SÍFILIS CONGÊNITA: UMA ANÁLISE OBSERVACIONAL DAS BARREIRAS NO DIAGNÓSTICO, TRATAMENTO E CONTROLE DA TRANSMISSÃO VERTICAL

CONGENITAL SYPHILIS: AN OBSERVATIONAL ANALYSIS OF BARRIERS IN THE DIAGNOSIS, TREATMENT, AND CONTROL OF VERTICAL TRANSMISSION

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202506041902


Marina Pezzetti Sanchez Diogo1
Humberto Novais da Conceição2
Raíssa Maria Duarte Moreira3
Yan Souza Rodrigues4
Gabriel Gomes Knust de Sousa5
Hemilton Sérvulo de Sousa Filho6
Ricardo Carvalho Bueno7
Renato Resende Mundim8


Resumo

Introdução: A sífilis congênita, infecção transmitida verticalmente pelo Treponema pallidum, continua sendo uma condição evitável com alto potencial de morbimortalidade perinatal. Mesmo com avanços no diagnóstico e tratamento, sua persistência no Brasil reflete desigualdades no acesso à atenção pré-natal e limitações na vigilância epidemiológica. A alta incidência de casos notificados nos últimos anos evidencia a necessidade de aprofundar a compreensão sobre os fatores que favorecem sua manutenção como problema de saúde pública. A investigação concentrou-se em aspectos epidemiológicos, métodos de diagnóstico, estratégias terapêuticas e potenciais complicações da doença, buscando identificar lacunas e possibilidades de intervenção. Metodologia: Foi realizada revisão da literatura nas bases PubMed, SciELO e LILACS, com seleção de estudos publicados entre 2018 e 2025, além da análise de documentos institucionais, como manuais e protocolos clínicos. Foram incluídos artigos que abordassem a temática da sífilis em gestantes e recém-nascidos, com recorte nacional e enfoque em políticas públicas de enfrentamento. Resultados e Discussão: A análise dos dados evidenciou um aumento progressivo das notificações de sífilis congênita no Brasil. Esse crescimento está associado principalmente à deficiência no diagnóstico precoce durante o pré-natal, falhas no tratamento adequado das gestantes e de seus parceiros sexuais, além da baixa cobertura e qualidade da atenção primária em saúde. As principais complicações observadas incluem prematuridade, baixo peso ao nascer, alterações ósseas, neurossífilis e óbitos perinatais, reforçando a importância do rastreamento sistemático, do início oportuno da terapêutica com penicilina benzatina e do acompanhamento pós-natal rigoroso como medidas centrais para a prevenção da transmissão vertical. Conclusão: A redução da sífilis congênita no Brasil requer diagnóstico precoce, tratamento eficaz e políticas públicas integradas que garantam acesso universal e qualificado ao pré-natal, com foco na prevenção da transmissão vertical e na vigilância contínua dos casos.

Palavras-chave: Sífilis congênita. Transmissão vertical. Pré-natal. Diagnóstico. Tratamento. Saúde pública.

1        INTRODUÇÃO

A saúde materno-infantil continua sendo um desafio global, especialmente no que se refere às infecções sexualmente transmissíveis durante a gestação. Entre eles, a sífilis, causada pelo Treponema pallidum , permanece como uma ameaça à saúde humana há séculos. Desde o início dos anos 2000, observa-se um aumento contínuo em sua incidência mundial (PIRES, C. DE P. et al., 2024). No contexto obstétrico, a sífilis gestacional representa um grave problema de saúde pública, sendo a segunda principal causa de natimortos em escala global e associada a complicações sérias, como aborto espontâneo, parto prematuro, baixo peso ao nascer e infecção neonatal, caracterizando a sífilis congênita (DOMINGUES, C. S. B. et al., 2021; PIRES, C. DE P. et al., 2024). 

A transmissão vertical do T. pallidum ocorre, sobretudo, na ausência de tratamento adequado, sendo influenciada pelo estágio da infecção materna e pela idade gestacional no momento da infecção. Estudos apontam que a taxa de transmissão varia entre 60% e 100% nos casos de sífilis primária ou secundária, enquanto infecções latentes precoces e tardias apresentam taxas menores. Adicionalmente, estima-se que até 70% dos recém-nascidos infectados sejam assintomáticos ao nascimento, o que dificulta o diagnóstico precoce e pode resultar em atraso ou falha no tratamento. Nesse contexto, a triagem neonatal e o acompanhamento rigoroso de recém nascidos de mães com testes sorológicos reagentes tornam-se estratégias essenciais para o controle da infecção (FANG, J. et al., 2022; PINHEIRO et al., 2024). 

