ANÁLISE DO PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DAS NEOPLASIAS MALIGNAS DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL NAS EMERGÊNCIAS NEUROLÓGICAS DA REGIÃO NORTE DO BRASIL ENTRE 2020 E 2024 

ANALYSIS OF THE EPIDEMIOLOGICAL PROFILE OF MALIGNANT NERVOUS SYSTEM NEOPLASMS IN NEUROLOGICAL EMERGENCIES IN THE NORTHERN REGION OF BRAZIL BETWEEN 2020 AND 2024

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/dt10202505201053


Victor Andrade Lopes1; Alexandre Granela Borja Filho2; Maria Eduarda Vieira Sena3; Maria Luísa Abreu da Silva4; Denilson da Silva Veras5


RESUMO

Os tumores malignos do sistema nervoso central compreendem um grupo heterogêneo de neoplasias com evolução rápida e prognóstico reservado, que frequentemente demandam atendimento emergencial. No Brasil, particularmente na região Norte, aspectos geográficos, sociais e estruturais impõem obstáculos significativos ao diagnóstico precoce e ao acesso a cuidados especializados em neurologia e oncologia. Este estudo tem como objetivo analisar o perfil epidemiológico das internações por tumores encefálicos malignos em serviços de urgência neurológica na região Norte do Brasil, entre os anos de 2020 e 2023. Trata-se de um estudo ecológico, descritivo e transversal, com abordagem quantitativa, utilizando dados do Sistema de Informações Hospitalares (SIH/SUS), disponíveis na plataforma DATASUS. Foram observadas 1.842 internações, predominando pacientes do sexo masculino (54,8%) e da raça/cor parda (68,2%). O estado do Pará concentrou 44% das internações e 43,9% dos óbitos registrados. A análise dos dados aponta para disparidades regionais no acesso ao cuidado especializado, reforçando a necessidade de políticas públicas direcionadas ao fortalecimento da atenção oncológica e neurológica na região Norte do Brasil.

Palavras-chave: Tumores Cerebrais. Emergências Neurológicas. Epidemiologia.

INTRODUÇÃO

    Os tumores malignos do sistema nervoso central (SNC) representam uma condição médica de alta complexidade e letalidade, caracterizados por seu crescimento rápido e invasivo no sistema nervoso central. Esses tumores podem se originar do próprio tecido cerebral (tumores primários) ou serem resultado de metástases de neoplasias de outras partes do corpo. Independentemente da origem, o impacto sobre o paciente é significativo, sendo frequente o aparecimento de sinais neurológicos agudos que requerem atendimento imediato em unidades de emergência.

    No contexto das emergências neurológicas, essas neoplasias constituem um desafio diagnóstico e terapêutico, especialmente em regiões com carência de recursos tecnológicos e humanos especializados. A região Norte do Brasil, por suas características geográficas e socioeconômicas, enfrenta grandes obstáculos nesse sentido. Municípios distantes dos centros urbanos, dificuldade de transporte, escassez de neurologistas e de equipamentos como tomografia computadorizada e ressonância magnética tornam o diagnóstico e o tratamento ainda mais complexos.

    Além disso, o conhecimento sobre o perfil epidemiológico dos tumores encefálicos malignos na região Norte é escasso. A maioria dos estudos epidemiológicos concentra-se em regiões com maior infraestrutura, como o Sudeste e o Sul. A ausência de dados regionais dificulta o planejamento de políticas públicas que contemplem as especificidades da população nortista.

    O presente estudo tem como objetivo principal identificar o perfil epidemiológico das internações por tumores encefálicos malignos em serviços de emergência na região Norte do Brasil, no período de 2020 a 2023, com ênfase nas variáveis sexo, raça/cor, estado de internação e óbito hospitalar.

    1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA OU REVISÃO DA LITERATURA

      Os tumores encefálicos malignos, particularmente os gliomas de alto grau, representam um dos maiores desafios da neuro-oncologia contemporânea. Entre eles, destaca-se o glioblastoma multiforme (GBM), classificado como grau IV pela Organização Mundial da Saúde (OMS), sendo considerado o tipo mais comum, agressivo e letal de tumor primário do sistema nervoso central. Estima-se que o GBM represente aproximadamente 60% de todos os gliomas diagnosticados em adultos. Seu comportamento infiltrativo e rápida progressão comprometem funções neurológicas vitais e dificultam abordagens terapêuticas curativas (GROCHANS et al., 2022).

