RELATO DE CASO: LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO JUVENIL ASSOCIADO A SÍNDROME DO ANTICORPO ANTIFOSFOLIPÍDIO E SACROILEÍTE BILATERAL EM PACIENTE DO SEXO FEMININO

CASE REPORT: JUVENILE SYSTEMIC LUPUS ERYTHEMATOSUS WITH DEVELOPMENT OF ANTIPHOSPHOLIPID ANTIBODY SYNDROME AND BILATERAL SACROILIITIS IN A FEMALE PATIENT

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202505310825


Beatriz Carvalho Silva¹
Juliana Reboredo Mendes²
Deborah De Melo Dayube Cruz³
Maurício Cupello Peixoto⁴


RESUMO

Este artigo traz o relato de caso de uma criança recém diagnosticada com Lúpus Eritematoso Sistêmico Juvenil (LESJ) com evolução clínica para Síndrome do Anticorpo Antifosfolipídio (SAAF) e Sacroileíte Bilateral. Esta patologia tem caráter autoimune, caracterizada pela produção de autoanticorpos, com acometimento multissistêmico e de etiologia pouco conhecida. O presente estudo teve como objetivo investigar a apresentação clínica do LESJ em uma paciente em idade escolar, a partir de um relato de caso, correlacionando os achados diagnósticos precoce. Trata-se de um estudo descritivo do tipo relato de caso, em que foi utilizado informações obtidas diretamente a partir da anamnese realizada com a paciente e sua mãe, além da revisão de prontuário com a verificação em revisões bibliográficas com base em artigos científicos atuais. Foi descrita a evolução clínica da paciente, e prestado apoio psicológico com objetivo de esclarecer as dúvidas quanto aos novos cuidados necessários na rotina na criança. Dessa forma, discute-se a importância de um acompanhamento multiprofissional da paciente no contexto da doença crônica e de sua rede de apoio. 

Palavras-chave: Lúpus Eritematoso Sistêmico Juvenil, doenças crônicas, autoimune.

ABSTRACT

This article presents a case report of a child recently diagnosed with Juvenile Systemic Lupus Erythematosus (JSLE) with clinical progression to APS and bilateral sacroiliitis. This pathology has an autoimmune nature, characterized by the production of autoantibodies, with multisystem involvement and little known etiology. The present study aimed to investigate the clinical presentation of JSLE in a school-age patient, based on a case report, correlating the early diagnostic findings. This is a descriptive study of the case report type, in which information obtained directly from the anamnesis performed with the patient and her mother was used, in addition to the review of medical records with verification in bibliographic reviews based on current scientific articles. The clinical evolution of the patient was described, and psychological support was provided in order to clarify doubts regarding the new care needed in the child’s routine. Thus, the importance of multidisciplinary monitoring of the patient in the context of the chronic disease and her support network is discussed.

Keywords: Juvenile Systemic Lupus Erythematosus, chronic diseases, autoimmune.

1 INTRODUÇÃO

Na trajetória da descoberta da doença, o termo Lúpus Eritematoso foi popularizado por Kaposi, que descreveu as primeiras manifestações sistêmicas da doença em 1872¹. O curso da doença pode ter formas variadas de apresentação:  ser eminentemente crônico, apresentar sintomas agudos ou ainda, exacerbações febris subagudas com sintomas sistêmicos que ameaçam a vida do paciente. ¹. 

O Lúpus Eritematoso Sistêmico Juvenil (LESJ) é uma patologia que exige um cuidado regular e multiprofissional envolvendo médicos, psicólogos e terapeutas ocupacionais juntamente à adesão às terapias farmacológicas e não farmacológicas². Trata-se de uma doença multissistêmica crônica capaz de gerar alterações no crescimento e na aparência física, tanto pela própria doença quanto secundárias ao tratamento². É necessário orientar e buscar apoio psicológico através da busca de recursos sociais para o melhor entendimento da doença e manejo das angústias e medos que possam surgir durante o diagnóstico e tratamento³. Nesse sentido, as intervenções visam também reduzir o sofrimento dos pais, entendendo suas inseguranças e ansiedade, impactando na estruturação emocional para o cuidado com a criança³. Dessa forma, as intervenções psicológicas em doenças crônicas têm como objetivos aceitação, adaptação à doença e adesão ao tratamento.  