No Brasil, a sífilis congênita permanece como uma grave preocupação de saúde pública. Entre 2010 e 2023, foram notificados 644.182 casos de sífilis na gestação, resultando em uma taxa de conversão para sífilis congênita de 43%, totalizando 279.508 casos. Em 2023, registraram-se 25.002 casos de sífilis congênita, com incidência de 1,06 por mil nascidos vivos e uma taxa de conversão gestacional-congênita de 29,03%. O ano de 2021 destacou-se como o período com maior número de casos, possivelmente influenciado pela pandemia de COVID-19, que impôs restrições nos atendimentos hospitalares e aumentou o receio da população em buscar assistência médica, contribuindo para uma razão de transmissão vertical de 35,95%. Em 2024, já foram notificados 12.177 casos confirmados de sífilis congênita, embora os dados sobre nascidos vivos e sífilis materna ainda estejam em processamento (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2025, SINAN; MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2025, SINASC). 

Diversos fatores agravam a incidência da sífilis congênita, entre eles a assistência pré-natal irregular, o tratamento inadequado da infecção materna, o baixo status socioeconômico e o abuso de substâncias psicoativas (DOMINGUES et al., 2021). Apesar da existência de um protocolo terapêutico estabelecido pelo Ministério da Saúde para o bloqueio da transmissão vertical, sua efetividade permanece um desafio, visto que apenas uma parcela limitada das gestantes tratadas consegue impedir a infecção neonatal. Ademais, a sífilis adquirida, a sífilis gestacional e a sífilis congênita são de notificação compulsória, reforçando a necessidade de fortalecer a vigilância epidemiológica para conter sua disseminação (DOMINGUES et al., 2021; FANG, J. et al., 2022). 

O aumento expressivo dos casos de sífilis nos últimos anos, inclusive em países desenvolvidos, pode ser atribuído a mudanças no comportamento sexual e ao aumento da exposição a situações de risco, impulsionado por uma falsa sensação de segurança advinda dos avanços terapêuticos e pela ampliação do acesso a parceiros sexuais via internet (FANG, J. et al., 2022; PINHEIRO et al., 2024; SWAYZE, E. J. et al., 2022).

Diante desse panorama, a sífilis congênita permanece como um problema de saúde pública de elevada relevância, demandando esforços contínuos para o fortalecimento do diagnóstico precoce, a ampliação do acesso ao tratamento adequado e a implementação de estratégias preventivas eficazes. Nesse sentido, esta revisão sistemática tem como objetivo apresentar os principais aspectos epidemiológicos da doença no Brasil, bem como discutir os parâmetros clínicos, diagnósticos e terapêuticos envolvidos em sua abordagem. Além disso, busca-se propor medidas que qualifiquem o cuidado pré-natal e contribuam para a redução da incidência de sífilis congênita no país.

2        METODOLOGIA

Este estudo configura-se como uma revisão sistemática da literatura, realizada em março de 2025, com buscas nas bases de dados PubMed, SciELO, BVS e Google Scholar. Para a pesquisa, foram utilizados os descritores (((Syphilis, Congenital) AND (Diagnosis)) AND (Management), resultando inicialmente em 63 artigos, que foram posteriormente submetidos aos critérios de elegibilidade.

Foram incluídos estudos publicados entre 2020 e 2025, nos idiomas português ou inglês, que abordassem diretamente as temáticas propostas e estivessem disponíveis na íntegra. Excluíram-se artigos duplicados. Após a aplicação desses filtros, nove estudos foram selecionados e submetidos à leitura detalhada para extração e análise dos dados. Complementarmente, realizou-se um estudo observacional transversal, com busca ativa de informações na plataforma DataSUS do Ministério da Saúde, utilizando os sistemas Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC) e Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN). A partir desses bancos de dados, foram calculadas medidas de frequência relacionadas à sífilis gestacional e congênita.

