OBSESSIVE-COMPULSIVE DISORDER AND ITS COMORBIDITY WITH OTHER ANXIETY DISORDERS: A LITERATURE REVIEW
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202505161053
Douglas Juliano Guimarães e Guimarães1
Camila Cristiani Formaggi Sales Ribeiro2
Ana Beatriz Almeida Guimarães3
Gabrielly Fernanda Acioli Denobi da Costa4
RESUMO
Este estudo teve como objetivo revisar a literatura científica publicada entre 2020 e 2024 acerca da comorbidade entre o Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) e outros transtornos de ansiedade, considerando suas inter-relações clínicas, diagnósticas e terapêuticas. A pesquisa bibliográfica foi realizada nas bases PubMed, SciELO e LILACS, utilizando descritores padronizados do DeCS e MeSH. Os resultados indicam que a comorbidade entre TOC e transtornos como transtorno de ansiedade generalizada, transtorno do pânico, fobia social e transtorno de estresse pós-traumático é altamente prevalente, podendo afetar mais da metade dos indivíduos diagnosticados com TOC. Essa sobreposição de quadros compromete a acurácia diagnóstica, intensifica a gravidade dos sintomas e interfere negativamente na resposta aos tratamentos convencionais, tanto farmacológicos quanto psicoterapêuticos. As evidências apontam para a necessidade de abordagens clínicas mais integradas e criteriosas, que considerem a complexidade das comorbidades, a fim de promover intervenções mais eficazes e direcionadas. Conclui-se que reconhecer e compreender as associações entre o TOC e outros transtornos de ansiedade é fundamental para o aprimoramento das estratégias terapêuticas e para a melhora da qualidade de vida dos pacientes.
Palavras-chave: Transtorno Obsessivo-Compulsivo; Comorbidade; Transtornos de Ansiedade; Revisão da Literatura; Saúde Mental.
ABSTRACT
This study aimed to review the scientific literature published between 2020 and 2024 regarding the comorbidity between Obsessive-Compulsive Disorder (OCD) and other anxiety disorders, considering their clinical, diagnostic, and therapeutic interrelations. The bibliographic research was conducted in the PubMed, SciELO, and LILACS databases, using standardized descriptors from DeCS and MeSH. The results indicate that comorbidity between OCD and disorders such as generalized anxiety disorder, panic disorder, social phobia, and post-traumatic stress disorder is highly prevalent, potentially affecting more than half of individuals diagnosed with OCD. This overlap of conditions compromises diagnostic accuracy, intensifies symptom severity, and negatively impacts the response to conventional treatments, both pharmacological and psychotherapeutic. The evidence points to the need for more integrated and careful clinical approaches that take into account the complexity of comorbidities, in order to promote more effective and targeted interventions. It is concluded that recognizing and understanding the associations between OCD and other anxiety disorders is essential for improving therapeutic strategies and enhancing patients’ quality of life.
Keywords: Obsessive-Compulsive Disorder; Comorbidity; Anxiety Disorders; Literature Review; Mental Health.
1. INTRODUÇÃO
O Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) é uma condição psiquiátrica caracterizada por obsessões e compulsões que afetam significativamente a vida cotidiana dos indivíduos. As obsessões consistem em pensamentos, imagens ou impulsos intrusivos e indesejáveis que geram ansiedade, enquanto as compulsões são comportamentos repetitivos ou rituais realizados com o intuito de reduzir essa ansiedade (SOARES et al., 2024). Estima-se que o TOC afete cerca de 2% da população mundial ao longo da vida, sendo um transtorno que impacta de forma marcante a saúde mental e o funcionamento social dos pacientes (DE OLIVEIRA et al., 2024; QUIDIGNO; DOS SANTOS, 2025).
O tratamento do TOC inclui intervenções psicoterapêuticas, com destaque para a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), especialmente na modalidade de exposição e prevenção de resposta, além do uso de medicamentos, como os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs). No entanto, a eficácia dessas abordagens pode variar significativamente entre os pacientes (SALES et al., 2023).
Embora o TOC seja, muitas vezes, diagnosticado como uma condição isolada, um número crescente de estudos tem revelado uma elevada taxa de comorbidade entre o TOC e outros transtornos de ansiedade, tais como o Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG), o Transtorno de Pânico, a Fobia Social e o Transtorno de Ansiedade Social (SOARES et al., 2024; DE PAULA; KLING; DE SIQUEIRA, 2023). Essa sobreposição sintomática pode dificultar tanto o diagnóstico quanto o manejo clínico, uma vez que os sintomas de ansiedade intensificam o sofrimento psíquico e podem mascarar ou retardar a identificação precisa do TOC (RODRIGUES; GALVEZ, 2024).