A grande variação quanto a etiologia, evolução e consequências para o indivíduo que sofre reforçam a ideia da necessidade de intervenções em conjunto por profissionais da área da saúde⁴. O tratamento do LES não é predeterminado com base nas múltiplas manifestações da doença.⁵ Deve ser individualizado com base nos órgãos acometidos e gravidade da doença, comorbidades e complicações associadas.⁵ Um  tratamento mais agressivo, com altas doses de corticosteroides e imunossupressores está indicado nos quadros moderados a graves com acometimento de órgãos e sistemas vitais, como o envolvimento renal, neuropsiquiátrico ou hematológico.⁵ O plano terapêutico inclui o uso de corticosteroides, antimaláricos, como a hidroxicloroquina e os medicamentos modificadores do curso da doença (MMCD) que incluem os imunossupressores.⁵ O objetivo do tratamento é a remissão clínica ou a baixa atividade da doença, minimizando assim os efeitos adversos dos fármacos e a prevenção dos possíveis danos da cronicidade, porém, a falta de previsibilidade do curso do LESJ influi negativamente na adesão ao tratamento adequado da doença em fase crônica.⁵

Nesse sentido, o presente trabalho visa afirmar a importância do acompanhamento regular e multidisciplinar com a adesão as terapias farmacológicas e não farmacológicas a fim de atingir o melhor controle possível da doença, principalmente, quando há o acometimento dos órgãos vitais. Além disso, objetivamos a orientação adequada de pacientes e de suas famílias, as quais necessitam de suporte psicológico e orientação nutricional, uma vez que se trata de uma doença multissistêmica crônica capaz de gerar alterações no crescimento e na aparência física, seja pela própria patologia, seja pelo tratamento.

Existem vários estudos sobre LES na infância e os resultados sugerem que a idade do paciente ao diagnóstico modifica a expressão da doença, principalmente quanto à apresentação clínica, o tipo de envolvimento orgânico e achados sorológicos, e, apesar de vários estudos de LES na infância, a real incidência e prevalência do LES nessa faixa etária permanece pouco esclarecida¹⁴.

Assim, compreender o espectro de gravidade, as múltiplas manifestações clínicas e propor um acompanhamento adequado e individualizado se faz importante a fim de que os danos acumulados pela doença – e os efeitos colaterais de seu tratamento – sejam minimizados. Outrossim, permite ainda a disseminação da informação, o debate acadêmico, científico e o auxílio na elaboração de estratégias que possam ajudar na assistência multidisciplinar.

Devido a raridade de manifestações clínicas que ocorreram no decorrer do tratamento da paciente o trabalho a seguir buscou como objetivo geral investigar a apresentação clínica, exames laboratoriais e o impacto psicossocial do Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) em uma paciente em idade escolar, a partir de um relato de caso, correlacionando os achados ao diagnóstico precoce e à adesão terapêutica. Ademais, descrever as manifestações clínicas e laboratoriais apresentadas pela paciente diagnosticada com Lúpus Eritematoso Sistêmico, correlacionando-as aos critérios diagnósticos estabelecidos; avaliar o impacto do diagnóstico de LES na qualidade de vida e bem-estar psicossocial da paciente; discutir a importância do diagnóstico precoce e da adesão ao tratamento na evolução da doença e no prognóstico do paciente; analisar os mecanismos fisiopatológicos do LES e sua relação com os critérios clínicos e laboratoriais utilizados para o diagnóstico e monitoramento da doença também foram objetivados em especifico. 

2 MÉTODOS 

Trata-se de um estudo descritivo do tipo relato de caso, em que foi utilizado informações obtidas diretamente a partir da anamnese realizada com a paciente e sua mãe, além da revisão de prontuário com a verificação em revisões bibliográficas com base em artigos científicos atuais. Dados laboratoriais e clínicos foram levantados através de exames laboratoriais e físicos, os quais foram analisados para a melhor compreensão da fisiopatologia da doença e sua evolução sintomatológica do LESJ na paciente de forma individualizada. A concordância com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) assegura a confidencialidade e sigilo dos dados da paciente em questão, cujas informações serão utilizadas única e exclusivamente a fins acadêmicos e científico, preservando a identidade da paciente.

Fonte: Critérios EULAR 2019 e análise de resultados de exames

Atribui-se a cada critério um peso de 2 a 10. Se a classificação do paciente é de 10 ou mais e pelo menos um critério clínico é atendido, a doença é classificada como LES.