Além dos estudos selecionados e dos dados obtidos, foram adotadas como referência as Diretrizes para o Controle da Sífilis Congênita e o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Atenção Integral às Pessoas com Infecções Sexualmente Transmissíveis.

Os resultados foram organizados e apresentados de forma descritiva.

3        RESULTADOS E DISCUSSÕES

Tabela 01. Tabela descritiva dos artigos selecionados.

A classificação da sífilis congênita é fundamental para o diagnóstico e manejo clínico adequado. Ela se divide em duas formas: precoce, quando os sinais clínicos se manifestam nos dois primeiros anos de vida, e tardia, quando ocorrem após esse período. A forma precoce é a mais comum, mais sintomática e se manifesta de forma mais agressiva e generalizada. Já a forma tardia é mais rara e está associada à permanência de sinais ou sequelas em indivíduos que não foram diagnosticados ou tratados corretamente, ou que evoluíram com falência terapêutica (PINHEIRO, Y. T. et al., 2024).

Essa classificação permite direcionar estratégias de vigilância e tratamento, além de ser essencial para a organização das políticas públicas. A vigilância da sífilis congênita no Brasil foi implantada em 1986 e, desde 2010, a doença foi incluída na lista de agravos de notificação compulsória imediata, o que reforça a necessidade de diagnóstico precoce, tratamento adequado e seguimento dos casos (BRASIL, 2022).

A maioria dos casos de sífilis congênita está associada à inadequação do acompanhamento pré-natal, seja por falhas na realização dos testes sorológicos, pela ausência de tratamento adequado da gestante infectada ou pela reinfecção decorrente da não abordagem terapêutica do parceiro sexual. A transmissão vertical pode ocorrer ao longo da gestação, por via transplacentária, ou no momento do parto, quando o feto entra em contato com lesões sifilíticas presentes no canal de parto (DOMINGUES et al., 2021; FANG, J. et al., 2022; SWAYZE, E. J. et al., 2022). No contexto brasileiro, a efetividade das ações de controle da sífilis congênita é impactada por desafios estruturais, como desigualdades regionais e dificuldades de acesso ao pré-natal. O vasto território nacional e as disparidades socioeconômicas entre as regiões contribuem para a distribuição desigual dos serviços de saúde, afetando negativamente a implementação de estratégias de prevenção e tratamento da sífilis congênita (DE BRITO PINTO, T. K. et al., 2022).

A transmissão vertical da sífilis é mais comum nas fases iniciais da infecção materna, como nas fases primária, secundária e na sífilis latente recente (diagnosticada há menos de um ano), devido à elevada carga bacteriana presente nesses estágios. Com a progressão da doença para fases mais avançadas, como a sífilis latente tardia e a terciária, a viremia diminui significativamente, o que reduz de forma expressiva a taxa de transmissão vertical (DOMINGUES et al., 2021).

A sífilis congênita precoce é caracterizada por sinais clínicos que surgem geralmente entre a 4ª e a 8ª semana de vida do RN, podendo se estender até os dois primeiros anos de idade. É nesse intervalo que a infecção costuma se manifestar de maneira mais intensa, exigindo atenção clínica imediata. Dentre os sinais mais frequentemente observados estão alterações dermatológicas, como lesões vesículo-bolhosas, máculo-papulosas ou descamativas, além da rinite serossanguinolenta, que se apresenta como uma secreção nasal persistente. Linfadenomegalia generalizada, hepatomegalia e esplenomegalia também são achados clínicos comuns, bem como a presença de icterícia. Alterações esqueléticas, como periostite e osteocondrite, são características importantes e podem ser evidenciadas por exames de imagem. Além disso, manifestações hematológicas como anemia e trombocitopenia, bem como alterações neurológicas precoces, também podem estar presentes. A identificação precoce desses sinais, aliada a exames laboratoriais e sorológicos específicos, é essencial para que o tratamento seja iniciado prontamente, evitando a progressão da doença para estágios mais graves e prevenindo sequelas duradouras. (WHITING, C.; SCHWARTZMAN, G.; KHACHEMOUNE, A., 2023).