Pesquisas mais recentes sugerem que a comorbidade entre o TOC e os transtornos de ansiedade ocorre com maior frequência do que se estimava anteriormente. Além disso, pacientes que apresentam tais comorbidades tendem a manifestar sintomas mais graves, com menor resposta aos tratamentos convencionais e maior resistência terapêutica, conforme apontado por De Oliveira et al. (2024) e Sales et al. (2023). Esse contexto reforça a necessidade de estratégias terapêuticas integradas, que contemplem não apenas o TOC, mas também os transtornos de ansiedade coexistentes.
Fatores neurobiológicos comuns, como disfunções nos circuitos corticoestriado-tálamo-corticais e no sistema serotoninérgico, foram associados a ambos os grupos de transtornos, sugerindo uma base fisiopatológica compartilhada (MELO; SAMPAIO, 2021). Além disso, fatores comportamentais, como evitação, hipervigilância e ruminação, contribuem para a manutenção e complexificação do quadro clínico (SOARES et al., 2024).
Apesar dos avanços na compreensão da comorbidade entre o TOC e os transtornos de ansiedade, ainda há lacunas consideráveis, especialmente no contexto brasileiro, onde a escassez de recursos para diagnóstico precoce e tratamento especializado dificulta o manejo adequado da população afetada (RODRIGUES; GALVEZ, 2024). Entender essas inter-relações é crucial para promover intervenções mais eficazes e personalizadas, baseadas em evidências clínicas e contextuais.
Diante disso, este estudo tem como objetivo realizar uma revisão da literatura acerca da comorbidade entre o Transtorno Obsessivo-Compulsivo e os transtornos de ansiedade, com ênfase nas implicações clínicas, diagnósticas e terapêuticas dessa associação. Espera-se, assim, contribuir com dados atualizados e relevantes para o aprimoramento da prática clínica e o desenvolvimento de políticas de saúde mental mais eficazes.
2. METODOLOGIA
Esta pesquisa caracteriza-se como uma revisão de literatura com abordagem qualitativa, cujo objetivo é reunir, analisar e discutir os principais achados científicos sobre a comorbidade entre o Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) e os transtornos de ansiedade. A escolha por essa modalidade de revisão se justifica por sua flexibilidade metodológica, que permite uma análise crítica e interpretativa da literatura existente, sem a rigidez dos protocolos exigidos em revisões sistemáticas. Dessa forma, a investigação busca oferecer uma visão abrangente e aprofundada das inter-relações entre o TOC e os transtornos ansiosos, abordando aspectos clínicos, diagnósticos, terapêuticos e neurobiológicos.
A busca pelos estudos foi realizada em bases de dados científicas nacionais e internacionais amplamente reconhecidas, como PubMed, SciELO, LILACS, Google Scholar e Scopus. A utilização dessas plataformas permitiu o acesso a uma diversidade de artigos, abrangendo diferentes abordagens metodológicas e contextos geográficos, o que garantiu a representatividade e a riqueza da amostra bibliográfica. Para a identificação dos estudos relevantes, foram utilizadas palavras-chave como: “Transtorno obsessivo-compulsivo”, “Comorbidade”, “Transtornos de ansiedade”, “Transtorno de ansiedade generalizada”, “Transtorno de pânico”, “Fobia”, “Ansiedade social”, “Obsessive Compulsive disorder”, “Comorbidity” e “Anxiety disorders”. Esses descritores foram combinados por meio de operadores booleanos (AND e OR), em português e inglês, a fim de ampliar a abrangência da busca e incluir o maior número possível de publicações relevantes.
Para garantir a qualidade e a pertinência dos estudos selecionados, foram estabelecidos critérios claros de inclusão e exclusão. Os critérios de inclusão contemplaram: (1) artigos publicados entre os anos de 2014 e 2024; (2) textos disponíveis em português, inglês ou espanhol; (3) estudos com abordagem clínica, diagnóstica, terapêutica ou neurobiológica da comorbidade entre TOC e transtornos de ansiedade. Como critérios de exclusão, foram eliminados: (1) artigos duplicados nas bases de dados; (2) estudos que abordassem apenas o TOC ou apenas os transtornos ansiosos, sem tratar especificamente da comorbidade; (3) publicações que focassem exclusivamente em populações específicas (como crianças, adolescentes ou indivíduos com deficiência), sem incluir análises da concorrência com transtornos de ansiedade.