      Em harmonia à análise de SCHAFF et al. (2023), apesar da utilização do protocolo terapêutico padrão, o qual consiste na combinação entre a ressecção cirúrgica máxima segura, radioterapia conformacional e quimioterapia com temozolomida, a sobrevida mediana dos pacientes com GBM é de apenas 14 a 16 meses após o diagnóstico, com taxa de sobrevida de dois anos inferior a 30%. Esse prognóstico reservado decorre tanto da resistência biológica intrínseca do tumor quanto da recorrência precoce e limitações no controle local da doença (MALTA et al., 2023)

      Adicionalmente, o tempo entre o surgimento dos sintomas e o diagnóstico definitivo exerce impacto significativo no desfecho clínico. MCLENDON et al. (2022) identificou atrasos na identificação dos sinais clínicos e na realização de exames de imagem que comprometem a eficácia terapêutica e reduzem a janela de oportunidade para intervenções neurocirúrgicas mais eficazes. Tal realidade é agravada em regiões com infraestrutura médica limitada, onde o acesso a equipamentos como tomografia computadorizada (TC) e ressonância magnética (RM) é escasso ou inexistente, atrasando o diagnóstico e, por conseguinte, o início do tratamento (JOHNSON et al., 2022).

      No Brasil, essas desigualdades são particularmente evidentes na região Norte, que historicamente apresenta os piores indicadores de acesso à saúde especializada. A carência de hospitais de referência em neurologia e oncologia, a baixa concentração de profissionais especializados, a dificuldade de transporte entre municípios e a precariedade dos sistemas locais de vigilância epidemiológica dificultam não apenas o tratamento, mas também a compreensão do real perfil da doença. A escassez de dados regionais sobre a incidência, mortalidade e distribuição sociodemográfica dos tumores encefálicos malignos limita a formulação de políticas públicas eficazes e perpetua o ciclo de invisibilidade dessas condições na agenda de saúde pública.

      Diante desse contexto, torna-se imprescindível aprofundar a investigação epidemiológica desses tumores em regiões historicamente negligenciadas, como o Norte do Brasil. Mapear padrões de ocorrência, identificar fatores de risco e reconhecer vulnerabilidades locais são passos fundamentais para reduzir as iniquidades em saúde, aprimorar o planejamento dos serviços e garantir uma linha de cuidado integral e equitativa para os pacientes com tumores encefálicos malignos.

      2. METODOLOGIA 

        Trata-se de um estudo ecológico, retrospectivo, de abordagem quantitativa e descritiva, realizado em janeiro de 2025, com base em dados secundários extraídos do Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS), por meio da plataforma TabNet, do Departamento de Informática do SUS (DATASUS).

        Foram analisadas internações hospitalares por tumores encefálicos malignos, classificados segundo o Código Internacional de Doenças – CID-10 C71 (neoplasia maligna do encéfalo), registradas entre janeiro de 2020 e dezembro de 2024 nos estados da região Norte do Brasil (Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins).

        As variáveis consideradas incluíram: sexo, faixa etária, cor/raça, estado de internação, número absoluto e relativo de internações, e número de óbitos hospitalares. Os dados foram coletados, organizados em planilhas eletrônicas e analisados por meio de estatística descritiva simples, utilizando frequências absolutas e percentuais, com o objetivo de identificar os principais padrões epidemiológicos relacionados à ocorrência de tumores encefálicos malignos em contextos de emergência neurológica.

        Outrossim, faz-se oportuno ressaltar que esta pesquisa dispensou a submissão ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), tendo em vista que não aborda e nem realiza intervenções clínicas em seres humanos ou animais. Portanto, asseguram-se os preceitos relativos aos direitos autorais vigentes previstos na legislação brasileira (BRASIL, 2013).

        3. RESULTADOS E DISCUSSÕES OU ANÁLISE DOS DADOS

          Durante o período compreendido entre janeiro de 2020 e dezembro de 2024, foram registrados 15.136 casos de internações hospitalares por epilepsia (CID-10 G40) nas unidades de emergência da região Norte do Brasil, conforme os dados extraídos do Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS). A análise foi estratificada de acordo com variáveis sociodemográficas e geográficas com o intuito de caracterizar o perfil dos pacientes acometidos.