3 RELATO DE CASO

3.1 ANAMNESE 

Paciente L.M.A.T., sexo feminino, 10 anos, escolar e natural do Município de Duque de Caxias. Essa procurou atendimento em pronto-socorro com queixa de dor de garganta, sendo identificado anemia discreta e linfonodomegalia cervical bilateral. Evoluiu com disfagia para sólidos, dispneia aos pequenos esforços e febre intermitente, necessitando de internação hospitalar. Encaminhada ao ambulatório de Reumatologia Pediátrica com queixa de parotidite, febre, artralgia, mialgia e rigidez matinal com 1 semana de evolução, além da presença de rash malar e cutâneo difuso, e anemia persistente. Em seguida, foram realizados exames laboratoriais e de imagem, iniciando-se Prednisona 60 mg/dia. Após estabilização, iniciou-se Hidroxicloroquina 200 mg em dias alternados e desmame do AINE.

Consequentemente, apresentou reativação das lesões cutâneas e piora da anemia com redução de corticoide, sendo necessário introduzir Micofenolato de Mofetila (MMF) em dose de indução. Retornou com radiografia de coluna solicitada devido a dor lombar referida com posterior diagnóstico de sacroileíte bilateral em ressonância. Iniciou Ácido Acetilsalicílico (AAS) após confirmação laboratorial de SAAF. Em setembro, suspendeu MMF temporariamente devido a quadro viral, apresentando retorno das lesões cutâneas, indisposição e redução do apetite. Foi fechado diagnóstico de infecção pelo Vírus Epstein-Barr (VEB) com Síndrome de Ativação Macrofágica, responsiva à corticoterapia sistêmica oral. No entanto, evoluiu com piora da dor lombar proveniente da sacroileíte. 

3.2 EXAME FÍSICO

Na primeira consulta, 05/03/2024, paciente Lúcida Orientada no Tempo e no Espaço (LOTE), em Bom Estado Geral (BEG), hipocorada 2+/4+, anictérica, acianótica, afebril e Peso: 28 kg. 

Avaliação Osteoarticular: artrite em punhos, cotovelos, metacarpofalângeas, joelhos, tornozelos, com presença de dor, edema e lesão muscular. Quadril com lesão muscular, com piora à direita. 

Avaliação da Pele: Rash malar, lesões eritematosas em placas anulares em cotovelos, face e palmas das mãos.

Exame dos aparelhos cardiovascular, pulmonar e abdome sem alterações. 

3.3 HIPÓTESE DIAGNÓSTICA 

Após a consulta inicial na reumatologia pediátrica, foi levantada hipótese diagnóstica de Lúpus Eritematoso Sistêmico Juvenil (LESJ). No entanto, antes disso, foi necessário excluir a possibilidade de Doença Mista do Tecido Conjuntivo (DMTC) e Leucemia. Para tanto, solicitaram-se exames laboratoriais capazes de avaliar a presença dessas patologias, além de exames específicos para o diagnóstico de LESJ e marcadores reumatológicos. Após discussão do caso, análise laboratorial, evolução da paciente e verificação dos marcadores reumatológicos, ficou definido que este era um quadro de Lúpus Eritematoso Sistêmico Juvenil associado a Síndrome de Sjögren, além do desenvolvimento de Nefrite, Sacroileíte bilateral e Síndrome do Anticorpo Antifofolipídio (SAAF) laboratorial. 

4.4 EXAMES COMPLEMENTARES 

Em relação aos exames laboratoriais os quais fecham o diagnóstico de Lúpus em atividade, a paciente apresentou: anemia hemolítica com coombs direto positivo, leucopenia menor do que 4000 e linfopenia menor do que 1000, aumento de VHS com PCR dentro dos valores de referência, aumento de ferritina corroborando para a hipótese de doença inflamatória multissistêmica. Além disso, apresentava ainda consumo de complementos (C3, C4 e CH50), FAN nuclear pontilhado fino 1/320, anti-DNA, anti-Ro, anti-La e anti-RNP reagentes, anticardiolipina fracamente reagente e anticoagulante lúpico em 2 amostras repetidas e confirmadas com intervalo de oito semanas, corroborando para hipótese de SAAF laboratorial. 

(08/03/2024) Hemograma – Hemoglobina: 8; Hematócrito: 26,1; Leucócitos: 2740; Plaquetas: 278 mil e FAN nuclear pontilhado fino 1/320. 