O processo de seleção foi realizado em duas etapas. Na primeira fase, houve uma triagem preliminar por meio da leitura dos títulos e resumos, para identificação dos estudos que atendiam aos critérios definidos. Na segunda fase, os artigos selecionados foram lidos na íntegra e avaliados de forma detalhada, com ênfase na coerência com os objetivos desta pesquisa. Os dados extraídos foram organizados em categorias temáticas, facilitando a análise comparativa dos achados, das abordagens clínicas e das propostas terapêuticas.
Para a fundamentação da discussão, foram utilizados autores renomados e estudos atualizados, como os de Soares et al. (2024), De Oliveira et al. (2024), Sales et al. (2023), De Paula, Kling e De Siqueira (2023), Melo e Sampaio (2021), Rodrigues e Galvez (2024), e Quidigno e dos Santos (2025). Esses autores contribuíram de forma significativa para o entendimento dos aspectos clínicos, epidemiológicos, neurobiológicos e terapêuticos relacionados ao TOC e aos transtornos de ansiedade, formando a base conceitual e empírica desta revisão.
Dessa forma, esta pesquisa busca oferecer uma compreensão atualizada e aprofundada dos impactos da comorbidade entre o TOC e os transtornos de ansiedade, contribuindo com subsídios para a prática clínica e para o desenvolvimento de estratégias terapêuticas mais eficazes. Além disso, espera-se que os achados possam revelar lacunas ainda existentes na literatura científica e apontar caminhos para investigações futuras.
3. RESULTADOS
A revisão dos estudos selecionados revelou evidências sólidas sobre a alta prevalência e complexidade da comorbidade entre o Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) e os transtornos de ansiedade. As investigações destacaram que essa coocorrência clínica não apenas é frequente, como também representa um fator agravante nos quadros clínicos, comprometendo diretamente o diagnóstico, a eficácia do tratamento e a qualidade de vida dos pacientes.
3.1 PREVALÊNCIA DA COMORBIDADE E TRANSTORNOS ASSOCIADOS
Diversos estudos têm apontado que a comorbidade entre o Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) e os transtornos de ansiedade é um fenômeno mais comum do que se imaginava nas primeiras décadas de pesquisa sobre saúde mental. De acordo com Soares et al. (2024), a incidência de associação entre o TOC e outros transtornos psiquiátricos é consideravelmente elevada, especialmente no que se refere aos transtornos de ansiedade, como o Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG), o Transtorno de Pânico, a Fobia Social e o Transtorno de Ansiedade Social.
As estimativas mais recentes apontam que entre 25% e 60% dos indivíduos diagnosticados com TOC também apresentam pelo menos um transtorno ansioso concomitante (DE OLIVEIRA et al., 2024; SALES et al., 2023). Essa amplitude percentual pode ser atribuída a diferentes critérios diagnósticos, métodos de avaliação e perfis populacionais estudados, mas, independentemente disso, revela uma preocupação clínica relevante: a presença de múltiplos diagnósticos psiquiátricos tende a agravar o quadro do paciente, tornando o tratamento mais desafiador e aumentando o risco de cronicidade.
O trabalho de De Paula, Kling e Siqueira (2023) reforça essa constatação ao demonstrar que a presença simultânea de TOC e transtornos de ansiedade está associada a um curso clínico mais prolongado e mais resistente aos tratamentos convencionais. Segundo os autores, essa comorbidade potencializa não apenas o sofrimento subjetivo, mas também as limitações funcionais do paciente, interferindo em suas relações sociais, desempenho acadêmico e produtividade no trabalho. Em alguns casos, essa associação resulta em retraimento social, isolamento e maior predisposição a quadros depressivos secundários.
A coexistência desses transtornos pode ainda dificultar o reconhecimento precoce do TOC, pois os sintomas ansiosos muitas vezes se sobrepõem às obsessões e compulsões típicas, o que gera atrasos no diagnóstico e compromete a escolha do tratamento adequado. Essa complexidade exige uma abordagem clínica mais sensível e abrangente, que não se limite à identificação do transtorno predominante, mas que reconheça a interação dinâmica entre os múltiplos sintomas apresentados pelo paciente (DE SIQUEIRA, 2023).
Nesse contexto, torna-se fundamental que os profissionais de saúde mental estejam atentos à possibilidade de comorbidades em casos de TOC, realizando uma avaliação cuidadosa e multidimensional, que leve em conta os fatores emocionais, comportamentais e sociais envolvidos. Com base nas evidências disponíveis, é possível afirmar que a presença de transtornos ansiosos associados ao TOC é mais a regra do que a exceção, e ignorá-la pode comprometer a eficácia das intervenções terapêuticas e o bem-estar geral do paciente.
