REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/dt10202506041027
Jabis de Jesus Correa
João Victor Dias Branco de Souza
Paulo Ricardo Carleone Bianchi da Silva
RESUMO
Introdução: A adição digital, caracterizada pelo uso excessivo e compulsivo de tecnologias como smartphones, redes sociais e videogames, tem impactado negativamente o sistema de recompensa cerebral, com consequências para a saúde mental, especialmente em indivíduos com Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH). Objetivos: Investigar os efeitos do uso excessivo de tecnologia no sistema de recompensa do cérebro e analisar os impactos psicológicos e emocionais decorrentes desse comportamento, com foco em pessoas com TDAH. Justificativa: O uso intenso e descontrolado de tecnologias tem se tornado uma questão crescente de saúde pública, exigindo melhor compreensão dos mecanismos neurobiológicos envolvidos e estratégias eficazes de prevenção e tratamento. Metodologia: Foi realizada uma revisão sistemática da literatura seguindo as diretrizes PRISMA, utilizando a estratégia PICO para seleção de artigos publicados entre 2020 e 2025 nas bases SciELO, PubMed e PsycINFO, que abordassem o impacto do uso excessivo de tecnologia no sistema de recompensa e na saúde mental. Resultados e Discussão: Os estudos selecionados indicam que o uso compulsivo de tecnologias provoca superativação do circuito dopaminérgico, promovendo comportamentos compulsivos, diminuição do controle inibitório e aumento da impulsividade. As ferramentas como escalas comportamentais validam a associação entre impulsividade, redução da atenção e ativação do sistema límbico em resposta à recompensa digital. O uso exagerado da tecnologia está relacionado ao aumento de transtornos como ansiedade, depressão, distúrbios do sono e dificuldades de foco. Conclusão: A adição digital compromete a regulação neuroquímica do sistema de recompensa e está associada ao desenvolvimento de transtornos psicológicos. Logo, é fundamental aprofundar a pesquisa sobre o tema para o desenvolvimento de intervenções preventivas e terapêuticas eficazes.
Palavras-chave: Sistema de recompensa. Dependência tecnológica. Saúde mental.
ABSTRACT
Introduction: Digital addiction, characterized by the excessive and compulsive use of technologies such as smartphones, social media, and video games, has negatively impacted the brain’s reward system, with consequences for mental health, especially in individuals with Attention Deficit Hyperactivity Disorder (ADHD). Objectives: To investigate the effects of excessive technology use on the brain’s reward system and to analyze the psychological and emotional impacts resulting from this behavior, with a focus on individuals with ADHD. Justification:The intense and uncontrolled use of technology has become a growing public health issue, demanding a better understanding of the neurobiological mechanisms involved and the development of effective prevention and treatment strategies. Methodology: A systematic literature review was conducted following the PRISMA guidelines, using the PICO strategy to select articles published between 2020 and 2025 in the SciELO, PubMed, and PsycINFO databases that addressed the impact of excessive technology use on the reward system and mental health. Results and Discussion: The selected studies indicate that compulsive use of technology leads to overactivation of the dopaminergic circuit, promoting compulsive behaviors, decreased inhibitory control, and increased impulsivity. Tools such as behavioral scales validate the association between impulsivity, reduced attention, and activation of the limbic system in response to digital rewards. Excessive use of technology is associated with an increase in disorders such as anxiety, depression, sleep disturbances, and difficulty concentrating. Conclusion: Digital addiction impairs the neurochemical regulation of the reward system and is associated with the development of psychological disorders. Therefore, it is essential to deepen research on this topic to develop effective preventive and therapeutic interventions.
Keywords: Reward system. Technology dependence. Mental health.
1. INTRODUÇÃO
A adição digital, caracterizada pelo uso excessivo e incontrolável de tecnologias como smartphones, redes sociais e videogames, tem se tornado uma preocupação crescente no campo da saúde mental. Esse fenômeno afeta o sistema de recompensa do cérebro, uma área fundamental para a motivação, prazer e regulação emocional, com implicações diretas na saúde psíquica dos indivíduos (Pio et al, 2024).
A dependência digital pode ser especialmente prejudicial quando se manifesta em comportamentos compulsivos, nos quais o indivíduo sente uma necessidade constante de se engajar com dispositivos eletrônicos, levando a um ciclo de recompensa imediato que reforça esses comportamentos. Nesse sentido, a interação entre o uso excessivo de tecnologia e a saúde mental é particularmente relevante quando analisamos o impacto nas estruturas cerebrais relacionadas ao sistema de recompensa, como o núcleo accumbens e a dopamina (Passos, 2023).
O sistema de recompensa funciona como uma espécie de “motor” para nossas ações motivadas pela busca de prazer ou a evitação de desconforto. O uso excessivo de dispositivos eletrônicos ativa esse sistema de forma contínua, liberando dopamina e criando um ciclo viciante que pode alterar o equilíbrio neuroquímico, levando à desregulação emocional e ao aumento da ansiedade (Lopes et al., 2021).