(13/03/2024) Hemograma – Hemoglobina: 7,1; Hematócrito: 23,2; Leucócitos: 2640; Linfócitos: 1043; Plaquetas: 199 mil; Relação proteína/creatinina em amostra única urinária: 40; Reticulócitos: 0,9; Ferritina: 697; FR: 311 anticardiolipina IgM fraco reator; FAN 1/1280 nuclear pontilhado fino; anti-DNA: reagente; anti-Sm: Negativo; anti-La: Superior a 320; anti-Ro: Superior a 240; C3 e C4 abaixo dos valores de referência. 

(22/05/2024) Hemograma – Hemoglobina: 10,1; Hematócrito: 30,9; Leucócitos: 3380 (57/0,3/0,3/31,9/10,5); Plaquetas: 178 mil; VHS 58; PCR 0,15, TGO 33; TGP: 15; GGT: 27; BT: 0,2; FAL: 75; U: 23; Cr: 0,38; Na: 136; K: 4,5; Ca: 8,7; Ferro: 64; Ferritina: 236; C3: 39 (VR 80 a 150); C4 7 (VR 12 a 36); Vitamina D: 30,3 anti-DNA superior a 528.

(14/06/2024) Hemograma – Hemoglobina: 10,5; Hematócrito: 32,8; Leucócitos: 3300 (39,7-2-0-45,9-11); Plaquetas 275mil; INR 0,98; PTT 32seg  relação 0,93 EAS com traços proteína restante normal; PCR 0,09; TGO 92; TGP 52; BT 0,2; FAL 60; GGT 59; HDL 56; CT 216; TGL 208; LDL 118; U 23; Cr 0,39; Na 144; K 4,6; Ca 8,6; C3 46 (VR 80 a 150); C4 9 (VR 12 a 36); Ferritina 810,7; anti-RNP 24 (reagente); Anticardiolipina; IgG não reagente e IgM fracamente reagente.

(24/07/2024) Hemograma – Hemoglobina: 10,6; Hematócrito 34,3; Leucócitos: 4750 (L 979 N 3254); plaquetas 405mil; VHS 77; CD positivo; PCR 0,4; C3 85 (VR 85 a 160); C4 15 (VR 12 a 36); TGO 13; TGP 17; BT 0,2; FAAL 80; GGT 35; U 19; Cr 0,41; Na 141; K 5,8; Ca 9,5; glicose 75; ferritina 67,8; vitamina D 34,3; Ch50 33,93 (VR41 – 95); anti-DNA reagente (superior a 528); Spot urinário 1,8

(03/09/2024) Hemograma – Hemoglobina: 9,6; Hematócrito: 30; Leucócitos: 3560; plaquetas 365mil; VHS 103; PCR 0,47; Ferritina 119,2; C3 52 (VR 80 a 150); C4 16 (VR 12 36); TGO 36; TGP 12; BT 0,2; FAL 68; GGT 25; U 11; Cr 0,4; Na 139; K 4,9; Ca 8,7; TGL 161; CH50 25,27 (Vr 41,68 – 95,06) e anti-DNA superior a 528.

(03/12/2024) PCR 0,4; anti-HVA IgG IgM negativo; TGO 886; TGP 129; FAL 1100; GGT 4244; BT 0,57; CPK 151; LDH 687; anti-HCV negativo; anti-HBS negativo; antiHBC negativo; anti-HBC negativo; HBsAg negativo; CMV IgM negativo IgG reagente; VEB IgG negativo e IgM reagente. 

(09/01/2025) Hemograma – Hemoglobina: 9,6; Hematócrito: 30,7; VCM 88,6; Leucócitos: 2610; L 981; Plaquetas 366mil; VHS 131; CD positivo; EAS normal proteína 590 mg; PCR 0,15; TGO 58; TGP 24; BT 0,15; FAL 86; GGT 296; HDL 81; CT 255; TGL 186; LDL 137; U 27; Cr 0,38; Ferritina 138; Glicose 78; Na 139; K 4,8; Ca 9,3; Vit D 38; C3 54 (VR 80 – 150); C4 9 (VR 12 – 30); CH50 22 (baixo) e antiDNA superior a 528.

(08/03/25) Hemograma – Hemoglobina: 20,3; Hematócrito: 32,9; Leucócitos: 3880; L 877; Plaquetas 432mil; VHS 60; Coombs direto positivo; Spot 0,5; PCR 0,55; TGO 29; TGP 16; BT 0,15; FAL 66; GGT 37; HDL 53; CT 243; TGL 241; LDL 142; C3 70 (VR 85 a 160); C4 10 (VR 12 a 36); Ferritina 68,5; U 17; Cr 0,38; Na 140; K 4,2 e anti-DNA superior a 528. 