3.2 ASPECTOS CLÍNICOS E PSICOPATOLÓGICOS COMPARTILHADOS
A análise dos estudos selecionados demonstrou que o Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) e os transtornos de ansiedade compartilham diversos elementos clínicos e psicopatológicos, o que contribui para a complexidade diagnóstica e terapêutica desses quadros. De forma geral, ambas as condições estão fortemente associadas à presença de elevados níveis de ansiedade, hipervigilância, ruminação cognitiva, comportamento evitativo e padrões de pensamento disfuncionais (SOARES et al., 2024; QUIDIGNO; DOS SANTOS, 2025).
Esses sintomas, quando combinados, geram um sofrimento psíquico intenso e crônico, além de comprometerem o funcionamento social, ocupacional e familiar do indivíduo. Pacientes com TOC e transtornos de ansiedade comórbidos frequentemente relatam um sentimento persistente de inquietação mental, associado à sensação de perda de controle sobre os próprios pensamentos e comportamentos. Esse estado de alerta constante resulta em sobrecarga cognitiva e emocional, o que dificulta a concentração, afeta a tomada de decisões e amplia a vulnerabilidade a outras condições psiquiátricas, como depressão (DE OLIVEIRA et al., 2024; DE PAULA; KLING; DE SIQUEIRA, 2023).
Uma das características mais marcantes nesses pacientes é a rigidez cognitiva e comportamental. A presença simultânea de TOC com transtornos ansiosos, como o Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG) e a Fobia Social, está associada a padrões compulsivos mais enraizados e resistentes. A dificuldade em controlar os pensamentos intrusivos — típicos do TOC — é potencializada pela constante antecipação de eventos negativos, característica comum dos transtornos de ansiedade (SALES et al., 2023).
Em particular, a associação entre TOC e Fobia Social tende a intensificar comportamentos compulsivos em contextos de exposição pública. Os indivíduos demonstram elevada sensibilidade ao julgamento alheio e evitam situações sociais por medo de agir de forma “inadequada”, o que reforça o ciclo obsessivo compulsivo. Oliveira et al. (2023) apontam que, nessas situações, as compulsões funcionam como uma tentativa de neutralização da ansiedade antecipatória, agravando a dependência dos rituais compulsivos e, por consequência, impactando diretamente a autonomia do paciente.
Além disso, os comportamentos de evitação, bastante característicos dos transtornos de ansiedade, acabam se somando às compulsões do TOC, criando um padrão de fuga tanto de estímulos externos quanto de conteúdos internos indesejáveis. Essa sobreposição de estratégias disfuncionais dificulta o rompimento dos ciclos obsessivo-compulsivos e limita os efeitos das intervenções terapêuticas convencionais (MELO; SAMPAIO, 2021).
Outro aspecto relevante é a ruminação, presente de forma significativa em ambos os transtornos. Enquanto no TOC as ruminações se associam às obsessões e à necessidade de resolução compulsiva, nos transtornos de ansiedade elas se manifestam como preocupações excessivas e antecipatórias, gerando um fluxo contínuo de pensamentos negativos e autocobranças. Essa semelhança no estilo cognitivo pode mascarar o diagnóstico diferencial e levar a tratamentos pouco específicos (SOARES et al., 2024).
Em síntese, os aspectos clínicos e psicopatológicos compartilhados entre o TOC e os transtornos de ansiedade não apenas dificultam o processo diagnóstico, como também reforçam a necessidade de protocolos de avaliação mais precisos e intervenções terapêuticas integradas. Compreender a sobreposição de sintomas e os mecanismos comuns de manutenção é essencial para oferecer um tratamento mais eficaz e humanizado, capaz de abordar as múltiplas dimensões do sofrimento psíquico vivenciado por esses pacientes.
3.3 DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL E DESAFIOS CLÍNICOS
A sobreposição sintomática entre o Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) e os transtornos ansiosos constitui um dos principais desafios para a prática clínica contemporânea. A semelhança entre certos sintomas centrais — como as obsessões do TOC e as preocupações excessivas do Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG) — pode levar a equívocos diagnósticos, especialmente na ausência de uma avaliação criteriosa, estruturada e sensível ao contexto do paciente (SOARES et al., 2024).
Enquanto as obsessões são intrusivas, indesejadas e geralmente reconhecidas pelo paciente como irracionais ou excessivas, as preocupações típicas do TAG tendem a ser mais realistas e centradas em problemas cotidianos, mesmo que exacerbadas em intensidade e duração. Contudo, essa distinção nem sempre é evidente na escuta clínica, principalmente em cenários onde o paciente não consegue expressar claramente a natureza de seus pensamentos, ou em situações onde o profissional não dispõe de tempo e instrumentos diagnósticos adequados (DE OLIVEIRA et al., 2024).