Já a forma tardia da sífilis congênita manifesta-se geralmente após os dois primeiros anos de vida. Entre suas manifestações estão alterações importantes no desenvolvimento neuropsicomotor, além de sinais físicos característicos, como os dentes de Hutchinson, que apresentam formações incisivas deformadas, e a tíbia em sabre. Complicações mais severas podem incluir deformidades craniofaciais, como fronte proeminente e o clássico nariz em sela, decorrente da destruição da cartilagem nasal. Também são comuns alterações oculares, como ceratite intersticial bilateral, que pode evoluir para perda visual, e perda auditiva neurossensorial, que compromete significativamente a qualidade de vida da criança. Essas alterações impactam diretamente o desenvolvimento global da criança e sua inserção social. O reconhecimento dessas manifestações e a instituição precoce de terapias adequadas são, portanto, fundamentais para minimizar os danos decorrentes da infecção congênita pelo Treponema pallidum, especialmente em contextos em que o acesso ao pré-natal e ao tratamento adequado ainda é limitado. (DOMINGUES, C. S. B. et al., 2021; FANG, J. et al., 2022).

Embora o estado do Piauí tenha registrado, em 2023, a menor taxa de incidência de sífilis na gestação por nascidos vivos (1,48%), apresentou, paradoxalmente, a maior razão de transmissão vertical no país, alcançando 54,17%. Esse dado sugere que, apesar do diagnóstico das gestantes, há uma elevada taxa de falha terapêutica. Em contraste, Rondônia apresentou a menor razão de transmissão vertical (4,42%), mesmo ocupando a sétima posição em incidência de sífilis gestacional. Esses dados reforçam a importância de ações não apenas para o diagnóstico precoce da sífilis na gestação, mas também para garantir que o tratamento seja adequado e oportuno, visando interromper a cadeia de transmissão vertical da doença (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2025, SINAN; MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2025, SINASC, PIRES, C. DE P. et al., 2024).

Os testes que podem ser solicitados em caso de suspeita de infecção são divididos em dois grandes grupos, sendo estes: exames diretos e testes imunológicos. Os exames diretos incluem a pesquisa de T. pallidum em amostras coletadas de lesões, biópsia, necrópsia, cordão umbilical ou placenta, associado a técnicas de biologia molecular por reação de cadeia da polimerase. Os testes imunológicos são os mais utilizados e ainda são a melhor forma de se obter o diagnóstico da sífilis, caracterizando-se pela pesquisa de anticorpos. Nesse grupo tem se: testes treponêmicos (TT), não sendo muito solicitados em rotina sorológica por sua baixa sensibilidade (teste de absorção de anticorpos treponêmicos fluorescentes, por exemplo, possui 70% de sensibilidade, entretanto com uma especificidade de 94%) e testes não treponêmicos (TNT), sendo o VDRL o mais utilizado dos TNT com sensibilidade de 78% a 100% e ainda tendo a possibilidade de titulação, permitindo o acompanhamento do tratamento. É necessário também salientar que o resultado positivo no soro de recém-nascidos é limitado pelo fato de que pode-se ocorrer transferência passiva de anticorpos IgG da mãe para o bebê, o que tende-se a declinar até sua total negativação em alguns meses. (BRASIL, 2006; DOMINGUES et al., 2021; ZARAKOLU, P., 2023).

Existem também outros exames que podem auxiliar no diagnóstico, como o estudo líquido cefalorraquidiano (LCR) e os estudos de imagem feitos a partir da radiografia de ossos longos. Quando se trata da análise de LCR é demonstrado que alterações ocorrem mais em crianças sintomáticas do que em assintomáticas, apesar de infectadas, ainda assim é recomendada a punção lombar com o intuito de avaliar celularidade, perfil protéico e VDRL. Presença de leucocitose (maior que 25 leucócitos/mm3), aumento do nível protéico (acima de 150 mg/dl) em um recém-nascido com suspeita de sífilis congênita deve ser considerado uma evidência forte para o diagnóstico, todavia, se o VDRL estiver positivo no LCR é feito o diagnóstico de neurossífilis independente de alterações na celularidade e/ou proteínas (BRASIL, 2006; BRASIL, 2022).

Já os estudos de imagem feitos por radiografia de ossos longos são de grande importância pois foi-se observado que alterações em metáfise e diáfise de ossos longos estão presentes em 75% a 100% das crianças com acometimentos clínicos de sífilis congênita recente. Outro dado encontrado é que mesmo o exame ainda tendo uma sensibilidade desconhecida, 4% a 20% dos neonatos assintomáticos infectados apresentaram, unicamente, alterações radiológicas (BRASIL, 2006).