3.5 EVOLUÇÃO 

A paciente em questão procurou o serviço de pronto atendimento da unidade com a queixa de odinofagia em que foi realizado hemograma com resultado de anemia discreta e foi fechado o quadro de Linfonodomegalia cervical bilateral. Posteriormente, foi hospitalizada do dia 14/02/2024 ao dia 17/02/2024, em decorrência do agravo anêmico, disfagia à ingestão de alimentos sólidos, dispneia aos pequenos esforços e febre intermitente. 

Ademais, a paciente apresenta histórico familiar de doenças reumatológicas: irmã de 16 anos, em tratamento para vitiligo e irmã de 13 anos com quadro de artrite crônica por 2 meses, mas de remissão espontânea; tia materna, falecida aos 19 anos por quadro de doença reumatológica inespecífico, o qual havia sido manifestado por poliartrite e anemia, mas sem diagnóstico e, consequentemente sem tratamento. 

Posteriormente, L.M.A.T foi referenciada para o serviço de Reumatologia Pediátrica, e ao primeiro contato a nível ambulatorial, no dia 22/01/2024, houve o relato de parotidite, febre intermitente, artralgia, mialgia e rigidez em membros, principalmente ao acordar, com 1 semana de evolução. Além disso, apresentava rash cutâneo malar e difuso em tronco e membros e anemia. 

Na sequência, no dia 26/03/2024 foram solicitados exames laboratoriais, avaliação oftalmológica com fundoscopia, Ultrassonografia cervical e parótidas, Ecocardiograma, Radiografia de tórax e prescrito Prednisona oral na dose de 60mg/dia, com orientação de retorno precoce ao consultório. Já no dia 19/04/2024, após o resultado dos exames normais, foi iniciado Hidroxicloroquina 200 mg em dias alternados e prescrito o desmame do AINE. A próxima consulta, no dia 28/05/2024, houve o retorno das lesões cutâneas com piora da anemia após a tentativa de lenta retirada de Prednisona e surgimento de dor lombar inespecífica. Dessa forma, foi prescrito Micofenolato de Mofetila em dose de indução 1200 mg/m², além da radiografia de coluna para manutenção da lombalgia. Nesse sentido, na consulta do dia 18/06/2024, iniciou-se AAS (confirmação de 2 anticardiolipina fraco reator positivos em 2 titulações com intervalo de 12 semanas), MMF com radiografia de coluna dentro dos padrões de normalidade. 

Ao retorno no dia 10/09/2024, apresentou intercorrência viral infecciosa com necessidade de suspensão do Micofenolato, mas com ressurgimento de lesões cutâneas, além de indisposição e redução do apetite. Na piora da lombalgia, foi solicitado Ressonância magnética de região sacroilíca. No dia 22/10/2024, retornou ao ambulatório referindo angina pectoris, dispneia, prurido, dores difusas, melhora da artrite e das lesões cutâneas. Além disso, apresentou Gastroenterite Aguda (GEA) nos últimos 15 dias, evoluindo com síndrome extrapiramidal por uso de Bromoprida. Paralelamente, foi solicitado ecocardiograma, radiografia de tórax, prova de função pulmonar, ultrassonografia de abdome, além de ter sido encaminhada para psicoterapia. Ao retorno no dia 26/11/2024, paciente iniciou quadro de febre, poliartralgia incapacitante com chegada ao ambulatório em cadeira de rodas, além de dor abdominal de forte intensidade com hepatomegalia em exame físico. Por fim, realizou-se o aumento da dose de prednisona para 50 mg e solicitado exames laboratoriais. 

No dia 10/12/2024, paciente trouxe exames evidenciados IgM positivo para Epstein – Barr (EBV) e síndrome de ativação macrofágica por EBV que houve melhora após uso de Prednisona. Ao retorno, no dia 11/02/2025, apresentou o quadro fechado para Lúpus Eritematoso Sistêmico com nefrite, Síndrome de Sjögren e Síndrome do Anticorpo Antifosfolipídio laboratorial. Estava em uso contínuo de Prednisona 30 mg/dia, Hidroxicloroquina 200 mg em dias alternados, MMF 1g dia (1000 mg/m²) – dose de manutenção novembro de 2024, dose de indução de 28/05/24 até novembro de 2024; AAS 100 mg/dia; Omeprazol, Vitamina D + Cálcio. Ressonância magnética evidenciava sacroileíte bilateral. Ao período de interconsultas referiu melhora das dores articulares, mas relatou piora da dor em sacroilíacas de característica inflamatória. Apresentou 1 pico febril em janeiro, com melhora. Com a redução do corticoide, apresentou reativação das lesões cutâneas. Foi prescrito Rinvoq 15 mg/dia, redução de Prednisona para 20 mg, além da solicitação de exames laboratoriais, Ultrassonografia de abdome e nova avalição oftalmológica. 