          4.1 INTERNAÇÕES POR SEXO DOS PACIENTES

          A análise das internações hospitalares por tumores encefálicos malignos, no período de 2020 a 2024, evidenciou uma predominância do sexo masculino, responsável por 1.010 registros (54,8%), enquanto o sexo feminino apresentou 832 internações (45,2%). A maior proporção de internações ocorreu entre adultos de 40 a 59 anos, totalizando 698 casos (37,9%), seguidos por indivíduos de 60 a 79 anos, com 529 casos (28,7%). Pacientes com 80 anos ou mais somaram 229 internações (12,4%). As faixas etárias mais jovens, de 20 a 39 anos e menores de 20 anos, representaram 16,2% e 4,8% dos casos, respectivamente. Esses dados sugerem que, embora a incidência seja maior em faixas etárias mais avançadas, os tumores encefálicos malignos não são exclusivos de idosos, acometendo também adultos jovens e, em menor proporção, adolescentes e crianças.

          4.2 DISTRIBUIÇÃO GEOGRÁFICA E COR/RAÇA

          A distribuição geográfica das internações evidenciou importantes disparidades entre os estados da região Norte do Brasil. O estado do Pará foi o que concentrou o maior número de internações hospitalares por tumores encefálicos malignos, com 811 casos (44%), seguido pelo Amazonas com 300 internações (16,3%), Rondônia com 230 casos (12,5%) e Tocantins com 198 casos (10,7%). Os estados com menor número absoluto de internações foram Roraima (105 casos; 5,7%), Amapá (99 casos; 5,3%) e Acre (99 casos; 5,3%). Essa distribuição pode estar diretamente relacionada à densidade populacional, à presença de centros de referência em neurologia e oncologia, à disponibilidade de equipamentos diagnósticos, e ao grau de urbanização e desenvolvimento da infraestrutura hospitalar em cada estado.

          O destaque para o estado do Pará pode ser justificado pela sua maior população absoluta e pelo fato de possuir hospitais de média e alta complexidade em neurologia e neurocirurgia, o que atrai pacientes de outras localidades. Ainda assim, a concentração de casos em poucos estados pode refletir subnotificação em regiões mais remotas, onde a dificuldade de acesso à assistência especializada e ao diagnóstico por imagem reduz as possibilidades de confirmação e registro da doença.

          Quanto à variável cor/raça, observou-se prevalência marcante de pacientes autodeclarados como pardos, que representaram 1.257 dos registros (68,2%), seguidos por brancos (321 casos; 17,4%), pretos (150 casos; 8,1%), amarelos (106 casos; 5,7%) e indígenas (8 casos; 0,43%). A predominância de pacientes pardos acompanha o perfil demográfico da região Norte, majoritariamente composta por população de origem miscigenada. No entanto, esse recorte também levanta a necessidade de refletir sobre desigualdades raciais estruturais no acesso à saúde, uma vez que populações indígenas e negras tendem a apresentar maior vulnerabilidade social, menor acesso à rede de saúde especializada e piores desfechos clínicos.

          Esses dados reforçam a importância de políticas públicas que ampliem o acesso equitativo ao diagnóstico e ao tratamento oncológico, respeitando as especificidades étnicas, culturais e territoriais da região Norte.

          4.3 MORTALIDADE HOSPITALAR

          Durante o período analisado, foram registrados 496 óbitos hospitalares decorrentes de internações por tumores encefálicos malignos na região Norte do Brasil, correspondendo a uma taxa de letalidade hospitalar de 26,9%. Este dado indica que aproximadamente um em cada quatro pacientes internados com esse diagnóstico evoluiu para óbito durante a hospitalização, o que reforça a gravidade da condição e a necessidade de intervenções precoces e mais efetivas.

          A mortalidade foi mais expressiva entre pacientes com idade igual ou superior a 60 anos, que representaram 305 dos óbitos (61,5%). Essa maior letalidade em faixas etárias mais avançadas pode ser atribuída à presença de comorbidades associadas, à menor reserva funcional do sistema nervoso central e à maior dificuldade de recuperação frente a procedimentos invasivos ou complicações clínicas associadas ao tumor.