Esses efeitos são particularmente pronunciados quando o uso de tecnologia se dá de forma excessiva ou compulsiva, o que pode agravar condições preexistentes de saúde mental, como a ansiedade, a depressão e o Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH). Nesse âmbito, a natureza altamente recompensadora das interações digitais, como os “likes” em redes sociais e as atualizações instantâneas, contribui para a hiperestimulação do sistema de recompensa e pode criar uma sensação de gratificação imediata, tornando difícil para os indivíduos se desconectarem ou controlarem o tempo gasto nas plataformas digitais (Moraes et al, 2021).
Além disso, o impacto psicológico do uso excessivo de tecnologias está interligado com a dependência de gratificação instantânea, um fenômeno que pode ser especialmente problemático para pessoas com transtornos de controle de impulsos, como o TDAH. A dificuldade em adiar recompensas e a tendência a buscar satisfação imediata, características do TDAH, podem agravar os efeitos da adição digital, tornando o ciclo de recompensa mais difícil de quebrar (Cruz et al, 2024).
Diante desse contexto, a compreensão dos efeitos do uso excessivo de tecnologia no sistema de recompensa e na saúde mental é fundamental para o desenvolvimento de estratégias de prevenção e tratamento para indivíduos que sofrem de adição digital. Assim, a presente pesquisa busca explorar os impactos dessa adição no sistema de recompensa do cérebro, bem como os efeitos psicológicos e emocionais decorrentes do uso excessivo de tecnologia, com foco especial nos indivíduos com Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH).
2. MATERIAIS E MÉTODOS
Este estudo trata-se de uma revisão sistemática da literatura sobre os impactos do uso excessivo de tecnologia no sistema de recompensa do cérebro e sua relação com os efeitos psicológicos em indivíduos com TDAH. A pesquisa seguiu as diretrizes do Checklist Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analysis (PRISMA) para garantir rigor metodológico na seleção e análise dos estudos.
A estratégia de pesquisa foi conduzida com base no modelo População, Intervenção, Comparação e Desfechos (PICO). A população foi composta por adultos diagnosticados com TDAH, a intervenção referiu-se ao uso excessivo de tecnologias, como redes sociais e videogames, a comparação envolveu diferentes padrões de uso e os desfechos analisados foram os impactos psicológicos, emocionais e neurobiológicos decorrentes dessa interação.
Os descritores utilizados na pesquisa foram selecionados a partir dos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) e incluíram os termos: “adicção digital”, “sistema de recompensa”, “Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade”, “uso excessivo de tecnologia” e “impacto psicológico”. A busca foi realizada nas bases de dados SciELO, PubMed e PsycINFO utilizando operadores booleanos “AND” e “OR”.
Os critérios de inclusão foram: artigos publicados entre 2020 e 2025, em português, inglês ou espanhol, disponíveis em texto completo, que abordassem a relação entre o uso excessivo de tecnologia, o sistema de recompensa e a saúde mental em indivíduos com TDAH. Os critérios de exclusão foram: estudos que não envolvessem adultos, artigos que não correlacionassem os temas de adição digital e TDAH, e publicações indisponíveis na íntegra.
Figura 1. Fluxo da coleta e seleção dos artigos nas bases de dados.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Após a triagem dos resumos, foram selecionados 09 artigos para leitura completa. A análise concentrou-se na forma como o uso compulsivo de tecnologias, especialmente redes sociais e videogames, impacta os níveis de dopamina e outros neurotransmissores envolvidos no sistema de recompensa, além de seus efeitos no bem-estar psicológico e na regulação emocional.
Tabela 1. Estudos selecionados para escrita.




A análise do uso compulsivo de tecnologias digitais, especialmente redes sociais e videogames, revela impactos profundos sobre os níveis de dopamina e outros neurotransmissores envolvidos no sistema de recompensa cerebral. Esse sistema, fundamental para a regulação do prazer e motivação, é ativado de forma intensa e frequente diante de estímulos digitais, o que pode levar à modificação dos padrões normais de funcionamento neural, desencadeando comportamentos aditivos (Chen et al., 2021).
Os elementos de design persuasivo em smartphones, como notificações automáticas, rolagem infinita e recompensas visuais, facilitam essa ativação constante, dificultando a autorregulação e potencializando a dependência comportamental (Chen et al., 2021). A estrutura temporal do uso da tecnologia também desempenha papel central no desenvolvimento da adição digital (King et al., 2022).
A exposição contínua e a recompensa intermitente características dos ambientes digitais resultam na superativação do circuito dopaminérgico, promovendo comportamentos compulsivos e diminuição do controle inibitório por parte dos usuários. Essa dinâmica temporal contribui para que o uso da tecnologia se torne um ciclo autossustentável de busca por gratificação imediata, característico das dependências comportamentais (Gomes et al., 2023).