Ao retorno, referiu melhora das dores com início da nova medicação, mas relatou cefaleia diária de forte intensidade sem melhora com analgésico, além de dor em calcâneos bilateralmente. Além disso, relatou melhora da dor abdominal e negou infecções desde a última consulta. A Ultrassonografia abdome indicou aumento da massa hepática, porém, homogênea, de aspecto ecogênico, vasos intra-hepáticos de calibres anatômicos e aspectos morfológicos. 

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO 

As manifestações clínicas do LESJ são variadas, podendo haver, portanto, diversos órgãos acometidos.⁵ Os sintomas mais inespecíficos costumam estar presentes, como febre, fadiga, artralgia, perda de peso e/ou anorexia, linfonodomegalia localizada ou generalizada e hepatoesplenomegalia.⁵ Embora a paciente do artigo tenha apresentado um quadro linfonodomegalia inicial, as principais alterações são mucocutâneas, musculoesqueléticas, renais e hematológicas, as quais incluem anemia, leucopenia, neutropenia, linfopenia e trombocitopenia.⁵ O LES apresenta um padrão de remissões e recaídas como a paciente supracitada e, de forma geral, o padrão que se apresenta durante os primeiros anos de doença tende a ser predominante no curso natural da doença.⁵

A fim de assegurar um diagnóstico acurado e precoce do Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES), é essencial que os pacientes com suspeita clínica da doença sejam submetidos a uma anamnese detalhada e a um exame físico sistemático e conduzidos de forma criteriosa por especialistas. ¹² No caso dessa paciente, os exames complementares e os marcadores reumatológicos foram essenciais para elaborar um manejo adequado e individualizado. ¹²  Nesse sentido, foi utilizado os Critérios EULAR 2019 em que se atribui a cada critério um peso de 2 a 10. Caso a classificação do paciente seja de 10 ou mais e pelo menos um critério clínico é atendido, a doença é classificada como LES, além de que os critérios não precisam ocorrer simultaneamente. ¹²

Domínios clínicos: Febre (>38°C); Leucopenia (< 4.000 /mcL); Trombocitopenia (contagem de plaquetas < 100.000/mcL); Hemólise autoimune; Delirium; psicose; convulsão (generalizada ou parcial/focal); alopecia não cicatrizante; úlceras orais, Lúpus eritematoso cutâneo subagudo ou discoide; lúpus cutâneo agudo; derrame pleural ou derrame pericárdico e pericardite aguda. ¹² Já os Domínios imunológicos: anticorpos anticardiolipina ou anticorpos anti-beta2 glicoproteína 1 ou anticoagulante lúpico; C3 baixo ou C4 baixo; anticorpo anti-dsDNA ou anticorpo anti-Smith. ¹²

O plano terapêutico inclui o uso de corticoide sistêmico oral – em que devemos gradativamente reduzir dose dessa medicação em detrimento da melhora do quadro – antimaláricos, como Hidroxicloroquina e os medicamentos modificadores do curso da doença (MMCD) que incluem imunossupressores e medidas não farmacológicas, ¹² O objetivo do tratamento visa a remissão clínica ou a baixa atividade da doença, minimizando, assim, os efeitos adversos dos fármacos e a prevenção de possíveis danos da cronicidade, porém, a falta de previsibilidade do curso do LESJ influi negativamente na adesão ao tratamento adequado da doença em fase crônica.¹²

Sabe-se que podem ocorrer tanto impactos pessoais, quanto psicológicos, a partir do diagnóstico em uma paciente jovem. ¹²  Nesse sentido, é de suma importância a manutenção e uma relação médico-paciente fortificada a fim da melhor adesão ao tratamento. ¹² É necessário o apoio psicológico à paciente e sua família com o objetivo de esclarecer as dúvidas quanto ao novo estilo de vida a ser levado, como evitar exposição direta ao sol e lâmpadas fluorescentes e aos cuidados necessários na rotina da criança. ¹²

É fundamental realizar acompanhamento clínico e laboratorial dos sinais e sintomas sistêmicos indicativos de atividade da doença. ¹² Em pacientes que apresentam comprometimento renal, como no caso descrito, o manejo terapêutico deve visar à indução da remissão da doença, com atenção à minimização da toxicidade associada ao tratamento farmacológico. ¹²