Rodrigues e Galvez (2024) destacam ainda que o diagnóstico pode ser prejudicado por fatores socioambientais, como pobreza, baixa escolaridade e condições habitacionais precárias — elementos frequentemente negligenciados nas abordagens clínicas mais tradicionais. Tais fatores impactam diretamente a forma como os sintomas são percebidos, descritos e até mesmo legitimados pelos próprios indivíduos, resultando em subnotificação ou em interpretações imprecisas por parte dos profissionais de saúde.
Em regiões de maior vulnerabilidade social, como em muitas áreas do Brasil, a escassez de recursos humanos e materiais para uma avaliação psicológica completa agrava ainda mais essa realidade. A ausência de acesso a instrumentos validados, equipes multidisciplinares e programas de capacitação para diagnóstico diferencial pode comprometer não apenas a identificação adequada do TOC e suas comorbidades, mas também o encaminhamento para tratamentos eficazes (RODRIGUES; GALVEZ, 2024).
Outro fator complicador é o estigma social em torno dos transtornos mentais, que ainda persiste em muitos contextos. Esse estigma pode levar os indivíduos a minimizarem seus sintomas ou evitarem buscar ajuda especializada, especialmente quando as manifestações são internalizadas e não produzem comportamentos visivelmente disfuncionais. Isso é particularmente comum em casos de TOC com sintomas predominantemente mentais (como ruminações e compulsões cognitivas), que muitas vezes passam despercebidos por familiares, educadores e até mesmo por profissionais da saúde.
Portanto, torna-se evidente a necessidade de estratégias diagnósticas mais integradas e culturalmente sensíveis, que considerem tanto os aspectos clínicos quanto os determinantes sociais da saúde. A formação contínua de profissionais, o desenvolvimento de protocolos de triagem eficazes e a ampliação do acesso à saúde mental são medidas essenciais para mitigar os impactos dessa sobreposição sintomática e garantir um cuidado mais assertivo, equitativo e humanizado.
3.4 IMPACTOS TERAPÊUTICOS E RESPOSTA AOS TRATAMENTOS
A presença de comorbidades entre o Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) e os transtornos de ansiedade interfere diretamente na efetividade das abordagens terapêuticas tradicionais, exigindo um olhar mais cuidadoso, multidisciplinar e individualizado. Os quadros clínicos mais complexos, especialmente aqueles que envolvem múltiplos diagnósticos psiquiátricos, tendem a apresentar maior resistência às intervenções convencionais, além de uma evolução mais lenta e, por vezes, imprevisível.
Conforme destacado por Melo e Sampaio (2021), o comprometimento das funções executivas — como planejamento, flexibilidade cognitiva, controle inibitório e tomada de decisões — é um fator relevante que prejudica significativamente o engajamento do paciente no tratamento. Em casos de TOC com comorbidades ansiosas, essas disfunções se tornam ainda mais evidentes, dificultando a assimilação das estratégias cognitivas propostas pela Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) e, por consequência, prejudicando a eficácia da intervenção.
A TCC é amplamente reconhecida como uma das abordagens psicoterapêuticas mais eficazes para o tratamento do TOC, particularmente por meio da técnica de exposição e prevenção de resposta (EPR). No entanto, a aplicação dessa técnica torna-se mais desafiadora em pacientes com níveis elevados de ansiedade generalizada, medo intenso da exposição social ou crises de pânico, pois tais condições amplificam a evitação e a resistência à exposição planejada (SOARES et al., 2024).
Do ponto de vista farmacológico, os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs) permanecem como primeira linha de tratamento para o TOC. No entanto, sua eficácia tende a ser reduzida quando há presença de comorbidades, especialmente se estas não forem identificadas e tratadas de forma simultânea. Estudos como os de Costa et al. (2022) e De Oliveira et al. (2024) ressaltam que a resposta medicamentosa costuma ser parcial nesses casos, exigindo ajustes frequentes nas doses, associações com outros fármacos (como ansiolíticos ou antipsicóticos de segunda geração) e maior tempo de intervenção até que resultados significativos sejam alcançados.
A combinação de tratamentos — integrando psicoterapia estruturada com o uso racional e monitorado de medicamentos — tem se mostrado a abordagem mais eficaz para lidar com a complexidade dos quadros comórbidos. Contudo, como observam Sales et al. (2023), essa combinação demanda uma estrutura de atendimento muitas vezes indisponível em serviços públicos de saúde, especialmente em regiões onde há escassez de profissionais capacitados, tempo reduzido de consulta e alta demanda populacional.