Para melhor compreender esses fenômenos, Huang et al. (2020) desenvolveram uma escala comportamental capaz de avaliar os padrões compulsivos relacionados ao uso de smartphones, identificando que indivíduos com maior impulsividade e redução da atenção tendem a apresentar ativação frequente do sistema límbico, especialmente durante a antecipação da recompensa digital. Esses dados corroboram o impacto neuropsicológico do uso excessivo da tecnologia, que ultrapassa a simples interação social e atinge funções cognitivas centrais.
A escala é uma ferramenta psicométrica elaborada para avaliar os padrões de uso compulsivo de smartphones, identificando comportamentos que indicam dependência digital. Esse artifício mensura aspectos como a frequência e duração do uso, a dificuldade de controlar o tempo gasto no dispositivo, sintomas de abstinência, além do impacto negativo do uso excessivo nas atividades diárias e no funcionamento social do indivíduo. Além disso, a escala avalia traços psicológicos associados à dependência, como impulsividade e redução da atenção, que estão relacionados à ativação do sistema límbico, especialmente durante a antecipação de recompensas digitais (Huang et al., 2020).
O efeito cumulativo desse uso exagerado está diretamente associado ao aumento dos transtornos mentais, como ansiedade, depressão, distúrbios do sono e dificuldades de foco, conforme indicado por Laitinen et al. (2024). A hiperatividade do sistema de recompensa altera o equilíbrio neuroquímico cerebral, aumentando a vulnerabilidade aos transtornos psiquiátricos e dificultando a recuperação do equilíbrio emocional (Gomes et al., 2023).
Adicionalmente, a busca por perfeição e validação nas redes sociais exacerba ainda mais a ativação do circuito de recompensa, especialmente em usuários que desenvolvem padrões de perfeccionismo digital. Sedera et al. (2020) evidenciam que essa constante busca por aprovação resulta em sofrimento emocional, baixa autoestima e dificuldade em se desconectar dos meios digitais, criando um ciclo que reforça a dependência (Tobias et al., 2025).
A população jovem, incluindo crianças e adolescentes, é particularmente vulnerável, apresentando sinais clínicos de dependência digital, como tolerância, abstinência e perda de controle, que incluem irritabilidade e uso compulsivo para regulação emocional (King et al., 2022). Esse cenário aponta para uma geração cada vez mais dependente da tecnologia, com implicações preocupantes para o desenvolvimento neurológico e social.
A experiência prática também evidencia que muitos indivíduos têm dificuldade em reduzir o uso de redes sociais mesmo diante de prejuízos acadêmicos, profissionais e sociais. Segundo Tobias et al. (2025), a busca por interações digitais, como curtidas e comentários, funciona como reforçador imediato que ativa repetidamente o sistema de recompensa, reforçando a compulsão e dificultando a descontinuação do uso.
Apesar de ainda ser uma condição pouco reconhecida, a dependência digital apresenta efeitos semelhantes aos vícios clássicos, com prejuízos significativos nas funções executivas, perda de interesse por atividades offline e alterações na liberação de dopamina em resposta a estímulos tecnológicos (Weinschenk et al., 2025). Essa epidemia silenciosa exige maior atenção dos profissionais de saúde mental.
Finalmente, Winkler et al. (2024) destacam que o uso excessivo de smartphones e redes sociais compromete a saúde mental ao gerar alterações no humor e distúrbios de atenção e controle de impulsos. O ciclo constante de recompensa imediata reduz a tolerância ao tédio, aumentando a dependência digital e dificultando a recuperação comportamental.
Diante desse contexto, compreender os efeitos do uso excessivo de tecnologia no sistema de recompensa e na saúde mental é fundamental para o desenvolvimento de estratégias eficazes de prevenção e tratamento, especialmente para indivíduos com Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), que apresentam maior vulnerabilidade a essas disfunções comportamentais e neuroquímicas.
4. CONCLUSÃO
A adição digital, manifestada pelo uso compulsivo de tecnologias como redes sociais e videogames, tem impactos significativos no sistema de recompensa cerebral, especialmente na regulação da dopamina e outros neurotransmissores relacionados ao prazer e à motivação. Esse uso excessivo promove a ativação constante e exagerada desse sistema, levando a alterações neuroquímicas que favorecem o desenvolvimento de comportamentos compulsivos e a redução do controle inibitório. Além disso, as consequências desse padrão de uso vão além do aspecto neurobiológico, afetando o bem-estar psicológico, aumentando a incidência de transtornos como ansiedade, depressão, dificuldades de atenção e comprometimento da regulação emocional.
Diante desse cenário, torna-se essencial aprofundar a compreensão dos mecanismos envolvidos na adição digital para orientar o desenvolvimento de estratégias de prevenção e intervenções terapêuticas eficazes. Essa preocupação é especialmente urgente para populações vulneráveis, como indivíduos com Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), que apresentam maior suscetibilidade a esses impactos.
REFERÊNCIAS
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