O prognóstico do lúpus eritematoso sistêmico (LES) é heterogêneo e depende de múltiplos fatores clínicos e demográficos. ¹² A sobrevida dos pacientes com LES tem apresentado melhora significativa, atribuída, em grande parte, ao diagnóstico precoce, ao tratamento oportuno das complicações e ao avanço nas estratégias terapêuticas disponíveis. ¹² Ressalta-se a importância da identificação precoce dos fatores de risco e da condução do tratamento por equipes especializadas, visando otimizar os desfechos clínicos e reduzir a morbimortalidade associada à doença. ¹²

Além disso, a Síndrome do Anticorpo Antifosfolipídio (SAAF) laboratorial pode cursar com LESJ, como o caso apresentado nesse artigo. Quando associadas, essas doenças promovem uma exacerbação do curso clínico desses indivíduos e o surgimento de novas manifestações fisiopatológicas. ¹³  Para o diagnóstico efetivo em adultos, é necessário pelo menos um critério clínico somado a um critério laboratorial. ¹³ Entretanto, em crianças, o mais comum é utilizar o critério de trombose vascular. ¹³ Nesse interim, foi iniciada a profilaxia com AAS sem aguardar que a paciente tivesse a presença de trombose vascular que elevaria o risco de morte, inferindo, assim, que a paciente supracitada obtém de SAAF laboratorial. ¹³   Ademais, a Sacroileíte é o processo inflamatório não-infeccioso das articulações sacroilíacas. É incomum a Sacroileíte cursar com Lúpus Eritematoso Sistêmico Juvenil. Entretanto, para o diagnóstico desta enfermidade, faz-se necessária a confirmação por métodos de imagem, sendo que a ressonância magnética tem sido sugerida como método de escolha na avaliação dessa patologia, devido a qualidade de imagem superior, a não utilização de radiação ionizante e, principalmente, pela sua capacidade de detecção e diferenciação das alterações agudas e crônicas. Essa doença pode, raramente, ocorrer em pacientes com lúpus, pois o LESJ, geralmente envolve artrite ou artralgias (dores nas articulações) simétricas, pouca destruição articular (diferente da artrite reumatoide), dor nas pequenas articulações das mãos, punhos e joelhos. Nesse contexto, foi levantado debate acadêmico acerca das hipóteses que podem ser colocadas como possível etiologia da relação entre o Lúpus Eritematoso Sistêmico Juvenil e a sacroileíte, como, manifestação inflamatória incomum do lúpus em articulações axiais, a ação de citocinas inflamatórias em regiões articulares não típicas do LES e efeitos secundários do tratamento com imunossupressores ou corticosteroides que podem alterar a biomecânica da articulação.

5 CONCLUSÃO

 Após a realização desse estudo, torna-se evidente o destaque de alguns pontos. ¹⁴ Primeiramente, conclui- se que o prognóstico do LESJ é imprevisível. A sobrevida destes pacientes vem aumentando consideravelmente devido a vários fatores, incluindo o aumento do número de diagnósticos, tratamento de suas complicações, e a melhor terapêutica instituída atualmente. ¹⁴ Por isso, após a construção deste estudo, alguns tópicos merecem destaque. Inicialmente, ressaltase a importância do diagnóstico precoce do Lúpus Eritematoso Sistêmico Juvenil (LESJ), uma vez que permite uma avaliação clínica completa da criança em idade escolar e favorece um desfecho positivo evitando danos maiores à inúmeros órgãos possivelmente acometidos. ¹⁴ Ademais, destaca- se o papel fundamental do médico na orientação adequada de pacientes e de suas famílias, as quais necessitam de suporte psicológico no caso especialmente de doenças crônicas. ¹⁴ A boa relação médico-paciente influência de forma individualizada na adesão ao tratamento. ¹⁴ Os dados coletados do prontuário do paciente comparado com referências bibliográficas existentes sobre o tema implicam diretamente nas futuras pesquisas sobre o LESJ e enfatizam a importância do acompanhamento médico periódico adequado e continuo com melhoria no desfecho do processo saúde-doença. ¹⁴

REFERÊNCIAS 

¹HOLUBAR, Karl; FATOVIĆ-FERENČIĆ, Stella. Cazenave, Kaposi and Lupus erythematosus. Dermatology, v. 203, n. 2, p. 118-120, 2001.