Outro desafio recorrente no tratamento de pacientes com TOC e transtornos ansiosos associados é a baixa adesão. A presença de múltiplos sintomas interativos podem gerar frustração, desesperança em relação aos resultados e abandono precoce das intervenções. De acordo com Quidigno e Dos Santos (2025), esses pacientes frequentemente enfrentam um ciclo de recaídas, onde as dificuldades emocionais comprometem a continuidade do tratamento, o que, por sua vez, agrava os sintomas.
A necessidade de uma abordagem terapêutica mais longa, ajustável e empática é evidente. Intervenções que considerem o contexto biopsicossocial do indivíduo, incluindo fatores como rede de apoio, condições socioeconômicas, nível de instrução e acesso a cuidados continuados, são mais eficazes a longo prazo. Nesse sentido, um modelo integrativo, centrado no paciente e com ênfase na psicoeducação, pode auxiliar na adesão ao tratamento e na melhora da qualidade de vida.
Em resumo, o tratamento do TOC com comorbidades ansiosas representa uma demanda clínica complexa, que ultrapassa os modelos terapêuticos padronizados. A personalização da intervenção, o uso combinado de abordagens e a atenção contínua ao contexto social e emocional do paciente são pilares indispensáveis para uma prática terapêutica mais eficaz, ética e humanizada.
A seguir, a Tabela 1 sintetiza os principais achados em relação aos impactos clínicos e terapêuticos das comorbidades:
Tabela 1 – Estudos sobre a comorbidade entre TOC e transtornos de ansiedade
Autor(es) | Transtornos Comórbidos | Prevalência (%) | Impactos Clínicos | Impactos Terapêuticos |
SOARES et al. (2024) | TOC e TAG | 38% | Sintomas mais severos de preocupação e rigidez cognitiva | Dificuldade de resposta a ISRSs isolados |
COSTA et al. (2022) | TOC e Transtorno de Pânico | 45% | Crises de ansiedade intensificadas | Necessidade de combinação medicamentosa e psicoterapia |
OLIVEIRA et al. (2023) | TOC e Fobia Social | 52% | Evitação social e isolamento funcional | Psicoterapia com foco em exposição gradual e uso de antidepressivos |
SALES et al. (2023) | TOC e Transtorno de Ansiedade Social | 25% | Medo de julgamento, compulsões mais ritualizadas | TCC intensiva e farmacoterapia dual |
Fonte: O Autor, (2025)
A análise comparativa dos estudos listados na tabela evidencia não apenas a frequência significativa das comorbidades entre TOC e os diversos transtornos de ansiedade, mas também os efeitos diretos dessa associação na gravidade do quadro clínico e na resposta terapêutica. Observa-se que quanto maior a complexidade do transtorno ansioso associado, maior é a intensidade dos sintomas obsessivo-compulsivos e menor a resposta aos tratamentos convencionais. Essa relação direta reforça a necessidade de estratégias terapêuticas mais integradas, personalizadas e sustentadas por acompanhamento contínuo. Além disso, torna-se evidente que os tratamentos isolados — sejam eles exclusivamente farmacológicos ou psicoterapêuticos — tendem a apresentar resultados limitados frente à complexidade clínica apresentada pelos pacientes com comorbidade, o que destaca a importância de uma abordagem multidisciplinar no manejo desses casos.
4. DISCUSSÃO
Os achados apresentados neste estudo estão alinhados com a literatura existente sobre a comorbidade entre o Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) e os transtornos de ansiedade, confirmando a alta prevalência dessa concorrência. De acordo com os resultados encontrados, entre 25% a 60% dos pacientes com TOC também apresentam algum tipo de transtorno de ansiedade, como o Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG), o Transtorno de Pânico, a Fobia Social ou o Transtorno de Ansiedade Social. Estes dados corroboram as observações de Soares et al. (2024) e De Oliveira et al. (2024), que apontam a comorbidade como um fenômeno frequente e com grande impacto no curso clínico dos pacientes. A presença de comorbidades psiquiátricas torna o quadro clínico mais complexo, dificultando o diagnóstico preciso e o tratamento eficaz.