Com base nos estudos disponíveis em relação ao diagnóstico de sífilis congênita, mostrou-se necessária uma junção clínica, epidemiológica e laboratorial, avaliando todo o histórico materno de sífilis relacionado ao tratamento e seguimento na gestação, sinais e sintomas clínicos da criança e o TNT que deve ser comparado com o TNT materno no momento do parto, procurando avaliar titulações maiores que a da mãe. Mesmo assim, é sabido que em menos de 30% de crianças diagnosticadas com sífilis congênita, o resultado de TNT mostrou titulação quatro vezes maior que materna, ou seja, a presença de TNT materno maior em relação ao TNT do recém-nascido não exclui o diagnóstico (DOMINGUES et al., 2021).

Como dito anteriormente, os testes que detectam IgM, como o teste de absorção do anticorpo treponêmico fluorescente, possuem baixa sensibilidade, resultando em aproximadamente 10% de falso-positivos e 20% a 40% de falso-negativos, e por esse motivo não é recomendado a utilização destes. Os testes de IgM tem seu valor nestes casos apenas para seguimento a partir dos 18 meses, quando anticorpos maternos adquiridos passivamente não são mais detectáveis (BRASIL, 2006; DOMINGUES et al., 2021).

A Tabela 02 apresenta os critérios utilizados para  diagnóstico clínico da sífilis congênita, sendo que para tal, a criança deve apresentar pelo menos um dos critérios apresentados.

Tabela 02. Critérios para diagnóstico clínico para sífilis congênita

Fonte: Adaptado de BRASIL, 2006 e DOMINGUES et al., 2021.

O tratamento deve ser iniciado assim que a sífilis for diagnosticada, independentemente da presença de sinais e sintomas ou da existência de um tratamento anterior adequado, recente e documentado. Adiar a terapêutica enquanto se aguardam resultados de exames complementares compromete a prevenção da transmissão vertical da infecção (BRASIL, 2022). A benzilpenicilina benzatina é o único medicamento comprovadamente eficaz tanto para o tratamento da gestante quanto do feto, uma vez que atravessa a barreira placentária (DOMINGUES et al., 2021).

De acordo com a última atualização do Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Atenção Integral às Pessoas com Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), a sífilis recente na gestação deve ser tratada com dose única de 2,4 milhões de UI de benzilpenicilina benzatina por via intramuscular, sendo 1,2 milhão de UI aplicada em cada glúteo. O acompanhamento deve ser realizado mensalmente com teste não treponêmico (TNT). Para casos de sífilis tardia, a dose é a mesma (2,4 milhões de UI), aplicada semanalmente por três semanas consecutivas, mantendo-se o seguimento mensal com TNT (BRASIL, 2022).

É fundamental que o intervalo de sete dias entre as doses seja rigorosamente respeitado, a fim de evitar falhas terapêuticas. Caso esse intervalo seja ultrapassado, é necessário reiniciar o ciclo completo do tratamento. Ademais, a última dose deve ser administrada, no mínimo, 30 dias antes do parto, pois um intervalo inferior a este caracteriza tratamento inadequado (DOMINGUES et al., 2021).

Após o parto, a gestante deve ser acompanhada trimestralmente até o 12º mês após o diagnóstico, preferencialmente utilizando o mesmo teste não treponêmico adotado inicialmente (DOMINGUES et al., 2021). Em casos sintomáticos, a remissão dos sinais clínicos após o tratamento é indicativa de resposta terapêutica, mas não elimina a necessidade de acompanhamento sorológico por meio de testes não treponêmicos (BRASIL, 2022).

Considera-se que houve resposta imunológica adequada ao tratamento quando a titulação do TNT reduz em duas diluições até três meses após a última dose de penicilina e em quatro diluições até seis meses, progredindo para a sororreversão (TNT não reagente). Em pacientes com HIV, a resposta adequada se caracteriza por TNT não reagente ou por queda de duas diluições em até seis meses para sífilis recente ou em até 12 meses para sífilis tardia (DOMINGUES et al., 2021).