          Geograficamente, o estado do Pará concentrou 218 dos óbitos (43,9%), seguido por Amazonas (16,7%) e Rondônia (12,5%). Essa distribuição é proporcional à frequência de internações nos respectivos estados, porém reforça a concentração de atendimentos de maior gravidade em centros de referência. Ressalta-se que a elevada taxa de mortalidade pode também estar associada à chegada tardia dos pacientes aos serviços de saúde, muitas vezes já em fases avançadas da doença, o que reduz a eficácia das opções terapêuticas.

          Os dados encontrados evidenciam a urgência em fortalecer a linha de cuidado oncológico, desde a atenção primária com ações de rastreio e encaminhamento precoce, até a atenção terciária, com ampliação da rede de oncologia e neurologia especializada. O enfrentamento da mortalidade por tumores encefálicos malignos exige, portanto, uma abordagem integrada entre vigilância epidemiológica, capacitação profissional, acesso à tecnologia e suporte psicossocial aos pacientes e familiares.

          5. CONCLUSÃO/CONSIDERAÇÕES FINAIS

            As neoplasias do sistema nervoso central constituem um relevante problema de saúde pública, principalmente em razão de seu impacto funcional, prognóstico reservado e elevada demanda por atendimentos neurológicos de urgência. A ocorrência desses casos concentra-se, em grande parte, em indivíduos de faixas etárias mais avançadas, com variações expressivas conforme sexo e local de internação, o que evidencia desigualdades regionais e estruturais no acesso à atenção especializada.

            A alta letalidade associada a esses tumores, frequentemente diagnosticados tardiamente ou em situações clínicas críticas, revela a urgência de estratégias que enfrentem os entraves ao diagnóstico precoce e à continuidade do cuidado oncológico na região Norte do Brasil. Esse cenário demanda ações articuladas entre vigilância epidemiológica, capacitação profissional e ampliação dos investimentos em redes de cuidado neurológico-oncológico.

            Dessa forma, reforça-se a necessidade de estudos com maior abrangência metodológica e territorial, capazes de orientar políticas públicas mais efetivas e promover melhorias no manejo clínico e na assistência integral aos pacientes, tanto no ambiente hospitalar quanto nas esferas preventivas e de acompanhamento contínuo.

            REFERÊNCIAS

            BRASIL. Lei Nº 12.853. Brasília: 14 de agosto de 2013. Acesso em: 10 de abril de 2025.

            GROCHANS, S.; CYBULSKA, A. M.; SIMIŃSKA, D.; KORBECKI, J.; KOJDER, K.; CHLUBEK, D.; BARANOWSKA-BOSIACKA, I. Epidemiology of glioblastoma multiforme: literature review. Cancers (Basel), Basel, v. 14, n. 10, p. 2412, 13 maio 2022.

            JOHNSON, D. R. et al. A radiologist’s guide to the 2021 WHO central nervous system tumor classification: Part I – key concepts and the spectrum of diffuse gliomas. Radiology, v. 304, n. 3, p. 494-508, set. 2022.

            MALTA, T. M.; SNYDER, J.; NOUSHMEHR, H.; CASTRO, A. V. Advances in central nervous system tumor classification. Advances in Experimental Medicine and Biology, v. 1416, p. 121-135, 2023.

            MCLENDON, R. E.; YACHNIS, A. T.; MILLER, C. R.; NG, H. K. Central nervous system tumor classification: an update on the integration of tumor genetics. Hematology/Oncology Clinics of North America, v. 36, n. 1, p. 1-21, fev. 2022.

            SCHAFF, L. R.; MELLINGHOFF, I. K. Glioblastoma and other primary brain malignancies in adults: a review. JAMA, v. 329, n. 7, p. 574-587, 21 fev. 2023.


             1Discente do Curso Superior de Medicina do Instituto Faculdade Santa Teresa Campus Manaus. e-mail: victoralopes1611@icloud.com 

            2Discente do Curso Superior de Medicina do Instituto Faculdade Santa Teresa Campus Manaus. e-mail: canalalexpro@gmail.com

            3Docente do Curso Superior de Medicina do Instituto Faculdade Santa Teresa Campus Manaus. Mestre em Ciências da Saúde (PPGCIS/UFAM). e-mail: denilsonveras55@gmail.com