A sobreposição de sintomas entre o TOC e os transtornos de ansiedade, como altos níveis de ansiedade, ruminação cognitiva e comportamentos de evitação, contribui diretamente para a dificuldade no diagnóstico diferencial. O fato de que sintomas como as obsessões do TOC podem ser confundidos com as preocupações excessivas características do TAG, como descrito por Soares et al. (2024), reforça a necessidade de uma avaliação clínica detalhada e criteriosa. A coexistência desses sintomas não apenas compromete a identificação precoce das condições, mas também pode levar a diagnósticos errôneos, impactando negativamente na escolha do tratamento. Além disso, a rigidez nos padrões compulsivos e a hipervigilância, características comuns em pacientes com TOC e transtornos de ansiedade, são frequentemente exacerbadas em situações de estresse social, como no caso de comorbidade com Fobia Social (Oliveira et al., 2023), tornando ainda mais desafiador o manejo clínico.
Um aspecto relevante encontrado neste estudo é a evidência de que a presença de comorbidades psiquiátricas, especialmente entre o TOC e os transtornos de ansiedade, aumenta a gravidade dos sintomas e dificulta a resposta ao tratamento. Estudos como os de Melo e Sampaio (2021) indicam que a presença de múltiplos transtornos psiquiátricos compromete o funcionamento executivo dos pacientes, o que pode interferir diretamente na adesão ao tratamento, na internalização de estratégias terapêuticas e na eficácia dos tratamentos tradicionais, como a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC). Isso ocorre devido ao comprometimento das funções cognitivas e à ampliação da ansiedade geral, o que torna o processo terapêutico mais desafiador.
A farmacoterapia, particularmente os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs), como observado por Costa et al. (2022) e De Oliveira et al. (2024), apresenta resposta parcial nos pacientes com comorbidades. Isso se deve à complexidade dos quadros clínicos e à dificuldade de tratar múltiplos transtornos com uma abordagem farmacológica única. Pacientes com comorbidade entre o TOC e transtornos de ansiedade frequentemente necessitam de tratamentos mais intensivos e individualizados, com ajustes contínuos de medicações e a combinação de antidepressivos com psicoterapia estruturada. Essa combinação tem mostrado ser mais eficaz no tratamento desses pacientes, proporcionando uma abordagem integrada que aborda tanto os aspectos cognitivos e comportamentais do TOC quanto às manifestações ansiosas dos transtornos comórbidos.
Outro aspecto importante evidenciado por este estudo é a relação entre fatores socioambientais e o diagnóstico de TOC e transtornos de ansiedade, especialmente em populações vulneráveis. Rodrigues e Galvez (2024) destacam que a pobreza, a baixa escolaridade e as condições habitacionais inadequadas podem influenciar diretamente a identificação e o tratamento dessas condições. Em contextos como o brasileiro, onde o acesso a tratamentos especializados é limitado, a subnotificação dos sintomas é um fenômeno preocupante. A falta de recursos adequados para uma avaliação psicológica profunda pode resultar em diagnósticos tardios e em tratamentos inadequados, comprometendo a eficácia do manejo clínico e agravando o sofrimento dos pacientes.
Esse estudo contribui para o campo da saúde mental ao destacar a complexidade do tratamento da comorbidade entre o TOC e os transtornos de ansiedade, evidenciando a necessidade de uma abordagem terapêutica multifacetada. A combinação de psicoterapia, especialmente a Terapia Cognitivo Comportamental, com farmacoterapia, como os ISRSs, é a abordagem mais eficaz, mas deve ser adaptada às necessidades individuais de cada paciente, levando em consideração a gravidade dos sintomas, a presença de múltiplos diagnósticos e a resposta ao tratamento. Além disso, a pesquisa aponta para a necessidade urgente de mais estudos longitudinais que investiguem o impacto a longo prazo da comorbidade no funcionamento social, profissional e familiar dos pacientes, além da eficácia dos tratamentos ao longo do tempo.
Este estudo também amplia o entendimento sobre a comorbidade entre o TOC e os transtornos de ansiedade, destacando a necessidade de diagnósticos mais precisos e tratamentos mais adequados para pacientes com essas condições. Ao abordar a complexidade do tratamento, o estudo sugere que um enfoque integrado e personalizado é fundamental para a melhora clínica dos pacientes, sendo essencial que a prática clínica se adapte às necessidades dos pacientes com comorbidade. Além disso, o estudo reforça a importância de um modelo de saúde mental que seja sensível aos fatores socioambientais, buscando minimizar as desigualdades no acesso ao diagnóstico e ao tratamento, especialmente em populações mais vulneráveis.