A persistência de títulos baixos e estáveis de TNT após tratamento adequado, desde que tenha havido uma redução prévia de pelo menos duas diluições e não haja nova exposição de risco, é denominada “cicatriz sorológica” (DOMINGUES et al., 2021).

A reação de Jarisch-Herxheimer é um efeito adverso que pode surgir até 24 horas após a administração da primeira dose de penicilina, especialmente em casos de sífilis primária ou secundária. Os sintomas incluem febre, mal-estar, cefaléia, artralgia e exacerbação das lesões cutâneas, com resolução espontânea entre 12 e 24 horas. O tratamento sintomático pode ser feito com analgésicos simples, sem necessidade de interromper a antibioticoterapia (BRASIL, 2022).

Em gestantes, essa reação pode elevar o risco de trabalho de parto prematuro devido à liberação de prostaglandinas, especialmente quando o tratamento é iniciado na segunda metade da gestação (DOMINGUES et al., 2021).

De forma geral, reações adversas graves à penicilina são raras e não devem ser motivo para postergar ou evitar o tratamento. O receio infundado pode resultar na perda do momento ideal para intervenção, perpetuando a cadeia de transmissão da sífilis, inclusive sua forma mais grave: a sífilis congênita (BRASIL, 2022).

O tratamento da sífilis congênita no período neonatal deve ser baseado no histórico de tratamento materno, nos resultados dos exames do recém-nascido e na comparação da titulação dos testes não treponêmicos materno e neonatal. Os esquemas incluem benzilpenicilina potássica (cristalina), procaína ou benzatina (DOMINGUES et al., 2021).

Quando se utiliza a benzilpenicilina potássica (cristalina), a dose recomendada é de 50.000 UI/kg por via intravenosa. Durante a primeira semana de vida, a administração deve ocorrer a cada 12 horas e, a partir da segunda semana, a cada 8 horas, totalizando 10 dias de tratamento, inclusive para casos com suspeita ou confirmação de neurossífilis. O esquema com benzilpenicilina procaína prevê a mesma dose, aplicada uma vez ao dia por sete dias. Caso haja atraso superior a 24 horas entre as doses, o tratamento deve ser reiniciado (BRASIL, 2022).

Para recém-nascidos assintomáticos, filhos de mães não tratadas ou tratadas inadequadamente, com exames laboratoriais normais e TNT não reagente ao nascimento, recomenda-se uma dose única de 50.000 UI/kg de benzilpenicilina benzatina por via intramuscular. Em todos os casos, o seguimento clínico e laboratorial na puericultura é essencial para monitorar possíveis complicações (DOMINGUES et al., 2021).

Quando o diagnóstico ocorre após o primeiro mês de vida (período pós-neonatal) ou se trata de sífilis adquirida, o tratamento indicado é com benzilpenicilina potássica/cristalina na dose de 50.000 UI/kg, administrada por via endovenosa a cada 4 a 6 horas por 10 dias. Mesmo que a criança tenha sido tratada previamente com ampicilina, o esquema completo com penicilina deve ser mantido. Também se recomenda o acompanhamento clínico e laboratorial em puericultura (DOMINGUES et al., 2021).

O retratamento é indicado nas seguintes situações: (a) ausência de queda da titulação em duas diluições após seis meses (sífilis recente) ou 12 meses (sífilis tardia); (b) aumento da titulação em duas diluições ou mais no TNT; (c) persistência ou reaparecimento de sinais e sintomas clínicos (DOMINGUES et al., 2021).

4        CONCLUSÃO

A sífilis congênita persiste como um grave problema de saúde pública no Brasil, refletindo falhas estruturais na atenção pré-natal, especialmente no diagnóstico oportuno, no tratamento adequado das gestantes e na inclusão dos parceiros sexuais nos cuidados. Esta revisão sistemática, associada à análise de dados epidemiológicos do DataSUS, evidenciou que, apesar da existência de protocolos bem estabelecidos, persistem entraves significativos na implementação das ações de controle, sobretudo em contextos de vulnerabilidade social e desigualdade regional. A alta razão de transmissão vertical, mesmo em locais com baixa incidência gestacional, indica que o desafio não está apenas na detecção da infecção, mas, principalmente, na efetividade das intervenções.