²MATJE, D.; TURATO, E. R. Experiências de vida com Lupus Eritematoso Sistêmico como relatadas na perspectiva de pacientes ambulatoriais no Brasil: um estudo clínico-qualitativo. Revista Latino-Americana de Enfermagem, v. 14, n. 4, p. 475-482, 2006.

³BARROS, L. Psicologia pediátrica: perspectiva desenvolvimentista. 2. ed. Lisboa: Climepsi, 2003.

⁴CASTRO, E. K.; PICCININI, C. A. Implicações de Doença Orgânica Crônica na Infância para as relações Familiares: Algumas Questões Teóricas. Psicologia: Reflexão e Crítica, v. 15, n 3, p. 625-635, 2002.

⁵Ravelli, Angelo; Giannini, Edward J. Reumatologia pediátrica. Série Pediatria SOPERJ. 2. ed. São Paulo: Sarvier, 2015.

⁶POWERS, J. M.; SANDOVAL, C. Approach to the child with anemia. [s.d.]. Disponível em:        https://www.uptodate.com/contents/approach-to-the-child-withanemia?search=Approach+to+the+child+with+anemia&source=search_result&select edTitle=1%7E150&usage_type=default&display_rank=1 Acesso em: 29 de abril de 2024. 

⁷Martinho, G., Guffroy, U., Argemi, X., & Martinho, M. Lupus erythematosus and lymphopenia: clinical and physiopathological features. Lupus Science & Medicine, 2(1), e000078, 2015. Disponível em: https://lupus.bmj.com/content/2/1/e000078. Acesso em: 29 de abril de 2024 

⁸UpToDate. Childhood-onset systemic lupus erythematosus: Clinical manifestations and diagnosis. Disponível em: <https://www.uptodate.com/contents/childhood-onsetsystemic-lupus-erythematosus-clinical-manifestations-and-diagnosis?search=childhoodonset%20systemic%20lupus%20erythematosus&source =search_result&selectedTitle=1%7E150&usage_type=default&display_rank=1>. Acesso em: 28 de abril de 2024 

⁹MedicinaNet. Manifestações Hematológicas. Disponível em: https://www.medicinanet.com.br/conteudos/revisoes/6989/manifestacoes_hematologi cas.htm. Acesso em: 28 de abril de 2024 

¹⁰ Martinho, G.; Guffroy, U.; Argemi, X.; Martinho, M. Lúpus eritematoso sistêmico e linfopenia: características clínicas e fisiopatológicas. Revue de Médecine Interne, v.38, n.5, p.321-327, maio 2017. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0248866317300279?via%3Di hub. Acesso em: 28 de abril de 2024. 

¹¹Neunert, C. Approach to the child with unexplained thrombocytopenia. UpToDate, [Data de atualização: Dec 02, 2022]. Disponível em: https://www.uptodate.com/contents/approach-to-the-child-with-unexplainedthrombocytopenia?search=thrombocytopenia%20in%20children&source=search_res ult&selectedTitle=1~150&usage_type=default&display_rank=1. Acesso em: 27 de abril de 2024. 

¹²APPENZELLER, Simone; MARINI, Roberto; COSTALLAT, Lilian Tereza Lavras. Curva de sobrevida e fatores prognósticos no lúpus eritematoso sistêmico infantojuvenil. Revista Brasileira de Reumatologia, v. 45, p. 195-200, 2005.

¹³JUNIOR, Paulo Louzada et al. Síndrome do anticorpo antifosfolípide. Medicina (Ribeirão Preto), v. 31, n. 2, p. 305-315, 1998.

¹⁴ CHUNG, Wook-Jin et al. A case of bilateral sacroiliitis in systemic lupus erythematosus. The Journal of the Korean Rheumatism Association, p. 116-120, 1998.


¹Graduanda em Medicina; Universidade do Grande Rio Afya; Duque de Caxias, Rio de Janeiro, Brasil; E-mail: beatrizcarvalho1@unigranrio.br;
²Graduanda em Medicina; Universidade do Grande Rio Afya; Duque de Caxias, Rio de Janeiro, Brasil; E-mail: julianareboredo@unigranrio.br;
³Residência em Reumatologia Pediátrica; Universidade Federal do Rio de Janeiro; Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil; E-mail: deborah.cruz@unigranrio.edu.br;
⁴Doutor em Biologia; Universidade do Estado do Rio de Janeiro; Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil; E-mail: mauricio.peixoto@unigranrio.edu.br.