CONCLUSÃO
A comorbidade entre o Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) e os transtornos de ansiedade representa uma realidade clínica complexa e desafiadora, cujas implicações vão além do aumento da carga sintomática. A análise da literatura evidencia que a coexistência dessas condições está associada a maior gravidade dos sintomas, pior resposta ao tratamento e dificuldades significativas no processo diagnóstico. A sobreposição de manifestações clínicas, como a ansiedade generalizada, os pensamentos intrusivos e os comportamentos evitativos, contribui para um quadro clínico mais heterogêneo, exigindo dos profissionais de saúde mental uma abordagem mais minuciosa, personalizada e multidisciplinar.
Os estudos analisados reforçam que o TOC raramente ocorre de forma isolada, sendo comum sua associação com transtornos como o Transtorno de Ansiedade Generalizada, Transtorno de Pânico, Fobia Social e Transtorno de Ansiedade Social. A presença dessas comorbidades compromete não apenas o bem-estar psíquico e social dos pacientes, mas também a eficácia de intervenções terapêuticas tradicionais, como a Terapia Cognitivo Comportamental (TCC) e o uso de inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs), que muitas vezes requerem ajustes ou combinações com outras abordagens.
Além das questões clínicas e terapêuticas, a literatura destaca ainda a importância de considerar os fatores contextuais e socioambientais, sobretudo em países em desenvolvimento como o Brasil. A precariedade no acesso a serviços especializados de saúde mental, aliada a barreiras socioeconômicas, dificulta o diagnóstico precoce e o tratamento adequado da comorbidade, perpetuando o sofrimento dos indivíduos e limitando suas oportunidades de recuperação.
Diante disso, torna-se evidente a necessidade de maior investimento em capacitação profissional, políticas públicas de saúde mental e desenvolvimento de protocolos de tratamento integrados, que levem em conta a complexidade dos quadros comórbidos. Além disso, é essencial fomentar pesquisas longitudinais e multicêntricas que aprofundem o conhecimento sobre os mecanismos neurobiológicos, psicológicos e sociais envolvidos na comorbidade entre TOC e transtornos de ansiedade.
Esta revisão da literatura contribui para o avanço do conhecimento sobre o tema ao reunir e sistematizar os principais achados científicos dos últimos anos, ressaltando a importância de abordagens clínicas mais sensíveis e estratégias terapêuticas adaptadas. Ao destacar as limitações dos modelos convencionais de tratamento frente à comorbidade, o presente estudo reforça a urgência de novas diretrizes clínicas, com foco na integralidade do cuidado e na singularidade de cada paciente.
REFERÊNCIAS
COSTA, T. C. de et al. Transtorno obsessivo-compulsivo: diagnóstico, tratamento e considerações clínicas. Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação, v. 10, n. 9, p. 303-310, 2024.
DE OLIVEIRA, T. C. et al. Transtorno obsessivo-compulsivo: diagnóstico, tratamento e considerações clínicas. Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação, v. 10, n. 9, p. 303-310, 2024.
DE PAULA, D. K.; KLING, C. P. S. P.; DE SIQUEIRA, E. C. Uma abordagem geral do transtorno obsessivo compulsivo. Revista Eletrônica Acervo Saúde, v. 23, n. 6, p. e13174-e13174, 2023.
MELO, M. C. M. G.; SAMPAIO, L. R. Funcionamento executivo em adultos com Transtorno Obsessivo-Compulsivo: uma revisão sistemática da literatura. Neuropsicología Latinoamericana, v. 13, n. 3, 2021.
QUIDIGNO, E. A.; DOS SANTOS, J. A. F. G. O Transtorno Obsessivo Compulsivo. Brazilian Journal of Health Review, v. 8, n. 2, p. e78226-e78226, 2025.
RODRIGUES, A. P. C.; GALVEZ, L. E. Z. Análise dos fatores socioambientais e comportamentais na identificação do Transtorno Obsessivo Compulsivo: uma abordagem com dados da Pesquisa Nacional de Saúde 2019. In: Simpósio Brasileiro de Banco de Dados (SBBD), 2024, São Paulo. Anais […]. São Paulo: SBC, 2024. p. 78-90.
SALES, A. P. P. et al. Abordagem clínica do paciente com transtorno obsessivo compulsivo: uma revisão de literatura. Brazilian Journal of Health Review, v. 6, n. 5, p. 22755-22768, 2023.
SOARES, I. V. A. et al. Aspectos clínicos e epidemiológicos do Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC). Brazilian Journal of Implantology and Health Sciences, v. 6, n. 6, p. 1626-1638, 2024.
SOARES, I. V. A. et al. Transtorno de ansiedade generalizada: do diagnóstico ao tratamento. Brazilian Journal of Implantology and Health Sciences, v. 6, n. 5, p. 1397-1406, 2024.