Nesse contexto, destaca-se a importância do rastreio precoce com testes sorológicos adequados, do início imediato da terapia com penicilina benzatina e do acompanhamento longitudinal da gestante e do recém-nascido. Para que se alcance a redução consistente dos casos de sífilis congênita, torna-se imprescindível o fortalecimento da vigilância epidemiológica, a ampliação do acesso e da qualidade do pré-natal, bem como a capacitação contínua dos profissionais de saúde. Tais medidas exigem articulação entre políticas públicas, investimento em saúde e responsabilização dos diversos níveis de atenção, com vistas à eliminação da transmissão vertical como problema de saúde pública no país.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Programa Nacional de DST/AIDS. Diretrizes para controle da sífilis congênita: manual de bolso. 2. ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2006.

BRASIL. Ministério da Saúde. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Atenção Integral às Pessoas com Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST). Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2022.

DE BRITO PINTO, T. K. et al. Clinical Protocols and Treatment Guidelines for the Management of Maternal and Congenital Syphilis in Brazil and Portugal: Analysis and Comparisons: A Narrative Review. International Journal of Environmental Research and Public Health, v. 19, n. 17, p. 10513, 24 ago. 2022.

DOMINGUES, C. S. B. et al. Protocolo Brasileiro para Infecções Sexualmente Transmissíveis 2020: sífilis congênita e criança exposta à sífilis. Epidemiologia e Serviços de Saúde, v. 30, n. spe1, 2021.

FANG, J. et al. Congenital Syphilis Epidemiology, Prevention, and Management in the United States: A 2022 Update. Cureus, 27 dez. 2022.

MINISTÉRIO DA SAÚDE (Brasil). Sistema de Informação de Agravos de Notificação – SINAN. Departamento de Informática do SUS – DataSUS. Disponível em: https://datasus.saude.gov.br/sinan/. Acesso em: 30 mar. 2025.

MINISTÉRIO DA SAÚDE (Brasil). Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos – SINASC. Departamento de Informática do SUS – DataSUS. Disponível em: https://datasus.saude.gov.br/sinasc/. Acesso em: 30 mar. 2025.

PINHEIRO, Y. T. et al. Epidemiology of Syphilis in Pregnancy and Congenital Syphilis in Brazil and the Risk or Associated Factors: Protocol for a Systematic Review. JMIR Research Protocols, v. 13, p. e50702, 4 jan. 2024.

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SWAYZE, E. J. et al. Ineffective penicillin treatment and absence of partner treatment may drive the congenital syphilis epidemic in Brazil. AJOG Global Reports, v. 2, n. 2, p. 100050, maio 2022.

WHITING, C.; SCHWARTZMAN, G.; KHACHEMOUNE, A. Syphilis in Dermatology: Recognition and Management. American Journal of Clinical Dermatology, v. 24, n. 2, p. 287–297, 23 mar. 2023.

ZARAKOLU, P. Recent Advances in Laboratory Diagnosis of Syphilis. Mikrobiyoloji Bulteni, v. 57, n. 1, p. 141–155, 9 jan. 2023.


1Discente do Curso Superior de Medicina do Centro Universitário do Planalto Central Apparecido dos Santos email:
marina.diogo@medicina.uniceplac.edu.br
2Discente do Curso Superior de Medicina do Centro Universitário do Planalto Central Apparecido dos Santos email: humberto.conceicao@medicina.uniceplac.edu.br
3Discente do Curso Superior de Medicina do Centro Universitário do Planalto Central Apparecido dos Santos email: raissa.moreira@medicina.uniceplac.edu.br
4Discente do Curso Superior de Medicina do Centro Universitário do Planalto Central Apparecido dos Santos email: yan.rodrigues@medicina.uniceplac.edu.br
5Discente do Curso Superior de Medicina do Centro Universitário do Planalto Central Apparecido dos Santos email: gabriel.knust@medicina.uniceplac.edu.br
6Discente do Curso Superior de Medicina do Centro Universitário do Planalto Central Apparecido dos Santos email: hemilton.filho@medicina.uniceplac.edu.br
7Discente do Curso Superior de Medicina da Faculdade São Leopoldo Mandic Campus Campinas – SP e-mail: ricardocbueno@hotmail.com
8Docente do Curso Superior de Medicina do Centro Universitário do Planalto Central Apparecido dos Santos. email: renato.mundim@uniceplac.edu.br