura quantitativa dos exames não implica necessariamente em efetividade do programa de rastreamento. Essa constatação reforça a necessidade de uma abordagem integrada que englobe a qualidade do rastreamento, educação em saúde, adesão ao seguimento clínico e acesso rápido ao tratamento especializado.
Por fim, estudos indicam que o problema é multifatorial, envolvendo tanto limitações estruturais, como insuficiência de recursos humanos e falhas na gestão dos dados, quanto fatores socioculturais, como o medo do diagnóstico, o estigma associado à doença e o baixo nível educacional. Em Rondônia, essas barreiras são potencializadas pela realidade geográfica e social, com dificuldades de acesso a serviços de saúde em áreas remotas, rurais e indígenas, o que compromete ainda mais a efetividade da linha de cuidado para o câncer do colo do útero.
Portanto, os resultados deste estudo corroboram os achados da literatura recente e evelam a necessidade de reformulação dos modelos de rastreamento adotados, priorizando a estruturação de programas organizados e integrados, além da qualificação contínua dos profissionais de saúde e do uso eficaz dos dados disponíveis para o planejamento de políticas públicas.
5. CONCLUSÃO
Com base nos dados apresentados entre os anos de 2020 a 2024, é possível concluir que os programas de rastreamento do câncer do colo do útero em Rondônia enfrentam limitações estruturais e operacionais significativas, que comprometem sua efetividade na redução da incidência e mortalidade pela doença.
Apesar da realização de um número expressivo de exames citopatológicos a cada ano (variando entre cerca de 37 mil e 42 mil), a taxa de positividade permaneceu extremamente baixa (0,33%), muito aquém dos parâmetros esperados (3% a 10%) para populações-alvo adequadamente rastreadas. Paralelamente, o número de casos confirmados manteve-se estável em torno de 135 por ano, e os óbitos variaram apenas entre 57 e 59 no período, o que evidencia que o rastreamento atual não tem conseguido impactar efetivamente os desfechos clínicos da população.
Essa discrepância entre a quantidade de exames e a redução esperada de casos e óbitos reforça o diagnóstico de ineficiência dos programas de rastreamento oportunístico, modelo ainda predominante no Brasil. Tais programas, por dependerem da busca ativa do usuário pelo serviço, tendem a gerar repetição de exames em mulheres de baixo risco e falhar em alcançar aquelas com maior vulnerabilidade, o que resulta em baixa efetividade populacional.
Em síntese, os dados evidenciam que o modelo atual de rastreamento não é suficiente para alterar de forma significativa o cenário do câncer do colo do útero. Portanto, torna-se urgente a transição para um programa de rastreamento organizado, com: convocação ativa da população-alvo, monitoramento por sistemas de informação integrados, qualificação dos profissionais envolvidos, e garantia de acesso rápido ao tratamento.
Somente com essa abordagem sistêmica e contínua será possível alcançar melhores indicadores de prevenção, diagnóstico precoce e redução da mortalidade por essa neoplasia evitável.
6. REFERÊNCIAS
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1Acadêmica do Curso Superior de Medicina da Faculdade Metropolitana de Rondônia Campus Porto Velho email: laryssacastro.pvh@hotmail.com ;
2Acadêmica do Curso Superior de Medicina da Faculdade Metropolitana de Rondônia Campus Porto Velho e-mail: am.isadorafaculdade@gmail.com;
3Acadêmica do Curso Superior de Medicina da Faculdade Metropolitana de Rondônia Campus Porto Velho e-mail: giacomelli810@gmail.com;
4Docente do Curso Superior de Medicina da Faculdade Metropolitana de Rondônia e Orientadora do projeto Campus Porto Velho e-mail: mariana.delfino@metropolitana-ro.com.br